Resumo: O presente trabalho procura expor detalhadamente os avanços normativos na legislação pertinente ao tema, demonstrando os contrapontos das duas principais legislações que trataram das organizações criminosas dentro do ordenamento jurídico pátrio.
Abstract: The present work seeks to expose in detail the normative advances in the legislation pertinent to the subject, demonstrating the counterpoints of the two main legislations that deal with criminal organizations within the legal order of the country.
Palavras Chaves: Crime – Organizado – Organização – Legislação – Direito – Penal.
Introdução
Amplamente difundida na sociedade, a criminalidade organizada, apareceu ao longo da historia como um mecanismo social paralelo ao regimento estatal. Observa-se que se trata de um fenômeno social emergente, que vem inovando nas maneiras de condução dos empreendimentos criminosos, forçando o legislador a se manter em constante atualização e compatibilização a realidade do crime contemporâneo. Contudo, a conceituação do que viria a ser considerado como “crime organizado” sempre apareceu como um ponto crucial e extremamente delicado de ser debatido na seara legislativa. Especificamente, no Brasil, este ponto sempre demonstrou grande fragilidade ao ser colocado em pauta. É reconhecido que o entendimento jurídico e legislativo brasileiro pegava conceitos emprestados para conceituar e delimitar os aspectos das organizações criminosas ao longo do tempo, quer seja através da Convenção de Palermo, quer seja através de leis internacionais que abordavam o mesmo tema.
Não obstante a esta lacuna legislativa, em meados do ano de 2013 restou publicada a última e mais nova legislação correspondente aos ilícitos praticados por “Organizações Criminosas”, trazendo uma nova roupagem acerca dos institutos fragilmente já debatidos no ordenamento jurídico brasileiro. A nova legislação especializada trouxe um novo ângulo sobre o instituto em comento, criando novos conceitos importantes e ainda não abordados pelos dispositivos pré-existentes no país, a saber, finalmente introduziu um conceito completo de organização criminosa no corpo legislativo pátrio. Tal conceituação insurgiu-se como um novo marco legislativo e como cerne principal do novo instituto legislativo elaborado, vindo a delimitar com exatidão as situações que se enquadrariam como atividades de sociedades criminosas.
Partindo deste novo marco legal, iniciou-se um novo estudo sobre este conteúdo e destacando-se drásticas modificações no cenário penal vigente.
Outrossim, resta imprescindível tecer comentários sobre a consequente revogação da antiga lei de combate ao crime organizado sob o nº 9.034/95, que timidamente descrevia o enquadramento em atividades criminosas em caráter organizativo, bem como o iniciou de modificações de importantes aspectos no código penal e processual penal brasileiro.
Entre as novidades elaboradas pela citada lei, é possível destacar como tema principal, a tão aguardada elaboração da definição legal e conceitual do que vem a configurar-se como organização criminosa; trouxe também a elaboração de diversos outros institutos inovadores e colaboradores em caráter investigativo e procedimental dando maior suporte ao combate destas organizações como se observa no tocante a “Ação Controlada”; “Infiltração de Agentes” e principalmente da “Colaboração Premiada”.
Desta forma, novas modalidades investigativas foram geradas junto da atual legislação, contrapondo-se a defasada previsão legal contida no bojo da Lei 9.034/95. Resta consagrado que a antiga lei iniciou um caminho investigativo no cenário brasileiro. Contudo, pecava gravemente em diversos pontos cruciais deste tema, deixando as autoridades públicas incapacitadas de atuar com eficiência no combate ao crime organizado.
Insta salientar que, através da novo corpo legal houve a possibilidade de acesso, independentemente de autorização judicial aos dados cadastrais dos indiciados que informem sua qualificação pessoal, filiação, endereço, informações de registros telefônicos e viagens mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito, dando-se pelo Ministério Público e autoridades policiais nas figuras dos Delegados de Polícia Civil de forma direta.
Tratou-se de um aspecto inovador que garantia maior legitimidade operacional aos órgãos legais que atuam na frente de combate ao crime organizado, ampliando e simplificando o modus operandi de atuação destas instituições.
Neste contexto, o presente estudo visa contextualizar as principais inovações jurídicas ocasionadas pela vigência da lei nº 12.850/2013, que deram maior amplitude aos poderes do Estado no combate à criminalidade organizada e atuação em defesa da segurança pública.
1. Legislativo Comparado
Em conformidade a progressão legislativa instaurada no ordenamento jurídico brasileiro, demonstra-se necessária uma contextualização comparativa entre os institutos relativos ao crime organizado, abordando as disposições legislativas passadas e atuais, buscando uma melhor compreensão da importância das inovações normativas adotadas com a nova estruturação de combate ao crime.
No ordenamento brasileiro, o tratamento desta matéria restou iniciado com a regulamentação feita pela lei 9.034/95, tratando-se da primeira lei sobre crime organizado. A época de sua promulgação, constituiu-se como um marco legal revolucionário. A revogada lei 9.034 definiu e estabeleceu timidamente alguns meios básicos e precários de produção de prova, bem como alguns poucos procedimentos de investigação relacionados aos delitos decorrentes da formação de quadrilha ou bando voltados para pratica de crime organizado de qualquer natureza.
De forma bastante rudimentar, a antiga lei disponibilizava dispositivos com natureza eminentemente processual, trazendo em seu bojo um início aos procedimentos de investigação e produção probatória como por exemplo o instituto da ação controlada, infiltração policial e colaboração premiada.
Entretanto, a lei restou deficiente ao não concretizar de forma clara os meios permitidos e disponíveis para execução das modalidades de investigação, também quedando ausente em delimitar a abrangência destas atuações e quem seriam os legitimados para executá-las.
Em uma analise superficial da legislação, observou-se uma precariedade na redação do texto, tendo em vista que os institutos ali contidos não ofereciam a segurança jurídica necessária para o bom desempenho no combate a modalidade criminosa cerne da lei.
Noutro giro, também quedou como aspecto negativo o tocante a imprecisão de conceituação sobre o que seria a organização criminosa e de quem viria a ser o agente que pratica este fato delituoso. Observou-se que o passou-se a utilizar as definições contidas no corpo da Convenção de Palermo como tentativa de minimizar a lacuna jurídica existente.
Em oportuno, seguindo a jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal, tratados internacionais, como a Convenção de Palermo, que não versem matéria concernente aos direitos humanos, estão subordinados aos parâmetros da Constituição da República. Logo, consequentemente apontou-se para a inconstitucionalidade a utilização dessa Convenção como suporte ao art. 7º da Lei n. 9.034/95 por contrariar consagrados princípios constitucionais, a saber, legalidade, proporcionalidade, razoabilidade.
Neste contexto, ainda permanecia presente a lacuna jurídica por falta de uma definição do que se entenderia por organizações criminosas. Lembre-se que nesta primeira Legislação atinente ao crime organizado, que se deu sob o nº 9.034/1995, tratou-se da apenas criação de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.
Assim resta possível visualizar as latentes diferenças trazidas com a publicação da nova lei que enfrenta o tema. Podemos observar claramente essa diferenciação na leitura do artigo que inaugura o corpo legal, a saber:
Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Da leitura do dispositivo, compreende-se que a Lei nº 9.034/1995 restou defasada quando do tratamento do principal tema proposto. A vigência da lei 12.850/13 trouxe em suas primeiras linhas a conceituação do que viria a formar uma organização criminosa. Observa-se que este dispositivo se difere ao criminalizar a associação de pelo menos quatro pessoas para o fim de cometer infrações penais de modo geral.
Já a Lei nº 9.034/1995, entretanto, não se restringia à conduta tipificada pelo Código Penal, sendo aplicável a ilícitos perpetrados por organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. O crime organizado não era definido pelo legislador, sendo a tarefa deixada para os doutrinadores e estudiosos do direito penal.
Assim, a nova Lei do Crime Organizado passou a ser aplicável não somente aos crimes cometidos por quadrilha ou bando (art. 288 do CP), mas também àqueles cometidos por organizações ou associações criminosas de qualquer tipo desde que encaixadas nos novos moldes descritos pelo diploma legal emergente.
Seguindo a diante destes dispositivos, observava-se uma antiga lista dos procedimentos aplicáveis especialmente às investigações relacionadas aos ilícitos que se enquadram como atividades de crime organizado. A nova lei remontou a presença dessas medidas no novo corpo legal, reafirmando que esses procedimentos são de possível implementação em qualquer fase da persecução criminal, significando que podem ser utilizados inclusive durante o inquérito policial.
Tratando-se de ação policial, esta poderá ser adiada com o objetivo de aguardar um momento mais oportuno para a desestruturação da organização criminosa, alcançando um maior numero de criminosos e conhecendo mais profundamente a sua movimentação operacional. Esta modalidade de atuação passou a ser consagradamente conhecida como hipótese de retardamento da prisão em flagrante. Relembrando a Doutrina pátria, que o agente policial deve observar o princípio da razoabilidade e proporcionalidade quando se utilizar dos procedimentos da ação controlada.
No seguimento do corpo legal infere-se o tocante ao acesso dos dados, documentos e informações, este que resultará no resguardo do sigilo proposto pelo art. 5º, XII, da Constituição Federal de 1988. Este sobredito dispositivo vela pelo sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas.
A Lei do Crime Organizado deve ser, portanto, encarada como um dispositivo elaborado e concebido sob a proteção dos limites impostos pela Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, o art. 3º da própria lei de combate determina que, na ocorrência da possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência seja realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.
Contudo, assevera o Prof. Gabriel Habib que, a lei encontrou problemas na redação deste art. 3º, que inevitavelmente foi instado por meio da “ADIN 1570”, tendo por base a redação que determinava a atuação pessoal do juiz na produção da prova. De certo, resta sabido e pacífico na jurisprudência brasileira o conhecimento sobre dispositivos constitucionais que determinam a atuação imparcial do magistrado, bem como a proibição do juiz inquisitor.
Entretanto, no tocante às informações fiscais e eleitorais, deparou-se com um entendimento de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, demonstrando não caber qualquer atuação pessoal do juiz na produção probatória, ainda quando se trate de investigação de crime organizado. Na realidade, o Supremo identificou mais uma tentativa de criar a figura do “juiz da instrução”, figura esta que não consta possível no ordenamento brasileiro.
O procedimento previsto atinente a captação e interceptação ambiental, descreve que esta ocorrerá quando um dos interlocutores colher dados e informações em diálogo do qual também participa, diferenciando-se da interceptação telefônica que aparece como procedimento adotado com a instalação de “escuta telefônica” por terceiros, perfeito por autorização judicial.
Por último, a infiltração de agentes policiais trata-se de procedimento através do qual o agente de polícia age como se fosse membro da organização criminosa, na função estrita de colher provas dos crimes cometidos no meio organizacional, perfazendo-se também por meio de autorização judicial, e devendo esta autorização. A doutrina explica o texto legal reforçando a legitimidade da atuação do agente quando do decorrer deste meio investigativo. Observa-se que na própria lei foi trazido uma garantia do agente de atuar criminosamente em conjunto com seus comparsas quando esta atuação seja necessária para manutenção de seu disfarce. A lei reforça, ainda, que as condutas praticadas pelo agente devem guardar a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, caso contrário resultará em responsabilização do agente pelos excessos cometidos. Por outro lado, o mesmo dispositivo esclarece que, quando não for possível agir de outro modo, o agente infiltrado não terá punição em virtude da inexigibilidade de conduta diversa.
2. Conclusão
Diante todo o exposto, observou-se que a progressão legislativa de combate ao crime organizado no âmbito nacional teve uma sequencia positiva, logrando êxito em corrigir as lacunas existentes ao longo do tempo. Contudo, trata-se de um trabalho constante e de caráter inteiramente inovador, devendo o legislador se manter atento aos novos meios de atuação criminosa.
Ao longo da historia, observou-se em diversas partes do mundo que as organizações criminosas são organismos entranhados no corpo social, participando das diversas áreas da sociedade. A historia mostra que o combate a esses grupos operacionais desafiaram a justiça quando da possibilidade de persecução legalmente instituída. Trata-se de um trabalho árduo e cansativo, demonstrando-se que para cada novo instituto legal criado para o combate cirúrgico da criminalidade organizada, esta cria novas hipóteses de conduta criminosa, requerendo a constante atualização legislativa e jurisprudencial para o efetivo e eficaz combate.
Neste sentido, a evolução da legislação penal mostrou que a lei 12.850/13 consagrou-se como um marco essencial nesta nova fase de combate as organizações criminosas. Apareceu com uma legislação sólida e bem estruturada, trazendo diversos institutos jurídicos inovadores e que ampliaram a legitimidade investigativa e operacional dos órgãos de combate.
Não se podendo esquecer do reforço e valorização da figura da delação premiada, bem como a liberdade de acesso as informações dos investigados, lembrando que tal acesso restou acertadamente redigido na nova lei, respeitando todos os direitos constitucionais conhecidamente consagrados.
3. Referências Bibliográficas
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HABIB, Gabriel; GARCIA, Leonardo de Medeiros. Leis Penais Especiais, Volume Único, 1 ed. São Paulo: Jus Podivm Editora, 2016.
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SANCHES, Rogério. Manual de Direito Penal Parte Especial – Volume Único. 2 ed. São Paulo: Jus Podivm Editora, 2016.
Masson, Cleber, Direito Penal Esquematizado – parte geral – vol. 1, 9º Ed. rev., atual. e ampl., Rio de janeiro: forense; São Paulo: Método, 2015
Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UES/PE) e Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIAS, Thiago Conde Ferreira. Da antiga Legislação sobre Crime Organizado (Lei nº 9.034/95) aos avanços da Lei 12.850/13 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48552/da-antiga-legislacao-sobre-crime-organizado-lei-no-9-034-95-aos-avancos-da-lei-12-850-13. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
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