RESUMO: O ser humano em sua fase atual de desenvolvimento tecnológico vê-se diante de uma serie de descobertas que possibilitam o melhoramento e prolongamento da vida, mas que também permitem a compreensão antecipada de problemas de saúde, algumas vezes, fatais. A anencefalia, patologia fatal caracterizada pela ausência de estruturas cerebrais basilares, atualmente, pode ser detectada ainda no ventre materno, e com isso, questiona-se a necessidade de manutenção de uma gravidez fada ao fracasso. No intuito de solucionar a questão, ajuizou-se na Corte Suprema do país uma ação objetiva que discute a criminalização ou não do aborto de fetos anencéfalos. O presente artigo visa a analisar essa ação proposta, perpassando para tanto por temas correlatos necessários ao entendimento da questão principal. Inicialmente, discutiu-se o conceito de vida e seu termo inicial, percebendo que não há um consenso sobre o tema e que, ainda que houvesse, isso não determina precisamente a partir de quando deve ela ser protegida. Posteriormente, foi analisada a legislação concernente ao aborto, especificando seu conceito, classificações, fundamentos e hipóteses permissivas. Finalmente, a decisão de atipicidade da conduta de interrupção da gravidez por anencefalia tomada pela Corte de cúpula do país é analisada, delineando-se a visão dos ministros no julgamento e seus fundamentos para tanto.
Palavras-chave: Anencefalia. Interrupção da gravidez. Aborto. Atipicidade.
ABSTRACT: The human being in its current stage of technological development is seen in front of a series of discoveries that make possible the upgrading and extension of life, but which also allow early understanding of health problems, sometimes, fatal. The anencephaly, a fatal pathology characterized by the absence of basic brain structures currently can be detected even in the womb, and with it, if there is a necessity to maintain an unsuccessful pregnancy. In order to resolve the matter, a lawsuit was started in national Supreme Court that aims at discussing the criminalization of abortion of fetuses anencéfalos. This article aims to analyze this proposal, by passing through related issues necessary for the understanding of the main issue. Initially, discussed the concept of life and your initial term, realizing that there is not a consensus on the subject and that, even if there were, it does not determine precisely when should she be protected. It was subsequently examined the legislation regarding abortion, specifying its concept, classifications, fundamentals and permissive assumptions. Finally, the decision of termination of pregnancy by anencephaly taken by the national Supreme Court is analyzed, outlining the view of the Ministers in the judgment and the reasons for that.
Keywords: Anencephaly. Termination of pregnancy. Abortion. Inappropriate criminal nature.
INTRODUÇÃO
No dia 17 de junho de 2004, a Confederação Nacional dos trabalhadores na área da saúde ajuizou uma Arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal com a assistência jurídica do então advogado Luís Roberto Barroso.
A demanda se propunha a dar interpretação conforme à Constituição dos dispositivos 124, 126 e 128, todos do Código Penal, a fim de não se enquadrar nas situações por eles descritas, isto é, aborto, a interrupção prematura da gravidez de feto com anencefalia. Subsidiariamente, acaso não fosse aceita a ação proposta, houve o requerimento de sua recepção como Ação direta de inconstitucionalidade.
O pedido principal da inicial se fundamentou, basicamente, nos direitos à dignidade da pessoa humana, à saúde, à liberdade e à legalidade da gestante que estariam sendo violados ao se criminalizar a sua decisão de interromper a gravidez de anencéfalo.
Durante a tramitação do feito, inicialmente, foram resolvidos seu aspectos procedimentais, tais como, o cabimento da ação em comento, a legitimidade do postulante, a intervenção do amicus curiae e a concessão de liminar.
A corte constitucional decidiu, quanto aos pontos acima elencados, da seguinte forma.
Arguição de descumprimento de preceito fundamental, consoante dispõe a legislação, a lei 9882/99 e a CF, em seu artigo 102, parágrafo 1, deve ser intentada contra ato do poder publico que viole preceito fundamental da Constituição e desde que não haja outra demanda capaz de conferir a mesma proteção ao dispositivo violado.
O Supremo decidiu que o meio processual utilizado pelo autor era adequado, tendo em vista que anteriormente já havia tramitado no próprio STF um Habeas Corpus 32.159-RJ para discussão da matéria, o qual perdeu seu objeto durante o tramite, por ocasião do parto do feto anencéfalo, antes mesmo de qualquer solução da lide. Assim, levando-se em conta a importância da matéria e a consequente necessidade de pacificação da questão com caráter geral e vinculante, os ministros entenderam que um processo objetivo seria mais condizente com a questão a ser debatida.
No que concerne à legitimidade ativa, a Confederação nacional dos trabalhadores na área de saúde enquadra-se juridicamente como entidade de classe de âmbito nacional, e o tema em analise na ação afeta diretamente os interesses de seus associados, os trabalhadores na área de saúde, que são enquadrados no tipo penal de aborto acaso interrompam a gestação de mulher grávida de anencéfalo, assim decidiu o STF.
Inicialmente, o STF não admitiu que a confederação nacional dos bispos do Brasil interviesse como amicus curiae, mas posteriormente, por ocasião das inúmeras audiências publicas que se deram no decorrer do processo, os representantes das entidades religiosas foram ouvidos.
Por fim, antes do julgamento do mérito em definitivo, o Ministro relator, Marco Aurelio, tendo em vista o recesso forense, decidiu monocraticamente pela concessão de liminar na demanda, suspendendo os processos em curso sobre o tema, e permitindo a interrupção da gravidez de feto anencéfalo, sem enquadramento no tipo penal do aborto. Decisão esta logo em seguida modificada pelo plenário do Supremo, mantendo-se, tão somente, a suspensão dos processos em tramite sobre o tema.
Assim, instalou-se na corte maior do país, responsável pela guarda da Constituição, e por vezes, pela ultima palavra com relação a ela, novamente, após a discussão travada na ADI 3510, o problema do começo da vida e sua proteção. Contudo, nessa nova ação do controle concentrado, a problemática se expandiu para alem do que já fora debatido pela corte, trazendo uma nova realidade social para a arena, a anencefalia.
O presente artigo visa à discussão dessa atual problemática trazida na ADPF 54, mais especificamente seu tema central, a anencefalia, sem olvidar dos assuntos periféricos necessários ao correto entendimento do cerne da questão, a exemplo do conceito de vida e seu termo inicial.
Utilizar-se-ão como marco teórico para o desenvolvimento deste estudo os seguintes autores: Reinado Pereira da Silva, William Artur Pussi, Caio Mário da Silva Pereira, Rogério Sanches, dentre muitos outros.
O presente trabalho, usando uma vertente metodológica qualitativa, que visa a analisar o direito posto, e uma abordagem hipotético-dedutiva, a partir de uma pesquisa indireta e de cunho bibliográfico, está dividido em três tópicos que objetivam dar uma visão panorâmica do tema, sem pretender exauri-lo, todavia.
O primeiro capitulo tratará do conceito e inicio da vida, e suas eventuais implicações jurídicas. Posteriormente, abordar-se-á a temática do aborto e seu tratamento na legislação nacional. Por fim, analisar-se-á a decisão da Corte maior do país acerca do problema dos fetos anencéfalos e seu possível enquadramento na legislação atual.
CONCEITO DE VIDA, TERMO INICIAL E PROTEÇÃO JURÍDICA:
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
Nos primórdios da vida acadêmica, nós aprendemos, de forma singela, que os seres vivos nascem, crescem, desenvolvem-se e morrem. Mas não nos é ensinado, nessa época, quando, precisamente, cada etapa dessa ocorre.
Com o avanço nos estudos percebemos que o marco de cada uma dessas etapas pode ser o cerne de toda a questão sob analise. Isso porque a proteção conferida ao ser humano depende de precisarmos quando ele se torna tal e quando deixa de sê-lo.
O estudo do desenvolvimento humano deve ser feito de forma ampliada, desde o processo biológico da gametogênese, que consiste na geração e amadurecimento das células germinativas humanas, os gametas, conhecidas como espermatozóides no sexo masculino e óvulos, no sexo feminino, até o nascimento do indivíduo e seu posterior crescimento. (SILVA, 2002, p. 27).
A chamada fertilização é o primeiro dos vários acontecimentos que se sucedem quando do encontro de um espermatozóide com um óvulo, após a ejaculação, ato em que são liberados milhões deles. Assim, pode-se dizer que “(...)o desenvolvimento humano inicia-se na fertilização, quando um gameta masculino ou espermatozóide se une ao gameta feminino ou ovócito para formar uma única célula – o zigoto.” (MOORE, 2004, p. 18).
Essa fase é chamada de concepção, segundo parte da doutrina. E nela se forma o genoma humano responsável pelas características do novo indivíduo oriundas de seus ascendentes e que o tornam único e singular em relação a todos os demais seres de sua mesma espécie, podendo-se afirmar “(...) com probabilidade confinante à certeza, que nunca existiram, não existem, nem existirão dois indivíduos geneticamente idênticos.” (SILVA, 2002, p. 37)
Em seguida, tem-se uma série de transformações e diferentes etapas por que passa esse novo indivíduo, podendo-se congregá-las em duas fases de maior destaque: o período do embrião pré-implantatório ou do pré-embrião e a fase embrionária propriamente dita. A diferença crucial entre ambas se dá com o processo de nidação, que se caracteriza pela implantação da massa celular então denominada blastocisto – que já sofreu várias divisões celulares, passando do estágio de zigoto para mórula (até 32 blastômeros ou células embrionárias) e deste para blastocisto (cerca de quatro dias após a fertilização) - na mucosa uterina, fenômeno que se inicia ainda na primeira semana após a fertilização e termina ao final da segunda semana. (MOORE, 2004, p. 18).
O embrião se forma na terceira semana da gravidez, quando ocorre o aparecimento da linha primitiva, e se estende até o final da oitava quando todos os órgão e tecidos do corpo humano já possuem uma estrutura rudimentar.
O feto aparece na nona semana de gestação e perdura até o nascimento, em regra, 266 dias ou 38 semanas após a concepção. Em seguida, tem-se o parto que é o processo de nascimento durante o qual o feto, a placenta e as membranas fetais são expelidos do trato reprodutivo da mãe.
Assim, o nascimento consiste em mais “(...) um passo na continuidade vital que começa com a concepção e se conclui com a morte” (SILVA, 2002, p. 48) e tudo que se encontra entre esses dois pólos consiste no desenvolvimento das próprias potencialidades físicas, intelectuais e espirituais desse ser humano. Ser este que terá o êxito de seu projeto existencial consubstanciado nas condições de sobrevivência que lhe serão disponibilizadas, mas que a despeito da alta qualidade das condições que podem lhe ser fornecidas somente desenvolverá uma parte de suas inúmeras potencialidades morrendo antes mesmo de haver nascido completamente, sem jamais atingir a sua plenitude.
O embrião, pois, consiste no organismo vivo no seu primórdio, em seus primeiros estágios de desenvolvimento. O nascituro, por sua vez, de acordo com sua própria origem etimológica significa aquele que está por nascer, aquele que vai ou que há de nascer, não se distinguindo, portanto, quanto à sua fase de desenvolvimento, tendo, pois, um sentido amplo que engloba desde o zigoto até o feto, passando, assim, pelo embrião.
Por fim, tem-se a pessoa nascida, que desenvolverá sob influência do ambiente exterior suas demais potencialidades acessórias, de acordo com o plano de desenvolvimento que já lhe é intrínseco desde a concepção.
A compreensão de todos essas etapas por que passa o ser humano em seu desenvolvimento constitui mais uma descrição cientifica objetiva de fenômenos naturais do que uma definição do que seja vida e, com isso, não responde à pergunta crucial de quando ela se inicia.
1.2 CONCEITO DE VIDA, SEU TERMO INICIAL E PROTEÇÃO JURÍDICA:
Conforme pode se inferir, a grande discussão que se trava é a respeito da vida. Não somente em que consiste a mesma, mas também e principalmente quando ela se inicia.
O termo vida decorre da expressão latina vita e significa “(...) o estado de atividade da substância organizada, comum aos animais e vegetais.” (PUSSI, 2008, p. 177). A celeuma se instaura e tem seu ápice quando se pretende precisar o início dessa atividade, surgindo como resposta as mais variadas visões que suscitaram uma discussão inédita e polêmica no órgão máximo da justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação direta de inconstitucionalidade nº 3510/DF proposta pelo então Procurador-Geral da República Claúdio Fonteles, que ocasionou na convocação de uma audiência pública pelo STF, a fim de embasar melhor sua decisão, a qual reuniu especialistas de todas as áreas do conhecimento, especialmente juristas e médicos.
Há diferentes visões acerca do começo da vida humana, valendo destacar as seguintes.
Visão genética, que prega que a vida começa na fertilização, quando espermatozóide e óvulo se encontram e combinam seus genes para formar um indivíduo com carga genética única, igualmente titular de direitos como todos os demais seres humanos.
A visão embriológica, que estabelece o inicio vida como sendo a partir da 3ª semana da gravidez, quando é estabelecida a individualidade humana, não podendo mais o embrião se dividir e originar duas ou mais pessoas.
A neurológica, que faz uso do mesmo critério usado para fins de morte, qual seja, a atividade cerebral, não se podendo chegar a um consenso, no entanto, quanto à data precisa do aparecimento de sinais cerebrais.
A ecológica, que prega que há vida quando o feto é desenvolvido o suficiente para sobreviver fora do útero materno.
E, finalmente, a concepção metabólica, que afasta a celeuma, dizendo ser a mesma irrelevante, uma vez que não haveria um momento único em que a vida teria início, sendo óvulos e espermatozóides considerados tão vivos quanto qualquer pessoa.
A definição do inicio da vida é de suma importância para o mundo jurídico, na medida em que a resposta a tal pergunta pode delimitar desde quando a tutela jurídica deve ser conferida ao ser humano, se do momento da sua concepção, da sua nidação ou, tão somente, após o seu nascimento, e assim, em que momento o ser humano passa a ser, pois, sujeito de direitos.
Nesse sentido, instala-se uma discussão na doutrina sobre o momento em que a pessoa natural adquire a sua personalidade, ou seja, na visão clássica do tema, passa a titularizar direitos e obrigações. Da leitura do artigo 2º do nosso Código Civil e interpretando-o conforme entendimento da doutrina clássica, percebe-se que se estabeleceu como marco inicial da capacidade jurídica o nascimento com vida do homem.
Saliente-se que tal entendimento prega que o recém-nascido se separe completamente do ventre-materno, isto é, não permaneça ligado a ele pelo cordão umbilical, e dê sinais inequívocos de vida, ou seja, respire, para que adquira a personalidade jurídica e com isso se torne sujeito de direitos, consoante conceito clássico de personalidade, ou goze da proteção jurídica fundamental aos direitos da personalidade, conforme definição mais moderna da expressão retro mencionada.
Nesses termos dispõe Caio Mário:
A personalidade jurídica, no nosso direito, continuamos a sustentar, tem começo no nascimento com vida. Dois os requisitos de sua caracterização: o nascimento e a vida.
Ocorre o nascimento quando o feto é separado do ventre materno, seja naturalmente, seja com o auxílio de recursos obstétricos. (...)
A vida do novo ser configura-se no momento em que se opera a primeira troca oxicarbônica no meio ambiente. Viveu a criança que tiver inalado ar atmosférico, ainda que pereça em seguida. (PEREIRA, 2008, p. 219)
Desse modo, segundo nossa legislação, não se exige a viabilidade da criança e nem tampouco a sua forma humana para se adquirir a personalidade, bastando, apenas, que tenha nascido com vida, afastando-se, destarte, a personalidade do natimorto, isto é, o infante que já nasce morto. E é precisamente dessa discussão quanto ao momento de aquisição da personalidade que se desenvolvem diversas teorias.
A definição do momento de aquisição da personalidade é de extrema importância para qualquer ordenamento jurídico, uma vez que por meio dessa precisão delimitar-se-á a tutela a ser conferida pelo direito e seus respectivos sujeitos. Por essa razão, os diversos ordenamentos existentes tem buscado ao longo da história precisar esse instante, a partir do conhecimento do momento em que se inicia a vida e adequando-o, no mais das vezes, à sua realidade sócio-cultural.
Vários autores nacionais estudaram sobre a personalidade jurídica do nascituro e desenvolveram diferentes posições e opiniões a respeito do tema.
Algumas dessas teorias têm de maior destaque entre os estudiosos, a exemplo da teoria natalista ou da natalidade. Segundo essa teoria a individualidade humana só se inicia a partir do nascimento com vida, reservado ao nascituro apenas uma expectativa de direito que em direito subjetivo se transformará se o concebido vier a adquirir vitalidade.
Assim, os doutrinadores que defendem o posicionamento retro mencionado, como Silvio Rodrigues e Vicente Ráo, essa foi a teoria adotada pelo nosso Código Civil, em seu artigo 2º, tendo como início da personalidade o nascimento com vida antes do qual o feto não passaria de uma spes hominis. Em resumo, para os natalistas o nascituro não é pessoa, portanto, não tem personalidade jurídica, de modo que a lei protege somente os direitos que possivelmente terá se nascer com vida, os quais se encontram enumerados taxativamente no ordenamento jurídico.
Referida teoria, todavia, é muito criticada na atualidade, tendo em vista não acompanhar a evolução da ciência, que já afirma, segundo alguns estudiosos, ser a concepção a gênese da vida, consoante prega Genival Veloso de França ao dizer que: “(...) o espermatozóide depositado pela cópula ou artificialmente no canal vaginal avança, penetrando no útero, sobe até a tuba uterina e, aí, encontrando o óvulo, fecunda-o, formando o ovo que é a unidade primeira da vida.” (grifo nosso) (FRANÇA, 2008, p. 250).
A teoria da personalidade condicional, por seu turno, prega que o nascituro possui desde sua concepção personalidade jurídica, subordinada e vinculada, entretanto, à condição do nascimento com vida. Seria, pois, o concebido o titular de um direito sob condição suspensiva, sendo esta condição o evento futuro e incerto do seu nascimento com vida.
Outra corrente de pensamento, encabeçada pelos doutrinadores mais modernos, é a teoria concepcionista. De uma forma geral, os adeptos dessa teoria reconhecem ao nascituro a personalidade desde a concepção, sem considerá-la condicional senão com relação a certos direitos. Para os autores que a corroboram, a exemplo de Silmara Chinelato (CHINELATO, 2000, p. 141) e Francisco Amaral (AMARAL, 2000, p. 215), existindo alguma condição, esta deve restringir-se unicamente aos direitos patrimoniais, não podendo, em hipótese alguma, atingir os direitos fundamentais da personalidade do nascituro.
A doutrinadora Silmara Chinelato fundamenta seus pensamento da seguinte forma: “ (...) o nascituro é pessoa porque já traz em si o germe de todas as características do ser racional."
Essa teoria concepcionista, retro mencionada, sustenta-se no fato de que a partir do instante em que se atribuem direitos ao nascituro, reconhece-lhe a legislação personalidade e, por conseguinte, atribui-se a ele o status de pessoa, protegendo-o como tal tanto legislação civilista atual, bem como e com maior ênfase o Código Penal em vigor ao criminalizar o aborto (art. 124 e seguintes, no Título dos crimes contra a pessoa, em Capítulo intitulado dos crimes contra a vida).
Nas teorias citadas anteriormente pode-se inferir que sutis e variadas são as nuances que envolvem a questão, de modo que a opção por uma ou outra teoria como a mais adequada diverge totalmente quanto aos efeitos para esse novo ser humano e sua respectiva proteção.
A morte, paralelamente e por sua vez, nos termos do que dispõe o Conselho Federal de Medicina, se dá com a parada da atividade cerebral, isto é, a morte encefálica, tendo em vista ser a única irreversível. Mas esse atual conceito de morte não foi o único ou primeiro a ser pensado.
Inicialmente, acreditava-se que a morte se dava com a parada cardiorrespiratória, isto é, parando a atividade dos pulmões e do coração. O que era coerente ao conceito ate então de vida, estabelecido pela docimasia hidroestatica de Galeno, um exame que atesta a vida do recém-nascido pelo respirar do neonato.
Contudo, com o passar do tempo e evolução da Medicina, percebeu-se que a parada cardiorrespiratória poderia ser revertida - e como não há a pretensão com base no conhecimento cientifico atual de dizer que foi descoberta a forma de retorno dos mortos à vida! - um novo conceito de morte entra em cena, a morte encefálica, ou seja, a cessação da atividade cerebral, essa sim irreversível.
Assim, na comunidade cientifica, conforme se pôde depreender da oitiva dos vários cientistas nas audiências publicas determinadas na ADPF 54, ou mesmo nas conclusões da ADI 3510, não há um consenso sobre o conceito de vida, assim como nem sempre houve sobre a definição da morte.
Alias, nos termos do que fora explanado pela ministra Rosa Weber, os próprios conceitos científicos, a despeito do intento das ciências naturais de descrever os fenômenos em sua mais precisa realidade, não estabelecem uma verdade absoluta, modificando-se com o decorrer do tempo e suas novas percepções.
Ademais, alem da divergência no próprio conteúdo da expressão vida e seu termo a quo, o estabelecimento de sua definição não necessariamente ira coincidir com o termo inicial da tutela pelo direito, como também ressaltou a ministra Rosa Weber, tendo em vista a limitação dos paradigmas científicos, no mais das vezes, à aplicação pelos seus próprios estudiosos.
ABORTO, DEFINIÇÃO E TUTELA JURÍDICA:
Aborto é o produto do processo de abortamento, este definido como a ação de interromper a gravidez com a destruição do produto da concepção. (CUNHA, 2014, p. 106).
O aborto ou abortamento é criminalizado pela nossa legislação atual, o Código penal de 1940, diferenciando este as penalidades no tocante à mãe que pratica ou consente com o aborto e o terceiro que o faz, em aplicação ao que a doutrina denomina de teoria pluralista, excepcionando a teoria monista usada como regra.
Vale ressaltar que existem varias classificações de aborto, algumas das quais não interessam ao direito penal, uma vez que esse ramo é caracterizado pela intervenção mínima, fragmentariedade e subsidiariedade, só atuando quando os demais ramos jurídicos tornam-se falhos na proteção do bem tutelado.
O aborto natural, isto é, aquele decorrente de interrupção natural do curso da gestação, assim como o acidental, que decorre de quedas, traumatismos e acidentes em geral, não interessam ao direito penal, configurando-se como indiferente penal. (CUNHA, 2014, p. 107).
Em contrapartida, o aborto criminoso, descrito nos artigos 124 a 127 do Código penal, seja ele por questões de honra (chamado de honoris causa), por razoes de miserabilidade (aborto miserável), ou por motivos de anomalias do feto (aborto eugênico), assim como as hipóteses de aborto legal, previstas no artigo 128 do código penal, interessam à legislação criminal. (CUNHA, 2014, p. 107).
Na ADPF 54 foi discutido, mais especificamente, as hipóteses de aborto criminoso previstas nos artigos 124 e 126 do diploma penal, por motivo de anomalia, no caso, a anencefalia, e as excludentes de ilicitude do artigo 128 da mesma legislação em questão.
Nos termos do que fora mencionado alhures, a legislação penal criminaliza o aborto praticado pela gestante ou com seu consentimento com a pena de detenção de 1 a 3 anos. Ao passo que o terceiro que eventualmente participa do ato, executando esse aborto, recebe uma reprimenda de reclusão de 3 a 10 anos ou de 1 a 4 anos, a depender se o fez sem ou com o consentimento da gestante.
A criminalização do aborto, a par da celeuma que se tem com relação ao marco inicial da vida, se justifica tendo em vista a proteção que se confere a ela pela Constituição (artigo 5, caput), Código Civil (artigo 2, in fine) e documentos internacionais aos quais o Brasil aderiu ( Declaração Universal de direito humanos, artigo 3, e Convenção americana dos direitos humanos, artigo 4, dentre outros).
Ademais, a paternidade responsável que emana do artigo 226, parágrafo 7, da Carta Magna determina que não se pode exigir amor das pessoas, mas pode-se obrigá-las ao cuidado, tendo em vista sua participação direta na criação e formação de um novo individuo.
Assim, a partir do instante em que é gerado um ser, seja ele considerado pessoa ou não antes do nascimento, deve o Estado tutelar seu direito primordial de nascer para que, então, constitua-se ou, pelo menos, afirma-se como tal.
Entretanto, o código penal, mais adiante, levando em consideração uma ponderação de direitos, determina algumas hipóteses em que o aborto será descriminalizado, isto é, incidirão excludentes de ilicitude, quais sejam, em caso de necessidade de salvar a vida da gestante ou gravidez decorrente de estupro.
Na primeira hipótese, chamada de aborto necessário, há uma colisão entre os direitos à vida da mãe e do feto e a lei determina, a priori, que deve-se salvar a mãe. Para tanto, exige-se o cumprimento de vários requisitos, quais sejam: que o aborto seja realizado por medico, não necessariamente especialista; que haja um perigo à vida da gestante; e não exista outra forma de salvá-la. Neste caso, o profissional da saúde não precisa de autorização da gestante para fazê-lo, tampouco do juiz, tendo em vista a situação limítrofe em que se encontra.
Verifica-se por esse dispositivo que nem mesmo o direito à vida, substrato para o exercício dos demais diretos, é absoluto, podendo sofrer limitações diante das circunstancias do caso concreto, as quais deram-se na presente situação como a existência de uma vida já desenvolvida, a da mãe, e em situação de risco iminente.
A segunda hipótese trata do aborto sentimental, que se reporta ao caso de gravidez decorrente de estupro. Neste caso também há a exigência do preenchimento de vários requisitos, tais como, a realização por um medico que, contudo, deve obter prévio consentimento da gestante ou de seu representante legal para interromper essa gestação.
No caso do inciso II do artigo 128 do código penal, diferentemente do que ocorre no inciso I, não há uma confrontação entre direitos de mesma envergadura, isto é, de direitos à vida no sentido de integridade corporal. Há, em verdade, a colisão entre o direito à integridade física do feto e à saúde psicológica da mãe, alem de seu poder de autodeterminação já vilipendiado por ocasião do estupro e reiterado por uma gravidez indesejada daí decorrente.
Numa acepção já ampla do direito à vida na década de 40, o legislador a concebeu como um direito à vida digna, não a vislumbrando numa concepção indesejada decorrente do estupro, e por isso possibilitou a gestante a interrupção dessa gravidez.
A ADPF 54, tendo em vista a realidade social em que inúmeras mães, diante de um diagnostico de anencefalia, resolviam interromper a gravidez e muitas vezes não encontravam profissionais dispostos a fazê-lo com medo da responsabilização pelo artigo 126 do código penal, visou justamente à interpretação dos dispositivos da legislação penal que tratam do aborto, a fim de não enquadrar a interrupção da gravidez de feto anencefálico como tal.
Ou, subsidiariamente, em caso de sua inclusão, por meio de uma interpretação ampliativa e evolutiva, enquadrar a questão como uma das hipóteses de exclusão de ilicitude do artigo 128 do código em comento.
Vale ressaltar que uma parte da doutrina já via o caso como, no mínimo, uma exclusão supralegal de culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa. Mas para não ficar ao sabor de decisões judiciais muitas vezes contraditórias, a ação em questão foi ajuizada na corte suprema, exigindo desta uma palavra final sobre o tema.
ADPF 54: julgamento pelo STF
Nos termos do que fora narrado alhures, a ADPF 54 foi ajuizada em meados de junho no STF, tendo sido realizadas audiências publicas no decorrer de seu processamento, a fim de melhor subsidiar os ministros à resolução do tema, alem de promover uma maior participação popular na decisão, o que reforça sua legitimidade.
A inicial dessa demanda, assinada pelo causídico Luís Roberto Barroso, defendeu que a permissão da antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia privilegia a dignidade humana da mulher gestante, alem de seus direitos à saúde, à liberdade, à autonomia e à legalidade.
A anencefalia pode ser definida como a malformação congênita do feto, que não possui uma parte do sistema nervoso central, faltando-lhe os hemisférios cerebrais e tendo uma parcela do tronco encefálico.
Interessante notar que nesta demanda, tanto os votos do então Advogado geral da União, Dr. Evandro Costa Gama, como da Procuradora geral da republica, Dra. Débora Macedo Duprat de Britto Pereira, foram pela sua procedência, consenso que raramente ocorre, ate pela divergência de funções de ambos os órgãos. Houve, pois, uma certa convergência no sentido da procedência da demanda, o que, de certa forma,se refletiu no julgamento, uma vez que, por maioria de 8 votos a dois, a demanda foi julgada favoravelmente ao autor.
O ministro relator, Marco Aurelio, que votou pela procedência da demanda, concentrou seu voto, basicamente, na discussão dos seguintes argumentos: a laicidade do estado, o suposto direito a vida do feto anencefálico e a doação de órgãos do anencéfalo.
O Estado brasileiro, desde a primeira constituição da republica, de 1891, é laico, isto é, não possui uma religião oficial, o que não o torna, por obvio, avesso às religiões existentes, mas apenas tolerante com todas as manifestações religiosas.
Assim, eventuais argumentos religiosos, se pretenderem entrar no debate jurídico de questões sociais, devem ser institucionalizados, isto é, racionalizados, a fim de que possam ser usados independentemente da adesão a essa ou aquela religião.
No que tange ao direito à vida do feto anencefálico, a controvérsia teve como cerne se o anencéfalo possui ou não vida. E após a resposta a essa pergunta a tutela jurídica estatal poderia, então, ser delineada.
Os religiosos ouvidos nas audiências publicas da ADPF 54 não chegaram num consenso, tendo, por exemplo, o Dr. Carlos Macedo de Oliveira, representante da Igreja universal do reino de Deus, dito que deveria prevalecer o direito da mulher e seu livre arbítrio, e o Sr. Luiz Antonio Bento, representante da Confederação nacional dos bispos do Brasil, defendido que o feto anencefálico tem humanidade, não podendo o Estado julgar o valor intrínseco de uma vida pelas suas deficiências.
Controvérsia também verificada na própria comunidade cientifica, que só chegou a uma maioria próxima da unanimidade na possibilidade de se detectar ainda intrauterinamente a anencefalia e ser esta uma doença terminal e irreversível que, quando não mata no útero, permite um tempo curto de "vida" extrauterina.
O ministro relator, todavia, concluiu, após analises dos argumentos trazidos à baila, que, em simetria ao que dispõe a lei 9434/97, artigo 3, a vida só estaria caracterizada se houvesse atividade cerebral, o que não se verificaria nos fetos anencéfalos, portanto, natimortos.
Ademais, prosseguiu o ministro, ainda que vida houvesse, essa, em razão de sua existência diminutiva e precária, deveria ceder frente aos direitos maternos violados. Tais direitos poderiam ser exemplificados pelo direito à saúde da gestante, que pode enfrentar diversas complicações na manutenção de tal feto, a exemplo de aumento de probabilidades de desenvolver hipertensão e de depressão pós-parto.
Outrossim, estariam sendo violados seus direitos à autonomia sobre seu próprio corpo, à liberdade e à legalidade, já que ninguém é obrigado a fazer o que a lei não determina, e esta não prescreve peremptoriamente que a gravidez com anencefalia deve ser mantida.
Assim, o ministro Marco Aurélio diferenciou a antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia do aborto, tendo em vista que o feto anencéfalo, para ele, jamais chegara a se ter vida, de modo que não está amparado pela tutela penal do aborto, sendo considerado o fato atípico.
No discorrer de seu voto, ainda houve a manifestação do jurista acerca da manutenção dessas gravidezes com o fito de doação de órgãos. Posição em relação à qual houve também discordância do eminente juiz, pois, neste caso, haveria, de fato, segundo ele, a coisificação do homem, uma vez que a mulher só seria usada como uma espécie de incubadora para futuros donatários de órgãos que, no mais das vezes, não serão passiveis de doação, já que tais fetos são acometidos de varias outras doenças e seus órgãos são pequenos demais.
Com relação aos demais ministros que acompanharam o voto do relator não houve novos argumentos para a procedência da demanda.
Contudo, os ministros Ayres Britto e Gilmar Mendes tiveram posicionamentos peculiares.
O primeiro afirmou que se os homens engravidassem a interrupção de gravidez anencefálica estaria autorizada desde sempre, o que tem sido um argumento reiteradamente defendido pelas pessoas favoráveis à legalização do aborto. Conquanto o presente artigo não se dedique a esta discussão em particular, o argumento deve ser objeto de ponderação, tendo em vista a intrínseca cultura ainda machista enraizada em nossa sociedade, inclusive em algumas decisões emanadas das cortes do país.
O segundo, por seu turno, destoando dos demais, enxergou na interrupção da gravidez por anencefalia um verdadeiro aborto, mas fez uma interpretação ampliativa e evolutiva do disposto no artigo 128, inciso I do código penal para incluir a hipótese da anencefalia, tendo em vista a impossibilidade de, àquela época, ter como o legislador antever essa possibilidade.
Os dois ministros que dissentiram da decisão foram Ricardo Lewandowski e Cezar Peluzo. Este concluiu em um discurso lógico que se o feto anencefálico morre é porque viveu, e aquele que esse precedente poderia permitir a interrupção da gravidez por diversas anomalias do feto, em uma espécie de autorização generalizada do aborto eugênico. Ambos concordaram que o juiz não pode atuar como legislador positivo, devendo o legislativo incluir eventual hipótese de excludente de ilicitude no aborto, acaso quisesse.
Ao final do julgamento, conforme já veiculado acima, oito ministros votaram a favor da ADPF 54, encaixando a interrupção da gravidez de feto anencefálico como hipótese de atipicidade, tendo em vista não haver vida no caso por ausência de estruturas cerebrais, contra dois ministros que anteviram a questão como aborto eugênico e ativismo judicial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao termino da analise da APDF 54, perpassando por todos os argumentos nela expostos, bem como pela oitiva das pessoas que foram chamadas às audiências publicas, assim como pelos ensinamentos da doutrina acerca do tema aborto e suas implicações, acreditamos que a decisão da Suprema Corte do país foi acertada.
O conceito de vida e suas decorrências possuem nuances para alem dos conhecimentos jurídicos hodiernos. Alias, nem mesmo as ciências naturais conseguiram precisar em que momento essa transformação - por que não dizer mágica - começa.
Mas saber seu exato termo inicial não resolve o problema de definir a partir de quando ela deve ser defendida e tampouco acima do que ela deve ser protegida. Isso porque a realidade social complexa em que vivemos não nos permite resolver problemas simplórios e bem delineados, mas coloca sobre nós, enquanto uma sociedade aberta de interpretes constitucionais, a solução de questões complexas em que inúmeros direitos, igualmente relevantes, travam batalhas de vida ou morte.
A anencefalia, caracterizada como uma patologia terminal que impede o desenvolvimento de estruturas cerebrais basilares, obstaculiza totalmente a vida desse feto, seja extrauterina ou intrauterinamente, sendo uma sentença de morte iminente, carecendo apenas de data certa.
Assim, não há uma dificuldade a ser enfrentada pelo novo ser vivo no mundo externo ao qual se dirige, mas uma total impossibilidade de nele vivê-lo. Quadro esse que, independente de estarmos ou não diante de uma vida e, portanto, um ser dotado de personalidade jurídica e direitos próprios, nos obriga a olhar para o outro lado, ou para o quadro todo, "the whole picture", para onde está a mãe.
Essa, um ser humano com vida e direitos, sem quaisquer questionamentos quanto a isso, e que precisa de tutela para que possa tomar uma decisão, seja ela qual for, sobre a dificuldade a ser enfrentada. Assim, seus direitos à vida, à autonomia, à liberdade, a não ser torturada e a própria dignidade encontram-se vulnerados e precisam ser tutelados pelo direito, prevalecendo, neste quadro, sobre os possíveis direitos do feto.
Diferentemente da decisão tomada na ADI 3510, em que houve a permissão de pesquisas com células tronco embrionárias, o que ocasionou a permissão de descarte para fins científicos de varias vidas em potencial, nesta ação do controle concentrado não há que se falar em vida em potencia, pois esta, sem nem existir, se esvaiu completamente.
Tampouco há que se falar em analise de viabilidade como critério para proteção da vida, o que é odioso, discriminatório e proibido em nosso sistema jurídico, tendo em vista que na anencefalia na há viabilidade ou inviabilidade de vida, ou mesmo certa anomalia no feto, simplesmente não há como o feto sobreviver extrauterinamente. Constatação que altera por completo o quadro de analise, e nos distancia da proteção integral dos menores e nos aproxima da tutela da mulher, num auxilio à tomada de uma decisão de dor, porque na anencefalia, como bem delineou em extrema sensibilidade a ministra Carmem Lucia, todas as opções, mesmo a interrupção, são de dor.
No entanto, um dos inúmeros argumentos expostos pelos contrários à ADPF em questão, afora todos os demais refutados ao longo da discussão da causa, a exemplo da possibilidade de vida extrauterina, de configuração do aborto eugênico ou de que o feto anencefálico já teria vida a ser protegida, está se mostrando visionário.
O que não implica, contudo, que a decisão tomada na ação em analise tenha sido errônea, pois tal argumento, por si só, não inviabiliza as demais conclusões nela veiculadas.
Esse argumento, o mais pragmático de todos, afirma que a ação seria o primeiro passo para a descriminalização do aborto no Brasil. Na ocasião, a afirmação retro mencionada foi corretamente rejeitada pelos ministros, tendo em vista o caso não discutir a legalização ou não do aborto em geral, mas tem-se mostrado de difícil rejeição na realidade contemporânea.
Isso porque, curiosamente, após a decisão emanada na ADPF 54, dois novos casos sobre a possibilidade de aborto chegaram ao STF, o primeiro no HC 124306, que revogou a prisão preventiva de médicos de uma clinica clandestina de aborto, entendendo, no julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso, que a interrupção da gravidez ate os três primeiros meses de gestação é fato atípico. O segundo refere-se à ADI 5581, em que se discute a possibilidade de interrupção da gravidez em caso de microcefalia, causa ainda sob analise da suprema corte.
Destarte, a anencefalia é uma patologia terminal e congênita impeditiva de caracterização de vida, nos termos do que foi decidido pelo STF, de modo que a antecipação terapêutica do parto em caso de feto anencefálico não deve ser considerada aborto, decisão que reputamos adequada.
Contudo, a despeito do acerto dado no caso da ADPF 54, a jurisprudência nacional pode estar caminhando para um pragmatismo sem volta em que o direito à vida será colocado literamente numa balança toda vez que se confrontar com quaisquer outros interesses, para descobrir que, de fato, possui um peso, e, talvez, não muito grande.
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Advogada, bacharel em Direito pelo Centro Universitario de João Pessoa - UNIPÊ. Estudante do curso de Especialização em Ciências criminais pelo Centro Universitario de João Pessoa - UNIPÊ. João Pessoa/PB.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Ellen Cristina Veras de. Aborto do feto anencéfalo: analise da ADPF 54 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jan 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48629/aborto-do-feto-anencefalo-analise-da-adpf-54. Acesso em: 23 dez 2024.
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