RESUMO: Haverá sempre casos criminais onde a amostra de DNA, coletada a partir dos vestígios biológicos presentes no local do crime, não coincidirá com o perfil genético do suspeito ou de qualquer outro criminoso registrado em um eventual banco de DNA criminal. Nos crimes insolúveis onde o único vestígio deixado pelo autor for o seu material genético a solução poderá aparecer por meio da elaboração de um “retrato falado” genético. A fiel previsão de determinadas características fenotípicas de um indivíduo com base no seu DNA teria o potencial de direcionar as investigações para grupos específicos de pessoas. Marcadores genéticos para identificação de aspectos físicos gerais e específicos deverão estar disponíveis num futuro próximo, embora seja pouco provável que, em breve, possamos compreender toda a complexidade biológica da aparência de um indivíduo. O presente trabalho objetiva descrever, os conceitos, as motivações, os avanços científicos no campo da genética de alguns dos aspectos físicos gerais e específicos de um indivíduo (ex.: idade, gênero, genética facial, cor das íris, cor dos cabelos e cor da pele). No Brasil, não foram verificados impedimentos legais, até o presente momento, para a fenotipagem de amostras de DNA coletadas na cena do crime.
Palavras-chave: Crimes insolúveis; “Retrato falado” genético; Aspectos físicos; Genética facial; Marcadores genéticos; Fenotipagem forense; Genética forense.
ABSTRACT: There will always be criminal cases where DNA sample, extracted from biological evidences on the crime scene, will not match either a suspect’s genetic profile, or any in an eventual criminal DNA database. In such cold cases, the solution, based on the crime scene sample left behind, may arise from a DNA-based police sketch prediction. Reliable DNA-based prediction of individual phenotypical characteristics from crime scene samples is expected to concentrate police investigations on specific groups of people. Predictive DNA markers are expected to be available for general and specific physical traits in the near future, although it is unlikely that we will soon be able to understand all the biological complexity of individual-specific appearance. This paper aims to briefly describe the concepts, motivations, scientific advances in the genetic field of DNA markers (e.g. age, sex, facial genetics, eye color, hair color and skin color). In Brazil, no legal obstacles have been verified, so far, for using the previously described techniques on DNA samples collected at the crime scene.
Key-words: Cold cases; DNA-based police sketch; Physical traits; Facial genetics; DNA markers; Forensic phenotyping; Forensic genetics.
1. INTRODUÇÃO
Objetiva-se realizar uma revisão da atual literatura científica internacional sobre as técnicas de fenotipagem das características externas humanas, aqui denominadas como “retrato falado” genético. Dessa forma, será verificada a existência de técnicas de biologia molecular para a fenotipagem de diversas características externas humanas na atual literatura científica internacional; serão avaliadas as implicações legais decorrentes de possível utilização destas técnicas pelas polícias técnico-científicas brasileiras; e será traçada uma perspectiva do futuro das técnicas de fenotipagem forense.
O uso atual do DNA humano no contexto forense, ou seja, com fins de identificação, baseia-se estritamente na análise comparativa de perfis de DNA obtidos de vestígios biológicos deixados no local do crime com o de potenciais suspeitos. Da mesma forma, nos casos de desastres de massa ou de pessoas desaparecidas, o perfil de DNA do indivíduo desconhecido é comparado ao perfil de potenciais parentes conhecidos, ou com amostra de referência direta obtida a partir de itens pertencentes ao desaparecido (PRINZ et al., 2007). Havendo correspondência entre os perfis de DNA analisados, a probabilidade de identificação positiva pode ser estabelecida, enquanto que a não correspondência entre perfis indicam a identificação negativa ou exclusão. Suspeitos desconhecidos (ou pessoas desaparecidas, sem amostras diretas de referência ou parentes conhecidos) não podem ser identificados usando os mesmos marcadores genéticos empregados nos exames de perfil de DNA. Normalmente, os suspeitos são identificados através dos meios tradicionais de investigação policial (campana, escuta telefônica, testemunhas oculares, impressões digitais, etc.) ou através de bancos de dados criminais de DNA, quando o perfil genético do suspeito já havia sido incluído devido a crimes cometidos anteriormente (apenas nos países que já dispõe deste tipo de banco de dados). No entanto, caso as investigações tradicionais tenham se esgotado ou tais bancos de dados sejam pequenos e pouco representativos (ou ainda não tenham sido implantados), os suspeitos permanecerão desconhecidos (KAYSER e SCHNEIDER, 2009). Estes crimes são conhecidos como crimes insolúveis ou “casos frios” (da tradução literal do termo inglês “cold case”) por carecerem de provas consistentes de autoria e materialidade.
A princípio, uma das maneiras mais eficazes de se evitar os crimes insolúveis seria implantar um banco de dados criminais de DNA ou aumentar o seu tamanho, uma questão de vontade política. Caso, por qualquer motivo, a implantação ou aperfeiçoamento destes bancos de dados seja inviável, um possível caminho (pouco viável, entretanto) para a identificação de suspeitos desconhecidos é pela triagem genética através de varreduras em massa. Tal triagem, usada apenas em alguns países, geralmente envolve centenas ou milhares de pessoas, normalmente da região onde ocorreu o crime, cada qual fornecendo uma amostra de saliva, permitindo que seus perfis de DNA sejam comparados com o obtido na cena do crime. Essa abordagem já obteve sucesso em muitos casos, especialmente nos primórdios da utilização das técnicas de DNA forense com fins judiciais (WERRETT, 1997). Hoje, entretanto, muitos já tem uma ideia, mesmo que vaga, dos avanços empreendidos no campo da genética forense. Tal conhecimento, aliado ao princípio processual penal da não autoincriminação (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo), faz com que tais triagens genéticas se tornem ineficazes nos dias de hoje. A triagem genética é uma técnica raramente empregada ultimamente, por questões éticas, legais e econômicas (KAYSER e SCHNEIDER, 2009).
Quando todas as tentativas de identificação de suspeitos falham, a solução dos “casos frios” poderá aparecer através da elaboração de um “retrato falado” genético do possível suspeito. A previsão de determinadas características fenotípicas de um indivíduo com base no seu material genético seria útil às investigações policiais na busca por suspeitos desconhecidos. Os avanços recentes na genética parecem suficientemente promissores ao ponto de podermos esperar que marcadores de DNA, altamente específicos, para pelo menos algumas determinadas características relevantes às investigações, estejam disponíveis à comunidade científica forense num futuro próximo. Segundo Kayser e Schneider (2009) tais previsões genéticas já são em parte possíveis hoje em dia. Se a fenotipagem genética humana puder ser realizada, sua aplicação forense terá a capacidade de concentrar as investigações policiais em um grupo específico de pessoas, reduzindo, dessa forma, o número de potenciais suspeitos a terem seus perfis de DNA analisados a posteriori pelas vias convencionais (comparação de perfis). Tais técnicas deverão ser empregadas quando o número de potenciais suspeitos não puder ser restringido por outras fontes de informação ou da inteligência policial.
É pouco provável que num futuro próximo sejamos capazes de compreender, em sua totalidade, a complexidade biológica por trás dos aspectos físicos específicos e da aparência de cada indivíduo, como um pré-requisito para elaboração do seu “retrato falado” genético. Muito em breve, entretanto, esta nova ferramenta de investigação policial estará acessível às polícias científicas em todo o mundo, ainda que restrita à previsão de algumas poucas características.
O termo “retrato falado genético” ou “retrato molecular” foi inicialmente cunhado por geneticistas populacionais brasileiros para designar a ancestralidade genética de uma dada população, através da análise do DNA mitocondrial (linhagem materna) e do cromossomo Y (linhagem paterna) de um grupo específico de indivíduos (PENA et al., 2000).
O termo “retrato falado” genético, entretanto, deve ser compreendido (lato sensu) como o conjunto das características externas (aspectos físicos gerais e específicos) de um indivíduo desconhecido, capazes de serem percebidas por uma pessoa normal no contexto de uma investigação policial, previsíveis através de análises genéticas em amostras biológicas deixadas pelo autor de um crime no local onde este mesmo ocorreu. Em sentido estrito, o “retrato falado” genético se restringe à predição apenas dos traços faciais, incluindo as características relativas aos cabelos do indivíduo analisado. Entende-se por aspecto físico geral aquele que caracteriza o indivíduo como um todo, por exemplo, o sexo, a raça (ou cor da pele), a compleição, a idade, a altura e o peso. Já os aspectos físicos específicos são aqueles que caracterizam partes específicas do corpo, como por exemplo, a cor dos cabelos, a cor das íris, o formato da orelha, o tamanho do nariz, etc.
Os estudos no campo do “retrato falado” genético (espécie) estão inseridos dentro da área da fenotipagem forense (gênero), que abrange, além da predição das características externas de um indivíduo desconhecido, suas características comportamentais, origem geográfica e até mesmo origem familiar (KOOPS e SCHELLEKENS, 2006). Os traços de ancestralidade, no contexto forense, por estabelecerem um pool de características étnicas específicas, podem auxiliar a composição de um “retrato falado” genético, mas são incapazes de predizer com precisão qualquer traço físico de um indivíduo.
Os recentes avanços tecnológicos no campo da genotipagem por meio de chips de DNA ou microarranjos de DNA (DNA microarray), permitindo testes simultâneos de milhares de marcadores genéticos (usualmente de SNPs – single nucleotide polymorphisms), forneceram poderosas ferramentas para encontrar alguns genes envolvidos na complexidade dos aspectos físicos específicos e da aparência de cada indivíduo (BURTON et al., 2007; PULKER et al., 2007).
Traços complexos são definidos como características fenotípicas influenciadas por diversos fatores genéticos (mais de um gene envolvido na expressão de uma característica) e ambientais. Embora os aspectos físicos específicos de um indivíduo, no passado, tenham sido considerados como traços simples, determinados por herança mendeliana simples, hoje é consenso geral que a maioria deles (senão todos) são características complexas. Isto torna a identificação dos genes envolvidos e sua associação às características de interesse uma tarefa desafiadora, sem a qual seria impossível o desenvolvimento de marcadores genéticos específicos (LANGEFELD e FINGERLIN, 2007). A associação genética (gene x característica fenotípica) é concluída quando (no tipo mais simples de associação) a frequência do alelo de um marcador genético difere significativamente entre indivíduos com diferentes expressões de um fenótipo específico, ou entre pacientes e controles saudáveis considerando-se o fenótipo de uma doença. A associação genômica de larga escala (GWA – genome-wide association), envolvendo geralmente um grande número de indivíduos, é atualmente o método de escolha para encontrar genes envolvidos em traços complexos. Numerosos fenótipos de patologias humanas têm sido recentemente investigados por técnicas de GWA (BURTON et al., 2007). Foi o desenvolvimento das técnicas de GWA que possibilitou o recente avanço na associação de novos genes aos seus respectivos marcadores (KAYSER e SCHNEIDER, 2009).
A despeito das discussões que giram em torno do princípio implícito constitucional da não autoincriminação, onde um indivíduo suspeito de ter cometido um crime não é obrigado a fornecer seu material genético para posterior confronto, as técnicas descritas neste artigo não possuem impedimento legal algum até o presente momento.
Todas as técnicas descritas anteriormente utilizam como amostra o material coletado na cena onde ocorreu o crime. Seria uma prova produzida pelo próprio autor do crime, sem que este tenha sido obrigado a produzi-la.
Em um segundo momento, a partir do levantamento dos possíveis suspeitos, poderiam ser traçados e comparados os perfis genéticos deles e das amostras encontradas na cena do crime, e assim incluí-los ou excluí-los como autores do crime investigado.
Uma das primeiras coisas que percebemos em alguém quando nos encontramos pela primeira vez com ela é a sua aparência física. Imediatamente, de forma inconsciente, o sexo biológico, a cor do cabelo e dos olhos, o tom da pele e a idade de um novo indivíduo são reconhecidos. Pela simples observação das semelhanças familiares, fica claro que muitas destas características fenotípicas têm uma base genética, sendo, portanto, passíveis de previsão com base no DNA. Este foi, de fato, a maior ambição de muitos cientistas forenses desde o início da era da genética. Mas quão longe chegamos nesta busca, e quais informações podem ser obtidas, de forma confiável, dos vestígios biológicos recolhidos no local de crime? A seguir, é apresentada uma compilação dos principais resultados obtidos na área acadêmica dentro do campo da fenotipagem forense.
Enquanto a estimativa da idade de cadáveres e esqueletos não identificados, para fins de identificação, têm uma longa tradição no domínio das ciências forenses, a estimativa de idade de pessoas vivas é uma área relativamente nova dentro das ciências forenses que vem ganhando cada vez mais importância. Nestes casos, o diagnóstico de idade pode ser útil tanto na avaliação da probabilidade de uma pessoa ter chegado a um limite de idade específico juridicamente relevante (SCHMELING et al., 2007), quanto na fenotipagem genética em investigações policiais de crimes que não deixam suspeitos.
As estimativas de idade de pessoas vivas, geralmente, têm que ser mais precisas do que aquelas feitas com a finalidade de se identificar uma pessoa falecida. No entanto, a gama de métodos aplicáveis ainda é limitada. Quando as técnicas de referência são utilizadas, especialmente no caso de pessoas vivas, a origem geográfica e o status sócio-econômico devem, concomitantemente, ser levados em consideração (SCHMELING et al., 2007).
A predição da idade de um indivíduo vivo pode ser obtida através de uma abordagem molecular envolvendo a medição da região telomérica dos seus cromossomos (número de pares de bases). Os telômeros são estruturas especializadas presentes na extremidade dos cromossomos de células eucarióticas. O DNA telomérico consiste em uma sequência rica em guanina repetida em tandem, orientada no sentido 5’ – 3’ até o final do telômero. O telômero humano das células somáticas encurta a cada divisão celular, que determina, como um relógio mitótico, uma capacidade finita proliferativa (NAKAMURA et al., 1999). A teoria telomérica de envelhecimento foi recentemente confirmada por vários estudos (TSUJI et al., 2002; LAHNERT, 2005), tornando possível estimar a idade de um indivíduo com base em uma pequena amostra DNA presente no sangue ou saliva (LAHNERT, 2005). Entretanto, há diversos fatores ambientais que interferem no envelhecimento de um indivíduo, o que dificulta a exata predição da sua idade. Mesmo assim, a técnica de predição da idade já é objeto de pedidos de patentes internacionais (OLEK et al., 2002; LAHNERT, 2003), um grande indicativo da possibilidade de termos em breve um teste eficaz e comercialmente disponível.
Outros métodos de biologia molecular empregados na estimativa da idade de um indivíduo são a quantificação de deleções acumuladas em regiões do DNA mitocondrial, quantificação de metilações de DNA nuclear e a quantificação dos rearranjos de DNA presentes no interior dos Linfócitos T, sendo este último um dos métodos de maior acurácia. De forma a criar um repertório de receptores TCR de membrana, cada linfócito T imaturo realiza rearranjos somáticos únicos no loci TCR de seu genoma, durante o seu amadurecimento no timo. Esses rearranjos formam moléculas de DNA epissomal circulares, conhecidas na língua inglesa como signal joint TCR excision circles (sjTRECs) (ZUBAKOV et al, 2010).
A previsão do gênero ou sexo genético de um indivíduo é, atualmente, o teste com maior precisão realizado com emprego de marcadores de DNA. A diferença de comprimento entre o gene amelogenina do cromossomo X e o de sua cópia no cromossomo Y é responsável pela determinação do sexo genético (MANNUCCI et al., 1994). Hoje, este marcador está incluído na maioria dos kits comerciais para testes de identidade humana. Entretanto, este teste não é livre de erros. Alguns homens podem ser falsamente diagnosticados como sendo do sexo feminino simplesmente por não carregarem o gene da amelogenina no seu cromossomo Y, caso em que apenas o gene normal da amelogenina seria detectado. A taxa de erro deste teste, quando baseado exclusivamente no marcador genético para o gene da amelogenina, varia muito conforme a ascendência do indivíduo analisado. A deleção do gene da amelogenina ocorre numa frequência muito baixa na Europa – 0,02% na Áustria (STEINLECHNER et al., 2002), por exemplo –, podendo chegar a frequências consideravelmente maiores na Ásia do Sul – 1,8% na Índia (THANGARAJ et al., 2002) e 8% no Sri Lanka (SANTOS et al., 1998), por exemplo. Dessa forma, a previsão acurada do sexo genético de um indivíduo deveria ser baseada em mais do que um marcador genético (não apenas no gene da amelogenina), preferencialmente localizados distantes do lócus do gene da amelogenina, conforme já foi sugerido a mais de 10 anos (SANTOS et al., 1998).
O entendimento da arquitetura genética envolvida nas variações faciais normais é crucial nos estudos que envolvem a predição de rostos a partir de amostras de DNA (CLAES et al, 2014), uma aplicação forense que tem despertado ultimamente grande interesse público.
O complexo craniofacial traz consigo inúmeras informações sobre sexo, saúde, ancestralidade, parentesco, genes e meio ambiente (JASMIEN et al, 2016). Estamos todos familiarizados com a forte influência genética sobre nossos rostos. Entretanto, os mecanismos genéticos envolvidos em sua determinação permaneceram pouco estudados, até recentemente. Apesar dos genes que afetam o desenvolvimento das faces já serem estudados há décadas, a descoberta de suas variantes genéticas em estudos GWS iniciou-se somente há poucos anos. Mesmo assim, a crescente lista de genes e marcadores craniofaciais nos coloca cada vez mais perto de um melhor entendimento dos mecanismos de seu desenvolvimento e suas patologias (CLAES e SHRIVER, 2016).
Em uma reportagem da BBC, de Junho de 2015 (http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150619_dna_face_reconstroi_fd), foi noticiado que com apenas 20 genes identificados à época, a equipe liderada pelo PhD. Peter Claes, da Universidade de Leuven, Bélgica, já conseguiria prever o rosto de uma pessoa a partir de uma amostra de sua saliva.
Estudos envolvendo o gene MC1R, capaz de fornecer marcadores genéticos altamente associados à cor do cabelo ruivo (vermelho), já possuem mais de 10 anos (VALVERDE et al., 1995), tendo sido validados posteriormente por GWA (SULEM et al., 2007; HAN et al., 2008) e reconhecidos pela comunidade de cientistas forenses (GRIMES et al., 2001; TULLY, 2007). A previsão da cor de cabelo ruivo chegou a ser de 96% num estudo realizado em 2001 (GRIMES et al., 2001), apesar da baixa amostragem, e de 70% em outro estudo, envolvendo um grande número de indivíduos islandeses e holandeses, com o uso de marcadores genéticos para duas variantes (SNPs) do gene MCR1 (TULLY, 2007). Recentemente, em estudos de GWA, foram identificados novos SNPs do gene ASIP, também associados à cor de cabelo ruivo (SULEM et al., 2008). Outros genes, como o SLC24A4, KITLG, HERC2, OCA2, TYR, MATP, TPCN2 e IRF4, estão associados a outras cores de cabelo, diferentes da cor ruiva (SULEM et al., 2007; HAN et al., 2008; SULEM et al., 2008), podendo também estar fortemente associados à cor das íris (olhos) e da pele.
Notavelmente, a precisão dos testes de previsão para a cor ruiva são maiores do que para as outras cores. No entanto, espera-se que, num futuro próximo, a inclusão de novos marcadores associados a estas cores possa melhorar consideravelmente a precisão dos testes. Entretanto, o fato de algumas cores de cabelo (principalmente as mais claras) mudarem durante a vida do indivíduo faz com que a sua previsão seja mais imprecisa (KAYSER e SCHNEIDER, 2009).
A compreensão da base genética das cores intermediárias de íris (não azuis e não castanhas) ainda é pouco clara. Há outros genes envolvidos na expressão das cores intermediárias, segundo um estudo recente de GWA (SULEM et al., 2007). Nele ficou demonstrada uma associação significativa de SNPs dos genes SLC24A4 e TYR a estas cores, quando indivíduos de cor azul da íris foram confrontados com indivíduos de cor verde da íris. Quando a previsão foi de p>30% para cor verde de íris, apenas 40% dos indivíduos analisados a possuíam. Outro estudo recente, envolvendo apenas indivíduos holandeses e utilizando todos os marcadores genéticos conhecidos para determinação da cor da íris, obteve uma precisão de 93%, 91% e 72% nos testes de previsão das cores castanha, azul e intermediárias, respectivamente (LIU et al., 2009).
Espera-se que, num futuro próximo, a inclusão de novos marcadores associados a estas cores – novas variantes (SNPs) do gene HERC2 (EIBERG et al., 2008; STURM et al., 2008) ou de outros genes (HAN et al., 2008; SULEM et al., 2008) – possa melhorar consideravelmente a precisão dos testes.
A relação fenotípica existente entre a cor da íris e a do cabelo também inclui a cor da pele e a sua sensibilidade ao sol (pigmentação dependente). Consequentemente, muitos genes associados à cor do cabelo e da íris demonstraram estar também associados à variação da cor da pele e da sua sensibilidade ao sol, como por exemplo, os genes MATP, PSIA, MC1R, SLC24A4, TYR, HERC2, IRF4 e KITLG (GRAF et al., 2007; STOKOWSKI et al., 2007; SULEM et al., 2007; HAN et al., 2008; SULEM et al., 2008). Embora um grande número de genes envolvidos na variação da cor da pele humana seja conhecido atualmente, os estudos de previsão da cor da pele a partir de dados genotípicos são ainda escassos. Dessa forma, ainda é necessário muito mais trabalho para que as técnicas de predição da cor da pele possam ter aplicação forense no futuro (KAYSER e SCHNEIDER, 2009).
A previsão das características fenotípicas de um indivíduo desconhecido com base no seu DNA – coletado a partir de vestígios biológicos deixados no local do crime – tem o potencial de direcionar as investigações policiais para um rol restrito de suspeitos, sempre que os outros meios convencionais de investigação falharem.
Tal técnica poderia ser empregada mesmo naqueles crimes que deixam testemunhas oculares. A descrição dos suspeitos feita por tais testemunhas pode demonstrar certa tendência ou preconceito, resultantes de estresse ou mesmo de diferenças individuais de percepção. A parcialidade na descrição dos suspeitos seria facilmente sanada através da elaboração de um “RETRATO FALADO” GENÉTICO, o que eliminaria a fragilidade da prova testemunhal.
De acordo com a atual literatura científica internacional, apenas o gênero e a idade do indivíduo podem ser inferidos dentre todas as populações humanas. Pelo menos até o presente momento, a cor ruiva dos cabelos e as cores azul e castanha das íris são passíveis de serem previstas dentro de populações com ascendência (total ou parcial) europeia. Sempre que os marcadores genéticos estiverem associados a características fenotípicas de distribuição geograficamente orientada, sua predição necessitará estar conjugada a outros testes genéticos que verifiquem de forma precisa a origem geográfica do indivíduo.
Pelo fato desta área despertar um grande interesse econômico, além do científico, já existem diversos pedidos de patente relacionados à previsão de algumas características externas humanas (LAHNERT, 2003; KAYSER et al., 2007), o que indica que em breve poderemos ter acesso a kits comerciais de ensaios com relativa precisão e qualidade. Já existem até mesmo empresas prestadoras de serviços de fenotipagem forense no mercado internacional (DNAPrint Genomics).
Mais pesquisas ainda são necessárias para desvendar a base genética da aparência humana e, consequentemente, novos marcadores genéticos aplicáveis à genética forense. A previsão de um “retrato falado” genético completo a partir de uma simples amostra biológica, como seria desejável nas investigações policiais, ainda continua no campo da ficção científica.
No Brasil, não foram verificados impedimentos legais, até o presente momento, para a fenotipagem de amostras de DNA coletadas na cena do crime.
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Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas (2002), doutor em Biologia Funcional e Molecular pela Universidade Estadual de Campinas (2006) e especialista em Polícia Técnica com Foco em Investigação Criminal pela Universidade Católica de Brasília (2009). Possui experiência em biologia molecular e investigação criminal, atuando pela Polícia Civil do Distrito Federal há mais de 6 anos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBASTEFANO, Victor. "Retrato falado" genético: conceitos, avanços biotecnológicos e implicações legais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jan 2017, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48987/quot-retrato-falado-quot-genetico-conceitos-avancos-biotecnologicos-e-implicacoes-legais. Acesso em: 23 dez 2024.
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