Resumo: O presente artigo busca tratar de temas práticos e acadêmicos ligados a aplicação da teoria da perda de uma chance, como a seriedade da chance, o quantum da indenização e a natureza jurídica do dano.
Palavras-chave: Perda de uma chance. Quantum indenizatório. Natureza Jurídica.
1. Introdução
A Teoria da Perda de uma Chance cada vez mais ganha adeptos e força na doutrina brasileira e nos tribunais pátrios. Tendo em vista tal realidade, o presente artigo busca tecer alguns comentários acerca de dois assuntos essenciais na aplicação prática da teoria: a seriedade da chance e o arbitramento da indenização. Além de tais considerações de ordem prática, o presente trabalho também pretende abordar o tema da natureza jurídica do dano, assunto que dissemina grande discursões no mundo acadêmico.
2. Seriedade da chance
É comumente afirmado pelos defensores da teoria da perda de uma chance que o dano pela perda de uma chance é reparável. No entanto, não são todas as chances que tem relevância para o direito. A Doutrina Brasileira é uníssona em estabelecer o caráter da seriedade da chance como requisito para a sua indenização.
A chance para ser indenizável deve ser séria e real. Para que a oportunidade perdida seja considerada reparável, ela deve representar uma razoável probabilidade de obter a vantagem esperada, não uma mera possibilidade.
Nesse sentido são os comentários de Sergio Cavalieri Filho, sobre a seriedade da chance perdida:
É preciso, portanto, que se trate de uma chance séria e real, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada. Aqui, também, tem plena aplicação o princípio da razoabilidade.[1]
Silvio de Salvo Venosa, ao compartilhar do mesmo pensamento, afirma que “a certeza do dano, em se tratando de avaliação futura, guarda certa relatividade, mas não pode ser meramente hipotética” [2], e conclui que “se a possibilidade é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda da oportunidade”.[3]
Desta forma, sendo a chance séria e real a sua perda será considerada um dano indenizável, todavia, caso a oportunidade perdida seja uma mera possibilidade de obter a vantagem almejada, o ofendido não terá direito a nenhuma indenização.
Pensar diferente levaria a banalização da teoria da perda de uma chance, tendo em vista que em casos extremos iria existir a reparação por chances insignificantes, que na maioria das vezes iria representar um sonho ou um desejo.
Sergio Cavalieri Filho, ao apontar que as chances que não representam uma razoável probabilidade de obter o resultado favorável não devem ser indenizáveis, afirma que “do contrário estar-se-ia premiando os oportunismos, e não reparando as oportunidades perdidas”. [4]
Embasado na Doutrina Italiana, principalmente nos ensinamentos de Maurizio Bocchiola, Sérgio Savi estabelece um grau mínimo de probabilidade para que as chances sejam consideradas sérias e reais. Para este autor as chances são sérias e reais se apresentarem uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obterem a vantagem esperada. Nesse sentido ele preleciona que:
Não é, portanto, qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultado esperado [...][5]
Sergio Cavalieri Filho também comunga deste pensamento, e assegura que:
A perda de uma chance, de acordo com a melhor doutrina, só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso maior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis.[6]
Todavia, não parece a melhor solução para uma chance ser considera séria e real, a fixação de um grau de probabilidade que será aplicada genericamente em todos os casos. Tal formular iria gerar diversas injustiças se aplicada em alguns casos concretos.
Em muitos casos a probabilidade da vítima obter o resultado almejado será menor do que 50% (cinquenta por cento) nem por isso deixará de ser uma chance séria e real.
Por exemplo, em uma seleção de emprego, um candidato foi impedido injustamente de participar da sua última fase. Nesta fase, só existia mais três candidatos, e assim, a probabilidade do candidato prejudicado obter a vantagem esperada (a vaga no emprego) era de 25% (vinte e cinco por cento).
Em tal exemplo, fica claro que apesar da chance do candidato prejudicado ser menor do que 50% (cinquenta por cento) ela é uma chance séria e real, que não representa uma mera possibilidade, mas sim, uma razoável probabilidade de ser obter o sucesso. No entanto, caso a regra da fixação de um percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento) fosse aplicada em tal caso, tal chance não iria ser considerada séria e real, deixando a vítima sem qualquer indenização, gerando dessa forma uma grande injustiça.
Rafael Peteffi está entre os que não aceitam a fixação de um percentual fixo para a análise da seriedade das chances, e tecendo comentários á Doutrina Italiana afirma o seguinte:
Paradoxalmente, a Corte de Cassação italiana parece adotar postura diametralmente oposta, considerando que o requisito de seriedade e certeza chances perdidas somente seria alcançado se a vítima provasse que possuía, pelo menos, 50% de probabilidade de alcançar a vantagem esperada, isto é, que a ação do agente aniquilou 50% das chances da vítima alcançar desiderato. Parece-nos bastante compreensível que o direito italiano tenha ficado isolado nesse entendimento, já que existem inúmeros casos em que se pode identificar, com razoável grau de certeza, que a vítima tenha perdido, por exemplo, 20%, 30% ou 40% das chances de alcançar determinado objetivo. Nessas hipóteses, não teríamos nenhum argumento sólido para negar o provimento destas ações de indenização.[7]
Destarte, a fixação de uma probabilidade mínima de 50% (cinquenta por cento), ou qualquer outro percentual, para ser aplicada em todos os casos concretos, não se apresenta como a melhor solução para a análise da seriedade das chances.
A melhor solução será aquela em que o aplicador do direito em cada caso concreto, deverá analisar suas nuances, e inspirado no princípio da razoabilidade, afirmar se a chance da vítima representa uma chance séria e real, ou uma mera possibilidade sem relevância para fins indenizatórios.
Desta forma, a chance para fins indenizatórios deve ser séria e real, e tal caráter será auferido através de uma análise do caso concreto realizada pelo magistrado, a luz do princípio da razoabilidade.
Após ficar claro que sendo a chance séria e real, a vítima fará jus a uma reparação, resta saber como será arbitrado o valor desta indenização. Assim, no próximo tópico será abordada as singularidades existentes na forma de se quantificar o dano pela perda de uma chance.
3. Parâmetros para o arbitramento da indenização
O presente tópico tratará da forma de se quantificar o dano pela perda de uma chance, um dos critérios essenciais na aplicação da teoria da perda de uma chance.
Nos casos de perda de uma chance, o dano causado pela conduta do ofensor não foi a perda da vantagem esperada, mas sim, a perda da própria chance em si considerada. Destarte, nos casos de perda de uma chance, a indenização deve ser pela perda da oportunidade, e não pela perda da vantagem almejada.
Sérgio Savi após estabelecer que a chance por si só considerada tem o seu valor, conclui que é “o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade”.[8]
Neste mesmo sentido são as palavras de Miguel Kfouri Neto, ao afirmar que “a reparação, no entanto, não é integral, posto que não se indeniza o prejuízo final, mas sim, a chance perdida”.[9]
Desta forma, se o dano causado pelo o ofensor foi a perda de uma chance, é por ela que ele deve ser obrigado indenizar, não pela perda da própria vantagem.
Como já afirmado, a chance tem o seu próprio valor econômico, distinto do valor da vantagem almejada, e por representar uma expectativa da obter o resultado favorável, logicamente o seu valor será inferior à vantagem esperada.
Assim, a indenização pela perda de uma chance sempre será inferior ao valor da vantagem almejada. O valor do resultado útil esperado sempre será o limite para as indenizações pela perda de uma chance. Nunca poderá existir condenação a título de dano pela perda de uma chance, superior ou igual ao valor da vantagem esperada.
Nesse sentido Serio Cavalieri Filho após afirmar que a indenização pela perda de uma chance deve corresponder ao seu valor, e não ao valor da vantagem esperada, estabelece que “a chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização”.[10]
Desta forma, em todos os casos concretos haverá um limite para a indenização pela perda de uma chance, que será o valor da vantagem almejada ou o valor do prejuízo final sofrido.
Após ficar claro que a indenização pela perda de uma chance tem o seu limite definido pelo valor da vantagem esperada, resta saber como será determinado o quantum desta indenização.
O cálculo para se chegar indenização pela perda de uma chance, será a incidência da probabilidade da chance obter êxito sobre o valor da vantagem esperada.
Por exemplo, um sujeito perdeu a chance de ganhar um prêmio de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Como ele concorria a tal prêmio com mais 3 pessoas, sua probabilidade de ganhar o prêmio era de 25% (vinte cinco por cento).
Dessa forma, a indenização que ele terá direito será de R$ 125.000,00 (cento e vinte cinco mil reais), pois é o resultado do cálculo da probabilidade que ele tinha de ganhar o prêmio (vinte cinco por cento) sobre o valor da vantagem esperada (quinhentos mil reais).
Carlos Roberto Gonçalves ao abordar a forma de se quantificar o dano pela perda de uma chance também afirma que o cálculo “deverá partir do resultado útil esperado e fazer incidir sobre ele o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada”.[11]
Destarte, a indenização pela perda de uma chance será fixada pela probabilidade da chance obter êxito sobre o valor da vantagem esperada.
Em alguns casos será mais difícil a fixação do quantum da indenização, pois ou valor da vantagem esperada não é um valor determinado, ou a probabilidade da chance obter o resultado não é tão clara.
Nesses casos, o magistrado deverá por equidade, e pautado pelo princípio da razoabilidade, conferir a indenização que mais se adéque ao caso concreto, estabelecendo um valor à vantagem esperada, ou determinando qual a probabilidade que a chance tinha de obter o resultado útil almejado.
Desta forma, os parâmetros para a indenização pela perda de uma chance são os seguintes: (1) a indenização sempre será inferior a vantagem esperada; (2) o quantum dessa indenização será calculada através da probabilidade da chance obter resultado sobre o valor da vantagem almejada; (3) nos casos em que o valor da vantagem esperada não for determinado, ou a probabilidade da chance não aparecer simplesmente através de um operação matemática, o magistrado por equidade, e pautado pelo princípio da razoabilidade, estabelecerá o valor da vantagem esperada, e determinará a probabilidade da vítima obter o resultado, conferindo dessa forma a indenização que mais se adéque ao caso concreto.
Essas são as regras gerais aplicáveis em qualquer caso de perda de uma chance. Em muitos casos o aplicador do direito só precisará socorrer a tais parâmetros para determinar a indenização no caso concreto. No entanto, algumas situações apresentarão singularidades, onde o magistrado para chegar ao quantum da indenização terá que utilizar uma regra especial. Tais casos e a regra aplicável serão estudados no próximo tópico.
3.1 Quantificação das chances perdidas nos casos onde há mais de um evento aleatório
Existem algumas situações de perda de uma chance onde a obtenção da vantagem esperada dependerá de mais de um fator aleatório. Em tais casos, a vítima só teria obtido a vantagem almejada, se tivesse logrado êxito em todos os eventos aleatórios.
Por exemplo, uma determinada pessoa foi proibida injustamente de participar de um concurso público. Este concurso era constituído de duas fases eliminatórias. Assim, para que a vítima obtivesse a vantagem esperada (passar no concurso e obter um determinado cargo público), teria que lograr êxito no primeiro evento aleatório (passar na 1° fase do concurso), como também no segundo evento aleatório (passar na 2° fase do concurso).
Nessas situações onde há mais de um fator aleatório, a chance da vítima obter a vantagem esperada decresce, e tal diminuição deverá refletir na indenização.
Diante de tal problemática, Joseph King Jr. criou uma regra específica, que leva em consideração todos os eventos aleatórios no momento da quantificação do dano. [12]
Para este autor, o aplicador do direito deverá pegar as probabilidades de êxito em cada evento aleatório e multiplicá-las, o resultado de tal operação é que deverá incidir sobre o valor da vantagem esperada.[13]
No caso do exemplo dado acima, caso a probabilidade de êxito na 1° fase do concurso fosse de 80% e na 2° fase fosse de 50%, o percentual de probabilidade que iria incidir sobre a vantagem esperada seria de 40% (80% x 50%).
Desta forma, nos casos em que há mais de um evento aleatório, para que a indenização seja majorada corretamente, o cálculo criado por Joseph King Jr. deve ser utilizado.
Assim, todas as vezes em que a chance da vítima depender de mais de um fator aleatório, as probabilidades de êxito em cada evento aleatório devem ser multiplicadas, e só então, a probabilidade resultante de tal operação deverá incidir sobre o valor da vantagem almejada.
Neste tópico foi abordada uma situação singular onde há a necessidade da aplicação de uma regra específica para a quantificação do dano pela perda de uma chance.
O próximo tópico, por sua vez, tratará da natureza jurídica o dano pela perda de uma chance, tema que gera grandes discussões na Doutrina Brasileira.
4. Natureza jurídica do dano pela perda de uma chance
O tema mais controvertido na Doutrina Brasileira sobre a teoria da perda de uma chance sem dúvida alguma é a natureza jurídica do dano.
Não há consenso na doutrina, existindo quem afirme que o dano causado pela perda de uma chance seria um dano material, e quem assegure trata-se de um dano moral.
Na parcela da doutrina que afirma ser o dano pela perda de uma chance um dano material, não há consenso se seria um dano emergente ou um lucro cessante.
E pelas peculiaridades que apresenta o dano pela perda de uma chance, há ainda aqueles que asseguram que a perda de uma chance teria uma natureza jurídica distinta dos danos já existentes.
Diante da grande controvérsia que paira sobre a natureza jurídica do dano pela perda de uma chance, para se chegar a conclusão de qual dos pensamentos está com a razão, faz-se necessário um confronto entre cada uma das correntes doutrinárias com as peculiaridades do dano pela perda de uma chance.
A começar pela parcela da doutrina que afirma que o dano pela perda de uma chance teria a natureza de lucro cessante, entendimento seguido por renomados autores tradicionais como Aguiar Dias e Carvalho Santos[14]. Faz-se necessário primeiramente definir o que seria lucro cessante.
O Código Civil, em seu art. 402, define o lucro cessante como sendo aquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Para se ter um claro alcance da norma citada deve-se interpretar o termo “razoavelmente”, e socorrendo-se dos ensinamentos de Sergio Cavalieri Filho, razoável “é aquilo que o bom-senso diz que o credor lucraria, apurado segundo um juízo de probabilidade, de acordo com o normal desenrolar dos fatos”[15]
Destarte, lucro cessante é aquilo que a vítima lucraria diante do normal desenrolar dos fatos, no entanto, em virtude da conduta do ofensor não mais lucrará.
Sergio Cavalieri Filho ao comentar o trabalho que o aplicador do direto deve fazer ao se deparar com uma hipótese de lucro cessante afirma o seguinte:
Deve o juiz mentalmente eliminar o ato ilícito e indagar se aquilo que está sendo pleiteado a título de lucro cessante seria a consequência do normal desenrolar dos fatos; se aquele lucro poderia ser razoavelmente esperado, caso não tivesse ocorrido o ato ilícito.[16]
Desta forma, percebe-se claramente que a análise do desenvolvimento normal dos fatos passa a ser uma condição para o reconhecimento do lucro cessante.
É neste ponto que os casos de lucro cessante diferem dos casos de perda de uma chance. Na perda de uma chance, a vítima encontra-se em um processo aleatório, que ao seu final há uma vantagem esperada. Destarte, a álea é intrínseca aos casos de perda de uma chance.
Não há de se falar de desenvolvimento normal dos fatos, tendo em vista que em um determinado momento no desenrolar dos acontecimentos há uma bifurcação, que tanto pode fazer com que a vítima obtenha a vantagem esperada, como pode fazer com que ela não logre êxito.
Em síntese, tanto é normal no decorre dos fatos que a vítima obtenha a vantagem esperada, tanto é normal que ela não obtenha.
No caso do jovem que realiza um concurso público, tanto é normal no desenrolar dos fatos que ele passe neste concurso, como também é normal a sua reprovação.
Destarte, resta claro que o dano causado pela perda de uma chance não se enquadra como lucro cessante, tendo em vista que a álea que o é intrínseca retira aquela condição do normal desenrolar dos fatos inerente ao lucro cessante.
Ademais, nos casos de lucro cessante é necessário que se faça prova de que a vítima obteria o lucro almejado.
Por exemplo, um profissional liberal que se acidenta em virtude de um ato ilícito de terceiro, para que faça jus aos lucros cessantes deve fazer prova de que naquele tempo em que ficou afastado ele receberia determinados valores.
Tal prova falando-se em lucro cessante é muitas vezes fácil de produzir, todavia, nos casos de perda de uma chance exigir tal prova seria o mesmo que inviabilizar a indenização por tal dano.
No caso do advogado que perde o prazo para interpor o recurso, não tem como a vítima produzir provas de que obteria o resultado almejado (a vitória na demanda), tendo em vista os vários fatores aleatórios que podem influenciar o seu resultado.
Desta forma, entender o dano pela perda de uma chance, como sendo um lucro cessante, faria com que fosse necessário a produção de provas da obtenção da vantagem almejada, que por via de consequência, inviabilizaria a responsabilização pela perda de uma chance.
Na seara do dano material há ainda aqueles autores que afirmam ser o dano pela perda de uma chance um dano emergente. Entre os que defendem este ponto de vista está Adriano De Cuspis[17], e na Doutrina Brasileira, seguindo os ensinamentos do doutrinador italiano, encontra-se Sérgio Savi.
Para estes autores por ter a chance um valor próprio distinto do dano final, o dano pela perda de uma chance se assemelha a qualquer outro caso de dano emergente.
Segundo Sérgio Savi, sendo a chance uma propriedade anterior da vítima, a conduta do ofensor que a subtrai, retira da vítima uma importância que esta teria no momento em que o fato danoso se verifica, havendo um nexo casual claro entre a conduta do ofensor e o dano, e desta forma não existira qualquer diferença entre a perda de uma chance e os outros casos de dano emergente.[18]
Ocorre, contudo, que os argumentos tecidos pelos renomados autores em favor da natureza jurídica de dano emergente só se aplicam a uma das modalidades de perda de uma chance.
Os casos de perda de uma chance se subdividem em duas modalidades: os casos em que o processo aleatório chega ao seu final, e os casos em que o processo aleatório é interrompido antes do seu final.
Pois bem, os argumentos tecidos pelos renomados autores só se aplicam aos casos em que o processo aleatório é interrompido antes do seu final.
Nos casos em que o processo aleatório chega ao seu fim, para que haja a responsabilização pela perda de uma chance é necessário que ocorra o dano final, e assim, nestes casos o dano pela perda de uma chance é dependente do dano final.
É por causa dessa dependência que a natureza jurídica de dano emergente não se enquadra aos casos em que o processo aleatório chega ao seu fim.
Os casos de dano emergente não ficam a depender da ocorrência de um evento futuro. No momento do ato ilícito ele se concretiza, independentemente de qualquer acontecimento posterior.
Diferentemente ocorre nos casos em que o processo aleatório chega ao seu final, onde o dano pela perda de uma chance fica a depender da ocorrência de um evento futuro, que no caso é o dano final. Sem o dano final, não haverá o dano pela perda de uma chance.
Destarte, por causa dessa dependência que há entre o dano final e o dano pela perda de uma chance, a natureza jurídica de dano emergente não se enquadra aos casos em que o processo aleatório chega ao seu fim.
Consequentemente a classificação como dano emergente ao dano pela perda de uma chance não parece ser a mais correta, tendo em vista que só leva em consideração uma das modalidades de dano pela perda de uma chance, e tanto uma como outra modalidade devem ser aplicadas.
No mais, a perda de uma chance não gera só efeitos patrimoniais, mais também efeitos extrapatrimoniais.
Se fica claro que a chance em si considerada tem o seu valor econômico, mas fácil ainda é a consideração do valor psicológico e emocional da chance.
Em alguns casos quando se perde uma chance os efeitos dessa perda podem refletir tanto na esfera patrimonial, tanto na esfera extrapatrimonial, como em ambas as esferas.
Um bom exemplo que demonstra que o dano pela perda de uma chance pode causar efeitos tanto na esfera patrimonial, quanto na esfera extrapatrimonial, é o do jovem violonista.
O jovem já ganhou vários prêmios e é visto no meio musical como a promessa de um grande músico.
No entanto, em virtude de um acidente de trânsito causado por um terceiro, o jovem violonista perde, permanentemente, o movimento de um dos braços.
Impossibilitado de um dos braços, o jovem violonista perde a chance de seguir com a sua carreira, e tal perda refleti tanto na esfera patrimonial do jovem, quanto na esfera extrapatrimonial.
Não podendo mais seguir com a sua carreira o jovem violonista não mais irá se tornar um grande músico, e consequentemente, não irá receber os valores que um músico de expressão receberia.
Por outro lado, o jovem músico viu todas as suas metas, objetivos e sonhos serem destruídos de uma hora para outra, tal fato, mais do que natural, pode gerar, angústia, dor, sofrimento e transtornos psicoemocionais.
Destarte, resta claro que o dano pela perda de uma chance não só repercute na esfera patrimonial da vítima mais também pode gerar efeitos na esfera extrapatrimonial.
Via de consequência tal fato serve também para afastar os argumentos daqueles que afirmam que o dano pela perda de uma chance tem a natureza jurídica de dano moral.
Entre os doutrinadores brasileiros que acreditam que a perda de uma chance trata-se de um dano moral está Antonio Jeová dos Santos.
Antonio Jeová dos Santos enumera diversos casos de perda de uma chance, e após conclui o seguinte:
Tem-se como perda de uma chance passível de indenização, a título exclusivamente não patrimonial, o acidente que deixa a pessoa inepta para o sexo. Esse fato retira o prazer e a possibilidade de relacionamento, íntimo com pessoa de quem se goste, e impede o surgimento de prole. A extirpação de um braço impede o desenvolvimento de atividades esportivas. Não mais poderá a vítima praticar esportes, fazendo surgir funda angústia. A ausência de visão impedirá o prazer da leitura, por exemplo, retirando do ofendido a capacidade de desenvolver-se intelectualmente e espiritualmente. Todos esses fatos são passíveis de gerar dano moral indenizável.[19]
(sem grifo no original)
Ocorre que como exposto mais acima, o dano pela perda de uma chance pode causar efeitos só na esfera extrapatrimonial, só na esfera patrimonial, ou em ambas as esferas.
Um exemplo em que fica claro que o dano pela perda de uma chance não se trata de um dano moral, é o caso do advogado que perde o prazo para interpor uma apelação em uma demanda em que se discute a cobrança de uma dívida.
A perda da chance de ver o recurso reconhecido e provido só afeta a esfera patrimonial da vítima, não tendo nenhum efeito sobre a esfera extrapatrimonial.
Destarte, tanto a natureza jurídica de dano emergente, quanto a natureza jurídica de dano moral, não são compatíveis com o dano causado pela perda de uma chance, tendo em vista que a perda de uma chance não só gera efeitos patrimoniais ou extrapatrimoniais, podendo refletir tanto em uma esfera quanto em outra.
Deste modo, pelas peculiaridades que apresenta, e por poder gerar efeitos patrimoniais e/ou extrapatrimoniais, o dano pela perda de uma chance trata-se de um novo tipo de dano.
Entre os que defendem que o dano pela perda de uma chance é um novo tipo de dano está Sílvio de Salvo Venosa. Segundo este autor a perda de uma chance “pode ser considerada uma terceira modalidade de indenização, ao lado do lucro cessante e dos danos emergente, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento”.[20]
O raciocínio do renomado autor está correto quando enquadra a perda de uma chance como sendo uma nova modalidade de dano, entretanto, ao afirmar que a perda de uma chance estaria ao lado do lucro cessante e dos danos emergentes, dá a entender que o dano pela perda de uma chance estaria dentro do gênero “dano material”, e como visto anteriormente, o dano pela perda de uma chance pode gerar efeitos extrapatrimoniais.
Por poder gerar danos patrimoniais e/ou extrapatrimoniais, o correto seria enquadrar à perda de uma chance numa categoria autônoma, adversa a dicotomia existente entre dano material e dano moral.
Assim, os danos seriam classificados de acordo com as seguintes modalidades: (A) dano material, que se subdivide em dano emergente e lucro cessante; (B) dano moral; (C) e perda de uma chance.
Desta forma, resta claro que pelas peculiaridades que a envolvem, e por poder gerar efeitos patrimoniais e extrapatrimoniais, a perda de uma chance não se enquadra em nenhuma das modalidades clássicas de dano, tratando-se na verdade de uma nova modalidade, que não pertence à dicotomia existente entre dano material e dano moral.
5. Conclusão
Em vista das considerações tecidas, resta evidente que não são todas as chances que serão indenizadas, mas só aquelas sérias e reais. Aquelas que se apresentem com probabilidades ínfimas de êxito não devem ser reparadas, sob o risco de se estar reparando sonhos, desejos e até mesmo casos de oportunismo. Desta feita, este artigo não pretende afirmar que a perda de uma chance não dever ser indenizada, longe disso, o que se pretende afirmar é que a chance deve se apresentar séria e real no caso concreto para que a vítima faça jus à devida indenização.
E no tocante a indenização, haverá casos em que a sua fixação pelo juiz será mais fácil, apresentando-se muitas vezes como um mero cálculo matemático, e em outros não. Nessas situações mais difíceis o juiz deve ser valer da equidade para arbitrar o valor justo ao caso sob exame. Contudo, o que deve ser sempre levado em consideração é que a indenização é pela perda da chance e não pela vantagem esperada. Tendo isso em vista, a indenização nunca deverá ter o valor da vantagem final esperada. Na verdade, o valor do resultado útil esperado apresenta-se como um limite para a justa indenização pela perda de uma chance.
Por fim, com o devido respeito ao que adotam entendimento contrário, a razão parece estar com aqueles que entendem o dano pela perda de uma chance como um dano autônomo, distinto dos demais danos já existentes, configurando uma nova espécie de lesão, haja vista a sua capacidade de gerar repercussões na esfera patrimonial e extrapatrimonial da vítima.
REFERÊNCIAS
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SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. IV.
[1] CAVALIERI, Sergio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 81.
[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. IV. p. 275.
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. IV. p. 275.
[4] CAVALIERI, Sergio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 81-82.
[5] SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 65-66.
[6] CAVALIERI, Sergio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 82.
[7] PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 142.
[8] SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 22.
[9] KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade Civil do Médico. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 64.
[10] CAVALIERI, Sergio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.82.
[11] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. IV. p. 276.
[12] PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 146.
[13] PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 146.
[14] SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 39.
[15] CAVALIERI, Sergio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 73.
[16] CAVALIERI, Sergio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 73.
[17] SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 12.
[18] SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 14.
[19] DOS SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 107.
[20] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. IV. p. 30.
Advogado. Bacharel em direito pela Faculdade ASCES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Jeová Miguel da Silva. Aspectos práticos e acadêmicos sobre a teoria da perda de uma chance: seriedade, quantum indenizatório e natureza jurídica do dano Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 fev 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49286/aspectos-praticos-e-academicos-sobre-a-teoria-da-perda-de-uma-chance-seriedade-quantum-indenizatorio-e-natureza-juridica-do-dano. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Isnar Amaral
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: REBECCA DA SILVA PELLEGRINO PAZ
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