1. Introdução.
A Constituição Federal traz em seu artigo 5, LXXI a norma referente ao mandado de injunção, vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes :
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
Por esse artigo percebemos que o mandado de injunção é o meio através do qual a Constituição tenta combater a chamada “síndrome de inefetividade das normas constitucionais”.
Sabemos, das lições de José Afonso da Silva, que as normas constitucionais podem ser de eficácia plena, contida ou limitada. As duas primeiras têm aplicação imediata independentemente de norma regulamentadora, entretanto as normas de eficácia limitada não conseguem ser aplicadas diretamente, necessitando de uma norma regulamentadora para que possam realizar todos os seus efeitos.
O mandado de injunção visa justamente combater a demora legislativa em regulamentar tais direitos, o que ocasionaria uma inefetividade da Constituição. A Carta Magna entende que não poderia deixar com que a mora legislativa afetasse os direitos previstos em seu texto.
O texto constitucional traz, então, dois instrumentos para combater essa síndrome: o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Nessa aula trataremos apenas do mandado de injunção, mas ao final faremos um quadro comparativo entre os dois instrumentos.
Gilmar Mendes¹[1], em seu curso, defende que o instituto foi criado para “sanar o problema da ineficácia das disposições constitucionais que concediam direitos sociais, em particular daquelas definidoras das obrigações estatais no plano da educação pública.”
Até junho deste ano o próprio mandado de injunção, que está previsto desde 1989, sofria da morosidade legislativa em relação a uma lei que pudesse regulamentar o instituto, apesar disso o STF sempre entendeu que o artigo 5, LXXII era autoaplicável devendo ser usada a lei do mandado de segurança, por analogia, quanto ao procedimento.
Em junho deste ano tivemos a promulgação da Lei 13.300 que trouxe a regulamentação do mandado de injunção. Tal lei repetiu em seu artigo 2o a hipótese de cabimento trazida pela Constituição:
Art. 2o Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta total ou parcial de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Uma novidade trazida pela lei é a possibilidade de impetração de mandado de injunção em face de omissão parcial. Tal hipótese já era amplamente aceita pela doutrina, mas agora temos positivado na lei. Vejamos o paragrafo único do artigo segundo da Lei 13.300 que traz o conceito de omissão parcial:
Parágrafo único. Considera-se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente.
Então a primeira novidade trazida pela nova Lei 13.300 é a possibilidade de impetração de Mandado de Injunção contra omissão parcial.
2. Das espécies de Mandado de Injunção. Dos Legitimados Ativos.
O Mandado de Injunção pode ser de duas espécies, individual ou coletivo. A nova Lei 13.300 traz expressamente a possibilidade de tal remédio constitucional ser impetrado de forma coletiva.
Essa possibilidade já era consagrada pela doutrina e jurisprudência, que utilizava, por analogia, a lei do Mandado de Segurança. Agora está expresso na legislação a possibilidade de impetração coletiva de tal remédio constitucional.
Como exemplo temos o MI 102-PE, que apareceu no informativo 99 do STF em que “por maioria de votos, o Tribunal reconheceu a legitimidade ativa de entidades sindicais para a propositura de mandado de injunção coletivo, quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos constitucionais de seus membros”.
No mesmo sentido temos que:
“A jurisprudência desta Corte sedimentou a possibilidade de as entidades de classe, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, utilizarem o mandado de injunção coletivo.” (MI 4.503-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 7-11-2013, Plenário, DJE de 3-12-2013.) Vide: MI 472, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 6-9-2005, Plenário, DJ de 2-3-2001.
“Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento de atuação processual destinado a viabilizar, em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam, o exercício de liberdades, prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional.” (MI 472, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 6-9-2005, Plenário, DJ de 2-3-2001.) No mesmo sentido: MI 3.322, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 1º-6-2011, DJE de 6-6-2011. Vide: MI 4.503-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 7-11-2013, Plenário, DJEde 3-12-2013. (Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo99.htm. Acessado em 21/07/2016)
O artigo primeiro da citada Lei traz expressamente a autorização do Mandado de Injunção coletivo:
Art. 1o Esta Lei disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo, nos termos do inciso LXXI do art. 5o da Constituição Federal.
O Mandado de Injunção individual pode ser proposto por qualquer pessoa física ou jurídica para defesa de seu interesse próprio. O artigo 3o da Lei 13.300 descreve a impetração individual:
Art. 3o São legitimados para o mandado de injunção, como impetrantes, as pessoas naturais ou jurídicas que se afirmam titulares dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas referidos no art. 2o e, como impetrado, o Poder, o órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora.
A forma coletiva do remédio constitucional pode ser proposta pelos legitimados previstos na lei, para defender em nome próprio o direito alheio. O artigo 12 da Lei 13.300 traz os legitimados para a propositura do mandado de injunção coletivo, vejamos:
Art. 12. O mandado de injunção coletivo pode ser promovido:
I - pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis;
II - por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária;
III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial;
IV - pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5oda Constituição Federal.
Parágrafo único. Os direitos, as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria.
Pela citada norma temos que são legitimados para propor o MI coletivo o Ministério Público, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, a organização sindical, entidade de classe ou associação e, por fim, a Defensoria Pública.
Atente-se que o partido politico deve ter representação no Parlamento, ou seja, pelo menos um congressista, seja deputado federal ou senador, e que seu Mandado de Injunção deve ser para assegurar as prerrogativas de seus integrantes ou relacionadas com a finalidade partidária.
Outro ponto importante é que, da mesma forma quanto as ações diretas propostas perante o STF, as associações para impetrarem Mandado de Injunção devem estar constituídas há mais de um ano.
Então vimos que podem ser legitimados ativos para a propositura do remédio constitucional o particular, a pessoa jurídica, o Ministério Público, o partido politico, as associações, sindicatos, entidades de classe e a Defensoria Pública. Diante disso surge uma questão que já foi debatida pelo STF: a pessoa jurídica de direito público é legitimada ativa para a propositura do MI? Poderia um município impetrar esse remédio constitucional, por exemplo?
O STF tinha o entendimento, exposado no MI 537, de que não seria possível a impetração de MI por parte de pessoas jurídicas de direito público, no seguinte sentido:
“(…) 6. A omissão legislativa que justifica a impetração do writ é aquela que por sua própria natureza diz respeito às situa coes definidas em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. Tratando-se de pessoa jurídica de direito publico, não tem o impetrante legitimidade ativa para a propositura do mandamus. 7. É por isso que o Tribunal tem assentado critérios bastante amplos, que revelam a preocupação em dar efetividade aos direitos consagrados na Constituição, visando desta forma evitar que os comandos constitucionais possam ser afetados pela inércia dos poderes legiferantes do Estado. 8. Não se pode, contudo, incluir dentre os direitos fundamentais as prerrogativas de que gozam os Municípios na estrutura politica em face dos Estados e da União, pois elas decorrem da opção constitucional de descentralização vertical do Estado brasileiro. Outorgar ao Município legitimidade ativa processual para impetrar mandado de injunção seria elastecer o conceito de direitos fundamentais além daquilo que a natureza jurídica do instituto permite.”
Entretanto, no MI 725, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, parece ter havido uma alteração de jurisprudência por parte da corte constitucional com a aceitação da legitimidade ativa por parte de pessoas jurídicas de direito público. O ministro começa fazendo uma critica a decisão colacionada acima e diz que:
“Estou certo de que não se deve fazer desse entendimento uma regra geral. A decisão citada deve ser devidamente contextualizada de acordo com os termos em que o caso concreto foi apresentado ao Ministro Relator.
Não se deve negar aos Municípios, peremptoriamente, a titularidade de direitos fundamentais e a eventual possibilidade de impetração das ações constitucionais cabíveis para sua proteção. Se considerarmos o entendimento amplamente adotado de que as pessoas jurídicas de direito publico podem, sim, ser titulares de direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito à tutela judicial efetiva, parece bastante razoável vislumbrar a hipótese em que o Município, diante de omissão legislativa inconstitucional impeditiva do exercício desse direito, se veja compelido a impetrar mandado de injunção. A titularidade de direitos fundamentais tem como consectário lógico a legitimação ativa para propor as ações constitucionais destinadas à proteção efetiva desses direitos.”
(Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=487886. Acessado em 21/07/2016)
Então, o entendimento atual do STF é de que é possível que pessoas jurídicas de direito público sejam legitimadas ativas para a propositura desse remédio constitucional.
2.1. Do Legitimado Passivo.
Agora que já estudamos quem pode impetrar o Mandado de Injunção, temos que aprender contra quem ele é impetrado.
No polo passivo devem figurar os entes estatais competentes para regulamentar as normas constitucionais de eficácia limitada. Então, o MI deve ser proposto em face de um poder, órgão ou uma autoridade.
Na maioria dos casos o legitimado passivo será o poder legislativo incubido de discutir e votar a lei regulamentadora.
No entanto, temos casos em que o processo legislativo só pode ser iniciado por um legitimado, como o Presidente da República por exemplo, são as hipóteses de iniciativa privativa em que somente essas autoridades podem iniciar o processo legislativo.
Nesses casos se ainda não houver sido dado início ao processo legislativo o legitimado passivo deve ser a autoridade que deveria iniciá-lo, ao passo que, se já houver sido iniciado o processo legislativo, mas ele estiver “parado” na casa legislativa, será esse poder o legitimado passivo.
Temos também casos em que a norma omissa é uma norma infralegal, como um decreto ou uma resolução. Nesses casos o Mandado de Injunção deve ser impetrado contra a autoridade ou órgão responsável pela edição do ato.
Por fim, temos uma questão importante que já foi respondida pelo nosso Supremo Tribunal Federal: é possível um particular figurar no polo passivo do Mandado de Injunção?
O caso era de um MI proposto por um trabalhador requerendo o reconhecimento da omissão quanto a regulamentação do aviso prévio. O impetrante ajuizou o MI em face do Presidente da República, por ser de iniciativa privativa do mesmo, o Congresso Nacional e contra a Vale/SA, empresa que ele trabalhava. O autor entendia que como a Vale teria que cumprir a decisão ela teria que figurar no polo passivo da demanda. No entanto, o STF entendeu de forma diferente, nos seguintes termos:
Agravo regimental. Mandado de injunção. Aviso prévio proporcional. Ordem parcialmente deferida. Possibilidade do direito ao aviso prévio ser analisado nos termos da lei nº 12.506/11. Ilegitimidade passiva ad causam da pessoa jurídica de direito privado. Recurso de José Goulart de Melo do qual se conhece e ao qual se nega provimento. Agravo regimental da Vale S/A do qual não se conhece. 1. Impossibilidade de formação de litisconsórcio passivo, em sede de mandado de injunção, entre a autoridade competente para a elaboração da norma regulamentadora de dispositivo constitucional e particulares. 2. Vale S/A não figura no polo passivo da presente lide em mandado de injunção, conforme já referendado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e assentido nas razões do próprio recurso interposto. 3. Agravo regimental de JOSÉ GOULART DE MELO do qual se conhece e ao qual se nega provimento. 4. Agravo de VALE S / A do qual não se conhece.
Vale S/A, portanto, não possui competência para editar a aludida norma de caráter nacional, não estando legitimada para figurar como litisconsorte passivo na demanda. A corroborar tal entendimento: “Mandado de injunção. Agravo regimental contra despacho que não admitiu litisconsórcio passivo e indeferiu liminar. - Já se firmou o entendimento desta Corte, no sentido de que, em mandado de injunção, não cabe agravo regimental contra despacho que indefere pedido de concessão de liminar. - Por outro lado, na Sessão Plenária do dia 8.8.1991, ao julgar este Plenário agravo regimental interposto no mandado de injunção 335, decidiu ele, por maioria de votos, que, em face da natureza mandamental do mandado de injunção, como já afirmado por este Tribunal, ele se dirige as autoridades ou órgãos públicos que se pretendem omissos quanto a regulamentação que viabilize o exercício dos direitos e liberdade constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e a cidadania, não se configurando, assim, hipótese de cabimento do litisconsórcio passivo entre essas autoridades e órgãos públicos que deverão, se for o caso, elaborar a regulamentação necessária, e particulares que, em favor do impetrante do mandado de injunção, vierem a ser obrigados ao cumprimento da norma regulamentadora, quando vier esta, em decorrência de sua elaboração, a entrar em vigor. Agravo que se conhece em parte, e nela se lhe nega provimento.” (MI nº 323/DF- AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 14/02/92).
(Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14709700/agregno-mandado-de-injuncao-mi-323-df. Acessado em 21/07/2016)
3. Das espécies de omissões.
Essa é uma subclassificação muito simples. Existem dois tipos de omissões possíveis, uma total e uma parcial.
Na omissão total não há norma infraconstitucional tratando da matéria o que impede o exercício do direito pelo legitimado. Já na omissão parcial há uma norma, mas ela é insuficiente para promover o efetivo e completo exercício do direito previsto constitucionalmente.
Importante relembrar aqui que o artigo segundo da Lei 13.300 prevê expressamente a possibilidade de Mandado de Injunção de omissão parcial.
4. Dos efeitos da decisão no Mandado de Injunção.
Esse é um dos temas mais controvertidos quando o assunto é Mandado de Injunção tanto na doutrina quanto na jurisprudência de nossos tribunais.
Ao reconhecer que há uma mora legislativa, uma omissão que faz com que não seja possível exercer plenamente o direito assegurado na Constituição o Tribunal deve adotar qual atitude? Deve o Tribunal dar um prazo ao legislativo para suprir a mora? Deve o Tribunal aplicar analogicamente uma outra norma? Ou ainda, deve o Tribunal criar uma norma para o caso concreto?
São essas discussões que se encontram na doutrina pátria. A Lei 13.300 parece ter trazido um entendimento sobre o assunto, mas antes vamos ver as posições da doutrina.
Uma primeira posição que foi adotada nos primórdios pelo STF foi a posição Não Concretista. Por essa posição o Tribunal entendeu que deveria apenas limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão, se reconhecia apenas a mora legislativa. Por essa posição apenas se comunicava ao poder omisso que ele estava incorrendo em uma mora legislativa que inviabilizava o exercício do direito constitucionalmente estabelecido. Os defensores dessa posição a fundamentavam sob a ótica do princípio da separação dos poderes, argumentando que o Judiciário não poderia se prestar a um ativismo jurídico que desarranjasse o equilíbrio entre os poderes. Essa posição tem como caso central o MI 107.
O problema de tal posicionamento é que ele torna completamente inócuo a propositura de Mandado de Injunção. Apenas o reconhecimento da mora legislativa não resolve o problema do impetrante, isso porque muita das vezes o parlamento continua se omitindo de seu dever de regulamentar tal direito. Assim, mesmo com o reconhecimento da mora, o impetrante continuava não conseguindo exercer o direito previsto na Constituição. Então, essa posição foi paulatinamente sendo descartada pelo STF.
Uma segunda posição é a Concretista. De acordo com essa posição o Tribunal ao decretar a mora do legislador deve também editar uma norma ou utilizar uma norma já existente, por analogia, para o caso concreto a ser apreciado. Ou seja, essa posição é diametralmente oposta a posição anterior. Aqui o Judiciário reconhece a mora e, no caso concreto, determina qual legislação vai regulamentar o direito.
Nesse ponto precisamos abrir um parêntese para falar que na realidade atual pode haver uma criação judicial do direito. Então temos que estudar, brevemente, dois tipos de decisões que podem ser empregadas pelo STF quanto a esse caso.
Estamos falando das decisões normativas que são originárias da doutrina italiana e que segundo Coelho são “sentenças de aceitação em que a Corte Constitucional não se limita a declarar a inconstitucionalidade das normas que lhe são submetidas, mas, agindo como legislador positivo, modifica diretamente o ordenamento jurídico, adicionando-lhe ou substituindo-lhe normas, a pretexto ou com o propósito de adequá-lo à Constituição. Daí as chamadas sentenças aditivas ou sentenças substitutivas, como subespécies das decisões normativas.”
As sentenças aditivas são justificadas em razão da não observância da isonomia, são casos em que a lei concede certo direito a um grupo de pessoas, mas não reconhece o mesmo direito a outro grupo de pessoas submetidos a mesma realidade fática. Segundo Gilmar Mendes, nas sentenças aditivas “a Corte Constitucional declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa, mas pelo que omite, alargando o texto da lei ou seu âmbito de incidência”.
O caso clássico em que o Supremo Tribunal Federal adotou a tese concretista e deu uma sentença aditiva foi o do julgamento do MI 670 em que tratou do direito de greve dos servidores públicos. Nesse caso o STF reconheceu que fosse garantido o direito de greve a todo servidor público e, através de uma sentença aditiva, disse que caberia aplicar a lei 7.783/89 que dispõe sobre o direito de greve da iniciativa privada.
Então, reforçando, nas sentenças aditivas o STF reconhece para a categoria omissa o direito contido na lei que tratou de apenas parte da categoria. Foi exatamente o que aconteceu no direito de greve dos servidores. Ao reconhecer a mora legislativa o Supremo entendeu que deveria ser utilizada a lei de greve da iniciativa privada. Tal posicionamento do STF não é tao invasivo à separação de poderes pois ele apenas aplica uma lei já existente.
No caso das sentenças substitutivas a Corte não apenas anula a norma impugnada, como também, a substitui por outra criada pelo próprio Tribunal. Esse posicionamento é bem mais controvertido pois o próprio Tribunal iria editar a norma a ser aplicada ao caso concreto. Esse posicionamento poderia suscitar maiores questionamentos quanto a separação dos poderes.
Feita essa pequena observação, vamos agora estudar que a posição concretista pode se dividir entre Concretista geral ou concretista individual.
Na posição Concretista individual o STF reconhece a mora do poder legislativo e edita ou aplica, por analogia, a lei apenas ao impetrante do Mandado de Injunção. Apenas o impetrante do Mandado de Injunção é que sofrerá os efeitos da decisão.
Na Concretista geral o STF supre a omissão de caráter normativo produzindo uma decisão erga omnes, que atinge a todos, mesmo aqueles que não impetraram o MI. O caso clássico é o já citado MI sobre greve de servidor público. Nos MI 670, 708 e 712 que foi impetrado pelos Sindicatos dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espirito Santo (SindPol), Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep), o STF reconheceu a omissão legislativa e deu caráter erga omnes a decisão no sentido de abarcar qualquer servidor público, mesmo aqueles que não estão abarcados pelos citados sindicatos.
Uma outra subdivisão na corrente concretista é quanto a necessidade ou não de se dar um prazo para que o impetrado supra a omissão. Nessa classificação temos a posição concretista direta e a posição concretista intermediária.
De acordo com a posição concretista direta o Tribunal vai, imediatamente, implementar a solução ao caso concreto para viabilizar o direito do autor.
Já na posição concretista intermediária o Tribunal dá um prazo para que o poder, órgão ou autoridade competente para a edição da norma edite a referida regulamentação. Se após esse prazo ainda vigorar a omissão legislativa ai sim o judiciário vai viabilizar o direito do autor. Então nessa posição o poder judiciário fixa um prazo, dá uma chance para que seja cessada a omissão, e somente depois, se não houver a regulamentação, ele irá assegurar o direito pretendido pelo autor.
Então vimos todas as correntes quanto aos efeitos da decisão no Mandado de Injunção, vimos toda a discussão doutrinária. Apesar de todo esse debate, a Lei 13.300 veio regulamentando o tema em seu artigo 8o. Vamos ler o artigo e você já vai conseguir identificar qual a posição adotada pela Lei:
Art. 8o Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para:
I - determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;
II - estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.
Parágrafo único. Será dispensada a determinação a que se refere o inciso I do caput quando comprovado que o impetrado deixou de atender, em mandado de injunção anterior, ao prazo estabelecido para a edição da norma.
De acordo com esse artigo a Lei 13.300 parece ter adotado a teoria concretista intermediária. Quando o Tribunal reconhecer a mora legislativa ele irá deferir a injunção para determinar um prazo razoável para que o legitimado passivo edite a norma regulamentadora do direito. Se não houver a edição do regulamento no prazo determinado ai sim o Judiciário irá estabelecer as condições em que o impetrante exercerá tal direito.
Devemos ter atenção com o paragrafo único, ele dispensa a concessão de prazo para suprir a mora se, em outro Mandado de Injunção, o impetrado não respeitou o prazo estabelecido. Vamos a um exemplo para melhor fixação: imagine que um Carlos entre com um Mandado de Injunção alegando que seu direito não pode ser exercido pois há uma omissão legislativa, no julgamento desse MI é dado o prazo de 180 dias para a dição da norma pelo ente competente. João decide impetrar seu MI dez meses após a decisão do MI de Carlos, buscando a regulamentação do mesmo direito pretendido, nesse caso o Judiciário pode aplicar diretamente o inciso II do artigo oitavo da Lei 13.300, pois o prazo de 180 dias foi descumprido pelo ente que deveria editar a lei regulamentadora.
Então vimos que a Lei se filiou a posição concretista intermediária. E quanto a outra classificação, a Lei 13.300 se filiou a concretista individual ou geral? Na verdade a lei ficou “em cima do muro”. Vejamos o artigo 9o e 13o da Lei 13.300:
Art. 9o A decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes e produzirá efeitos até o advento da norma regulamentadora.
§ 1o Poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração.
§ 2o Transitada em julgado a decisão, seus efeitos poderão ser estendidos aos casos análogos por decisão monocrática do relator.
§ 3o O indeferimento do pedido por insuficiência de prova não impede a renovação da impetração fundada em outros elementos probatórios.
Art. 13. No mandado de injunção coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade, do grupo, da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante, sem prejuízo do disposto nos §§ 1oe 2odo art. 9o.
Parágrafo único. O mandado de injunção coletivo não induz litispendência em relação aos individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante que não requerer a desistência da demanda individual no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração coletiva.
A Lei priorizou o caráter individual da posição concretista de acordo com o caput do artigo nono, entretanto o paragrafo primeiro permitiu que o Tribunal dê caráter erga omnes ou ultra partes a decisão quando isso for indispensável ao exercício do direito. Então, na prática quem vai decidir é o juiz ao julgar o Mandado de Injunção.
5. Da Norma Regulamentadora Superveniente.
Imaginemos que alguém impetre um Mandado de Injunção e no curso desse processo, mas antes da decisão final, venha uma Lei regulamentando justamente esse direito discutido no MI, o que deve ocorrer com esse MI?
Quem responde essa questão é o paragrafo único do artigo 11 da Lei 13.300.
Art. 11. (…)
Parágrafo único. Estará prejudicada a impetração se a norma regulamentadora for editada antes da decisão, caso em que o processo será extinto sem resolução de mérito.
Desse modo, se houver um Mandado de Injunção ainda não julgado e vier uma norma regulamentadora do direito discutido nesse processo ele deve ser extinto sem resolução do mérito.
Agora vamos pensar em uma situação diferente, imaginemos um MI que foi julgado procedente, foi reconhecida a mora e foi dada uma sentença aditiva em favor do impetrante, tal decisão transitou em julgado. Após essa decisão surge uma norma regulamentadora desse direito discutido, como fica a situação do impetrante?
Quem vai responder essa questão é o caput do mesmo artigo 11 da Lei 13.300:
Art. 11. A norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em relação aos beneficiados por decisão transitada em julgado, salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favorável.
Então temos que a pessoa que conseguiu a decisão favorável, transitada em julgado, no MI será regida pela decisão até que venha uma norma regulamentadora posterior. Com a vigência dessa nova norma regulamentadora o direito do autor do MI passa a ser regido pela nova Lei, salvo se a lei for mais benéfica para o autor do que a decisão do MI.
6. Da Ação de Revisão.
Uma novidade trazida pela novel legislação foi a figura da ação de revisão, vamos ao artigo:
Art. 10. Sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão poderá ser revista, a pedido de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito.
Parágrafo único. A ação de revisão observará, no que couber, o procedimento estabelecido nesta Lei.
A doutrina ainda está debatendo sobre o que seria realmente essa ação revisional. Os primeiros entendimentos dizem que não se pode confundir a ação de revisão com uma ação rescisória. A ação de revisão não visa desconstituir a coisa julgada, na verdade ela busca rediscutir a decisão em função das modificações relevantes das circunstancias de fato ou de direito.
Desse modo, um dos pressupostos dessa ação de revisão é justamente que tenha havido uma mudança relevante nas circunstancias fáticas e de direito em relação a decisão originalmente decretada.
Por fim, no caso de julgamento procedente da ação de revisão os efeitos jurídicos que já foram produzidos continuam intactos.
7. Das Diferenças Entre o Mandado de Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão.
Conforme dito anteriormente faremos aqui uma breve diferenciação entre essas duas ações que não podem ser confundidas.
A primeira diferença entre essas duas ações é que o MI é uma ação que visa discutir um direito subjetivo, aqui o objetivo é viabilizar a utilização de um direito, ao passo que na ADIn por omissão temos um processo de natureza objetiva, ela é uma ação de controle abstrato.
O Mandado de Injunção é uma ação cabível para discutir a omissão referente a norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Por sua vez, a ADIn por omissão é cabível para a discussão de omissão de norma regulamentadora referente a qualquer norma de eficácia limitada.
Uma terceira diferença entre essas ações é quanto a legitimidade para propô-las. Como vimos, são legitimados ativos para impetração de MI a pessoa física, jurídica, o Ministério Público, o partido politico, a associação, o sindicato, a entidade de classe e a Defensoria Público. Por se tratar de uma ação de controle abstrato a ADIn por omissão tem seus legitimados trazidos no rol do artigo 103 da Constituição.
A competência para julgar o MI será definida de acordo com a autoridade competente para editar a norma, por outro lado, a competência para julgar a ADIn por omissão é do STF se a norma for da Constituição Federal.
A última característica que diferencia os institutos é quanto aos efeitos da decisão. No MI vimos que de acordo com a nova lei será dado prazo para que seja sanada a omissão e se não houver o saneamento de tal omissão o Judiciário ira determinado o direito ao caso concreto. Na ADIn por omissão se o ente capaz de editar a norma foi o poder legislativo será apenas reconhecida a mora, já se for uma autoridade administrativa será dado o prazo de 30 dias para que seja adotada a medida necessária.
8. Conclusão.
Diante de toda essa explanação podemos concluir que a lei regulamentadora do Mandado de Injunção trouxe ideias que já eram adotadas pela doutrina e jurisprudência, bem como veio a solucionar discussões que eram travadas em âmbito doutrinário.
A novel legislação permitiu, expressamente, a impetração de mandado de injunção coletivo e trouxe a possibilidade da Defensoria Pública como legitimada para a sua propositura.
Por fim, a lei 13.300 positivou, como regra, que o Mandado de Injunção irá adotar a posição concretista intermediária.
9. Bibliografia.
BRANCO, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 8ªed. São Paulo: Saraiva, 2013.
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo99.htm. (Acessado em 21/07/2016)
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=487886. (Acessado em 21/07/2016)
http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14709700/agregno-mandado-de-injuncao-mi-323-df (Acessado em 21/07/2016)
[1] BRANCO, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 8ªed. São Paulo: Saraiva, 2013.
Advogado formado na Universidade Federal Fluminense, com atuação na área de Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Fábio Costelha de. Primeiras impressões sobre a nova lei do Mandado de Injunção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48827/primeiras-impressoes-sobre-a-nova-lei-do-mandado-de-injuncao. Acesso em: 23 dez 2024.
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