Resumo: A Entomologia Forense, ramo da Biologia, pode ser definida como a aplicação do estudo de insetos e outros artrópodes que, em associação com procedimentos periciais, tem o propósito de descobrir informações relevantes para uma investigação. Apesar de ser uma ciência cujos primeiros registros referem-se ao ano de 1.235, só passou a ser respeitada e utilizada nas últimas décadas. Pode ser dividida em três grandes áreas, a saber: Entomologia Médico-Legal, Entomologia Urbana e Entomologia de Produtos Armazenados. Essa ciência vem ganhando importância e, quando bem aplicada torna-se peça importante nas investigações policiais. O presente trabalho objetiva mostrar, de forma geral, as aplicações e utilidades da Entomologia Forense para a perícia e investigação criminal.
Palavras-chave: entomologia; insetos; investigação.
Abstract: The Forensic Entomology, a Biology field, is defined as the study of bugs and other arthropods in order to provide information that may be helpful in predicting death criminal investigations. Although it is a science whose early records refer to 1.235, just in the last decades it has become more respected and useful in investigations. The Forensic Entomology can be divided into three main areas, which are Legal Medical Entomology, Urban Entomology and Stored Products Entomology. That science is growing up, and, when is properly implemented, can support well the police. This paper aims to show, in general, what are the applications and utility of forensic entomology for forensic and criminal investigation.
Key-words:entomology;bugs;investigation.
1. INTRODUÇÃO
1.1 OBJETIVO GERAL
Esclarecer o que é a Entomologia Forense e quais são suas possíveis aplicações.
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Destacar as diferentes maneiras de aplicação da Entomologia Forense, exemplificando-as;
Enfatizar a importância da Entomologia Forense na investigação criminal.
1.3 JUSTIFICATIVA
As instituições policiais dos países ocidentais apresentam um ramo de Polícia Científica chamado de Polícia Técnica, cuja atividade é denominada Criminalística. Essa contempla o estudo dos vestígios materiais do crime, como também o exame de indícios psicológicos do criminoso. Sendo assim, a perícia criminal forma um dos alicerces da justiça, por meio da aplicação de diversas ciências, entre as quais podemos citar a Biologia. A Biologia Forense pode auxiliar em diversos tipos de exames, tais como: a identificação de pessoas pelos tipos sanguíneos e pelo DNA; análise de manchas orgânicas (sangue, esperma, saliva); investigação de paternidade; toxicológico. Entre as diversas contribuições da referida área, temos a Entomologia (Costa, 2008).
De acordo com o Laboratório de Proteção Ambiental da Universidade Federal do Paraná a Entomologia é a ciência que estuda os insetos sob todos os seus aspectos e relações com o homem, as plantas, os animais e o ambiente. A palavra Entomologia é proveniente da união de dois radicais gregos, entomon (inseto) e logos (estudo) e vem sendo empregada desde Aristóteles (384-322 a.C.) para designar “Estudo dos insetos”. Um dos ramos da Entomologia é a Entomologia Forense.
A Entomologia Forense pode ser definida como a aplicação do estudo de insetos e outros artrópodes[1] na solução de casos criminais e disputas judiciais (Hall, 2001). Por meio da análise desses animais, em suas fases evolutivas, os especialistas conseguem estabelecer diversos aspectos relacionados à morte. É uma Ciência que, nas últimas duas décadas, tem despertado o interesse de peritos e de pessoas ligadas às instituições policiais devido à íntima relação existente entre esses estudos e as técnicas de investigação, sendo, portanto, utilizada como ferramenta auxiliar na investigação de crimes contra a pessoa, como casos que envolvem vítimas de morte violenta (Costa, 2008).
A primeira aplicação da entomologia forense documentada, refere-se a um caso ocorrido em 1235 e está relatada em um manual Chinês de Medicina Legal do século XIII, intitulado “The washing away of wrongs”. Foi um caso de homicídio em que um lavrador apareceu degolado por um instrumento de ação corto-contundente. Os investigadores, à procura de vestígios na redondeza, encontraram uma foice com moscas sobrevoando a seu redor, devido, provavelmente, aos odores exalados de substâncias orgânicas aderidas à lâmina. Em vista disso, o proprietário da foice foi pressionado pela polícia, levando-o a confessar a autoria do crime (apud McKnight, 1981). Entretanto, essa ciência veio tornar-se mundialmente conhecida apenas após 1894, com a publicação na França do livro “La Faune des cadáveres” de Mégnin, no qual o autor incluiu fundamentação teórica, descrição dos insetos e relatos de casos reais estudados por ele e seus colaboradores. Esses estudos, ainda hoje, são utilizados como padrão para os achados de insetos cadavéricos que se sucedem de modo previsível no processo de decomposição (Costa, 2008).
Apesar da importância dos estudos de Mégnin (1894), a Entomologia Forense foi esquecida durante muito tempo, devido à falta de entomologistas especializados no estudo da fauna cadavérica e também ao distanciamento entre entomologistas e os profissionais da área criminal. Em 1969, Leclercq publicou o livro “Entomology and legal Medicine”, seguido por Smith (1986), autor da obra “A Manual of Forensic Entomology”. Assim, o interesse por essa ciência foi retomado, e ao final do século XX, a aplicação da Entomologia Forense tornou-se rotina, principalmente na América do Norte e Europa (Costa, 2008).
No Brasil, o início dos estudos em Entomologia Forense está associado ao trabalho de Oscar Freire, em 1908, quatorze anos depois do trabalho de Mégin. Ele apresentou à Sociedade Médica da Bahia a primeira coleção de insetos necrófagos[2] e os resultados de suas investigações, em grande parte obtidos do estudo de cadáveres humanos e carcaças de pequenos animais.
A fauna entomológica cadavérica no Brasil apresenta vasta diversidade de espécies que se sucedem na carcaça, uma vez que o processo de decomposição cadavérico apresenta condições ideais ao seu desenvolvimento (Hobson 1932, Keh 1985). Os estudos da entomologia forense no Brasil indicam as moscas (ordem Diptera[3]) como os insetos de maior interesse na área, provavelmente pela diversidade deste grupo em regiões tropicais e principalmente pela atratividade que a matéria orgânica em decomposição exerce sobre esses insetos, influenciando no desenvolvimento, comportamento e dinâmica populacional das variadas espécies em nichos ecologicamente distintos. O segundo grupo de insetos de maior interesse forense no Brasil são os besouros (ordem Coleoptera), frequentemente encontrados em carcaças, tanto na fase adulta de desenvolvimento, quanto na fase larval (Carvalho ET AL 2000, Barbosa ET AL 2006).
A Entomologia pode ser utilizada na investigação de tráfico de entorpecentes, maus tratos, danos em bens imóveis, contaminação de materiais e produtos estocados, morte violenta, entre outros casos de âmbito judicial. Os conhecimentos entomológicos podem auxiliar a revelar o modo e a localização da morte do indivíduo, a estimar o tempo de intervalo pós morte (IPM), além de determinar o local onde a morte ocorreu.
Segundo Lord & Stevenson (1986) são três as subdivisões da Entomologia Forense: Médico-Legal, de Produtos Armazenados e Urbana.
Dessa forma, o presente artigo objetiva mostrar as diferentes maneiras que a Entomologia Forense pode ser aplicada e contribuir para a investigação policial.
1.4 MATERIAIS E MÉTODOS
Para a realização do presente trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica. As pesquisas foram feitas em publicações eletrônicas e o livro “Entomologia Forense- Quando os insetos são vestígios”, de Janyra-Costa, foi usado como referência e base para o desenvolvimento do tema.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 ENTOMOLOGIA MÉDICO-LEGAL
A Entomologia Médico-Legal está, na maioria das vezes, envolvida em processos criminais nos quais os insetos, em qualquer fase, fornecem um conjunto adicional de informações para compor uma prova, especialmente no que diz respeito à determinação do tempo de morte. A Entomologia Médico-Legal ou Médico-Forense é mais comumente conhecida como Entomologia Médico-Criminal devido à ênfase que é dada à utilidade dos artrópodes na solução de crimes que freqüentemente envolvem violência. Aborda elementos que abrangem a morte de humanos, como os processos de decomposição dos cadáveres, a busca de evidências a serem utilizadas durante julgamento de suspeitos e o esclarecimento de dúvidas. Pode também ser empregada na resolução de casos de morte de não-humanos, como gado e espécies protegidas (Costa, 2008).
Quando se trata de morte violenta, baseado na distribuição geográfica, habitat natural e biologia das espécies coletadas na cena da morte, é possível verificar o local onde a morte ocorreu. Dipteros da família Calliphoridae são encontrados em centros urbanos e a sua associação a corpos encontrados na zona rural sugere que a vítima não foi morta no ponto onde foi encontrada. Da mesma forma, informações sobre outras espécies de moscas que apresentam habitat específico, preferência distinta em realizar postura em ambientes internos ou externos, ou em diferentes condições de sombra e luz, podem dar indicações do local da morte.
Na medicina legal, uma das questões mais críticas reside em saber quando a morte ocorreu. A determinação do IPM é frequentemente, dada por patologistas e antropólogos forenses e, raramente, por um entomólogo. Normalmente, nos métodos tradicionais , o IPM e sua estimativa são inversamente proporcionais, isto é, quanto maior for o IPM, menor é a acurácia na determinação. Porém, com o auxílio de conhecimentos entomológicos, quanto maior o intervalo, mais segura é a estimativa (Goff & Odom, 1987). O método entomológico pode ser muito útil, sobretudo com um tempo de morte superior a 3 dias (Catts & Haskell, 1991). O principal pressuposto é que o corpo não está morto mais tempo do que o necessário para os insetos chegarem ao cadáver e se desenvolverem. Assim, a idade dos insetos mais velhos presentes no corpo determina o IPM mínimo. Das técnicas de cronotanatognose (diagnóstico do tempo da morte), como o relatório policial, a necropsia e o método entomológico, estatisticamente este último é o mais eficiente (Kashyap & Pilay, 1989).
Para determinação do IPM, duas abordagens principais são utilizadas. A primeira envolve a dependência da temperatura no desenvolvimento dos insetos (aplicada principalmente para dípteros) e a segunda reconhece que uma sucessão padronizada de artrópodes geralmente facilita a decomposição dos cadáveres (humanos ou não). Ocorre que, pelo reconhecimento de como a fauna associada ao cadáver se relaciona ao padrão, uma estimativa do IPM pode ser feita.
2.1.1Outras aplicações
Em casos de maus tratos a crianças, é possível precisar o número de dias, durante os quais o bebê foi privado de cuidados de higiene, baseando–se na determinação da idade das larvas de moscas achadas nos cueiros e camas (Costa, 2008).
Em relação aos entorpecentes, é possível, por exemplo, determinar a origem de pacotes de maconha com base na identificação dos insetos que ficaram retidos no momento da prensagem e traçar a rota do tráfico através da distribuição geográfica dos mesmos (Costa, 2008).
Drogas e tóxicos presentes nos corpos afetam a velocidade do desenvolvimento de insetos necrófagos. Cocaína, heroína, metanfetamina, amitriptilina e outras substâncias químicas têm mostrado efeitos no desenvolvimento das larvas e na decomposição e podem indicar morte por ingestão de dose letal. Pela voracidade das larvas, os fluidos do corpo e partes moles necessárias para as análises toxicológicas desaparecem. Então, é necessário identificar esses medicamentos e substâncias tóxicas no corpo de larvas de insetos necrófagos que se alimentaram desses cadáveres contaminados. Por outro lado, certas substâncias, como o arseniato de chumbo e o carbamato, impedem a colonização do cadáver por certos insetos necrófagos e a ausência destes é indicativa da presença dessas substâncias (Leclerq & Vaillant,1992; Oliveira-Costa & Lopes, 2000).
2.2 ENTOMOLOGIA DE PRODUTOS ARMAZENADOS
Na entomologia de produtos armazenados as ações acontecem prioritariamente na área cível, e os insetos são normalmente o problema, o motivo da ação judicial. Trata da contaminação em grande extensão de produtos comerciais estocados. A Entomologia de Produtos Armazenados engloba variadas espécies, destacando-se entre elas as de coleópteros[4] e lepdópteros[5], especializadas em atacar produtos agrícolas após a colheita e seus derivados quando armazenados. As disputas ocorrem por infestação de artrópodes ou partes destes em alimentos e outros produtos armazenados. Restos de insetos em cereais matinais, lagartas em vegetais enlatados e larvas de mosca em sanduíches são exemplos de casos comuns na área de produtos armazenados. O foco do controle envolve tecnologias que visam à eliminação ou redução populacional das pragas, de modo que se permita sua utilização segura pela população humana (Costa, 2008).
A partir da pesquisa de jurisprudência feita em sítios online de Tribunais de Justiça Cível de alguns estados brasileiros, pôde-se observar diversos processos, com diferentes motivações e características, nos quais as palavras cupim(s) e inseto(s) estavam presentes. A maioria desses processos são posteriores ao ano 2000, o que indica que esse tipo de litígio vem se tornando cada vez mais comum. Processos envolvendo ocorrência de insetos em produtos industrializados apareceram como a categoria mais freqüente (Costa, 2008). Alguns casos serão citados a seguir:
“Processo 2006.001.69836- Apelação Cível (RJ) Ação indenizatória. Alimento.
Barra de cereal submetida a exame pericial, apresentando contaminação por resíduos fecais e com a presença de inseto (lepdóptero), casulo inclusive, com larva, de mariposinha ou traça de cereais. Vício de qualidade a teor dos artigos 18 e 20 do Código de Defesa do Consumidor. Obrigação de resultado. A lei impõe aos fornecedores a obrigação de liberar no mercado somente produtos isentos de vícios. Violação do artigo 6, incisos I e III, do Código de Defesa do Consumidor. Não provou o apelado nenhuma das casuísticas do artigo 14, parágrafo 1, do CODECON, nem alegou caso fortuito ou força maior. Indenização por dano moral fixada em R$ 3.000,00 ( três mil reais) , uma vez que os danos atingiram apenas o aspectos psíquico do apelante, além de serem percebidos ictus oculis, atenuando o eventual risco de consumo por falta de desatenção. Apelo condenado nas custas e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Provimento do recurso. Unânime.” (Costa,2008).
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;”
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
No referido caso, a identificação correta do inseto e o levantamento da data de fabricação do produto são essenciais para determinar o provável momento de infestação das barras de cereais. O ciclo de vida do inseto pode durar de um a quatro meses, dependendo da espécie de traça. Sendo assim, uma vez que o prazo de validade desses produtos é normalmente de seis meses, não é impossível a infestação ter ocorrido no local de comércio ou na residência do consumidor, porém faltam informações para identificar se há nexo causal (Costa, 2008).
“Processo 2006.001.43204- Apelação Cível (RJ)
Responsabilidade civil. Defeito na fabricação de produto consumível. Pretensão indenizatória. Não obstante a incidência do art.14 do CDC na salvaguarda dos direitos do consumidor pela teoria moderna que coloca o próprio produto ou serviço como elemento do dano, potencialmente capaz de ocasionar danos ao consumidor, o fato de não se precisar o momento em que ocorreu a adição da barata na presuntada, afasta o perigo de dano efetivo e descaracteriza o potencial dano à personalidade do consumidor. Dano hipotético não indenizável. Recurso não provido.”
Aparentemente a barata estava íntegra. Se a contaminação tivesse ocorrido antes ou durante a preparação da presuntada no processo industrial, o inseto teria sido despedaçado. Trata-se, possivelmente de uma contaminação que ocorreu após a produção. Pode ter ocorrido durante o transporte ou no estoque do fabricante, do distribuidor, do comerciante, ou na casa do próprio consumidor (Costa, 2008).
2.3 ENTOMOLOGIA URBANA
De acordo com o Núcleo de Entomologia Urbana da Universidade de Brasília a Entomologia Urbana dedica-se ao estudo dos insetos que coexistem com o homem nas cidades, muitos dos quais causam prejuízos diversos: transmissão de doenças, vetores, fonte de alergia, danos a madeira e a bens culturais, como papel e obras de arte. Ações públicas ou particulares por incômodos e prejuízos, envolvendo insetos como moscas provenientes de currais e outros locais de criação de animais domésticos, são alvos desta parte da Entomologia Forense. São bastante corriqueiros processos judiciais devidos a incômodos causados por insetos procedentes de projetos agropecuários, tais como recintos de confinamento para engorda de bovinos e granjas de aves e suínos. Também casos de danos e controle ineficiente de cupins e outras pragas estruturais costumam ser numerosos. Entretanto, outros litígios não são percebidos com facilidade pelos leigos como parte da Entomologia Urbana. Pacientes em hospitais ou sob cuidados de enfermeiros em casa ocasionalmente podem sofrer infestação por larvas de mosca, chamada de miíase, o que geralmente resulta em ações por negligência. Ações por negligência contra necrotérios também ocorrem por ataque de larvas de moscas em cadáveres. As atividades de controle consistem na integração de diferentes tecnologias para redução populacional das pragas urbanas com segurança humana e ambiental e viabilidade econômica.
A seguir são citados alguns casos em que a entomologia urbana pode ser aplicada:
“Processo 1997.001.02868- (RJ)
Responsabilidade civil. Queda de galho de árvore causando danos a veículo estacionado. Árvore atacada por cupins. Culpa por omissão. A Fundação de Parques e Jardins tem o dever de vistoriar árvores que se apresentam atacadas por cupins, pondo em risco pessoas e coisas. Tendo sido alertada para o fato, e não tomando as providências, responde por sua omissão culposa. Embora tenha ocorrido ventania no dia da queda do galho, isso não é suficiente para isentá-la, pois é um fato previsível e o dano poderia ter sido evitado se, antes, a árvore tivesse sido arrancada. Apelo improvido. (MCG)”
Esse tipo de situação é muito comum nos centros urbanos do país. Ocasionalmente o problema não está nos cupins, e sim no conjunto de ações ou omissões que resultam na deterioração do vegetal e no empecilho de sua substituição por uma árvore em boas condições, quando essa medida devia ser providenciada pelo poder público (Costa, 2008).
“Processo 200.400.104.833-(RJ)
Ação ordinária. Relação de vizinhança. Infiltrações em prédio de apartamento, emanadas do superior, com danos ao inferior e inclusive gerando presença de cupins que destruíram o armário. Responsabilidade objetiva do proprietário por fato da coisa. Serviços de reparos feitos por bombeiros, que são oficiais práticos e de grande conhecimento destas questões. Prova robusta. Presença de dano e nexo causal gerando o dever de reparar pelo proprietário da coisa mal zelada. Revogação da gratuidade de justiça pela presença de prova contrária à presunção legal de pobreza. Recurso não provido.”
Essa é uma condição comum em edifícios de apartamentos, onde a infiltração favorece a infestação por praga de cupim subterrâneo ou arborícola. O problema condominial deve ser discutido na esfera do bem comum, ou seja, de interesse a toda sociedade de condôminos, por se tratar de infestação estrutural, que ultrapassa os limites de cada apartamento. No presente caso, a infiltração é de responsabilidade do proprietário do apartamento superior. Quanto à infestação por cupim subterrâneo ou arborícola, não o será necessariamente, dependendo de avaliação especializada: se for de conhecimento do proprietário, que a ignorou ou impediu o seu controle, há responsabilidade; caso contrário, o problema é condominial, ligado à estrutura do edifício e todos devem colaborar para a solução do problema. Caso a infestação tenha sido por cupim de madeira seca, então costuma ser problema local e não há responsabilidade do proprietário do apartamento superior (Costa, 2008).
2.3.1 Fraudes e outros casos
Ocasionalmente, consumidores tentam fraudar restaurantes e empresas introduzindo insetos ou partes deles em produtos adquiridos previamente. A resolução destes casos requer parecer do entomologista forense.
O atual código do consumidor reconhece “vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo” e atribui responsabilidade objetiva ao produtor; dessa forma favorece a ocorrência de denúncias fraudulentas, que podem ser desmascaradas por perícias bem conduzidas e bem fundamentadas (Costa, 2008). Alguns exemplos desses casos de fraudes serão expostos a seguir:
“Mulher dá entrada em maternidade em trabalho de parto. Marido deixa cheque de caução para cobrir as despesas. Após o nascimento da criança e na véspera da alta, o marido procura a Diretoria de Maternidade e apresenta uma fotografia onde se via a mãe sorridente sentada na poltrona do quarto com a filha no colo e à sua direita, no espaldar da poltrona, uma mancha marrom que o pai alegava ser uma barata. Esbravejando o pai alegou que iria processar a maternidade, que levaria o caso à imprensa.”
A fotografia foi enviada pela diretoria da maternidade a um entomologista, que após escanear e ampliar a imagem, rápida e facilmente concluiu que a fotografia havia sido manipulada em um programa de edição de imagens, de maneira amadora, adicionando-se uma imagem de barata. Confrontado com o laudo pericial, o pai admitiu a fraude, que foi uma tentativa de se livrar da dívida financeira com a maternidade (Costa, 2008).
Além das fraudes, existem casos em que o problema do inseto se origina na casa do próprio cliente ou usuário do produto. Muitas vezes por desconhecer a existência do problema, ou por não aceitar o fato, o usuário imputa a causa ao fornecedor do serviço ou produto. Como exemplo, pode-se citar queixas sobre ocorrência de baratas no interior de embalagens, armazenadas na casa do cliente e abertas para consumo, como no caso citado abaixo (Costa, 2008).
“Cliente alega que abriu um pacote de café e preparou uma porção de café, de maneira habitual, utilizando coador de pano em dispositivo próprio para essa finalidade, instalado sobre pia da cozinha. Tendo o café escoado, ao vizualizar o pó encontrou uma barata, sendo todo o material acondicionado em saco plástico e acionado o serviço de atendimento ao cliente do fabricante. Um técnico dirigiu-se à casa do cliente, onde avaliou o material e encontrou um saco de pano, com café-em-pó úmido e uma barata adulta inteira, inclusive com antenas intactas. Também visualizou fragmentos de ootecas de barata aderidas ao armário da cozinha e pelotas fecais do inseto nos armários. O cliente não aceitou as explicações oferecidas, mas não acionou judicialmente a empresa, que lhe forneceu uma embalagem com café, igual à previamente adquirida, imediatamente aberta e inspecionada com o cliente.”
A barata habitava a casa do cliente, onde certamente havia uma proeminente infestação, com espécimes reproduzindo dentro da residência. Ao transitar pelo armário sobre a pia da cozinha e receber o vapor da água fervente, precipitou-se dentro do coador e ali morreu, em meio ao pó de café (Costa, 2008).
2.3 A ENTOMOLOGIA NA DETECÇÃO DE EXPLOSIVOS
A Entomologia Forense também pode ser útil na detecção de explosivos. A associação do cheiro de componentes da bomba à água açucarada faz que as abelhas estendam seus probóscides[6], como se estivessem a ponto de extrair néctar doce de uma flor, quando sentem cheiro de explosivos. As abelhas são amarradas em pequenos tubos onde é liberado o cheiro de componentes químicos usados para fabricar explosivos, como dinamite, C-4 e bombas líquidas. Esperando a água açucarada em seguida, cada abelha treinada estende sua probóscide, que começa a balançar no ar à procura de néctar. É essa reação que torna útil esse método de treinamento. Mantendo as abelhas em estruturas fechadas, equipamentos de monitoramento podem ser usados para perceber a movimentação dos probóscides e dessa forma podem captar a movimentação e indicar a presença de explosivos nas proximidades (Layton, 2008).
3. CONCLUSÃO
Diante do exposto, percebe-se como a Entomologia Forense é útil na área criminal. Desconhecida por muitos, pode não somente ajudar na elucidação de crimes e outras pendências judicias, como ser decisiva. É, sem dúvida, um instrumento para o futuro, uma vez que existem áreas em que é necessária investigação mais apurada.
Segundo Hall e Brand, atualmente, estão sendo realizados estudos de DNA para estabelecer possíveis diferenças genéticas entre espécies de moscas e também entre populações da mesma espécie. Esse conhecimento poderá ajudar a determinar se um corpo foi movido após a primeira infestação. A extração e análise do aparelho digestivo de larvas que tenham se alimentado de um cadáver humano poderá ser útil na verificação da existência de drogas no corpo, indicando um possível suicídio ou overdose. Resíduos de pólvora no aparelho digestivo das larvas indicariam um possível uso de armas de fogo, mesmo quando as provas físicas já não existissem. É possível ainda que se possa extrair DNA humano das larvas, demonstrando a presença de um corpo mesmo depois deste ter sido removido.
Sendo assim, a entomologia forense visa subsidiar os peritos e outros membros das instituições policiais na busca da verdade, bem como fornecer aos usuários da perícia conhecimentos específicos segundo metodologias unívocas em linguagem acessível (Costa, 2008).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL.Lei n. 8.072, de 11 de setembro de 1990. Estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,8 dez. 2009. Disponível em http://portal.in.gov.br/in. Acesso em nov. de 2009
COSTA, Janyra Oliveira. Entomologia Forense: Quando os insetos são vestígios. 2ª ed. São Paulo: Ed. Millennium, 2008.
HALL, Martin; BRAND Amoret. Entomologia Forense. Tradução de Sonia Furtado Disponível em http://www.scienceinschool.org/2006/issue2/forensic/portuguese. Acesso em 25.11.2009.
IDE, Sergio; HOJO Harumi. Entomologia Forense: insetos e outros artrópodes e o sistema judicial. Centro de Pesquisa e Sanidade Vegetal. Disponível em: http://www.biologico.sp.gov.br/artigos_ok.php?id_artigo=79. Acesso em 28.11.2009.
LAYTON, Julia. Como você pode treinar abelhas para farejar bombas. Disponível em http://ciencia.hsw.uol.com.br/abelha-farejadora-bombas.htm. Acesso em 30.11.2009.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Núcleo de Entomologia Urbana. Disponível em http://vsites.unb.br/ib/zoo/Nent/. Acesso em 01.12.2009.
[1] Os Artrópodes (do grego arthros: articulado e podos: pés, patas, apêndices) são animais invertebrados caracterizados por possuírem membros rígidos e articulados.
[2] Insetos necrófagos são aqueles que se alimentam de tecidos decompostos de outros animais.
[3] Diptera (dípteros) é uma ordem da classe Insecta, caracterizada pelo tamanho reduzido das asas traseiras e pela proeminência das asas dianteiras. Grande ordem das moscas e mosquitos.
[4] Ordem de insetos armados de élitros (asas superiores) e sujeitos a metamorfoses completas. Esta ordem inclui os besouros, gorgulhos e vaga-lumes.
[5] Ordem de insetos que passam pó metamorfoses completas, desde o estado do ovo até o de borboleta.
[6] A probóscide é uma estrutura oca, correspondente ao prolongamento do aparelho bucal, que então funciona como sugador, ou picador-sugador.
Bióloga formada pela Universidade de Brasília e pós-graduada em Investigação Criminal pela Universidade católica de Brasília. Foi Analista Junior da CAPES, Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da ANVISA e hoje é Agente de Polícia da PCDF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Andressa Cruz e. A entomologia forense na investigação criminal: aplicação e importância Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48622/a-entomologia-forense-na-investigacao-criminal-aplicacao-e-importancia. Acesso em: 23 dez 2024.
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