Resumo: O presente artigo apresenta uma análise técnico-jurídica acerca da possibilidade de indiciamento, pelo delegado de polícia, de autoridades que possuam foro por prerrogativa de função. Trata-se de um tema bastante atual e relevante, tendo em vista as investigações da denominada “Operação Lava Jato” da Polícia Federal, que apura a prática de diversas infrações penais pelas mais variadas autoridades que possuem foro por prerrogativa de função.
Palavras-chave: Delegado de Polícia. Indiciamento. Autoridade com foro por prerrogativa de função.
Sumário: Resumo. 1. Introdução. 2. Indiciamento. 3. Foro por prerrogativa de função. 4. Indiciamento de autoridades com foro por prerrogativa de função. 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Hodiernamente, acompanhamos nos noticiários de televisão a situação política que o país atravessa, com diversas autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função sendo investigadas pela Polícia e pelo Ministério Público, como suspeitas da prática das mais diversas infrações penais.
Essas autoridades, detentoras de determinadas prerrogativas, possuem garantias que limitam a atuação do delegado de polícia quanto ao indiciamento. Apesar disso, mostraremos que estas garantias asseguram apenas uma limitação formal e não um impedimento que impossibilite a formalização do ato.
2 INDICIAMENTO
O indiciamento é ato privativo do Delegado de Polícia, que, na qualidade de autoridade policial, realiza uma análise técnico-jurídica dos fatos delineados no procedimento investigatório, atribuindo a determinada pessoa a condição de provável autor ou partícipe da infração penal.
Assim ensina Renato Brasileiro de Lima:
“Indiciar é atribuir a autoria (ou participação) de uma infração penal a uma pessoa. É apontar uma pessoa como provável autora ou partícipe de um delito. Possui caráter ambíguo, constituindo-se, ao mesmo tempo, fonte de direitos, prerrogativas e garantias processuais (CF, art. 5º, LVII e LXIII), e a fonte de ônus e deveres que representam alguma forma de constrangimento, além da inegável estigmatização social que a publicidade lhe imprime.” (2016, p. 147)
O ato de indiciamento é formalizado no bojo de uma investigação levada a cabo pela polícia judiciária (civil e federal), que visa colher elementos informativos acerca da autoria e materialidade de determinado crime.
Esse procedimento investigatório alhures referido é denominado Inquérito Policial. Noberto Avena assim sintetiza o inquérito policial:
“Por inquérito policial compreende-se o conjunto de diligências realizadas pela autoridade policial para obtenção de elementos que apontem a autoria e comprovem a materialidade das infrações penais investigadas...” (2012, p. 149)
Embora o Código de Processo Penal não faça qualquer anotação expressa acerca do ato de indiciamento, a novel Lei nº 12.830/13 veio a regulamentar este ato em seu art. 2º, §6º, que ensina:
“Art. 2 º, §6º. O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.
3 FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
Algumas autoridades possuem foro por prerrogativa de função, que é entendida como uma garantia destinada a determinados titulares de cargos públicos para que sejam processados e julgados por tribunais jurisdicionais superiores.
O Ministro Victor Nunes Leal[1] entende que:
“o legislador presume que os Tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele” (LIMA, 2016, p. 474)
Ainda sobre o foro por prerrogativa de função, entende a Suprema Corte:
“A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para os interesses dos titulares de cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularidade das instituições em razão das atividades funcionais por eles desempenhadas” (STF, Pleno, Inq. 2411 QO/MT, Rel. Min Gilmar Mendes, DJe 74 24/04/2008)
Sendo assim, tal garantia é constituída em decorrência do exercício do cargo e não em razão da pessoa que o ocupa. Trata-se, portanto, de uma prerrogativa funcional ou ratione funcionae, estabelecida para que as autoridades exerçam seus ofícios livres de qualquer tipo de ingerência.
Quanto ao certo “privilégio” conferido pelo foro por prerrogativa de função, brilhantemente explana Renato Brasileiro de Lima:
“Essa excepcionalidade do foro por prerrogativa de função em face de preceitos sensíveis da Constituição Federal, como o da isonomia e o do juiz natural, possui uma razão de ser própria, específica, justificável, que transmuda sua conotação de privilégio, no sentido pejorativo da palavra, para prerrogativa essencial ao bom exercício da função. Por tal motivo, em uma Constituição Federal que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, as hipóteses de prerrogativa de foro, pelo privilégio que de certa forma conferem, devem ser interpretadas restritivamente.” (2016, p.474)
4 INDICIAMENTO DE AUTORIDADES COM FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
Vimos que o ato de indiciamento é exclusivo da autoridade policial. Logo, não é possível haver o indiciamento por autoridade outra que não seja o delegado de polícia.
Acerca do tema, possui entendimento pacífico o STF:
“Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial, não existe fundamento jurídico que autorize o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o indiciamento de determinada pessoa. A rigor, requisição dessa natureza é incompatível com o sistema acusatório, que impõe a separação orgânica das funções concernentes à persecução penal, de modo a impedir que o juiz adote qualquer postura inerente à função investigatória. Doutrina. Lei 12.830/2013” (STF. 2ª Turma. HC 115015/SP, rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 27/8/2013 (Info 717).
A regra é que qualquer pessoa pode ser indiciada pelo delegado de polícia, desde que presentes o lastro probatório mínimo, suficiente para convergir os indícios de autoria e a prova da materialidade do crime à figura do investigado no inquérito policial.
Apesar disso, quanto à possibilidade de indiciamento de autoridades com foro por prerrogativa de função, temos as seguintes situações:
a) Autoridades imunes ao indiciamento:
Os membros do Poder Judiciário e os membros do Ministério Público não podem ser indiciados no âmbito de investigação policial, tendo em vista as vedações legais contidas nas leis orgânicas que disciplinam às respectivas carreiras.
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35/79), em seu art. 33, parágrafo único, assim dispõe:
“Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.”
De igual forma, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8625/93), em seu art. 41, inciso II e parágrafo único, assim dispõe:
“II - não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no parágrafo único deste artigo;”
“Parágrafo único. Quando no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração.”
a) Demais autoridades que podem ser indiciadas:
As demais autoridades (Governadores, Prefeitos, Parlamentares, etc.) que possuem foro por prerrogativa de função, por não haver qualquer vedação legal, podem ser indiciadas pela autoridade policial, desde que obedecidas algumas exigências.
Para haver o indiciamento, entendeu o STF que é indispensável que o delegado de polícia obtenha uma autorização junto ao Tribunal competente para julgar tal autoridade (STF. Decisão monocrática. HC 133835 MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18/04/2016 - Info 825)
Essa autorização cabe ao Ministro-relator do respectivo Tribunal, que realiza uma supervisão judicial, autorizando não só o ato do indiciamento, mas também todas as diligências anteriores, ocorridas durante a tramitação das investigações, inclusive a própria instauração do procedimento policial.
Esse é o entendimento do STF:
“A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, “b” c/c Lei nº 8.038/1990, art. 2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis.” (STF, Pleno, Inq. 2411 QO/MT, Rel. Min Gilmar Mendes, DJe 74 24/04/2008)
Vale ressaltar que quem irá fazer o indiciamento é o próprio Delegado de Polícia, pois se trata de ato privativo da autoridade policial. O Ministro relator apenas irá autorizar a formalização do ato no bojo do inquérito policial instaurado.
5 CONCLUSÃO
Com o presente trabalho observamos que o foro por prerrogativa de função não se trata de um benefício pessoal, mas de uma garantia inerente ao exercício da função pública (ratione funcionae).
Essa prerrogativa é conferida a fim de assegurar aos detentores de tais cargos a garantia de serem submetidos a um julgamento imparcial e livre de qualquer ingerência, através de uma corte graduada, e não por um juízo singular.
Apesar disso, a exigência legal de processamento e julgamento por um tribunal, salvo quando se trata de Magistrados e membros do Ministério Público, não afasta a possibilidade de investigação criminal por parte da polícia judiciária (civil e federal).
Após autorização da corte processante, a autoridade policial poderá proceder normalmente às diligências investigativas, inclusive com o posterior indiciamento do detentor da prerrogativa.
Desta forma, concluímos que o foro por prerrogativa de função não imuniza as autoridades públicas de investigações e indiciamentos pela polícia, apenas exige a obediência de alguns requisitos especiais para sua formalização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Dizer o direito – Informativo 825 esquematizado. Disponível em: Acesso em: 20/01/2016
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume único, 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 4. ed., Salvador: Juspodivm, 2016.
TAVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
AVENA, Noberto. Processual Penal Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2012.
XAVIER, Elielton Barbosa da Silva. Inquérito Policial: aspectos jurídicos. Volume único, 1. Ed., João Pessoa: Sal da terra, 2016;
[1] STF, Rcl. 473, relator Min. Victor Nunes Leal.
Escrivão da Polícia Civil de Pernambuco. Graduado pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal na Universidade Cândido Mendes
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, Elielton Barbosa da Silva. Indiciamento de autoridades Com foro por prerrogativa de função Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49053/indiciamento-de-autoridades-com-foro-por-prerrogativa-de-funcao. Acesso em: 23 dez 2024.
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