Resumo: Com vistas a analisar a possibilidade de fixação do valor mínimo dos danos morais na sentença penal condenatória, o artigo abordará os aspectos jurídicos doutrinários e jurisprudenciais a respeito da inserção, pela Lei 11.719/2008, da previsão, no inciso IV do art. 387, CPP, do dever do magistrado de fixar o valor mínimo da indenização dos prejuízos causados pelo crime.
Palavras-chave: Sentença penal condenatória. Valor mínimo da indenização. Danos morais.
1 INTRODUÇÃO
É cediço que o reconhecimento da obrigação de indenizar os danos causados pelo ilícito penal é um efeito extrapenal genérico e automático da condenação, nos termos do artigo 91 do Código Penal. Antes da reforma processual operada pela Lei 11.719/2008, entretanto, a vítima era obrigada a proceder à liquidação da sentença penal condenatória no juízo cível, já que tal ato apenas tornava certa a obrigação de indenizar (an debeatur), mas não fixava o quantum a ser pago.
A mudança promovida pela referida lei, indo ao encontro da tendência de valorização da vítima, facilitou a concretização da reparação dos danos causados pelo delito, tornando requisito obrigatório da sentença penal condenatória a fixação do valor mínimo da indenização.
Sobre tal ponto, entretanto, pairam algumas controvérsias que serão abordadas ao longo deste artigo, sobretudo no que diz respeito à natureza dos danos que podem ser objeto da fixação do valor mínimo da indenização pelo juiz criminal quando da sentença penal condenatória.
Muito se discutia se o juiz criminal poderia, neste momento, quantificar os danos morais sofridos pela vítima. Em novembro de 2016, pondo fim, ao menos até o momento, a tal celeuma, o STJ pronunciou-se pela possibilidade de fixação do valor mínimo da indenização pelos danos morais sofridos, desde que se sinta apto para isso e fundamente esta opção.
Sendo assim, a análise das características básicas deste instituto, com vistas a contextualizar o recente pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, é o objetivo principal do presente trabalho.
2 NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO
Conforme já fora mencionado, assim dispõe o artigo 91, I, do Código Penal:
Art. 91. São efeitos da condenação:
I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (...).
Trata-se, portanto, de efeito extrapenal genérico e automático da condenação penal. Desse modo, ainda que o juiz não o mencione expressamente na sentença, a condenação produzirá tal efeito por força da lei, independentemente da espécie de pena que venha a ser imposta.
A principal finalidade de tal dispositivo é facilitar a reparação dos danos causados à vítima do crime, já que, de posse da sentença penal condenatória, bastaria ao ofendido promover a sua execução no juízo cível, já que ela, com o trânsito em julgado, se torna título executivo judicial, nos termos do art. 515, VI, CPC/15.[1]
3 LEI 11.719/2008: FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO COMO REQUISITO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA
Antes da reforma processual operada pela lei supracitada, a sentença penal condenatória apenas reconhecia o an debeatur, cabendo a vítima promover, necessariamente, à liquidação do título executivo no juízo cível para que fosse possível se chegar ao valor da indenização.
Após a reforma, o art. 387, IV, do Código de Processo Penal, estabeleceu que o juiz, ao proferir a sentença penal condenatória, deveria estabelecer o valor mínimo da indenização dos danos causados pelo delito.
Insta salientar que o juiz criminal apenas fixa o valor mínimo da indenização, de modo que o ofendido, entendendo que o valor estabelecido ficou aquém do prejuízo efetivamente sofrido, pode propor a execução de tal valor, mas, de forma concomitante, pode propor liquidação por artigos da sentença condenatória e, posteriormente, apenas executa a diferença. Isto porque o artigo 63, parágrafo único, do Código de Processo Penal, deixa claro que: “transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido.”
De mais a mais, é necessário que se tenha em mente que nem sempre o juiz será obrigado a fixar o valor mínimo da indenização na sentença penal condenatório. Isto porque apenas deverá fazê-lo quando a infração penal tenha causado prejuízo à vítima determinada e desde que haja elementos nos autos que comprovem tais prejuízos, fornecendo subsídios para que o magistrado possa quantifica-los.
Por fim, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tal norma tem natureza híbrida, de modo que, por ser mais gravosa ao réu, não poderá retroagir, aplicando-se apenas aos delitos cometidos após a sua vigência. Desse modo, ainda que se trate de processo ainda não sentenciado, por se referir a delito praticado antes da referida alteração, a norma não poderá ser aplicada.[2]
3.1 Cumulação de instâncias x Separação de instâncias
Ademais, é mister que se tenha em mente que tal inovação não conduz a adoção da chamada “cumulação de instâncias”. Ao contrário, não há que se confundir a mera fixação do valor mínimo da indenização pelo juiz criminal com a solução das lides penal e civil pelo mesmo juízo como pressupõe o modelo de cumulação de instâncias. Isto porque o juiz criminal não resolverá o problema da indenização dos danos de forma exauriente, apenas fixando um valor mínimo que ainda poderá ser discutido no competente juízo cível.
Dessa forma, é possível afirmar que, a partir dessa alteração, houve apenas uma mitigação à separação de instâncias.
3.2 Legitimados na execução da sentença condenatória definitiva no juízo cível
Ainda quanto à possibilidade de execução, no juízo cível, da sentença penal condenatória é importante trazer à baila quem são os legitimados para tanto. O artigo 63 do Código de Processo Penal deixa claro que apenas o ofendido, seu representante legal e seus herdeiros detêm legitimação para a propositura da execução. Noutro giro, tem-se como sujeito passivo da execução apenas aquele que figurou no processo penal (art. 64, CPP) ou seus herdeiros, no limite das forças do patrimônio transferido a título de herança (art. 5, XLV, CF).
Acaso a vítima pretenda buscar a reparação contra um eventual responsável civil será necessária a propositura de uma ação cível de conhecimento. Nesse sentido, dispõe BRASILEIRO:
“Na hipótese de a vítima pretender buscar o ressarcimento contra eventual responsável civil (CC, art. 932), e não diretamente em face do acusado, deve ingressar com ação de conhecimento no juízo cível, já que os efeitos da coisa julgada penal não podem prejudicar terceiros que não interviram no feito criminal, sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. De mais a mais, como a autoridade da coisa julgada atinge apenas quem foi parte no processo, é de todo evidente que o terceiro que não pôde fazer valer suas alegações, não produziu provas nem influenciou diretamente o provimento final, não pode ser atingido pela res iudicata.” (2015, pp. 312-313)
3.3 Extinção da punibilidade pela prescrição e sua repercussão no valor fixado na sentença condenatória
Considerando que o valor mínimo de indenização é uma decorrência da condenação criminal, uma vez reconhecida a prescrição, com a consequente extinção da punibilidade, não há como subsistir o título executivo, ficando prejudicada também a condenação pecuniária.
Apesar disso, o ofendido continua podendo buscar o juízo cível, através de uma ação autônoma de conhecimento, para a reparação dos prejuízos que entenda cabível.[3]
4 PRINCIPAIS DISCUSSÕES SOBRE A FIXAÇÃO DO VALOR MÍNIMO DA INDENIZAÇÃO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA
A inovação trazida pela Lei 11.719/2008 gerou algumas discussões no âmbito doutrinário e jurisprudencial acerca sua aplicação prática, que serão analisadas nos tópicos a seguir.
4.1 Necessidade de pedido expresso na inicial acusatória
Inicialmente, a doutrina muito discutia a respeito da necessidade ou não da existência de pedido expresso da fixação do valor mínimo da indenização na inicial acusatória seja pelo Ministério Público ou mesmo pelo ofendido.
De um lado, Renato Brasileiro defende que, por se tratar de efeito extrapenal genérico e automático da condenação, bem como requisito da sentença penal condenatória, a fixação do montante mínimo da indenização independe de pedido explícito. Eis o seu posicionamento:
“Ora, mesmo antes do advento da Lei nº 11.719/2008, que deu nova redação ao art. 387, IV, CPP, o Código Penal já preceituava em seu art. 91, I, que é efeito automático de toda e qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado sujeitar o condenado à obrigação de reparar o dano causado pelo delito. Por isso, não é necessário que conste da peça acusatória tal pedido, vez que se trata de efeito genérico e automático da condenação. Aplica-se, pois, o mesmo raciocínio ao art. 387, IV, CPP: a fixação do valor mínimo da indenização é aí colocada como parte integrante da sentença condenatória.” (2015, pp. 316-317)
De outra banda, o Superior Tribunal de Justiça tem precedentes em sua 5ª Turma no sentido de que é necessário que haja pedido expresso na inicial para que o juiz deva fixar o quantum mínimo da indenização na sentença penal condenatória. Nesse sentido, Márcio André Lopes Cavalcanti ensina:
“Para que seja fixado, na sentença, o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima (art. 387, IV, do CP), é necessário que haja pedido expresso e formal, feito pelo parquet ou pelo ofendido, a fim de que seja oportunizado ao réu o contraditório e sob pena de violação ao princípio da ampla defesa (STJ. 5ª Turma. HC 321.279/PE, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Des. Conv. do TJ/PE), julgado em 23/06/2015). (2016, p. 34)
Por fim, mister salientar que não há falar que o ofendido precise se habilitar como assistente de acusação para que a indenização seja fixada. Isto porque o juiz tem iniciativa probatória, nos termos do art. 156, II, CPP, e pode colher elementos suficientes para subsidiá-lo na quantificação dos prejuízos suportados pela vítima. Vale destacar que o réu terá direito de contraditar os documentos juntados, bem como contraditar o valor pleiteado.[4]
4.2 Natureza dos danos que o juiz pode fixar o valor mínimo da indenização
A doutrina, em sua maioria, é uníssona ao ensinar que o juiz deverá considerar os danos materiais, por serem facilmente mensurados, para a fixação do valor mínimo da indenização na sentença penal condenatória.
Por outro lado, até pouco tempo havia bastante discussão sobre a possibilidade de o juiz criminal considerar os danos morais no momento da fixação do quantum mínimo da indenização. Tal discussão se baseava na dificuldade de se demonstrar tal espécie de dano, bem como de quantificá-lo.
Há quem se manifeste pela impossibilidade de fixação da indenização pelos danos morais, sob o fundamento de que, para se chegar a tal valor, seria necessária uma dilação probatória incompatível com a razoável duração do processo, de modo a congestionar o processo penal por uma questão que deveria ser resolvida com muito mais propriedade pelo juízo cível. Nesse sentido, Arthur da Motta Trigueiros Neto (apud Renato Brasileiro, 2015, p. 318).
Pondo fim a discussão, em novembro de 2016, o Superior Tribunal de Justiça se pronunciou no sentido de que também os danos extrapatrimoniais podem ser considerados quando da fixação do valor mínimo pelo juiz criminal. Para tanto, a 6ª Turma desse Tribunal estabeleceu que seria necessário que o juiz dispusesse de elementos que o tornassem aptos para essa quantificação, devendo fundamentar a sua opção.[5]
Outro fundamento para tal posição é oferecido por Renato Brasileiro, que ensina:
“A nosso ver, como referido dispositivo legal faz menção genérica aos danos causados pela infração, sem estabelecer qualquer restrição quanto à espécie, depreende-se que a lei não quis restringir a reparação apenas aos danos patrimoniais. (...) Se esta fixação visa antecipar, ao menos em parte, o valor que seria apurado em ulterior liquidação de sentença no juízo cível, na qual toda e qualquer espécie de dano poderia ser objeto de quantificação, não há por que se negar ao juiz criminal a possibilidade de quantifica-los, desde já, na própria sentença condenatória.” (2015, p. 318)
Defendendo também a possibilidade de fixação do valor mínimo para a reparação dos danos morais, tem-se o enunciado nº 16 do 1º Fórum Nacional de Juízes Federais Criminais (FONACRIM), que assim dispõe: “o valor mínimo para reparação dos danos causados pelo crime pode abranger os danos morais.”
5 CONCLUSÃO
Diante de tudo que fora exposto, percebe-se que, apesar de se tratar de um tema relativamente recente e com inúmeros pontos polêmicos, a tendência dos Tribunais Superiores têm sido definir os contornos da matéria, com vistas a uniformizar a sua aplicação prática.
Trata-se de instituto criado com a finalidade de facilitar a reparação dos danos causados pelo ilícito penal, valorizando a posição da vítima que, muitas vezes, acabava sendo revitimizada em razão da demora na composição dos prejuízos materiais e morais causados pelo delito.
A recente decisão da 6ª Turma do STJ vai ao encontro dessa tendência, favorecendo os interesses daqueles que já foram ofendidos pela prática delitiva, evitando que, mesmo após o encerramento do processo penal, com a respectiva sentença penal condenatória definitiva, tenham que buscar o juízo cível para quantificar os danos morais sofridos.
Resta apenas a conscientização dos juízes criminais, a fim de que não tornem o instituto uma mera consagração de direito sem aplicabilidade prática. Necessária também a conscientização dos membros do Ministério Público, com vistas a que, muito mais que a condenação criminal, busquem também instruir a ação penal com elementos suficientes a habilitar os juízes à fixação do quantum mínimo para reparação de todas as espécies de danos provocados pelo delito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AVENA, N. C. P. Processo penal esquematizado. 7. ed. São Paulo: Método, 2015.
CARVALHO, C. A. C. de. e MENDONÇA, J. A. C. Enunciados do FONACRIM - fórum nacional dos juízes federais criminais. 1. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
CAVALCANTI, M. A. L. Informativo 588, STJ, Esquematizado. Disponível em: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2016/11/info-588-stj.pdf. Acesso em: 03 de janeiro de 2017.
LIMA, R. B. de. Manual de Processo Penal. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
MASSON, C. Direito penal esquematizado – parte geral. Vol. 1, 10. ed. São Paulo: Método, 2016.
OLIVEIRA, E. P. de. e FISCHER, D. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2012.
TÁVORA, N. e ALENCAR, R. R. Curso de direito processual penal. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
[1] O prazo prescricional para a execução da sentença penal condenatória é de 3 anos, nos termos do que dispõe o art. 206, parágrafo 3º, Código Civil. (BRASILEIRO, R., 2015, p. 311)
[2] STJ. 5ª Turma. REsp 1.193.083-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/8/2013. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.206.643/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 12/02/2015. STF. Plenário. RvC 5437/RO, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/12/2014 (Info 772).
[3] (EDcl no AgRg no REsp 1260305/ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 12/03/2013).
[4] Nesse sentido, STJ. 5ª Turma. REsp 1236070/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/03/2012.
[5] STJ. 6ª Turma. REsp 1.585.684-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 9/8/2016 (Info 588).
Advogada. Graduada em Direito pela Faculdades Integradas Barros Melo (AESO). Pós-graduada em Direito do Estado pela Universidade Anhaguera/UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Maria Eduarda Santos Pessoa de. A fixação do valor mínimo da indenização por danos morais na sentença penal condenatória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48892/a-fixacao-do-valor-minimo-da-indenizacao-por-danos-morais-na-sentenca-penal-condenatoria. Acesso em: 23 dez 2024.
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