RESUMO: Tem o objetivo geral de esclarecer quais são as correntes que fundamentam a responsabilidade civil do Estado por omissão, analisando sob a perspectiva da doutrina e da jurisprudência.
PALAVRAS-CHAVE: Reponsabilidade civil do Estado. Omissão. Correntes
ABSTRATC: It has the general objective of clarifying which are the currents that underlie the civil responsibility of the State by omission, analyzing from the perspective of the doctrine and the jurisprudence.
KEYWORDS: Civil responsibility of the State. Omission. Chains
SUMÁRIO: Introdução. 1. Evolução da Responsabilidade Civil Estatal no Brasil. 2. Responsabilidade civil do Estado por omissão 2.1 Primeira corrente: Responsabilidade por omissão sempre objetiva. 2.2 Segunda Corrente: Responsabilidade por omissão sempre subjetiva. 2.3 Terceira Corrente: Responsabilidade Objetiva se decorrer de omissão específica. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O principal objetivo deste artigo é apresentar as correntes, com entendimento doutrinário e jurisprudencial, que digam respeito à responsabilização civil patrimonial do Estado por suas condutas omissivas que geram danos a terceiros.
Logo, far-se-á considerações iniciais sobre a evolução das principais modalidades e teorias de responsabilização civil existentes no Brasil, para, sem pretensões de esgotamento do tema, em seguida, trazer à baila as correntes que disciplinam a responsabilidade civil por omissão.
1. Modalidades de responsabilidade civil estatal no Brasil e sua evolução
Na época em que o Estado confundia-se com a figura do governante, o soberano, prevaleceu-se a ideia da irresponsabilidade estatal. Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, “A teoria da não responsabilização do Estado ante os atos de seus agentes que fossem lesivos aos particulares assumiu sua maior notoriedade sob os regimes absolutistas. Baseava-se esta teoria na ideia de que não era possível ao Estado, literalmente personificado na figura do rei, lesar seus súditos, uma vez que o rei não cometia erros, tese consubstanciada na parêmia "the king can do no wrong", conforme os ingleses, ou "/e roi ne peut mal faire" [1]. No Brasil, a teoria da irresponsabilidade jamais foi acolhida, seja no âmbito doutrinário, seja no jurisprudencial.
Superada a teoria da irresponsabilidade, passou-se a adotar a doutrina civilista da culpa. Segundo Di Pietro, “ a doutrina civilista serviu de inspiração ao artigo 15 do Código Civil Brasileiro (de 1916), que consagrou a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado”[2].
Posteriormente, com a Constituição de 1946, o Brasil assumiu uma postura mais publicista com relação à responsabilidade do Estado, desenvolvendo-se a “teoria do risco administrativo”.
Sob a explicação de Hely Lopes Meirelles, “ a teoria do risco abrange duas modalidades: o risco administrativo e o risco integral. O ponto discrepante reside no fato de que a primeira forma admite causas excludentes de responsabilidade, ao passo que a segunda não. Em outras palavras, pela primeira a responsabilidade civil decorrente do risco administrativo encontra limites, sendo que, pela segunda, há a responsabilidade até mesmo no caso de culpa exclusiva da vítima”[3]
Por fim, com o advento da Constituição de 1988, a responsabilidade civil, tanto do Estado quanto da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público ficou definida como objetiva em relação a terceiros. A força maior e culpa exclusiva da vítima podem figurar como excludentes de responsabilidade do Estado, quando nexo causal entre a atividade administrativa e o dano não ficar comprovado.
2. Responsabilidade do Estado por omissão
No tocante ao tema da responsabilidade do Estado decorrente da falta de realização por meio deste de algum comando ou atividade que lhe é imposta, mostra-se controversa, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, pois encontramos decisões do STJ e do STF que falam em responsabilidade objetiva e outras que falam em responsabilidade subjetiva.
2.1. Primeira corrente: responsabilidade por omissão sempre objetiva
A primeira corrente sustenta que a responsabilidade do Estado pela omissão é sempre objetiva, seja nos casos de omissão, seja nos de comissão. É a tese defendida pelo professor Hely Lopes Meireles. Para ele, o art. 37, § 6° CF não faz distinção entre ação ou omissão. Logo, não cabe ao intérprete fazê-lo. É o que se observa nesse julgado:
“EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Responsabilidade civil do Estado. Juiz de Paz. Remuneração. Ausência de regulamentação. Danos materiais. Elementos da responsabilidade civil estatal não demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. O Plenário da Corte, no exame da ADI nº 1.051/SC, Relator o Ministro Maurício Corrêa, entendeu que a remuneração dos Juízes de Paz somente pode ser fixada em lei de iniciativa exclusiva do Tribunal de Justiça do Estado-membro. 4. Agravo regimental não provido. (ARE 897890 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 22/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-208 DIVULG 16-10-2015 PUBLIC 19-10-2015) Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal abrange também os atos omissivos do Poder Público. Precedentes. 3. Impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório. Enunciado 279 da Súmula do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. 5. Agravo regimental a que se nega provimento (STF, RE 677283 AgR, SEGUNDA TURMA, Relator(a) Ministro(a): GILMAR MENDES, Julgado em 17/04/2012, Publicado no DJe em 08/05/2012)” (destaque nosso)
2.2 Segunda corrente: responsabilidade por omissão sempre subjetiva
Para segunda corrente, a responsabilidade do Estado pela omissão seria sempre subjetiva. Para essa posição, defendida por Osvaldo Antônio Bandeira de Melo e Celso Antônio Bandeira de Melo, o art. 37, § 6° da CF abrangeria apenas as ações estatais, não atingindo as omissões.
“Assim, em caso de danos causados por omissão, o particular, para ser indenizado, deveria provar:
a) a omissão estatal;
b) o dano;
c) o nexo causal;
d) a culpa administrativa (o serviço público não funcionou, funcionou de forma tardia ou ineficiente)”. [4]
Para eles, apenas a ação pode originar um dano, a omissão não possui essa capacidade, sob pena de caracterização do Estado como garantidor universal. Esta é a posição encontrada na maioria da doutrina.
O STJ ainda possui entendimento majoritário no sentido de que a responsabilidade seria subjetiva, conforme o seguinte julgado:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. CULPA OU NEGLIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.I. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do CPC, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que o voto condutor do acórdão recorrido apreciou fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida. II. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos" (STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/09/2013. III. Tendo o Tribunal de origem concluído que, no caso, "analisando os documentos trazidos nos autos, estes não demonstram qualquer culpa ou negligência por parte da UFRGS, muito pelo contrário, pois existem várias licenças médicas para tratamento de saúde e procedimento de readaptação deferidos à servidora", entender de forma contrária demandaria o reexame do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ. IV. Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1345620/RS, SEGUNDA TURMA, Relator(a) Ministro(a): ASSUSETE MAGALHÃES, Julgado em 24/11/2015, Publicado no DJe em 02/12/2015)” (grifo nosso)
2.3. Terceira corrente: responsabilidade objetiva se decorrer de omissão específica
A terceira corrente, por fim, fala em omissão genérica e omissão específica. Na omissão genérica não haveria responsabilidade alguma, mas já na omissão específica teríamos responsabilidade objetiva. É o que defende Guilherme Couto de Castro e Sérgio Cavalieri Filho.
Na omissão genérica, o Estado é omisso, pois não cumpriu um dever genérico que lhe é imposto. É o que ocorre, por exemplo, com a segurança pública. Como o Estado não tem condições de garantir a absoluta segurança em todos os lugares, não há como imputar eventual responsabilidade ao Estado nesta situação. Logo, estará submetida ao princípio da reserva do possível, ou seja, o serviço de segurança pública deve ser prestado dentro do que é possível ao Estado prestar.
“O nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o Poder Público tinha o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso e mesmo assim não cumpriu essa obrigação legal”[5]. Assim, foi o que o STF já se pronunciou:
“Agravo regimental nos embargos de divergência do agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. 3. Responsabilidade civil do Estado por omissão. Teoria do Risco Administrativo. Art. 37, § 6º, da Constituição. Pressupostos necessários à sua configuração. Demonstração da conduta, do dano e do nexo causal entre eles. 4. Omissão específica não demonstrada. Ausência de nexo de causalidade entre a suposta falta do serviço e o dano sofrido. Necessidade do revolvimento do conjunto fático probatório dos autos. Incidência da Súmula 279/STF. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 677139 AgR-EDv-AgR, TRIBUNAL PLENO, Relator(a) Ministro(a): GILMAR MENDES, Julgado em 22/10/2015, Publicado no DJe em 09/12/2015)” (grifo nosso)
Dessa forma, o Estado responde de forma objetiva pelas suas omissões, desde que ele tivesse obrigação legal específica de agir para impedir que o resultado danoso ocorresse. É o que ocorre, por exemplo, com o suicídio de detento ou a sua morte provocada por outros presos. É o que prevê tanto o STF quanto o STJ:
“[...] Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento[...] (STF, RE 841526/RS, TRIBUNAL PLENO, Relator(a) Ministro(a): LUIZ FUX, Julgado em 30/03/2016, Publicado no DJ em 30/03/2016 (grifamos)
[...] A responsabilidade civil estatal pela integridade dos presidiários é objetiva em face dos riscos inerentes ao meio no qual foram inseridos pelo próprio Estado [...] (STJ, AgRg no REsp 1.305.259-SC, SEGUNDA TURMA, Relator(a) Ministro(a): MAURO CAMPBELL MARQUES, Julgado em Julgado em 02/4/2013, Publicado no DJ em 09/04/2013)”. (grifamos)
CONCLUSÃO
Dessa forma, a responsabilidade civil do Estado constitui-se em um indispensável mecanismo de defesa do indivíduo face ao Poder Público. É perceptível também que, quanto à responsabilidade civil do Estado por omissão, não há ainda uma unanimidade quanto aos tipos de responsabilidade, se objetiva ou subjetiva.
Todavia, embora existam diversas correntes, vem se consolidando a ideia de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que, nestes últimos, fique demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão específica do Poder Público, conforme delineado pela terceira corrente.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito administrativo descomplicado. 23 ed: revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo . 18ª ed. São Paulo: ATLAS.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42 ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
LOPES CAVALCANTE, Márcio André. Disponível em: < http://www.dizerodireito.com.br/2016/04/responsabilidade-civil-do-estado-em.html >. Acesso em; 08 de fevereiro de 2017.
[1] ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito administrativo descomplicado. 23 ed: revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015, p. 846.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo . 18ª ed. São Paulo: ATLAS, p. 564.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 683.
[4] LOPES CAVALCANTE, Márcio André. Disponível em: < http://www.dizerodireito.com.br/2016/04/responsabilidade-civil-do-estado-em.html >. Acesso em; 08 de fevereiro de 2017.
[5] Idem
Procurador Legislativo da Câmara Municipal de Itabaiana/SE e Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Danillo Lima dos. Responsabilidade civil do Estado por omissão e suas correntes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 fev 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49587/responsabilidade-civil-do-estado-por-omissao-e-suas-correntes. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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