Resumo: O Supremo Tribunal de Federal retomou posicionamento sobre a possibilidade da execução provisória de acórdão penal condenatório, proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso constitucional. O tema trouxe consigo embates jurídicos, sobretudo em razão da questionada ofensa ao princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade, bem como da necessidade de se exprimir da impossibilidade de análise de fatos e provas que lastreia os recursos constitucionais a garantia do respeito ao duplo grau de jurisdição. Este artigo tem como objetivo trazer os argumentos que motivaram a decisão e demonstrar que aludido princípio deve ser conciliado com o da vedação à proteção deficiente, não se podendo valorar nem o excesso tampouco a hipertrofia da punição. A pesquisa bibliográfica e, sobretudo, os acórdãos dos julgados do HC 126.292/SP, ADC 43 e ADC 44 e ARE 964.246/SP, tornaram possível demonstrar que, diante do sentimento de impunidade que tornou desacreditado o Poder Judiciário e o sistema penal, bem como em razão da necessária proteção da sociedade, a “reafirmação da jurisprudência” traz consigo, de maneira concreta, o resultado da ação penal.
Palavras-chave: Execução provisória da pena. Trânsito em julgado. Presunção da Inocência. Recursos constitucionais. Duplo grau de jurisdição.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento 3. Conclusão. 4. Referências
Introdução
A execução penal, via de regra, é um processo autônomo que se desenvolve por impulso oficial, tem caráter jurisdicional e administrativo e, conforme dispõe o art. 1º da Lei 7.210/84, “(...) tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para harmônica integração social do condenado e do internado”.
O objetivo imediato da execução penal é a concretização do jus puniendi do Estado, isto é, efetivar as disposições da sentença ou da decisão criminal. Lado outro, é imperativa a necessidade de proporcionar condições para que o apenado e o agente sujeito à medida de segurança possam alcançar a reintegração social.
É pressuposto da execução penal a existência de título executivo judicial consistente em sentença criminal condenatória (que apena o agente com pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos) ou sentença absolutória imprópria (que impõe ao agente medida de segurança de tratamento ambulatorial ou de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico).
Hodiernamente, vige uma celeuma doutrinária e jurisprudencial sobre o comprometimento ou não do princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º, LVII, CF/88) na execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário.
O tema voltou à lume em razão do julgamento do HC 126.292/SP, em 2016, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal que retomou o entendimento que a Suprema Corte manteve até o ano de 2009. Neste ínterim, prevaleceu a inconstitucionalidade da “execução antecipada da pena”(HC 84.078/MG), em ofensa ao mencionado princípio.
Também em 2016, a matéria foi submetida à apreciação do Pleno, sob a ótica da constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal. Na oportunidade, o Tribunal, indeferiu as liminares pleiteadas em Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC 43 e ADC 44), ratificando o entendimento lançado no HC 126.292/SP. Por fim, com o reconhecimento da repercussão geral da matéria foi a “jurisprudência reafirmada”, conforme ementa do ARE 964.246/SP.
O tema repercute discussões na comunidade jurídica, não se podendo olvidar que, a despeito dos argumentos legais, a decisão teve grande impacto sobre a sociedade civil, que clama por justiça e vê, no encarceramento do réu, o seu efeito concreto.
Neste contexto, o objetivo do presente artigo é, sem nenhuma pretensão de esgotar a matéria, tentar demonstrar que cessados os recursos na Instância Revisora, a execução da pena não compromete a efetividade do princípio da presunção da inocência.
Cabe registro acerca do recurso metodológico utilizado, que perpassa pela pesquisa bibliográfica correlata à literatura publicada e, sobretudo, pelo inteiro teor dos julgados do Supremo Tribunal Federal, quais sejam: HC 84.078/MG, HC 126.292, ADC 43, ADC 44 e ARE 964.246/SP.
Desenvolvimento
No Código de Processo Penal, em 1941, um dos efeitos da sentença penal condenatória recorrível, de acordo com o art. 393, I, era “ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança”.
Na mesma toada, era o texto do art. 594 do mesmo Diploma Legal, ao dispor que “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se condenado por crime de que se livre solto”.
Houve a mitigação deste requisito indispensável à admissibilidade da apelação, em 1973, com a Lei 5.491, caso fosse reconhecido na sentença condenatória que o réu era primário e de bons antecedentes.
Em 2008, a Lei 11.719 revogou expressamente o art. 594 do CPP ao argumento de que tal dispositivo legal não foi recepcionado pela Constituição de 1988, porquanto afrontava o princípio da presunção da inocência. Aludida lei introduziu o parágrafo único ao art. 387 do Código Adjetivo (atualmente parágrafo primeiro – Lei 12.736/2012), determinando que a manutenção, ou a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, deve ser decidida fundamentadamente, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser imposta.
Outrossim, a Lei 12.403/2011 revogou o art. 393 do CPP, deixando de ser um dos efeitos da sentença penal condenatória o recolhimento à prisão, uma vez que a norma afrontava o Estado Democrático de Direito e estava dissociada do processo penal garantista democrático.
Portanto, inconformado, o réu pode apelar, à despeito de ser mantido na prisão ou à ela recomendado.
Para fins de aplicação da Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84 – preso provisório é aquele que se encontra sob prisão preventiva decretada ou mantida após a condenação. Lado outro, definitivo é aquele em relação ao qual já existe decisão condenatória transitada em julgado.
De acordo com o art. 669 do CPP, só depois de passar em julgado, será exequível a sentença. Nas lições de Espínola Filho, há diferença entre caso julgado e coisa julgada:
O que diferencia o caso julgado, ou seja, a sentença com trânsito em julgado, da coisa julgada, é ser mister, para ter-se esta, que, contra a decisão, não caiba mais recurso de espécie alguma, ordinário ou extraordinário; ao passo que há caso julgado, passa em julgado a sentença, quando pode ser executada, se bem que seja ainda suscetível de impugnação por meio de recurso de caráter extraordinário, sem efeito suspensivo, por já se terem esgotado, ou não mais se poderem usar os recursos admitidos. (Excerto do voto do Rel. Min. Neri da Silveira, no HC 68.726, julgado em 28.06.1991, STF, Pleno. Publicado em DJ 20.11.1992).
Nestes termos, a sentença penal condenatória pode ser executada, desde que esgotado o duplo grau de jurisdição, isto é, a partir do esgotamento da análise fático-probatória é possível a execução da pena, sendo desnecessário aguardar o julgamento de eventuais recursos constitucionais.
Esse é o entendimento que o Supremo Tribunal Federal retomou após o julgamento do HC 126.292/SP, o qual era adotado pela Suprema Corte até 2008, havendo a jurisprudência sido alterada a partir do julgamento do HC 84.078/MG.
Em ambos os julgados, o cerne da questão é se a execução antecipada da pena fere o princípio insculpido no art. 5º, LVII, da CF/88, qual seja, o princípio da presunção da inocência ou da presunção de não culpabilidade.
Sobre a diversidade de terminologia adotada pela Constituição Federal de 1988 frente à encabeçada pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e pela Convenção Americana de Direitos Humanos, mister alguns esclarecimentos.
Dispõe o art. 5º, LVII, da CF/88 que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Nas lições de Novelino (2016, p. 418-419), a Carta de 1988 consagrou expressamente a presunção da não culpabilidade, o qual:
(...) no direito penal e processual penal, proíbe o Estado de tratar como culpado qualquer indivíduo antes de condenação criminal irrecorrível. (...) Referida presunção afasta a possibilidade de execução da pena privativa de liberdade, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas não obsta a decretação ou a manutenção de prisão cautelar, se demonstrada a necessidade concreta e presentes os requisitos autorizadores previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal (...).
Noutro norte, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Art. 8º, parágrafo I, da Convenção Americana de Direitos Humanos) preconiza que, “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpabilidade”.
Na mesma linha de Novelino, entende Rogério Sanches (2016, p. 99) que:
(...) a nossa Bíblia Política, diferente de alguns documentos internacionais [Convenção Americana de Direitos Humanos], não presume, expressamente, o cidadão inocente, mas impede considerá-lo culpado até a decisão condenatória definitiva.
Na verdade, o princípio insculpido na referida norma garantia é o da presunção da não culpa (ou de culpabilidade). Uma situação é a de presumir alguém inocente; outra, sensivelmente distinta, é a de impedir a incidência dos efeitos da condenação até o trânsito em julgado da sentença, que é justamente o que a Constituição brasileira garante a todos.
Analisando com atenção esta questão, reconhecemos que a denominação princípio da presunção de inocência não se coaduna com o sistema de prisão provisória (...).
Renato Brasileiro (Execução Provisória da Pena (STF, HC 126.292). Disponível em https://youtu.be/eQkz5fB9rr4), ao cotejar as duas expressões entende que o ideal é trata-las como sinônimas, ressaltando, contudo, que sob a ótica da Constituição Federal de 1988, “o limite temporal da presunção de não culpabilidade vai até o trânsito em julgado da condenação”. Argumenta também que, através de uma interpretação sistemática, pode-se concluir que “na Convenção Americana de Direitos Humanos essa presunção de inocência se estende até o exercício do direito ao duplo grau de jurisdição” que, segundo Capez (2005, p. 24-25), é a “possibilidade de revisão, por via de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau”.
Nesta toada, cabe trazer a lume excerto do voto do Ministro Teori Zavascki no julgamento do HC 126. 292/SP:
Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de culpa – pressuposto inafastável para condenação –, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão por Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo. Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas. Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. É dizer: os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fático-probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990.
Portanto, a possibilidade da execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo era adotado pelo STF até 2007 e foi retomado no julgamento do HC 126.292/292.
Apenas a título ilustrativo, a orientação jurisprudencial do STF entre 2008 e 2016, no sentido da inconstitucionalidade da “execução antecipada da pena” foi modificada, conforme já mencionado, a partir do julgamento do HC 84.078-7/MG. Por oportuno, interessante trazer à baila excerto da ementa do julgado:
1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão (...).
(STF, Pleno, HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 05/02/2009)
Após aludidas reflexões sobre o princípio da presunção da inocência, urge pontuar, além dos já expostos, outros fundamentos utilizados pelo Ministro Teori Zavascki, no julgamento do HC 126.292/MG, de sua relatoria, cujo acórdão foi, nos seguintes termos, ementado:
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.
[...]
(STF, Pleno, HC 126.292, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17.02.2016)
No voto, o Ministro argumenta que se deve buscar “um necessário equilíbrio entre esse princípio (presunção da inocência) e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal”.
Outrossim, relembrou o entendimento da Min. Ellen Gracie, que bem observou, no julgamento do HC 85.886 (DJ 28/10/2005), que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema”.
Arrazoou sobre a interposição indevida e sucessiva de recursos “(...) com indisfarçáveis propósitos protelatórios visando, não raro, à configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória”.
O Ministro esclareceu que, quanto aos equívocos que podem ocorrer nos juízos condenatórios proferidos pelas instâncias ordinárias, tais também podem ocorrer nas extraordinárias e que, para essas eventualidades, “sempre haverá outros mecanismos aptos a inibir consequências danosas para o condenado, suspendendo, se necessário, a execução provisória da pena”.
Restaurado o tradicional entendimento do STF sobre o tema, foram ajuizadas duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade, de nº 43 e 44, pelo Partido Nacional Ecológico (PEN) e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sob o argumento de que o julgamento do Habeas Corpus (HC) 126.292, vem gerando grande controvérsia jurisprudencial acerca do princípio constitucional da presunção de inocência, porque, mesmo sem força vinculante, tribunais de todo o país “passaram a adotar idêntico posicionamento, produzindo uma série de decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283 do CPP”.
Houve o julgamento do tema pelo Plenário do STF, em sede de liminar, prevalecendo o entendimento de que tal dispositivo legal não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias.
Dispõe o art. 283 do CPP que:
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Sobre o tema, destacou o Min. Edson Fachin (ADC 43/44) que:
(...) a Constituição não tem a finalidade de outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de uma decisão com a qual o réu não se conforma e considera injusta. Para ele, o acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) exercer seus papéis de uniformizadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional
Para o Min. Roberto Barroso (ADC 43/44):
a presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas.
Em sentido contrário, manifestou-se a Min. Para Rosa Weber (ADC 43/44), argumentando que a Constituição Federal vincula claramente o princípio da não culpabilidade ou da presunção de inocência a uma condenação transitada em julgado. “Não vejo como se possa chegar a uma interpretação diversa”, concluiu.
O entendimento da Ministra Rosa Weber corrobora o voto do Min. Relator Marco Aurélio. Também se manifestaram no mesmo sentido o Min. Lewandowski, Celso de Melo e, em parte, o Min. Dias Toffoli.
Finalizando as discussões sobre a matéria em 2016, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do tem no ARE 964.246/SP, que “reafirma a jurisprudência” sobre a possibilidade de execução provisória da pena. No acórdão, com exceção da Ministra Rosa Weber, que se absteve de votar, os Ministros reafirmam o entendimento lançado no julgamento do HC 126.292/SP.
Impende trazer à lume excerto do voto do Min. Roberto Barroso (ARE 964.246/SP), que traz argumentos que reforçam a possibilidade e a necessidade da execução provisória da pena, sobretudo visando recuperar a credibilidade do Poder Judiciário e do sistema Penal. Vejamos:
Três fundamentos pragmáticos reforçam a opção pela interpretação adotada, demonstrando que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em 2º grau de jurisdição pode contribuir para a melhoria do sistema de justiça criminal. Primeiro, a interpretação permite tornar o sistema de justiça criminal mais funcional e equilibrado, na medida em que (i) coíbe a abusiva e infindável interposição de recursos protelatórios, bem como (ii) favorece a valorização e a autoridade das instâncias ordinárias. Segundo, a execução provisória da condenação penal após a decisão de 2º grau diminui a seletividade do sistema punitivo brasileiro, tornando-o mais republicano e igualitário, bem como reduz os incentivos à criminalidade de colarinho branco, decorrente do mínimo risco de cumprimento efetivo da pena. Terceiro, promove-se a quebra do paradigma da impunidade do sistema criminal, ao evitar que a necessidade de aguardar o trânsito em julgado do recurso extraordinário e do recurso especial impeça a aplicação da pena (pela prescrição) ou cause enorme distanciamento temporal entre a prática do delito e a punição.
Conclusão
Considerando os argumentos expostos, conclui-se que num Estado Democrático de Direito e, diante do garantismo da Constituição Federal de 1988, hão de ser repudiados dois extremos: o excesso e a hipertrofia da punição.
O reconhecimento da repercussão geral confirma a relevância social e jurídica do tema, e a necessidade de retomar o posicionamento que era adotado pelo Supremo Tribunal Federal até 2009.
De fato, não se pode olvidar que o STF trouxe à lume a possiblidade de prisão provisória, a despeito de não se tratar de prisão temporária ou preventiva. Ora, execução provisória da sentença após o duplo grau de jurisdição implica prisão provisória, porquanto realizada antes do trânsito em julgado da sentença.
Contudo, a mitigação do princípio da presunção da inocência ou presunção da não culpabilidade se mostrou necessário frente a outro princípio, o da vedação da proteção insuficiente. É imperativa a preocupação com a efetividade da Justiça. A sociedade merece proteção, tal como a liberdade humana.
O entendimento jurisprudencial retomado pela Corte Suprema atende à finalidade protetiva da sociedade. Ademais, o valor da presunção da inocência varia conforme o transcurso do feito, quanto mais provas, mais o princípio tende a ser temperado. Portanto, diante da impossibilidade de revisão de fatos e provas nos recursos constitucionais, não há óbice ao início da execução penal.
Por fim, como já mencionado, é mister que seja recuperada a credibilidade do Poder Judiciário e do sistema penal, eis que, um sistema de justiça desmoralizado não privilegia o Judiciário, à sociedade, aos réus e tampouco os advogados.
Referências
STF, Pleno, HC 68.726, Rel. Min. Neri da Silveira, julgado em 28.06.1991. Publicado em DJ 20.11.1992. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=71186, acesso em 04.01.2017.
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. rev, ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htmAcesso em 04.01.2017.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 4ª ed. rev. ampl.e atual. Salvador: JusPodivm, 2016.
Renato Brasileiro. Execução Provisória da Pena (STF, HC 126.292). Disponível em https://youtu.be/eQkz5fB9rr4. Acesso em 04.01.2017.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
STF, Pleno, HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 05/02/2009. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ementa84078.pdf. Acesso em 04.01.2017.
Notícias STF: STF admite execução da pena após condenação em segunda instância. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326754. Acesso em 04.01.2017.
STF, Pleno, ARE 964.426, julgado em 10.11.2016. Publicado em 24.11.2016. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12095503. Acesso em 04.01.2017.
Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos/Barbacena em 2004. Pós-graduanda em Direito Penal Militar e Processual Penal Militar pela Academia da Polícia Militar de Minas Gerais. Tecnóloga em Gestão Pública pela Faculdade Estácio de Sá em 2016. Analista Judiciária do Ministério Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Erica Machado da Costa e. O início do cumprimento da sentença penal condenatória antes do trânsito em julgado do título executório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 fev 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49439/o-inicio-do-cumprimento-da-sentenca-penal-condenatoria-antes-do-transito-em-julgado-do-titulo-executorio. Acesso em: 23 dez 2024.
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