RESUMO: Nas relações negociais surgidas diariamente em nossa sociedade destacam-se àquelas em que uma das partes envolvidas é um consumidor. Naturalmente que a maior parte dos contratos celebrados neste ambiente chega ao seu cumprimento com a satisfação de suas obrigações. No entanto, da frustação do adimplemento contratual várias podem ser as consequências, desde a obrigação coercitiva do cumprimento do avençado, até a ocorrência danos colaterais indenizáveis. E é neste cenário de pretensões divergentes e resistidas de parte a parte que deve o operador do direito ter sob seu domínio as melhores técnicas de apreciação das provas a serem produzidas pelos envolvidos, sempre com o objetivo de (re)equilibrar a relação judicializada.
PALAVRAS-CHAVE: Consumidor. Litígio. Ônus probatório.
ABSTRACT: In the negotiation relations that arise daily in our society stand out to those in which one of the parties involved is a consumer. Naturally, most of the contracts entered into in this environment come to fruition with the fulfillment of their obligations. However, from the frustration of the contractual compliance several may be the consequences, from the coercive obligation of the fulfillment of the contract, until the occurrence of indemnifying collateral damages. And it is in this scenario of divergent and resisted claims of part to part that the operator of the right has in his domain the best techniques of appreciation of the tests to be produced by the involved ones, always with the objective of (re) to balance the judicialized relation.
KEYWORD: Consumer. Litigation. Proof of proof.
1. INTRODUÇÃO E CONCEITO – TEORIAS EXPLICATIVAS.
Algumas teorias buscam conceituar o que é o “consumidor”. Todas elas possuem em comum o preceito previsto em lei e buscam conceituar o significado de “destinatário final”, previsto no caput do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor[1].
A teoria finalista atribui ao conceito de consumidor uma natureza restritiva. Vale dizer, para esta teoria, para ser considerado consumidor deve haver a interrupção da cadeia de produção e circulação de bens e serviços, com a utilização do insumo nele mesmo, de maneira não profissional.
Para a teoria finalista, “destinatário final é apenas quem retira o produto do mercado para seu uso (próprio ou de sua família) e não profissional. Se o produto retornar ao mercado de alguma forma, não haverá relação de consumo” (NEVES, 2006, p.103).
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“NÃO HÁ RELAÇÃO DE CONSUMO ENTRE O FORNECEDOR DE EQUIPAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR E O MÉDICO QUE FIRMAM CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE EQUIPAMENTO DE ULTRASSOM COM CLÁUSULA DE RESERVA DE DOMÍNIO E DE INDEXAÇÃO AO DÓLAR AMERICANO, NA HIPÓTESE EM QUE O PROFISSIONAL DE SAÚDE TENHA ADQUIRIDO O OBJETO DO CONTRATO PARA O DESEMPENHO DE SUA ATIVIDADE ECONÔMICA. Com efeito, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço oriundo de um fornecedor. Assim, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada pela Segunda Seção do STJ, destinatário final é aquele que ultima a atividade econômica, ou seja, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria. Por isso, fala-se em destinatário final econômico (e não apenas fático) do bem ou serviço, haja vista que não basta ao consumidor ser adquirente ou usuário, mas deve haver o rompimento da cadeia econômica com o uso pessoal a impedir, portanto, a reutilização dele no processo produtivo, seja na revenda, no uso profissional, na transformação por meio de beneficiamento ou montagem ou em outra forma indireta. Desse modo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário). Na hipótese em foco, não se pode entender que a aquisição do equipamento de ultrassom, utilizado na atividade profissional do médico, tenha ocorrido sob o amparo do CDC”. REsp 1.321.614-SP, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014, DJe 3/3/2015.
STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL Nº 1193293. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:11/12/2012. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE FRANQUIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. 1.- Conforme entendimento firmado por esta Corte, o critério adotado para determinação da relação de consumo é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a parte deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- No caso dos autos, em que se discute a validade das cláusulas de dois contratos de financiamento em moeda estrangeira visando viabilizar a franquia para exploração de Restaurante "Mc Donald's", o primeiro no valor de US$ 368.000,00 (trezentos e sessenta e oito mil dólares) e o segundo de US$ 87.570,00 (oitenta e sete mil, quinhentos e setenta dólares), não há como se reconhecer a existência de relação de consumo, uma vez que os empréstimos tomados tiveram o propósito de fomento da atividade empresarial exercida pelo recorrente, não havendo, pois, relação de consumo entre as partes. 3.- Agravo Regimental improvido. (BRASIL, 2012, p. 1)
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 1173 060. REL. MIN. NANCY ANDRIGHI. DJE DATA: 25/10/2012. EMENTA: DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. CLÍNICA DE ONCOLOGIA. COMPRA DE MÁQUINA RECONDICIONADA, DE VENDEDOR ESTRANGEIRO, MEDIANTE CONTATO FEITO COM REPRESENTANTE COMERCIAL, NO BRASIL. PAGAMENTO DE PARTE DO PREÇO MEDIANTE REMESSA AO EXTERIOR, E DE PARTE MEDIANTE DEPÓSITO AO REPRESENTANTE COMERCIAL. POSTERIOR FALÊNCIA DA EMPRESA ESTRANGEIRA. CONSEQUÊNCIAS. APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DO PREÇO TOTAL PELO REPRESENTANTE COMERCIAL. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DA PARCELA DO PREÇO NÃO TRANSFERIDA AO EXTERIOR. POSSIBILIDADE. APURAÇÃO. LIQUIDAÇÃO. 1. A relação jurídica entre clínica de oncologia que compra equipamento para prestar serviços de tratamento ao câncer, e representante comercial que vende esses mesmos equipamentos, não é de consumo, dada a adoção da teoria finalista acerca da definição das relações de consumo, no julgamento do REsp 541.867/BA (Rel. Min. Barros Monteiro, Segunda Seção, DJ de 16/5/2005). 2. Há precedentes nesta Corte mitigando a teoria finalista nas hipóteses em que haja elementos que indiquem a presença de situações de clara vulnerabilidade de uma das partes, o que não ocorre na situação concreta. 3. Pela legislação de regência, o representante comercial age por conta e risco do representando, não figurando, pessoalmente, como vendedor nos negócios que intermedia. Tendo isso em vista, não se pode imputar a ele a responsabilidade pela não conclusão da venda decorrente da falência da sociedade estrangeira a quem ele representa. 4. Não tendo sido possível concluir a entrega da mercadoria, contudo, por força de evento externo pelo qual nenhuma das partes responde, é lícito que seja resolvida a avença, com a devolução, pelo representante, de todos os valores por ele recebidos diretamente, salvo os que tiverem sido repassados à sociedade estrangeira, por regulares operações contabilmente demonstradas. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (BRASIL, 2012, p. 1)
Como se percebe, para o STJ, até a pessoa jurídica pode ser considerada consumidora, desde que demonstrada ser a usuária final do bem ou serviço. Para o Tribunal da Cidadania, neste ponto prevalece a teoria finalista, considerando que o “destinatário final” é o que efetivamente faz uso do bem ou serviço no sentido econômico. Assim, a expressão “destinatário final” exclui os consumidores intermediários.
Para essa corrente, não se deve observar apenas a destinação do produto ou serviço adquirido, mas também as características do consumidor.
A Ministra Nancy Andrighi esclarece que:
(...) a jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora (...). (BRASIL, 2012, p. 1)
A jurisprudência do STJ tem destacado que a vulnerabilidade e hipossuficiência se revelam como fatores importantes sob a óptica dessa teoria:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO
CDC. TEORIA FINALISTA MITIGADA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. SÚMULA Nº 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Inaplicabilidade do NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016:
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresente em situação de vulnerabilidade. Tem aplicação a Súmula nº 83 do STJ.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 646466 / ES AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2014/0338709-7. Ministro MOURA RIBEIRO. Terceira Turma. 10/06/2016).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO DE RASTREAMENTO E COMUNICAÇÃO DE DADOS. FALHA. ROUBO DE VEÍCULO. RESCISÃO CONTRATUAL. 1. OFENSA AOS ARTS. 165 E 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. TEMAS APRECIADOS PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. 2. APLICAÇÃO DO CDC. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIA FINALISTA MITIGAÇÃO. 3. RESPONSABILIDADE. NEXO CAUSAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. 4. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. NOVA ANÁLISE DA SITUAÇÃO FÁTICA. 5. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Não viola os arts. 165 e 535 do CPC o acórdão que, integrado pelo julgamento proferido nos embargos de declaração, se pronuncia de forma suficiente para a solução da controvérsia deduzida nas razões recursais.
2. A jurisprudência desta Corte Superior tem mitigado a teoria finalista para aplicar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte, pessoa física ou jurídica, apesar de não ser tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.
3. O acórdão recorrido concluiu estarem configurados os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, bem como que a recorrente foi a única responsável pela falha na prestação do serviço, amparado nos dados do contrato e no acervo fático-probatório dos autos. Assim, a revisão do julgado de origem exigiria o revolvimento das cláusulas pactuadas entre as partes e das circunstâncias de fato pertinentes ao caso, o que não se admite em recurso especial, diante da aplicação dos enunciados n. 5 e 7 da Súmula desta Corte.
4. Quanto ao dissídio jurisprudencial, tendo o Tribunal local concluído com base no conjunto fático-probatório, impossível se torna o confronto entre o paradigma e o acórdão recorrido, uma vez que a comprovação do alegado dissenso reclama consideração sobre a situação fática própria de cada julgamento, o que não é possível de
ser feito nesta via excepcional, por força da Súmula n. 7 deste Tribunal Superior.
5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AREsp 601234 / DF AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2014/0264397-3. Terceira Turma. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE).
Há uma terceira teoria, denominada de teoria maximalista. Para esta corrente, o conceito de consumidor deve ser entendido sob uma perspectiva ampliada.
Para Cláudia Lima Marques, “a definição do art. 2º (CDC) deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família”. (MARQUES, 2006, p. 305).
Para o Superior Tribunal de Justiça:
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 445854. REL. MIN. CASTRO FILHO. DJ DATA: 19/12/2003 EMENTA: CONTRATOS BANCÁRIOS – CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO PARA COMPRA DE COLHEITADEIRA – AGRICULTOR – DESTINATÁRIO FINAL – INCIDÊNCIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – COMPROVAÇÃO – CAPTAÇÃO DE RECURSOS – MATÉRIA DE PROVA – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA. I – O agricultor que adquire bem móvel com a finalidade de utilizá-lo em sua atividade produtiva, deve ser considerado destinatário final, para os fins do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. II – Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas originadas dos pactos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços. III – Afirmado pelo acórdão recorrido que não ficou provada a captação de recursos externos, rever esse entendimento encontra óbice no enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte. IV – Ausente o prequestionamento da questão federal suscitada, é inviável o recurso especial (Súmulas 282 e 356/STF). Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia. (BRASIL, 2003, p.1)
STJ. QUARTA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 611872. REL. MIN. ANTÕNIO CARLOS FERREIRA. DJE DATA:23/10/2012. EMENTA: DIREITO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ZERO-QUILÔMETRO PARA UTILIZAÇÃO PROFISSIONAL COMO TÁXI. DEFEITO DO PRODUTO. INÉRCIA NA SOLUÇÃO DO DEFEITO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO PARA RETOMADA DO VEÍCULO, MESMO DIANTE DOS DEFEITOS. SITUAÇÃO VEXATÓRIA E HUMILHANTE. DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO POR ORDEM JUDICIAL COM RECONHECIMENTO DE MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DA MONTADORA. REPOSIÇÃO DA PEÇA DEFEITUOSA, APÓS DIAGNÓSTICO PELA MONTADORA. LUCROS CESSANTES. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO VEÍCULO PARA O DESEMPENHO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DE TAXISTA. ACÚMULO DE DÍVIDAS. NEGATIVAÇÃO NO SPC. VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. A aquisição de veículo para utilização como táxi, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação das normas protetivas do CDC. 2. A constatação de defeito em veículo zero-quilômetro revela hipótese de vício do produto e impõe a responsabilização solidária da concessionária (fornecedor) e do fabricante, conforme preceitua o art. 18, caput, do CDC. 3. Indenização por dano moral devida, com redução do valor. 4. Recurso especial parcialmente provido. (BRASIL, 2012, p. 1)
Percebe-se que o mesmo Tribunal Superior, competente e responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, possui julgados e entendimento pela aplicação das três principais teorias conceituais à figura do consumidor.
Neste ponto, o presente trabalho possui por opinião a necessidade de se manter um equilíbrio, devendo o operador do direito considerar os preceitos das três teorias esposadas pelo STJ e pela doutrina. Vale dizer, o caso concreto irá definir qual a melhor solução a ser dada à determinada situação, não se descuidando da segurança jurídica e do respeito à autonomia privada dos contratos.
2. ÔNUS DA PROVA.
Independentemente da teoria a que se filie para se conceituar o consumidor, encontrando-se este em alguma demanda judicial, necessário que o operador do direito esteja atento às regras e técnicas de distribuição do ônus da prova.
O Código de Defesa do Consumidor possui um dos regramentos mais importantes ao tratar em art. 6º, VIII[2], a chamada inversão do ônus da prova.
De acordo com CDC, a inversão do ônus da prova se opera ope iudicis (a critério do juiz), a partir de seu convencimento a respeito da verossimilhança das alegações do consumidor ou quando presente sua hipossuficiência.
O Novo Código de Processo Civil, em seu art. 373, §1º, se alinha ao Código de Defesa do Consumidor ao prevê que “(...) § 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
A propósito do tema, prevê ainda o CDC ser nula a cláusula contratual que estabeleça a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor (art. 51, VI[3]).
Ao mencionar a Teoria Finalista Mitigada ou Finalista Aprofundada, destacou-se ser a vulnerabilidade uma marca importante ao conceito de consumidor. Neste ponto, importante delimitar qual tipo de vulnerabilidade se deve considerar ao propósito aqui delineado.
Há uma presunção de vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, do CDC[4]). No entanto, há que se analisar tal preceito sob três aspectos: a vulnerabilidade 1) econômica; 2) técnica e 3) jurídica.
De acordo com o STJ, “a inversão do ônus da prova com fins à plena garantia do exercício do direito de defesa do consumidor, só é possível quando houver verossimilhança de suas alegações e constatada a sua hipossuficiência a qual deverá ser examinada não só do ponto de vista social, mas, principalmente, do ponto de vista técnico” (AgRg no Ag 1355226 / RJ. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. 2010/0181462-0. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Quarta Turma. 26/09/2012). Grifos acrescidos.
Outro ponto que merece ser destacado é a diferenciação entre hipossuficiência e vulnerabilidade. Enquanto a primeira trate a respeito de circunstâncias dinâmicas, conforme abordado acima, a vulnerabilidade revela uma situação pressuposta, ou seja, trata-se de uma presunção absoluta, vez que ao consumidor sempre se reconhece como pessoa vulnerável no mercado de consumo. Conclui-se que todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente.
Durante algum tempo manteve-se certo debate quanto ao momento correto a ser operada a inversão do ônus da prova. A polêmica foi sepultada pelo STJ, cujo entendimento foi firmado no sentido de tratar-se de regra de instrução (e não de julgamento), de modo que deve “a decisão judicial que determiná-la ser proferida preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade para manifestar-se nos autos” (Segunda Seção. EREsp 422.778-SP, Rel. originário Min. João Otávio de Noronha, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti (art. 52, IV, b, do RISTJ), julgados em 29/2/2012).
3. CONCLUSÃO
O sistema jurídico consumerista brasileiro é considerado como um dos mais avançados do mundo. Essa característica, além de revelar um excelente arcabouço na proteção das relações negociais nesse ambiente, traduz uma grande responsabilidade por parte de todos os envolvidos para que as regras e técnicas existentes não se transformem em meras referências acadêmicas, mas sim em concretas ferramentas de solução de conflitos.
Tão importante quanto ao regramento legal e técnicas desenvolvidas, o bom senso e o equilíbrio devem ser a marca do operador do direito nesse universo tão empolgante e ilimitado que é o Direito do Consumidor. Mas ainda não é só isso. A base de tudo, os protagonistas, consumidores, fornecedores de bens e prestadores de serviços devem manter suas atitudes sempre trilhadas na boa fé objetiva, pois sem ela nenhum sistema sobrevive.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRINOVER, Ada Pellegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor: v.1: comentado pelos autores do anteprojeto: direito material ( arts.1.° a 80 e 105 a 108). Rio de Janeiro: Forense, 2011.
MARINELA, Fernanda, BOLZAN, Fabrício (ORGS.). Leituras Complementares de Direito Administrativo: Advocacia Pública, 2ª edição, revista e atualizada, Salvador: Ed. Juspodium, 2010.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3ª edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998.
MEDEIROS, Fábio Mauro de. As relações do Poder Público com o Código de Defesa do Consumidor. In: SPARAPANI, Priscilia; ADRI, Renata Porto (coord.). Intervenção do Estado no Domínio Econômico e no Domínio Social: em Homenagem a Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2010.
NERY JÚNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor: v.2: comentado pelos autores do anteprojeto: processo coletivo ( arts. 81 e 104 e
109 a 119). Rio de Janeiro: Forense, 2011.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
(...).
[2] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência; Grifo acrescido.
[3] Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
[4] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
Delegado da Polícia Civil de Pernambuco. Gestor da Divisão de Homicídios Metropolitana Norte do Recife/PE. Gestor da Divisão de Homicídios do Agreste. Delegado de Polícia do Município de Bezerros/PE (agreste pernambucano). Delegado de Polícia do Município de Tupanatinga (sertão pernambucano). Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva de Pernambuco. Advogado durante 14 (quatorze) anos nos contenciosos estratégicos cível, consumidor, criminal e tributário. Pós Graduado em Direito Público (Estácio). Pós Graduado pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE). Curso de Técnicas de Entrevista e Detecção de Mentiras. Curso de Inteligência de Investigação em Fontes Abertas. Curso de Investigação Criminal Digital. Curso de Gestão de Pessoas. Coautor do Livro “DIREITO PENAL sob a perspectiva da Investigação Criminal Tecnológica”, Editora JUSPODIVUM, 23/07/2021 (ISBN: 978-65-5680-663-1); Autor de artigos científicos (www.conteudojuridico.com.br). Cursos Operacionais: Curso de Nivelamento de Conhecimento de Sobrevivência na Caatinga (Companhia Independente de Operações e Sobrevivência em Área de Caatinga - CIOSAC), Abordagens Pessoal e Veicular, Progressão em Combate, Combate Urbano e Atendimento Pré-hospitalar em Combate. Curso de Pistola de Combate.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Vitor Freitas Andrade. Teorias conceituais e o ônus probatório do consumidor em juízo. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49201/teorias-conceituais-e-o-onus-probatorio-do-consumidor-em-juizo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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