RESUMO: O presente artigo tem como propósito conduzir o leitor a um questionamento acerca da irretroatividade dos efeitos patrimoniais do contrato de união estável. Em um primeiro momento será analisado o conceito, como também, os requisitos para reconhecimento da união estável, adentrando na diferenciação entre a união estável e o concubinato, para então finalizar com ponderações sobre a irretroatividade dos efeitos patrimoniais do contrato de união estável.
Palavras-chaves: contrato; união estável; e irretroatividade.
ABSTRACT: This article aims to lead the reader to a discussion about the irretroatividade of the property consequences of stable union contract. In a first moment will be analyzed the concept, as well as the requirements for recognition of stable union, entering in the differentiation between the stable and concubinage, for then end with reflections on the irretroatividade of the property consequences of stable union contract.
Keywords: contract; stable; and irretroatividade.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como escopo a análise da irretroatividade dos efeitos patrimoniais do contrato de união estável. Como se sabe, o ordenamento jurídico não impede que casais realizem contratos pré-nupciais antes do casamento civil, assim não poderia ser diferente em relação a companheiros que desejam celebrar um contrato escrito entre si estabelecendo regras patrimoniais que irão regular na união estável.
Entretanto, a lei silencia quanto à retroatividade dos efeitos do contrato de união estável, ficando a cargo da jurisprudência e da doutrina verificar a viabilidade jurídica da referida retroatividade.
Portanto, serão realizadas ponderações acerca da união estável, para assim, analisar a doutrina e jurisprudência a respeito da (ir) retroatividade dos efeitos patrimoniais do contrato de união estável.
A Constituição Federal reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento, segundo o art. 226, § 3º da lei maior.
Nada obstante a Constituição Federal mencionar a união entre homem e mulher, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é possível a existência de uniões estáveis homoafetivas (ADI 4.277-DF).
A Lei n.º 9.278/96 foi criada para regular o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, mudando o cenário do direito de família.
Segundo o doutrinador Tartuce (2015), a união estável é “a convivência pública (no sentido de notória), contínua e duradora e estabelecida com o objetivo de constituição de família (animus familae)”.
O conceito supra retrata o art. 1.723 do Código Civil. Vejamos:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
Portanto, o artigo acima revela como requisito da união estável a convivência pública dos companheiros, ou seja, não pode ser uma união clandestina. Entretanto, o Código Civil não exige a convivência na mesma residência.
Além disso, exige-se estabilidade da união mesmo sem exigir um tempo mínimo de convivência, devendo a relação ser duradora, como também, contínua, sem interrupções, devendo existir o propósito dos companheiros permanecerem juntos com o objetivo de constituir família.
Vale salientar que o fato de namorados coabitarem não se faz presumir uma união estável, não podendo ser confundido o namoro qualificado, apesar de apresentarem semelhanças. A grande diferença entre ambos está no objetivo precípuo de constituir família presente na união estável, mas ausente no namoro qualificado.
O Superior Tribunal de Justiça se pronunciou sobre o tema:
RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO. (STJ. 3ª Turma. Resp 1.454.643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellize, julgado em 3/3/2015)
Com isso, o Superior Tribunal de Justiça entende que não há que se equiparar namoro com união estável mesmo que os namorados projetem constituir família no futuro, ainda que haja coabitação. O objetivo de constituir família tem que estar presente na relação para configurar a união estável, não a configurando uma perspectiva futura do casal de constituir família.
Vale ressaltar que os companheiros não podem ter impedimentos para casar, devendo a união ser exclusiva, ou seja, não caracteriza união estável a existência de uniões estáveis concomitantes.
2. DIFERENÇA ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E CONCUBINATO
Os institutos da união estável e do concubinato não podem se confundir. No passado as expressões se equivaliam, mas atualmente a união estável ganhou status de entidade familiar, passando a lei a diferenciar a companheira da concubina.
O Código Civil define o concubinato no art. 1.727: “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”
A diferença entre a união estável e o concubinato é muito tímida, por isso mesmo a própria doutrina diverge. A união estável é entendida como aquela relação pública, contínua e duradora, com objetivo de constituir família. Enquanto que o concubinato seria uma relação clandestina em que um dos companheiros não tem ciência de uma terceira pessoa envolvida no relacionamento.
Flávio Tartuce expõe três correntes doutrinárias para explicar o concubinato. Vejamos:
“1.ª Corrente – Afirma que nenhum relacionamento constitui união estável, eis que a união deve ser exclusiva, aplicando-se o princípio da monogamia. Essa corrente é encabeçada por Maria Helena Diniz. Para essa corrente, todos os relacionamentos descritos devem ser tratados como concubinatos.
2.ª Corrente – O primeiro relacionamento existente deve ser tratado como união estável, enquanto que os demais devem ser reconhecidos como uniões estáveis putativas, havendo boa-fé do cônjuge. Em suma, aplica-se, por analogia, o art. 1.561 do CC, que trata do casamento putativo. Essa corrente é liderada por Euclides de Oliveira e Rolf Madaleno. A essa corrente se filia, inclusive em obra escrita com José Fernando Simão. Anote-se que essa solução já foi dada pela jurisprudência estadual, em dois julgados que merece destaque (TJRJ, Acórdão 15225/2005, Rio de Janeiro, 2.ª Câmara Cível, Rel. Des. Leila Maria Carrilo Cavalcante Ribeiro Mariano, j. 10.08.2005 e TJRS, Processo 70008648768, 02.06.2004, 7.ª Câmara Cível, Rel. Juiz José Carlos Teixeira Giorgis, origem Lajeado).
3.ª Corrente – Todos os relacionamentos constituem uniões estáveis, pela valorização do afeto que deve guiar o Direito de Família, corrente encabeçada por Maria Berenice Dias.” (TARTUCE, 2015)
A doutrina contemporânea tem se inclinado para terceira corrente, que como dito acima é liderada por Maria Berenice Dias. Segundo Tartuce, os autores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho reconhecem alguns direitos da amante, equiparando somente em algumas hipóteses o concubinato à união estável.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça segue a primeira corrente, não aceitando uniões paralelas, sendo requisito da união estável a união exclusiva entre duas pessoas.
3. CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL E A (IR) RETROATIVIDADE DOS EFEITOS PATRIMONIAIS
A união estável, conforme foi explanado acima constitui uma situação de fato em que não se exige formalidades documentais para sua caracterização, devendo o julgador procurar, em cima do conjunto probatório apresentado pelas partes, pronunciar-se a respeito da existência da união estável.
Desse modo, a existência de um contrato não pode impedir ou criar uma união estável, haja vista tratar-se de uma situação fática.
Todavia, o Código Civil expressa que a união estável se caracteriza em uma comunhão parcial de bens, conforme expressa o art. 1.725: “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”
Dessa forma, o Código Civil estabeleceu que na união estável, as relações patrimoniais dos companheiros são regidas pelo regime da comunhão parcial de bens.
Entretanto, o art. 1.725, do Código Civil permite a celebração de contrato escrito entre os companheiros para estipular regras patrimoniais específicas que irão prevalecer na união estável.
Assim, apesar de não criar ou impedir a constituição de união estável, o contrato pode servir como importante meio probatório da intenção dos companheiros, e, principalmente, regular os efeitos patrimoniais da união estável.
Os companheiros têm a liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato, com os compromissos e obrigações das partes em relação a situações que envolvam filhos, patrimônio, final do relacionamento, dentre outras, respeitados os limites do art. 104 do Código Civil:
“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.”
O contrato de união estável pode ser elaborado por escritura pública ou particular, diferente do pacto antenupcial que exige forma pública e é destinado ao casamento.
Enfim, feitas todas essas considerações, resta saber se os efeitos patrimoniais do contrato de união estável retroagem no tempo. O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema no seguinte julgado:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA. 1) ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO. ART. 104 E INCISOS DO CC/02. SENILIDADE E DOENÇA INCURÁVEL, POR SI, NÃO É MOTIVO DE INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE DIREITO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE QUE NÃO TINHA O NECESSÁRIO DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO NEGÓCIO JURÍDICO. AFIRMADA AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 284 DO STF. REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS NO CASAMENTO. INCISO II DO ART. 1.641 DO CC/02. APLICAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL. AFERIÇÃO DA IDADE. ÉPOCA DO INÍCIO DO RELACIONAMENTO. PRECEDENTES. APONTADA VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO ESPECIAL DO EX-COMPANHEIRO NÃO PROVIDO. 2) PRETENSÃO DE SE ATRIBUIR EFEITOS RETROATIVOS A CONTRATO DE CONVIVÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DA EX-COMPANHEIRA NÃO PROVIDO. 8. No curso do período de convivência, não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos retroativos à união estável elegendo o regime de bens para a sociedade de fato, pois, assim, se estar-se-ia conferindo mais benefícios à união estável que ao casamento. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.383.624-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 02/06/2015)
Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça não é lícito aos companheiros atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união estável com o objetivo de escolher o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior à sua assinatura. Portanto, o Superior Tribunal de Justiça se mostra contrário a cláusula retroativa que diga respeito a efeitos patrimoniais.
Entretanto, Maria Berenice Dias e Francisco José Cahali têm posicionamento contrário ao Superior Tribunal de Justiça, pois entendem que os companheiros podem a qualquer tempo regularem da forma que pretenderem os efeitos patrimoniais do contrato, inclusive de forma retroativa.
Contudo, entendo que a decisão do Superior Tribunal de Justiça assegura maior segurança jurídica, haja vista a informalidade do contrato de união estável.
Vale salientar que a lei é clara quando expressa que na falta de contrato regulando os efeitos patrimoniais dos conviventes a união estável será regida pelo regime da comunhão parcial de bens.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, e depois das considerações a respeito da união estável e do contrato entre os conviventes entendo que a posição do Superior Tribunal de Justiça é a mais conveniente quanto à irretroatividade dos efeitos patrimoniais do contrato de união estável.
A informalidade do contrato de união estável, que não precisa nem ao menos ser registrado em cartório, produz uma insegurança jurídica, devendo seus efeitos patrimoniais ser interpretados restritivamente.
Além disso, a lei é clara ao estabelecer que na ausência de instrumento contratual a união estável é regulada pelo regime da comunhão parcial de bens. Portanto, não é possível atribuir efeitos patrimoniais retroativos ao contrato de conviventes.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 20. dez. 2016.
BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9278.htm>. Acesso em 18. dez. 2016.
BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 18. dez. 2016.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Julgados Resumidos Dizer o Direito 2012 - 2015. 1ª edição. Dizer o Direito Editora, Manaus-AM, 2016.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais Julgados do STF e STJ comentados 2015. 1ª edição. Dizer o Direito Editora, Manaus-AM, 2016.
DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias. 10ª edição. Editora Revista dos Tribunais, 2015.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 5ª edição. Editora Método. São Paulo, 2015.
Advogado e Assessor jurídico da Prefeitura de São Domingos do Cariri - PB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAIA, Enio da Silva. Contrato de união estável e a (ir) retroatividade dos efeitos patrimoniais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48522/contrato-de-uniao-estavel-e-a-ir-retroatividade-dos-efeitos-patrimoniais. Acesso em: 23 dez 2024.
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