RESUMO: Trabalho descritivo, que tem como objetivo a divergência doutrinária a respeito da possibilidade da redução da maioridade penal. Seu objetivo foi comprovar a necessidade e adequação da referida redução. O recurso metodológico escolhido para a apresentação temática foi o de pesquisa bibliográfica. Refere-se à possibilidade ou não de responsabilização penal do menor de dezoito anos. Explanamos as diversas opiniões de doutrinadores a respeito do tema. Concluímos com reflexões sobre a constitucionalidade da atuação legislativa para possibilitar a imposição de sanção penal a jovens infratores, a partir de uma idade diferente da que se apresenta atualmente.
Palavras-chave: Maioridade penal. Redução. Possibilidade. Responsabilidade penal.
INTRODUÇÃO
Apresenta-se no Brasil, atualmente, grande debate sobre a possibilidade e a necessidade da alteração da maioridade penal, reduzindo o marco inicial para que o indivíduo responda penalmente pelas suas condutas, pois, na legislação atual, tal idade corresponde aos dezoito anos.
O considerável número de jovens infratores associado à gravidade de vários desses atos, bem como a reincidência, leva a sociedade a questionar se os atuais mecanismos legais acerca da matéria são suficientes.
No Direito Estrangeiro, há diferentes marcos supracitados, uns para mais, outros para menos. Obviamente que se devem considerar questões sociais, culturais, econômicas, financeiras, dentre outras.
Neste trabalho veremos os argumentos, a favor e contra, tal assunto, pois caloroso é tal debate. Portanto, visa-se levar o leitor a se questionar, considerando todos os pontos relevantes e, juntos, chegarmos a uma conclusão serena e responsável sobre a presente contenda.
DESENVOLVIMENTO
Ouvindo-se grande debate na sociedade sobre ações de jovens, com aparente baixa idade, praticando tráfico, furtos, roubos e outros delitos, voltamos a rever como anda, no ordenamento jurídico brasileiro, a polêmica sobre a redução da idade penal.
A diminuição do limiar etário atual, para considerar um indivíduo imputável, para 16 anos (diferentemente dos atuais 18), almejada por parte considerável da sociedade como forma de punir infratores, pode prevalecer com a promulgação da PEC 171/93, em tramitação no Congresso brasileiro e a espera de votação.
A PEC 171/93 aborda a maioridade penal e visa que o menor de idade passe a ter responsabilidade penal, à semelhança dos demais elementos da sociedade, de acordo com o Código Penal Brasileiro.
A responsabilidade penal, conforme sustentam doutrinadores, é atribuída a pessoas com idade inferior à 18 anos, para que agentes de condutas típicas sejam punidos, como é previsto em alguns países, atribuindo nas suas leis e normas, havendo um patamar mínimo que considere do desenvolvimento e capacidade de discernimento do jovem, embora sofrendo penas diferenciadas.
Contudo, de acordo com a Carta Política, menores de 18 anos são classificados como inimputáveis, não podendo, então, serem responsabilizados penalmente por suas condutas enquadradas em tipos penais.
Em termos penais, o marco inicial da maioridade está fixado no artigo 228 da CF/88 que estatui o momento em que o jovem completa 18 anos. Ou seja, indivíduos com idades abaixo dos 18 anos, são inimputáveis e se submetem a normas específicas, com fundamento na doutrina da proteção integral. Esta previsão está em consonância com a denominada Convenção Internacional dos Direitos da Criança, e adotada pela Organização das Nações Unidas em 1989.
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário, foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, e afirma que "considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes".
Ademais, o artigo 227 da Constituição Federal estabelece que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. BRASIL. Constituição (1988).
O dispositivo supracitado trata da doutrina da proteção integral, que impõe a obrigação da família, da sociedade e do Estado, de assegurarem ao jovem (adolescentes e crianças, inclusive), direitos de caráter essencial.
No Brasil, a regra especial (ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente), que produz seus efeitos desde 1990 e se direciona, evidentemente, aos menores de 18 anos, é o aparelho legal que robustece a crianças e adolescentes, as garantias da Lei Maior. Ela garante o direito à saúde, à educação, à liberdade, entre outros, bem como determina as medidas que devem ser observadas quando ocorrer alguma infração praticada por menor.
O "raciocínio" do ECA não é o mesmo do Código Penal: O CP tem como objetivo estabelecer punições adequadas para os praticantes dos vários tipos de crime; O ECA visa proteger e educar, portanto, não tratando de crimes, mas de infrações, ao passo que os menores não são apenados, mas submetidos à medidas socioeducativas.
O ECA (arts. 112 ao 125), prevê medidas socioeducativas aos adolescentes com idades entre 12 a 17 anos que ajam em conduta amoldada a certo tipo de ato infracional, ficando apreendido por no máximo 45 dias, até que o magistrado competente decida sobre demanda.
A PEC 171/93, que está esperando votação, prevê que na hipótese de cometimento de crime hediondo (definidos na Lei 8072/90, tais como homicídio qualificado, estupro e latrocínio), além de homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, os maiores de 16 anos sejam processados e julgados, considerando que possuem capacidade de discernimento de acordo com o Código Penal, exigindo, entretanto, que o cumprimento da pena ocorra em estabelecimento distinto dos maiores de 18, bem como dos menores de 16. Neste cenário, para os crimes não hediondos, os menores de 18 anos permanecerão sob a égide do regramento (e respectivas punições) previstos no ECA.
Inexoravelmente, há diversos críticos da redução em tela. Estes defendem a factual responsabilização do jovem, por atos infracionais, a partir dos 12 anos, aplicando-se os mecanismos estabelecidos no ECA, a fim de reinseri-lo ao convívio em sociedade. O problema não é o vazio legislativo, mas sim a palpável aplicação da lei, já que a regra correlata estabelece as medidas educativas, já ditas acima, recomendando, porém, que sejam aplicadas de acordo com: a capacidade de cumpri-la; as circunstâncias do fato; e a gravidade da infração.
Afirmam ainda que, no Brasil, os adolescentes tolhidos de suas liberdades não de dispõem de instituições nem de pessoal capacitado para a reeducação.
Defende-se também que a redução da maioridade penal não vai diminuir a violência. São as políticas públicas e ações sociais que devem desempenhar papel preponderante para a redução da criminalidade. Os jovens que cumprem penas em nossas “casas ou centros de recuperação” em sua maioria voltam a delinquir, quando em liberdade, de forma mais violenta.
A fase de transição entre a infância e a maturidade justifica um tratamento diferenciado. A Doutrina da Proteção Integral às crianças e adolescentes, cujos alicerces estão baseados na Carta Magna, estabelece que sejam respeitados os direitos humanos, garantidos com políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa, relacionadas com a finalidade educativa, reconhecendo a condição característica do adolescente.
Medidas públicas, principalmente no campo da educação, tem que ser capazes de romper com o ciclo da violência, disponibilizando educação em tempo integral, com professores regularmente motivados e preparados, com a prática de atividades esportivas, entre outros benefícios. Países que privilegiaram a escola ao invés da cadeia têm hoje o resultado nos baixos índices de criminalidade entre jovens.
Com o acesso aos direitos constitucionais negados ou dificultados, aumenta as chances de envolvimento dos jovens com a criminalidade, que são presas fáceis para os criminosos de plantão. A redução da maioridade penal não vai afastá-los do crime. Com a redução da idade penal para 16 anos, os menores com 15, 14, 13 anos seriam recrutados para o mundo do crime.
A problemática da marginalidade em nosso país brota de diversos cenários, tais como: a má gestão de programas socioeducativos; a ineficiência ou inexistência de ações de planejamento familiar; rara disponibilização de lazer nos bairros, a exemplo de praças esportivas; falta de urbanização e de atendimento à saúde, de escolas que abriguem os menores em tempo integral nas favelas e áreas mais pobres; entre outros.
Em países desenvolvidos como os Estados Unidos, crimes ou infrações cometidos por adolescentes acima de 12 anos de idade, podem ser processados da mesma forma que adultos;
Em contrapartida, a favor da redução da maioridade penal se argumenta que a diminuição que propõe a PEC em tela não se trata de norma tendente a restringir ou extinguir direitos fundamentais, estes classificados como cláusula pétrea, nos termos do art. 60 da CF/88.
Neste sentido, assim leciona o Professor Pedro Lenza:
Embora parte da doutrina assim entenda, para nós é possível a redução de 18 para 16 anos, uma vez que apenas não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. Isso não significa, como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada.
Reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, o direito à inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir.
A sociedade evoluiu, e, atualmente, uma pessoa com 16 anos tem total consciência de seus atos, tanto é que exerce os dirreitos de cidadania, podendo propor ação popular e votar. Portanto, em nosso entender, eventual PEC que reduza a maioridade penal de 18 para 16 anos é totalmente constitucional. O limite de 16 anos já está sendo utilizado e é fundamentado no parâmetro do exercício do direito de votar e à luza da razoabilidade e maturidade do ser humano. (LENZA, 2014, p. 1357)
Nesta toada, em audiência pública realizada Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, realizada em novembro de 1999, afirmou o professor Miguel Reale Júnior:
Entendo, por outro lado, que não se estabelece no art. 228 um direito e garantia individual fundamental que deva ser preservado como cláusula pétrea. Acredito que não exista no direito pétreo a inimputabilidade. Ou seja, não há nada que justifique que se deva considerar como imutável, como fundamental, além da estrutura do Estado Democrático, por que foi isso que a Constituição pretendeu fazer ao estabelecer as cláusulas pétreas. Isto é, além da proibição de abolição da Federação, da autonomia e da independência dos Poderes, o voto direto, secreto, universal e periódico e, ao mesmo tempo, falando dos direitos e garantias individuais enquanto estruturas fundamentais para a preservação do Estado Democrático. Não vejo, portanto, que no art. 228 esteja contido um princípio fundamental, um direito fundamental que deva ser basilar para a manutenção do Estado Democrático. Por esta razão não entendo que o preceito que está estabelecido no art. 228 venha a se constituir numa cláusula pétrea.
Em consonância com o pensamento acima exposto, também foi o posicionamento do Excelentíssimo Ministro do STF Luís Roberto Barroso, em resposta à citada Comissão, que assim se expressou:
[...] parece mais adequado o entendimento de que o art. 228 da Constituição (“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos as normas da legislação especial”) não constitui uma cláusula pétrea, não descrevendo um direito ou garantia individual imutável, nos
termos do art. 60, §4º, IV. A modificação ou não do dispositivo, portanto, dentro de certos limites, é uma possibilidade que se encontra disponível a avaliação política do Congresso Nacional.
Conclui-se então que a modificação da idade mínima para se tornar imputável, sob uma ótica penal, não fere a CF, pois não se trata de atentado à cláusula pétrea, pois não foram restringidos direitos fundamentais, uma vez que o direito à inimputabilidade permanecerá previsto no ordenamento jurídico.
CONCLUSÃO
De fato, os menores estão cada dia mais audazes, intolerantes, violentos e crentes na impunidade, conforme se vê nos noticiários diários e nas estatísticas criminais, tornando-se tema comum tráfico, furtos e roubos praticados por jovens.
Constata-se que ocorre uma inversão de valores morais e sociais, onde se observa a banalização da violência, principalmente nas periferias, culminando, por vezes, na idolatria dos infratores.
A violência, associada aos crimes, em visível crescimento entre os menores de 18 anos, é uma questão cultural e tem, entre os aceleradores: a deterioração dos pilares sociais; o desprezo pelos princípios do respeito à vida e à pessoa humana; o descaso com os valores da família, como célula primária da sociedade; e o desrespeito aos direitos dos outros. Isso tudo conjugado à sensação de impunidade e à certeza do não encarceramento do menor infrator por suas condutas, conduz velozmente ao caos e à desordem social.
Grave também é a insignificante participação do Poder Executivo, pois não investem nas instituições de manutenção da ordem e da segurança, as quais se encontram incapacitadas de exercer suas funções, com policiais mal remunerados e ações de baixo rendimento. o Poder Judiciário, por sua vez, com seu sistema burocrático lento torna cada vez mais difícil a efetivação da justiça, aliás, já explanava Rui Barbosa:“Justiça tardia não é Justiça, é injustiça manifesta”. Além do Poder Legislativo que, como se vê nos noticiários, dá péssimos exemplos do que não se deve ser e do que não se deve fazer.
Isto posto, e considerando ainda que nossos jovens são internados em instituições ineficientes e que não observam nem resguardam minimamente nem os direitos humanos básicos, nem a obrigação de recuperação dos menores infratores, posiciono-me pela constitucionalidade da PEC que visa a redução da maioridade penal, com a ressalva de que tal medida, de forma isolada, é incapaz de mudar o paradigma atual no qual se inserem os jovens infratores, pois o combate à violência não se resume ao encarceramento, e sim ao conjunto harmônico de políticas eficazes de melhoria da saúde, educação, moradia e geração de renda.
REFERÊCIAS
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http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14493. Acesso em 13 de novembro de 2016.
http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=173. Acesso em 08 de dezembro de 2016.
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http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm. Acesso em 14 de novembro de 2016.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PONTES, Diogo Santiago Barbosa. A redução da maioridade penal e seus aspectos relevantes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48524/a-reducao-da-maioridade-penal-e-seus-aspectos-relevantes. Acesso em: 23 dez 2024.
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