RESUMO: O artigo 102, § 1°, da Constituição de 1988 instituiu uma ação judicial específica para a proteção dos preceitos fundamentais. Este trabalho tem por objeto a identificação desses preceitos, bem como e conceituação do instituto. As principais conclusões foram: (1) Os preceitos fundamentais são os princípios e regras basilares da CRFB. Eles tipificam o sistema jurídico brasileiro, sendo de peculiar importância o respeito e preservação de tais normas; (2) referidos preceitos necessitam preencher, simultaneamente, dois requisitos: (2.1) quanto à hierarquia normativa, devem amoldar-se ao conceito de constituição formal; (2.2) quanto ao conteúdo, devem se enquadrar no conceito de constituição material.
Palavras chaves: preceito fundamental; controle de constitucionalidade; arguição de descumprimento de preceito fundamental; preceito fundamental.
SUMÁRIO: 1 – INTRODUÇÃO. 2 – ADPF: VISÃO GERAL. 3 – PRECEITOS FUNDAMENTAIS. 3.1 – Significado da Expressão “Preceito”. 3.2 – Significado da Expressão “Decorrente desta Constituição”. 3.3 – A não positivação de um conceito ou rol de preceitos fundamentais. 3.4 – Identificação dos Preceitos Fundamentais e Conceituação da Expressão. 4 – CONCLUSÕES. REFERÊNCIAS.
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), em seu artigo 102, § 1º, prevê a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), que foi regulamentada pela Lei N° 9.882, de 03 de dezembro de 1999.
A ADPF é uma ação de cunho constitucional, que tem como um de seus pressupostos a existência de ameaça ou lesão a preceito fundamental. Ausente esse requisito, o Supremo Tribunal Federal (STF) não pode admitir a referido processo. Aliás, mais do que um mero requisito, o objetivo da arguição é justamente evitar ou reparar tais lesões.
Ocorre que nem a CRFB, nem a Lei n° 9.882/99 conceituam o que seria preceito fundamental ou estabelecem o rol de disposições que podem ser assim qualificadas. O STF não fixou todos os contornos do instituto. Também não existe consenso na doutrina quanto às normas que podem receber tal qualificação.
Razões pelas quais esse trabalho pretende identificar as normas que o § 1º do art. 102 da CRFB pretendeu abarcar ao utilizar o termo “preceito fundamental”.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é uma ação constitucional positivada no § 1º do art. 102 da Constituição da República, nos seguintes termos:
Art. 102. (...) § 1º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93)
Trata-se de instituto criado pelo direito brasileiro na Constituição de 1988. Como o texto constitucional estabeleceu que o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciaria a arguição “na forma da lei”, a referida Corte entendeu que se tratava de norma de eficácia limitada, isto é, de norma que dependeria da superveniência de uma lei, estruturando o instituto, para que esse pudesse ser utilizado.
EMENTA: (...) 1. O § 1º do art. 102 da Constituição Federal de 1988 é bastante claro, ao dispor: "a argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei". 2. Vale dizer, enquanto não houver lei, estabelecendo a forma pela qual será apreciada a argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente da Constituição, o S.T.F. não pode apreciá-la. 3. Até porque sua função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, "caput"). E é esta que exige Lei para que sua missão seja exercida em casos como esse. Em outras palavras: trata-se de competência cujo exercício ainda depende de Lei. 4. Também não compete ao S.T.F. elaborar Lei a respeito, pois essa é missão do Poder Legislativo (arts. 48 e seguintes da C.F.). (...) 6. Não incide, no caso, o disposto no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual “quando a lei for omissa, o Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. É que não se trata de lei existente e omissa, mas, sim, de lei inexistente. 7. Igualmente não se aplica à hipótese a 2a. parte do art. 126 do Código de Processo Civil, ao determinar ao Juiz que, não havendo normas legais, recorra à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, para resolver lide "inter partes". Tal norma não se sobrepõe à constitucional, que, para a argüição de descumprimento de preceito fundamental dela decorrente, perante o S.T.F., exige Lei formal, não autorizando, à sua falta, a aplicação da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito". (...)
(STF. Pet 1140 AgR/ TO – TOCANTINS. Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES. Julgamento: 02/05/1996. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 31-05-1996 PP-18803; EMENT VOL-01830-01 PP-00001. Decisão: “Por votação unânime, o Tribunal negou provimento ao agravo regimental”. Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia. Acesso: 03/11/2016.)
Essa regulamentação veio onze anos após a promulgação da Constituição de 1.988. Trata-se da Lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental e, em seu artigo 1º, prescreve:
Art. 1º A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (Vide ADIN 2.231-8, de 2000)
II – (VETADO)
Como bem explica o Min. GILMAR FERREIRA MENDES, “...os preceitos fundamentais identificáveis na Constituição” constituem o parâmetro de controle na ADPF (MENDES, 2016, p. 1298/1299).
A arguição (1) permite “...a antecipação das decisões sobre controvérsias constitucionais relevantes”, (2) possibilita a solução de controvérsias “...sobre a legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em face da Constituição”, o que antes somente era possível mediante recurso extraordinário e, (3) em razão da eficácia erga omnes e do efeito vinculante que possuem, as decisões na ADPF fornecem “...a diretriz segura para o juízo sobre a legitimidade ou ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados pelas diversas entidades municipais” (MENDES, 2016, p. 1296).
Podem propô-la aqueles que são “legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade” (Lei n. 9.882/1999, art. 2º, inc. I), cujo o rol está no art. 103, incs. I a IX, da CRFB[1].
Nesse ponto, cumpre destacar que qualquer cidadão pode “mediante representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República”. Entretanto, a própria Lei n. 9.882/1999 deixa claro que a referida solicitação não vincula o PGR ao dispor que a autoridade, “examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo” (art. 2º, § 1º).
O § 1º do art. 4º da Lei n° 9.882/1999 deu caráter de subsidiário à ADPF, ao estabelecer que “não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”.
LUÍS ROBERTO BARROSO explica que existem três pontos de vista a respeito do mencionado caráter subsidiário (BARROSO, 2006, p. 251 e ss.):
(1º) Não aceitar esse caráter subsidiário, por entender que o art. 102, § 1º, da Constituição não autorizou que o legislador restringisse o conteúdo da arguição;
(2º) Entender a subsidiariedade corresponde à “... inadmissibilidade da ADPF sempre que cabível outro processo objetivo – como a ação direita de inconstitucionalidade por ação ou omissão e a ação declaratória de constitucionalidade – ou mesmo ações individuais ou recursos”.
(3º) Não caberia a arguição quando fosse possível a utilização de outra ação objetiva de controle de constitucionalidade[2], de forma que o cabimento de processos ordinários ou recursos extraordinários não impediriam, a priori, a utilização da ADPF.
Os dois primeiros pontos de vistas pecam pelo exagero. Entender que uma lei infraconstitucional não poderia estabelecer caráter subsidiário à ADPF não encontra respaldo no sistema jurídico nacional, pois (a) é frequente a disciplina infraconstitucional de direitos e garantias constitucionais e (b) quando essas leis disciplinam ações constitucionais como o mandado de segurança, a ação popular e a ação civil pública, elas dispõem a respeito de aspectos como “decadência do direito, direito de propositura, objeto, efeitos da decisão, dentre outros aspectos que não são estritamente processuais” (BARROSO, 2006, p. 252).
Por outro lado, tornaria a arguição inócua entender que ela é subsidiária mesmo em relação a ações individuais ou recursos. Isso porque “... na prática, dificilmente deixará de haver no arsenal do controle concentrado ou do controle difuso a possibilidade, em tese, de utilizar-se alguma ação ou recurso contra o ato a ser questionado”. Além disso, “... a demora inevitável no esgotamento de todas as outras vias compromete, naturalmente, os objetivos visados pela argüição, dentre os quais o de se evitar a incerteza trazida por decisões contraditórias e de promover a segurança jurídica”. (BARROSO, 2006, 253-54).
Razão pela qual, atualmente, no STF, prevalece o terceiro ponto de vista. De forma que, conforme decidido na ADPF 33, “...a existência de processos ordinários e recursos extraordinários não deve excluir, a priori, a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude da feição marcadamente objetiva dessa ação”[3].
Trecho voto do Relator, Min. Gilmar Mendes, na ADPF 33:
...se se considera o caráter enfaticamente objetivo do instituto (o que resulta inclusive da legitimação ativa), meio eficaz de sanar a lesão parece ser aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata.
( ... )
...tendo em vista o perfil objetivo da argüição de descumprimento, com legitimação diversa, dificilmente poder-se-á vislumbrar uma autêntica relação de subsidiariedade entre o novel instituto e as formas ordinárias ou convencionais de controle de constitucionalidade do sistema difuso, expressas, fundamentalmente, no uso do recurso extraordinário[4].
... ainda que, aparentemente, pudesse ser o recurso extraordinário o meio eficaz de superar eventual lesão a preceito fundamental nessas situações, na prática, especialmente nos processos de massa, a utilização desse instituto do sistema difuso de controle de constitucional idade não se revela plenamente eficaz, em razão do limitado efeito do julgado nele proferido (decisão com efeito entre partes).
Assim sendo, é possível concluir que a simples existência de ações ou de outros recursos processuais – vias processuais ordinárias – não poderá servir de óbice à formulação da argüicão de descumprimento. Ao contrário, tal como explicado, a multiplicação de processos e decisões sobre um dado tema constitucional reclama, as mais das vezes, a utilização de um instrumento de feição concentrada, que permita a solução definitiva e abrangente da controvérsia.
Nesse sentido, as formas de controle concreto de constitucionalidade não impedem a propositura dessa arguição, pois, por exemplo, ADI interventiva não é uma forma de controle difuso de constitucionalidade (mas concentrado) e seria um absurdo falar que não cabe ADPF numa questão por caber ADI interventiva. Amoldam-se a esses casos as seguintes situações:
(1) controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo anterior à Constituição de 1.988 (Min. Celso de Mello, em decisão monocrática de 2007; MENDES, 2006, p. 1308[5]);
(2) lei ou ato normativo municipal (MENDES, 2016, p. 1308);
(3) atos normativos secundários ou infralegais (BARROSO, 2006, p. 268);
(4) medida provisória rejeitada, tendo por objeto as relações constituídas durante a sua vigência, conforme expõe Gilmar MENDES, explicando que o STF já admitiu arguição (ADPF 84) com tal objeto (MENDES, 2007, 78-79);
(5) demais atos normativos emanados da Administração Pública;
(6) declaração de constitucional idade de lei ou ato normativo estadual ou municipal (MENDES, 2007, p. 72);
(7) lei ou ato normativo pós-constitucional que se encontra revogado (STF, ADPF 33[6] e MENDES, 2007, p. 78) ou “cujos efeitos já se exauriram” (MENDES, 2016, p. 1308);
(8) “... ato judicial de interpretação direta de um preceito fundamental” quando essa interpretação viola a norma constitucional (MENDES, 2007, p. 72, e ADPF 101[7]). Segundo GILMAR MENDES essa hipótese refere-se a casos que “envolvam aplicação direta da constituição”. Tais casos seriam de (a) “alegação de contrariedade à Constituição decorrente de decisão judicial” ou de (b) “controvérsia sobre interpretação adotada pelo Judiciário que não cuide de simples aplicação de lei ou ato normativo infraconstitucional”.
(9) decisão judicial sem base legal ou fundada em falsa base legal (MENDES, 2007, p. 73);
(10) quando a pretensão é de que seja “...declarada a constitucionalidade de lei estadual ou municipal que tenha sua legitimidade questionada nas instâncias inferiores” (MENDES, 2016, p. 1308);
(11) “...nas controvérsias relacionadas ao princípio da legalidade (lei ou regulamento)” (MENDES, 2016, p. 1308).
As leis federais que tratam de matérias que a nova Constituição passa a atribuir a competência aos estados ou aos municípios subsistem, municipalizadas ou estadualizadas, até que o ente que passou a ter a competência edite a respectiva lei. Nesses casos, cabe ADPF quando se busca a declaração de inconstitucionalidade de lei federal que teve a competência municipalizada (situação que escapa ao controle por ADI) ou quando se busca a declaração da constitucionalidade de lei federal que teve a competência municipalizada ou estadualizada (situações que escapam ao controle por ADC).[8]
Questão polêmica no STF é se a omissão (total ou parcial) na atuação legislativa pode ser objeto de arguição. No julgamento da ADPF 4[9], que trata de um caso de omissão parcial do legislador por estipular um valor insuficiente para o salário mínimo, a Corte decidiu, por 6 (seis) votos a 5 (cinco) no sentido de conhecer da ação. No entanto, como se trata de julgamento apertado e ocorrido a muito tempo (a conclusão do julgamento dessa questão preliminar ocorreu em 17/04/2002), tendo a composição da o STF se alterado bastante de lá para cá, parece que a questão encontra-se aberta.
Destaca-se que muitas outras possibilidades de utilização da ADPF podem ser descobertas com o amadurecimento do instituto, pois a lei foi extremamente genérica ao se referir a “ato do Poder Público” (art. 1°, caput).
No entanto, deve-se ter a cautela de sempre se levar em conta que a ADPF busca proteger os valores constitucionais mais importantes. Motivo pelo qual essa arguição não pode ser utilizada como remédio para todos os males ou como mera forma de se buscar um pronunciamento direto do STF, tolhendo a atuação das instâncias ordinárias. [10]
Quanto às espécies de ADPF, ao menos duas classificações podem ser elencadas. Uma diferencia a argüição de descumprimento em razão do seu objeto, pela qual existem: (I) ADPF preventiva: busca evitar a lesão a preceito fundamental e (II) ADPF repressiva: tem a finalidade de reparar uma lesão que já se operou (Alexandre de MORAES, 2007, p. 755-57).
A outra – de maior relevância prática – refere-se a forma pela qual a questão constitucional foi levada ao Supremo Tribunal Federal, subdividindo as arguições em: (I) autônoma: quando a questão é levada ao STF de forma completamente desvinculada a qualquer caso concreto ou (II) incidental: quando a questão chega a Corte Superior paralelamente e em razão de uma lide em curso.
A autônoma é prevista no art. 1, caput, da Lei N° 9.882/99 (BARROSO, 2006, p. 247). A incidental, por sua vez, decorre do art. 1°, p., inc. I c/c art. 6°, § 1°, da lei em comento.
A última pode ser proposta “quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (art. 1°, p., inc. I). Deve existir “controvérsia judicial ou jurídica relativa à constitucionalidade da lei ou à legitimidade do ato para a instauração” da ADPF (MENDES, 2006, p. 1304). Ela pressupõe “a existência de um litígio, de uma demanda concreta já submetida ao Poder Judiciário” (BARROSO, 2006, p. 247/248).[11]
A controvérsia judicial aqui tratada deve ser interpretada como uma “...controvérsia jurídica relevante, capaz de afetar a presunção de legitimidade da lei ou da interpretação judicial adotada[12] e, por conseguinte, a eficácia da decisão legislativa” (MENDES, 2006, p. 1305).
Por ela “eventuais processos em tramitação ficarão sujeitos à suspensão liminar de seu andamento ou dos efeitos da decisão acaso já proferida (art. 5°, § 3°[13]), bem como à tese jurídica que venha a ser firmada, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento final da ADPF, que terá eficácia erga omnes e vinculante (art. 10, § 3°)” (BARROSO, 2006, p. 248-49).
Porém, deve-se destacar que nesta espécie de arguição, “o caso concreto pendente será julgado pelo juiz ou tribunal competente e que já exercia jurisdição sobre a causa; nem um nem outro poderá, todavia, ignorar a premissa lógica estabelecida na decisão da arguição” (BARROSO, 2006, p. 249).
Portanto, como já visto, “mesmo na argüição incidental, o pedido não versará acerca da providência material em última análise desejada, mas terá por conteúdo a fixação das ‘condições e do modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental’ (art. 10[14])” (BARROSO, 2006, p. 262).
Dessa forma, a ADPF tida com incidental não é um incidente que ocorre dentro de um processo (um caso concreto), mas uma verdadeira ação autônoma promovida perante o STF, no transcorrer de um processo que corre perante outro juízo ou tribunal. O processo que corre perante o STF é objetivo, tendo sua decisão eficácia erga omnes e efeito vinculante. Razão pela qual, talvez fosse melhor chamá-la de ADPF surgida em razão de um caso concreto.
Ademais, o STF pode conceder liminar tanto na ADPF autônoma, quanto na incidental, já que o art. 5º da Lei n.º 9.882/99, que trata da concessão de liminares, não afirmou que suas disposições só se aplicam a uma dessas espécies de arguição.[15]
3.1 – Significado da Expressão “Preceito”
Como visto, nem Constituição da República, nem na Lei N° 9.882/1999 trouxeram o conceito do que é preceito fundamental ou o rol de disposições que podem receber tal designação. ANDRÉ RAMOS TAVARES noticia que “...não se encontra na doutrina qualquer referência expressa a uma modalidade de preceito como espécie ou gênero autônomo de normas ou de princípios, ou mesmo de regras” e acrescenta que “não há uma categoria genérica e diretamente denominada como ‘preceitos’, encontrável nas várias classificações tipológicas apresentadas pelos mais diversos autores” (TAVARES, 2001, p. 116).
Esse mesmo autor percorre caminho interessante para interpretar o significado da expressão, nos seguintes termos:
... com THOMAS RANSOM GILES, em seu Dicionário de Filosofia, tem-se dois significados sugeridos para o termo "preceito", ambos indicando a sua finalidade com a idéia de algo que contém prescrições: "Preceito 1. Aquilo que é dado para servir de regra (máxima, princípio) de ação ou de conduta, sobretudo de conduta, moral ou religiosa. 2. Aquilo que é aceito como princípio regulatório ou funcional na organização e direção da conduta".
Assim é que a idéia de "preceito", como se depreende de ambos os significados apresentados, está acirradamente ligada àquilo que regula a conduta (esta está referida expressamente nos dois conteúdos desenvolvidos para o verbete). Ora, a regulamentação da conduta dá-se por meio de normas, em especial de regras, mas também pelos princípios, tomadas estas últimas expressões na sua significação restritiva aqui adotada. A definição acaba por misturar ambos (princípios e regras, no estrito sentido jurídico aqui adotado), porque na realidade o enfoque e a preocupação está em acentuar que se trata de vocábulo preso à idéia de prescricão de algo. Neste sentido, “preceito” estaria praticamente equiparado a “norma”, no sentido de conjunto de regras e princípios.
Aliás, essa orientação filosófica encontra-se amparada na própria etimologia do vocábulo, recurso sempre útil na elucidação de acepções possíveis: “PRECEITO. Derivado do latim praeceptum exprime a ordem, a regra ou o mandado que se deve observar e guardar".
Dentro do campo jurídico, encontra-se a seguinte orientação para o termo, no traçado conferido por MARIA HELENA DINIZ: "PRECEITO. 1. Teoria Geral do direito. a) Norma jurídica; b) norma que deve ser observada e seguida”.
Nos quadrantes do Direito, portanto, a noção de preceito ancora-se na idéia de “ordem”, “mandamento”, “comando”, identificando-se. uma vez mais, com o sentido que se encontra tanto em regras como em princípios.
Parece, pois, que “preceito” engloba tanto as regras quanto os princípios. Assim, toma-se sinônimo de “norma” no sentido empregado acima, insista- se, designativo das regras e princípios jurídicos.
(TAVARES , 2001 , p.116-117)
O tradicional dicionário AURÉLIO conceitua preceito como “1. Regra de proceder; norma. 2. Ensinamento, doutrina. 3. Ordem, determinação, prescrição. 4. ( ... )” (FERREIRA, 1999. p. 1623).
O Ministro EROS ROBERTO GRAU, por sua vez, no julgamento da ADPF 33, manifestou o seguinte entendimento: “...para mim, preceito é princípio e regra; ou seja, preceito ou norma é gênero, espécies são princípios e regras”.
No mesmo sentido, GILMAR MENDES levando em conta “as interconexões e interdependências dos princípios e regras”, conclui que “...talvez não seja recomendável proceder a uma distinção entre essas duas categorias, fixando um conceito extensivo de preceito fundamental, abrangente das normas básicas contidas no texto constitucional” (MENDES, 2016, p. 1327).
À luz do exposto, entende-se aqui que o legislador constituinte utilizou-se da expressão “preceito” como sinônimo de “norma jurídica”, categoria que é composta por “regras” e “princípios” jurídicos.
3.2 – Significado da Expressão “Decorrente desta Constituição”
Os preceitos fundamentais decorrem da Constituição, por esse motivo, não podem originar-se de qualquer norma infraconstitucional.[16]
ANDRÉ RAMOS TAVARES afirma que a expressão “decorrente” enfatiza que podem ser preceitos fundamentais aqueles “não diretamente encontráveis” no texto constitucional, o que não afasta “todo aquele segmento de preceitos fundamentais diretamente insculpidos no Texto Maior”. Assim, “preceitos decorrentes da Constituição são todos aqueles expressos da Constituição e todos aqueles ligados à idéia central desta, embora não expressamente consignados” (TAVARES, 2001, p. 159).[17]
A conclusão é de que os preceitos fundamentais têm matriz, expressa ou implícita, na CRFB – somente nela.
3.3 – A não positivação de um conceito ou rol de preceitos fundamentais
A preocupação em estabelecer o rol de normas que são abrangidas pelos chamados “preceitos fundamentais” existiu em momento anterior a aprovação da Lei N° 9.882/99, conforme pode ser constatado nos fatos históricos que influenciaram decisivamente a elaboração da mencionada lei, destacados, de forma resumida, abaixo.
(1) Por intermédio da Portaria n. 572, de 04/07/1997, o então Ministro da Justiça, Sr. Íris Rezende, instituiu Comissão destinada a elaborar estudos e anteprojeto de lei para disciplinar a ADPF. Essa Comissão era composta pelos Professores Celso Ribeiro Bastos (presidente), Arnoldo Wald, Ives Gandra Martins, Oscar Dias Corrêa e Gilmar Ferreira Mendes. O anteprojeto, acompanhado de relatório, foi encaminhado ao Ministro da Justiça em 20/11/1997 (MENDES, 2007, p. 3-5).
Em relação a esse projeto, destaca-se que: (a) em suas fases iniciais, ele enumerava, de forma exemplificativa, os preceitos fundamentais decorrentes da Constituição, quais sejam: (I) soberania nacional; (II) estado democrático de Direito; (III) separação e harmonia entre os poderes; (IV) dignidade dos poderes; (V) dignidade da pessoa humana; (VI) isonomia; (VII) não-subalternização das funções jurisdicionais; (VIII) legalidade e moralidade administrativa; (IX) buscada economicidade na Administração; (X) acesso ao Judiciário e ampla defesa; (b) apesar disso, um dos membros da Comissão, o Dr. Ives Gandra combateu esse caráter exemplificativo. Para ele, isso permitiria ao Presidente invocar “...relevância (no caso, fundamentalidade) da questão (vale dizer, do preceito)”, de forma similar a alegação de relevância e urgência que faz quando edita Medidas Provisórias, o que imporia ao STF a apreciação a arguição; (c) por cautela, foi suprimida a referência ao caráter exemplificativo; (d) Porém, Gilmar Mendes continuava “... sugerindo a exclusão de todo o art. 2°, que dispunha sobre os preceitos fundamentais em espécie”; (e) posteriormente, também foi retirado esse dispositivo da redação do anteprojeto (essas informações foram obtidas em TAVARES, 2001, p. 25/28).
(2) Ocorre que “...desde março de 1997 tramitava no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 2.872, de autoria da ilustre Deputada Sandra Starling, objetivando, também, disciplinar o instituto da ADPF, sob o nomen júris de reclamação” (MENDES, 2007, p. 5).
Este outro projeto era composto de apenas três artigos. O art. 1º afirmava caber a referida reclamação “quando ocorrer descumprimento de preceito fundamental do texto constitucional, em face de interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas Casas, ou comum, no processo legislativo de elaboração de normas previstas no art. 59 da Constituição”.
Essa era a única finalidade que este projeto dava a arguição. Além disso, nem nesse artigo, nem nos dois outros existentes são ditos quais são o que e/ou quais seriam esses preceitos fundamentais do texto constitucional.
(3) “Em 4 de maio de 1.998 o projeto da Deputada SANDRA STARLlNG recebeu parecer favorável do Deputado PRISCO VIANA, então relator, sugerindo sua aprovação na forma” de um substitutivo, de autoria do referido Deputado. Esse último documento “...teve inspiração ampla e irrestrita na proposta apresentada pela Comissão Celso Bastos” (TAVARES, 2001, p. 31).
(4) O substitutivo foi “...aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, e Redação, da Câmara dos Deputados, referendado pelo Plenário da Câmara e, posteriormente, pelas Comissões e Plenário do Senado Federal” (TAVARES, 2001, p. 32).
(5) A finalidade que a Deputada Sandra Starling pretendia dar a ADPF não prosperou, porque o Presidente da República vetou o dispositivo que buscava criar a ADPF nos moldes pretendidos pela referida Parlamentar.
(6) Em suma, no texto da Lei N° 9.882/1999 não consta qualquer definição ou conceito de preceitos fundamentais, nem rol – exemplificativo ou taxativo – desses preceitos.
Acredita-se que o legislador infraconstitucional perdeu uma grande oportunidade de enumerar, exemplificativamente, os preceitos fundamentais. Tal rol traria um norte maior para o instituto. Além disso, o legislador é um interprete legítimo da Constituição. As leis são feitas para concretizar os comandos e as políticas estabelecidas na CRFB. Quando se vai fazer uma lei, ela deve ser elaborada de acordo com essa Constituição.[18]
Prova dessa viabilidade foi a regulamentação legal dada ao art. 102, § 3°, da CRFB (parágrafo acrescido pela EC N° 45/2004).[19] No caso, a demonstração da repercussão geral é um requisito constitucional de admissibilidade do recurso extraordinário. A referida repercussão é um instituto constitucional, que foi regulamentado inicialmente no art. 543-A do Código de Processo Civil de 1973 e, atualmente, no art. 1.035 do Código de Processo Civil[20].
Referidas normas conceituaram e exemplificaram o que vem a ser repercussão geral. STF, em decisão plenária, já se apoiou no citado art. 543-A, § 1°, do CPC, para conceituar o que seja repercussão geral das questões constitucionais suscitadas em um Recurso Extraordinário, afirmando que a disciplina dada se aplica, inclusive, aos Recursos Extraordinários que versam sobre matéria criminal.[21]
Da mesma forma, o fato da expressão “preceito fundamental” ser conceito de índole constitucional, bem como de as normas que se incluem dentro de tal conceito serem encontradas dentro da CRFB, de forma expressa ou implícita, não são impede que o legislador infraconstitucional identifique, exemplificativamente, tais normas.
Seria inadequado e inconstitucional o legislador, por intermédio de lei, elaborar um rol taxativo desses preceitos. Inadequado, porque representaria um engessamento do conceito. Inconstitucional, porque impediria que o STF viesse a entender, por intermédio da construção jurisprudencial, quais normas constitucionais não elencadas nesse rol são preceitos fundamentais. Não é aceitável que o Guardião da Constituição (CRFB, art. 102) sofra esse tipo de restrições.
3.4 – Identificação dos Preceitos Fundamentais e Conceituação da Expressão
O objetivo deste tópico não é fácil de ser tateado. Ante a ausência de definição na CRFB e na legislação infraconstitucional, existem diversas perspectivas doutrinárias a respeito do instituto.
O STF já manifestou entendimento de que “compete ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental”[22].
Como se verá adiante, a referida Corte já alocou algumas normas constitucionais entre esses preceitos. No entanto, não estabeleceu um conceito ou um rol preciso de quais seriam os princípios e regras constitucionais que se enquadrariam no instituto. Consequentemente, até que o STF se pronuncie “...acerca do efetivo alcance da expressão preceitos fundamentais, ter-se-á de assistir o debate entre os defensores de uma intepretação mais ampla e aberta e os defensores de uma leitura restritiva e fechada do texto constitucional” (MENDES, 2016, p. 1299).
Como já tratado, preceito é sinônimo de norma. Essa é um gênero do qual as “regras” e os “princípios” são espécies. A expressão “decorrente desta Constituição”, também prevista no aludido § 1º do art. 102 da CRFB, significa que as regra ou princípio em questão devem estar presente Constituição de 1.988, de forma expressa ou implícita.
Porém, resta abordar o significado do adjetivo “fundamental” que consta no referido §1º do art. 102. Tal adjetivo deixa claro que não é qualquer norma constitucional que autoriza o ajuizamento da ADPF. Se assim não fosse, bastaria mera referência a “preceito” ou a “norma” ou mesmo a “princípios e normas”, sem se utilizar do adjetivo “fundamental”.
Assim, “a expressão ‘preceito fundamental’ importa no reconhecimento de que a violação de determinadas normas (...) traz maiores conseqüências ou traumas para o sistema jurídico como um todo” (BARROSO, 2006, p.250).
Intuitivamente, preceito fundamental não corresponde a todo e qualquer preceito da Constituição. Por outro lado, impõe-se reconhecer, por força do princípio da unidade, que inexiste hierarquia entre as normas constitucionais. Nada obstante, é possível distinguir entre os conceitos de Constituição material e Constituição formal, e, mesmo entre as normas materialmente constitucionais, haverá aquelas que se singularizam por seu caráter materialmente estrutural e por sua estrutura axiológica.
(BARROSO, 2006, p. 250)
Portanto, do ponto de vista jurídico, as normas constitucionais estão no mesmo patamar hierárquico, o que não impede de classificá-las por sua forma de incidência – algumas possuem aplicabilidade imediata, outras não, por exemplo – ou importância.
Logo, não há equívoco em afirmar que uma norma constitucional é mais importante para o ordenamento jurídico do que outra. Seria absurdo, por exemplo, entender que têm a mesma importância para o ordenamento jurídico as seguintes normas constitucionais: (I) a que afirma que a República Federativa do Brasil é “...formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal...” (art. 1°, caput) e (II) a que dispõe que “o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal” (art. 242, § 2°).
Nesse ponto, irrepreensível a lição de CELSO RIBEIRO BASTOS no sentido de que a ADPF não cuida de fiscalizar a lesão[23] a qualquer dispositivo constitucional, “...mas tão-somente aos grandes princípios e regras brasileiras deste diploma” (apud VELLOSO, 2002, p. 5).
ANDRÉ RAMOS TAVARES afirma que pertencem à categoria dos preceitos fundamentais os princípios e regras de caráter essencial (TAVARES, 2001, p. 123). Ressalta-se que o referido autor apresenta uma visão muito restritiva, ao entender que “o fundamental (. .. ) apresenta a conotação daquilo sem o que não há nem como se identificar uma Constituição. São preceitos fundamentais aqueles que conformam a essência de um conjunto normativo-constitucional” (TAVARES, 2001, p. 124).
Liberdade e igualdade, por exemplo, são dispositivos sem os quais não se poderia caracterizar uma Constituição. Tais preceitos podem, seguramente, ser enquadrados como fundamentais. Ocorre que, nem toda precisa ter essa contundência dentro da ordem constitucional para ser essencial. Caso contrário, a ADPF seria uma ação de caráter muito restrito.
Portanto, preceitos fundamentais são os princípios e regras maiores da Constituição de 1988, os quais devem ser entendidos como aqueles cuja ausência tornaria o sistema constitucional pátrio sensivelmente diferenciado – para pior.
Destarte, pensa-se que um bom caminho é entender como “fundamentais” os preceitos constitucionais que se qualificam como basilares na CRFB, tipificando o sistema jurídico do povo brasileiro, sendo de peculiar relevo o seu respeito e preservação.
Nesse sentido, entende-se aqui que o ingresso no serviço público, como regra, mediante concurso público é preceito fundamental, por se tratar de uma norma que particulariza o atual ordenamento jurídico brasileiro, representando uma clara rejeição à Administração Pública Patrimonialista, caracterizado pelo favorecimento aos “amigos do rei”. Razão pela qual, o concurso é corolário do princípio basilar da isonomia. Entretanto, se em uma Constituição não for consagrada tal regra, essa Constituição não deixa de ser, juridicamente, um texto constitucional, o que não rechaça a grande importância dessa norma.
Para GUILHERME PENÃ DE MORAES são preceitos fundamentais, dentre outros, “os princípios setoriais da Administração Pública, subdivididos em princípio da legalidade, princípio da impessoalidade, princípio da moralidade, princípio da publicidade e princípio da eficiência, com fulcro no art. 37, caput” (Guilherme Pena de MORAES, 2004, p. 291). (destaque presente no texto original)
Outro ponto importante, é que se encontrará muito mais princípios do que regras que se enquadram dentro do conceito de direitos fundamentais. Isso se dá em razão de duas características das normas principiológicas: (I) Seu maior grau de abstração e (II) seu caráter normogenético (princípios como os fundamentos de regras, princípios sendo os alicerces sistema jurídico). Essas características fazem com que, geralmente, os valores mais importantes da Constituição sejam consagrados por intermédio de princípios, e não de regras.
O fato de determinado princípio ser de ordem constitucional já indica que ele é muito relevante dentro de um sistema jurídico. Isso se dá, pois os princípios constitucionais, “...explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins.” (BARROSO, 2002)
Entretanto, tal constatação não leva a conclusão de que todos princípios constitucionais sejam preceitos fundamentais, pois nem todos aqueles possuem a característica de fundamentalidade.
Um exemplo claro disso é o princípio orçamentário da exclusividade, pelo qual “a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa (...)” (CRFB, art. 165, § 8°). Apesar de possuir natureza constitucional, essa diretriz jamais poderá ser vista como fundamental. Sua violação configura uma falta de técnica legislativa que afronta a Constituição, mas tal desrespeito, por si só, não representa afronta a valores essenciais do Estado brasileiro – ainda que a referida violação ocorresse em razão de interesses políticos, financeiros ou pessoais reprováveis.
Outra questão importante é que os princípios de caráter fundamental não são apenas aqueles presentes no Título I da Constituição de 1988, nos arts. 1° a 4°. Se fossem identificados como preceitos fundamentais somente o que está disposto nesses artigos, o resultado seria inaceitável, pois a maioria dos direitos e garantias individuais não estariam entre os preceitos fundamentais. Aliás, nem todas as cláusulas pétreas (art. 60, § 4°, inc. I a IV) teriam tal status.
“Preceitos fundamentais” não é expressão sinônima de "princípios fundamentais". É mais ampla, abrange estes e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como por exemplo, as que apontam para a autonomia do Estado, do Distrito Federal, e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais (Tít. II)[24]
(SILVA, 2005, p. 562) (destacou-se)
Quanto às cláusulas pétreas, pode-se afirmar, com relativa certeza, que elas constituem preceitos fundamentais à luz do tratamento que Constituição lhes deu, consagrando-as como intangíveis.[25]
LUÍS ROBERTO BARROSO, de forma acertada, afirma que “...existe um conjunto de normas que inegavelmente devem ser abrangidas no domínio dos preceitos fundamentais". Em seguida, entende estar nessa classe: (1) os fundamentos e objetivos da República e as decisões políticas estruturantes, “...todos agrupados sob a designação geral de princípios fundamentais, objeto do Título I da Constituição (arts. 1° a 4°)”; (2) os direitos fundamentais, “o que incluiria, genericamente, os individuais, coletivos, políticos e sociais (arts. 5° e ss.)”, observando o eminente autor que “aqui se travará, por certo, a discussão acerca da fundamentalidade ou não de determinados direitos contemplados na Constituição brasileira, não diretamente relacionados à tutela da liberdade e do mínimo existencial”; (3) as normas que se abrigam nas cláusulas pétreas (art. 60, § 4°) e as que delas decorrem diretamente e (4) os princípios constitucionais ditos sensíveis (art. 34, VII[26]), “... que são aqueles que por sua relevância dão ensejo à intervenção federal” (BARROSO, 2006, p. 250).
GILMAR FERREIRA MENDES reconhece ser difícil indicar os preceitos fundamentais. Porém, afirma que alguns deles “estão enunciados, de forma explícita, no texto constitucional”. Ademais, de forma semelhante à doutrina anterior, enumera algumas normas que inegavelmente se enquadraria em tal conceito, quais sejam: (1) “direitos e garantias fundamentais (art. 5º, dentre outros)”; (2) “demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, da CF: o princípio federativo, a separação de Poderes e o voto direito, secreto, universal e periódico”; (3) “os princípios constitucionais sensíveis” previstos no art. 34, VII, da Constituição (MENDES, 2016, p. 1325).
Neste momento é oportuno destacar que o STF, apesar de não ter feito um rol definitivo de quais são os preceitos fundamentais, já manifestou entendimento, em decisão plenária, que são preceitos fundamentais: (I) diretos e garantias individuais (art. 5°, dentre outros); (II)“...demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4°, da Constituição, quais sejam, a forma federativa de Estado, a separação dos Poderes, o voto direto, secreto universal e periódico”; (III) princípios sensíveis (art. 34, inc. VII, da CRFB) e (IV) a proibição de vinculação de salários a múltiplos do salário mínimo (art. 7°, inciso IV, in fine, da Constituição Federal).[27]
Isso é um sinal de que o STF não está adotando uma perspectiva restritiva de preceitos fundamentais. A norma do art. 7°, inc. IV, in fine, é (I) uma regra constitucional (II) que se insere entre os direitos sociais (e não individuais). Além disso, (III) tal regra, aparentemente, não está entre as mais relevantes do art. 7° da Constituição. Por exemplo, pagar um salário inferior ao mínimo, violando o inc. VII do mencionado artigo, é um desrespeito muito mais grave à Constituição da República. Mesmo assim, o STF a enquadrou aquela regra como preceito fundamental.
No presente trabalho, entende-se que o rol trazido pelo STF, bem como aqueles defendidos por BARROSO e MENDES estão corretos. Contudo, advoga-se aqui que são preceitos fundamentais os arts. 34 e 35 da CRFB como um todo – e não apenas os princípios constitucionais sensíveis previstos no inc. VII do art. 34 da CRFB –, porque o desrespeito a qualquer das determinações dos referidos artigos autoriza a intervenção da União nos Estados e Municípios localizados em território federal, e dos Estados em seus Municípios. Ademais, ressalta-se que os direitos fundamentais abrangem também os direitos difusos, como os previstos no art. 225[28].
Superado esse ponto, é oportuno esclarecer que, conforme destacado por GILMAR MENDES, a tendência atual é que seja dada uma interpretação restritiva dos princípios protegidos pelas cláusulas pétreas. MENDES destaca ter um entendimento diverso. Para o doutrinador, são as próprias cláusulas pétreas que devem ser interpretadas restritivamente (taxativamente) e não os princípios por ela protegidos. Explica que o conteúdo das cláusulas pétreas deve ser obtido mediante esforço hermenêutico, o qual poderá descortinar “...princípios constitucionais que, ainda que não contemplados expressamente nas cláusulas pétreas, guardam estreita vinculação com os princípios por ela protegidos e estão, por isso, acobertados pela garantia de imutabilidade”. Além disso, afirma que o STF já adota esse entendimento em relação aos princípios sensíveis, bem como defende sua aplicação às cláusulas pétreas e aos preceitos fundamentais (MENDES, 2016, p. 1325/1327).
Aqui, concorda-se apenas em parte com a doutrina de GILMAR MENDES. De fato, não faz sentido buscar-se a restrição de princípios constitucionais previstos no art. §4º do art. 60 ou dos princípios e regras que compõe os preceitos fundamentais. Tais normas estruturam o sistema jurídico brasileiro, traçando os contornos de valores à democracia e à dignidade humana. Se um dispositivo está estreitamente vinculado com as cláusulas pétreas ou a normas que são reconhecidamente preceitos fundamentais, ele deve ser incluído, respectivamente, entre as cláusulas pétreas ou entre os preceitos fundamentais. Também deve existir um rol taxativo de cláusulas pétreas. Mesmo porque a imutabilidade deve ser a exceção, não a regra.
Entretanto, buscar uma interpretação restritiva ou construir um rol taxativo de preceitos fundamentais parece ser inadequado, porque se, de um lado, existem normas constitucionais que são indiscutivelmente essenciais, estruturantes; por outro, existem outras nas quais a condição de fundamentalidade ou não dependerá do contexto político, social ou econômico de determinado momento histórico. Ademais, reduzir o objeto da ADPF terminaria por também diminuir a importância prática do instituto.
Em outras palavras: não se deve estabelecer uma lista fixa de preceitos fundamentais. O legislador constituinte estabeleceu um rol de cláusulas pétreas (art. 60, § 4°) e outro de princípios constitucionais sensíveis (art. 34, inc. VII), mas não trilhou o mesmo caminho quanto aos preceitos aqui estudados. Isso parece ter sido um caminho proposital. Em outras palavras, talvez o constituinte tenha deixado para a doutrina e para a jurisprudência do STF identificar tais preceitos.
Dito isso, defende-se aqui que a ideia de preceitos fundamentais relaciona-se a de constituição em sentido substancial (ou material estrito). Por outro lado, os preceitos fundamentais devem também estar, de forma expressa ou implícita, no texto constitucional, sendo formalmente constitucional também. Em outras palavras, os preceitos fundamentais são as normas que são, ao mesmo tempo, materialmente e formalmente constitucionais.
As constituições, em relação ao seu conteúdo, classificam-se em: (I) Formal: a Constituição escrita; e (II) Material: aquela que trata de matérias tipicamente constitucionais (direitos fundamentais, organização do Estado e a separação dos Poderes).
No Brasil, tudo o que está na CRFB é constitucional, portanto, o que está em tal texto e não for matéria substancialmente constitucional, continua tendo status de norma constitucional, mas apenas em sentido formal. Exemplo clássico desse tipo de dispositivo é aquele previsto no § 2º do art. 242 da CRFB, que assim dispõe: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”. Essa norma, por óbvio, é apenas formalmente constitucional.
A Constituição material reúne as normas “...que dão essência ou substância ao Estado”, isto é, “regulam um aspecto fundamental da comunidade política, indispensável à sua concepção ou à sua permanência” ou tratam “da distribuição do poder dentro da sociedade” ou versam “sobre algo que alterando, abalaria as próprias vigas mestras do ente”. Tais normas dizem respeito “...às relações basilares, fundamentais, entres os órgãos do Estado ou entre estes e os indivíduos” (BASTOS, 1999, p. 43/44).
Em razão disso, entende-se que o conceito de preceitos fundamentais amolda-se ao conceito de Constituição material em sentido estrito no seguinte aspecto: ambos dizem respeito às normas basilares do Estado brasileiro.
Entretanto, eles se diferem em outro ponto: os preceitos fundamentais somente podem ser encontrados na Constituição de 1988, expressamente ou implicitamente, o que nem sempre ocorre com as normas que compõe a Constituição substancial.
Tal concepção deixa em aberto o rol de normas que podem ser consideradas preceitos fundamentais. Porém, isso não é ruim. Pelo contrário, evita-se uma enumeração taxativa, o que não só petrificaria o instituto, como provavelmente levaria à injustiça. Por exemplo: Determinações constitucionais que num futuro próximo, em razões de circunstâncias políticas, econômicas, dentre outras, ganhassem contornos de essencialidade não seriam consideradas como preceitos fundamentais por não estarem dentro de um rol exaustivo pré-estabelecido.
Acrescenta-se, também, que a ideia de constituição substancial é um norte relativamente seguro e trabalhado pela doutrina há muito tempo.
I – Preceito é sinônimo de norma – gênero do qual os princípios e as regras são espécies.
II – O art. 102, § 1º, da CRFB, ao incluir o adjetivo “fundamental” deixa claro que não se refere a todas as normas constitucionais. Se assim não o fosse, bastaria se referisse a “preceito” ou a “norma” ou mesmo a “princípios e normas”, sem utilizar esse adjetivo.
III – O Supremo Tribunal Federal ainda não estabeleceu todos os contornos do que são preceitos fundamentais, mas, em decisão Plenária já entendeu que se enquadram na expressão as seguintes normas constitucionais: (a) os Diretos e garantias individuais (art. 5°, dentre outros); (b) os “...demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4°, da Constituição, quais sejam, a forma federativa de Estado, a separação dos Poderes, o voto direto, secreto universal e periódico”; os (c) princípios sensíveis (art. 34, inc. VII, da CRFB) e (d) a proibição de vinculação de salários a múltiplos do salário mínimo (art. 7°, inciso IV, in fine, da Constituição Federal).
IV – Entende-se que o instituto estudado amolda-se à concepção de Constituição material em sentido estrito, por serem normas estruturantes do sistema jurídico pátrio. Entretanto, eles se diferem em outro ponto: os preceitos fundamentais somente podem ser encontrados na Constituição de 1988, expressamente ou implicitamente, o que nem sempre ocorre com as normas que compõe a Constituição substancial.
V – Portanto, os referidos preceitos necessitam preencher, simultaneamente, dois requisitos: (a) quanto à hierarquia normativa, devem amoldar-se ao conceito de Constituição formal; (b) quanto ao conteúdo, devem se enquadrar no conceito de Constituição material
VI – Em razão de todo o exposto, apresenta-se o seguinte conceito: Os preceitos fundamentais são os princípios e regras jurídicas essenciais, basilares do Estado brasileiro que estão presentes de forma explícita ou implícita na Constituição da República.
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[1] “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: / I - o Presidente da República; / II - a Mesa do Senado Federal; / III - a Mesa da Câmara dos Deputados; / IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; / V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; / VI - o Procurador-Geral da República; / VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; / VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; / IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”
[2] GILMAR MENDES afirma que cabe ADPF quando não forem admissíveis as “ações direitas de constitucionalidade ou inconstitucionalidade” (MENDES, 2016, p. 108).
[3] STF. ADPF 33 MC / PA. Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 29/10/2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 06-08-2004 PP-00020; EMENT VOL-02158-01 PP-00001. Decisão: “O Tribunal, por unanimidade, referendou a decisão monocrática que determinou a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos das decisões judiciais que versem sobre a aplicação do dispositivo ora questionado, até o julgamento final da ação”. Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudência. Acesso: 03/11/2016.
[4] Exceção ocorre quando o Recurso Extraordinário (RE) ataca decisão de Tribunal de Justiça (TJ) em controle concentrado de constitucionalidade de norma da Constituição Estadual de repetição obrigatório da Constituição da República. Nesse caso, não cabe ADPF, pois o recurso extraordinário terá os normais efeitos inter partes, mas sim os mesmos efeitos do Acórdão proferido pelo respectivo TJ em processo objetivo. Situação em que não cabe ADPF (conforme Relator, Min. CARLOS BRITTO, da ADPF 111. Fonte de pesquisa: MENDES, 2016, p. 1310, nota de rodapé).
[5] Na ADPF 126, o Min. Celso de Mello (Relator), em decisão monocrática, entendeu que foi satisfeito o requisito da subsidiariedade, porque “pretensão ora deduzida nesta sede processual, que tem por objeto normas legais de caráter pré-constitucional”, situação que é “insuscetível de conhecimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade” (ADPF 126 / DF, Julgamento: 19/12/2007, Publicação: DJe-018 DIVULG 31/01/2008 PUBLIC 01/02/2008. Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia. Acesso em: 26/11/2016)
[6] “Revogação da lei ou ato normativo não impede o exame da matéria em sede de ADPF, porque o que se postula nessa ação é a declaração de ilegitimidade ou de não-recepção da norma pela ordem constitucional superveniente.” (Excerto da ementa da já aludida ADPF 33)
[7] “Ementa: (...) 1. Adequação da arguição pela correta indicação de preceitos fundamentais atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituição Brasileira) e a busca de desenvolvimento econômico sustentável: princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de comércio interpretados e aplicados em harmonia com o do desenvolvimento social saudável. Multiplicidade de ações judiciais, nos diversos graus de jurisdição, nas quais se têm interpretações e decisões divergentes sobre a matéria: situação de insegurança jurídica acrescida da ausência de outro meio processual hábil para solucionar a polêmica pendente: observância do princípio da subsidiariedade. Cabimento da presente ação. 2. Argüição de descumprimento dos preceitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos: decisões judiciais nacionais permitindo a importação de pneus usados de Países que não compõem o Mercosul: objeto de contencioso na Organização Mundial do Comércio – OMC, a partir de 20.6.2005, pela Solicitação de Consulta da União Europeia ao Brasil. (...)”
(STF. ADPF 101 / DF. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 24/06/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-108 DIVULG 01-06-2012 PUBLIC 04-06-2012; EMENT VOL-02654-01 PP-00001; RTJ VOL-00224-01 PP-00011.)
[8] A respeito, confira MENDES, 2016, p. 1312/1015, depreendendo-se do contexto a afirmação acima.
[9] STF. ADPF 4 MC / DF. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 02/08/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 22-09-2006 PP-00028; EMENT VOL-02248-01 PP-00001; LEXSTF v. 28, n. 335, 2006, p. 157-180.
[10] Nesse ponto, GILMAR MENDES chega a defender que “...o Supremo tribunal federal poderá, ao lado de outros requisitos de admissibilidade, emitir juízo sobre a relevância e o interesse público contido na controvérsia constitucional, podendo recusar a admissibilidade da ADPF sempre que não vislumbrar relevância jurídica na sua propositura” (MENDES, 2016, p. 1310).
[11] Com isso, deve-se destacar que “...simples controvérsia doutrinária não se afigura suficiente para objetivar o estado de incerteza apto a legitimar a propositura da ação, uma vez que, por si só, ela não obsta à plena aplicação da lei” (MENDES, 2006, p. 1304).
[12] Essa última possiblidade foi chancelada pelo STF na ADPF 167, onde a referida Corte admitiu arguição que tem por objeto uma interpretação dada pelo TSE a respeito da competência dele – interpretação essa que o arguente alega ser inconstitucional (ADPF 167 MC-REF / DF. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 01/10/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010; EMENT VOL-02391-03 PP-00631. Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudência. Acesso em: 26/11/2016).
[13] Nesse ponto, importante relatar que o Min. GILMAR MENDES noticia a existência da ADI 2231, que questiona a constitucionalidade de toda a Lei n. 9.882/1999. Nesta ação,
“O Ministro Néri da Silveira, na sessão do dia 5-12-2001, acolheu em parte a arguição, para suspender, com eficácia ex nunc e até o julgamento final da ação, a vigência do § 3º do art. 5º da referida Lei, por estar relacionada com a arguição incidental em processos em concreto, e conferir interpretação conforme à Constituição ao inciso I do parágrafo único do art. 1º, excluindo de sua aplicação controvérsia constitucional concretamente já deduzida em processo judicial em curso.
“(...)
“A discussão foi interrompida em razão de pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence e aguarda julgamento desde novembro de 2008.”
Todavia, MENDES explica que,
“Embora ainda penda de decisão a ADI 2.231, o julgado do STF sobre a admissibilidade da ADPF 54 parece ter superado o debate sobre a constitucionalidade da Lei n. 9.882/99. Também no julgamento do mérito da ADPF 33 (sessão de 7-12-2005), o Tribunal, por unanimidade, rejeitou pedido formulado por amicus curiae, com objetivo de suspender o julgamento da ação até o pronunciamento definitivo sobre a constitucionalidade do instituto.”
(MENDES, 2016, p. 1296)
[14] “Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. / § 1o O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente. / § 2o Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União. / § 3o A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.”
[15] No mesmo sentido, Luís Roberto BARROSO (BARROSO, 2006, p. 249-nota de roda pé).
[16] No mesmo sentido, ANDRÉ RAMOS TAVARES afirma que tais preceitos “... não podem decorrer da lei” (TAVARES, 2001, p. 160). Contudo, o mencionado autor liga essa ideia à argumentação dele de que uma lei não poderia elucidar o conceito, nem explicitar quais seriam os preceitos fundamentais (TAVARES, 2001, p. 113-114 e 160). Ideia com a qual não se concorda, como se descreverá adiante.
[17] Reforça esse argumento a constatação de que “no próprio controle abstrato promovido pela via da ação direta, o Supremo Tribunal Federal tem admitido a invocação de princípio constitucional implícito, como ocorre no caso do princípio da proporcionalidade das leis”. (TAVARES, 2001, p. 159)
[18] Em sentido contrário, André Ramos TAVARES entende que “... por ser conceito próprio conceito próprio da Constituição, a expressão ‘preceito fundamental’ só pode ser haurida na própria Carta Suprema”, apegando-se aos seguintes argumentos para alicerçar tal afirmação: (a) esses preceitos só podem ser aferidos à luz da Constituição e (b) eles não podem decorrer de lei (TAVARES, 2001, p. 112).
[19] “§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”
[20] “Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. / § 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo. /§ 2o O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal. / § 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: / I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; / II – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) / III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal.”
[21] Referência: STF, AI-QO 664567 / RS. Relator: Min. MIN. SEPÚLVEDA. PERTENCE. Julgamento: 18/06/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJE-096 DIVULG 05-09-2007; PUBLlC 06-09-2007; DJ 06-09-2007.
[22] STF. ADPF 1 QO/ RJ. Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA. Julgamento: 03/02/2000. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 07-11-2003 PP-00082; EMENT VOL-02131-01 PP-00001. Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia. Acesso: 03/11/2016.
[23] Acrescente-se aqui “ou ameaça”.
[24] Destaca-se que JOSÉ AFONSO DA SILVA, quando fala de princípios fundamentais, está se referindo aos arts. 1º a 4º da CRFB (conferir SILVA, 2005, p. 93).
[25] No sentido de que as cláusulas pétreas são preceitos fundamentais: GUILHERME PENÃ DE MORAES (MORAES, 2004, p. 291/292), LUÍS ROBERTO BARROSO (BARROSO, 2006, p. 250), GILMAR FERREIRA MENDES (MENDES, 2007, p. 80), ANDRÉ RAMOS TAVARES (TAVARES, 2001, p. 150/151), CELSO RIBEIRO BASTOS (apud VELLOSO, 2002, p. 5).
[26] ANDRÉ RAMOS TAVARES (TAVARES, 2001, p. 151) também defende que os princípios constitucionais sensível são preceitos fundamentais.
[27] ADPF 33 (ADPF 33 / PA – PARÁ. ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 07/12/2005. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 27-10-2006 PP-00031; EMENT VOL-02253-01 PP-00001; RTJ VOL-00199-03 PP-00873. Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia. Acesso: 03/11/2016). Na referida ementa constam como preceitos fundamentais somente o princípio federativo e a proibição de vinculação de salários a múltiplos do salário mínima (CRFB, arts. 60, § 4º, inc. I, e art. 7º, inc. IV, in fine). Porém, no mérito da decisão, a Corte, de forma unânime, julgou procedente a arguição, nos termos do voto do relator. O referido voto do relator que afirma que são preceitos fundamentais as outras normas constitucionais citadas no corpo do texto.
[28] Nesse ponto, importante destacar a doutrina de GUILHERME PENÃ DE MORAES, pela qual são princípios fundamentais “os direitos fundamentais, subdivididos em direitos individuais, direitos metaindividuais, direitos sociais, direito à nacionalidade e direitos políticos...” (Guilherme Pena de MORAES, 2004, p. 291) (destaques do texto original).
Defensor Público do Distrito Federal. Anteormente, Analista Judiciário na Justiça Eleitoral. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (2004). Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes/Praetorium (2008).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Leonardo Corrêa dos. Preceitos fundamentais: identificação e conceituação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48514/preceitos-fundamentais-identificacao-e-conceituacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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