RESUMO: o presente trabalho visa discorrer sobre a responsabilidade civil do Estado no tocante àqueles submetidos ao sistema carcerário brasileiro. Pretende-se demonstrar as recentes decisões dos Tribunais Superiores sobre diversos temas relacionados à responsabilidade civil do Estado pertinente aos presos. Diante do reconhecimento do estado de coisas inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do sistema prisional, conforme recente decisão, salientar será o debate acerca da responsabilidade civil do Estado sobre tal tema.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil do Estado, Presos, Sistema Carcerário.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Responsabilidade civil do estado. 3. Responsabilidade civil do estado por morte de presos. 3. Responsabilidade civil do estado em virtude da configuração do estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro. 4. Conclusão. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO:
Sabido que o Brasil alcançou a quarta maior população carcerária do mundo, segundo os dados do Ministério da Justiça, com a marca de mais de 700 mil presos. Sabido também que as penitenciárias brasileiras não possuem estrutura mínima adequada, não assegurando o núcleo essencial a vida digna dos presos. Surge a questão sobre a responsabilização acerca dos atos desumanos ocorridos nas prisões.
Seria o Estado responsável pelos atos violatórios da integridade física e moral dos presos detidos? Em caso positivo, a responsabilidade quanto ao tema teria natureza objetiva ou subjetiva?
Diante desse cenário, o presente trabalho busca demonstrar a existência da responsabilidade civil do estado no tocante aos detidos e submetidos ao sistema carcerário. Cabe salientar que, a situação carcerária no Brasil foi configurada como um estado de coisas inconstitucional, onde resta nítido a reiterada e generalizada violação aos direitos fundamentais e humanos dos presos.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO:
Inicialmente, é importante destacar que a responsabilidade civil do Estado passou por três fases distintas: (1) fase da irresponsabilidade (Estado não respondia por danos causados aos particulares); (2) fase civilista (Estado responde, mas apenas se o dano tivesse sido causado por culpa ou dolo de um funcionário); (3) fase publicista (Estado passa a responder, segundo princípios do direito público).
A responsabilização estatal se consubstancia em dois fundamentos distintos: culpa administrativa e o risco administrativo. A culpa administrativa significa que o Estado irá responder, se o dano tiver origem em um serviço estatal defeituoso, ou seja, se analisa o desempenho do serviço público prestado. Por sua vez, no risco administrativo, o Estado responderá objetivamente pelos danos que causar, independentemente de culpa.
Atualmente no Brasil, em regra, adotamos a responsabilidade civil do Estado com fundamento no risco administrativo. Ou seja, impõe-se que o Estado responda objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, com base no art. 37 §6º da Constituição Federal (CRFB/88). Excepcionalmente, reconhece-se a responsabilidade subjetiva do Estado, fundada na culpa administrativa.
A responsabilidade do Estado será objetiva em virtude da conduta comissiva do Estado e por exercício de uma atividade de risco. Por sua vez, a responsabilidade será subjetiva por conduta omissiva do Estado, por condutas omissivas ou comissivas de pessoas jurídicas de direito privado estatais exploradoras de atividade econômica, e quanto à responsabilidade civil do agente público.
Com relação aos atos omissivos, a responsabilidade será subjetiva, porém, com fundamento na culpa administrativa. Quer dizer, a culpa administrativa ocorre quando se demonstra que o serviço é defeituoso (também chamada de falta do serviço), ou seja, que o serviço estatal funcionou mal, funcionou intempestivamente, ou, quando não funcionou.
Vale mencionar que, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem ganhado força nos últimos anos o entendimento de que a responsabilidade civil nos atos omissivos também é objetiva. Em primeiro lugar, o art. 37 §6º da CRFB/88 determina a responsabilidade objetiva do Estado, sem qualquer distinção se a conduta é omissiva ou comissiva. Em segundo, não cabe ao interprete fazer restrição, onde o constituinte não o fez. Dessa forma, a responsabilidade objetiva do Estado engloba tanto os atos comissivos como os omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão específica do Poder Público.
Deve-se diferenciar a conduta omissiva genérica da conduta omissiva especifica. O Estado responderá de forma objetiva pelas suas omissões, desde que ele tivesse obrigação legal específica de agir para impedir que o resultado danoso ocorresse. A isso se chama de "omissão específica" do Estado.
Também é importante salientar que a responsabilidade objetiva no Brasil admite excludentes de responsabilidade. Dessa forma, é possível concluir que não adotamos, como regra, a teoria do risco integral (que não admite excludentes de responsabilidade em nenhuma hipótese). Sendo assim, a responsabilidade estatal ficará excluída, se o Estado demonstrar a: (1) presença de motivo de força maior; (2) culpa exclusiva de terceiro; (3) culpa exclusiva da vítima.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE PRESOS:
O Supremo Tribunal Federal (STF) na ocasião do julgamento do ARE 700927, com relatoria do Ministro Gilmar Mendes, entendeu que a partir do momento em que o individuo é preso, este é posto sob a guarda, proteção e vigilância das autoridades policiais, que têm por dever legal tomar todas as medidas que garantam a incolumidade física do detido, com base no art. 5º, inciso XLIX da CRFB/88, quer por ato do próprio preso (ex. suicídio), quer por ato de terceiro.
A Corte firmou o entendimento de que o Estado tem o dever objetivo de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia, atraindo então a responsabilidade civil objetiva, em razão de sua conduta omissiva, motivo pelo qual é devida a indenização decorrente da morte do detento, ainda que em caso de suicídio, conforme decisão do STF abaixo colacionada :
Decisão: Trata-se de agravo contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário que impugna acórdão assim do: “DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MORTE DE PRESO DENTRO DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. SUICÍDIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. VALOR MANTIDO. I – A partir do momento em que o indivíduo é detido, este é o posto sob a guarda, proteção e vigilância das autoridades policiais, que têm por dever legal, nos termos do art. 5º, XLIX, da CF, tomar medidas que garantam a incolumidade física daquele, quer por ato do próprio preso (suicídio), quer por ato de terceiro (agressão perpetrada por outro preso). II – Restando devidamente demonstrado nos autos que o resultado danoso decorreu de conduta omissiva do Estado ao faltar com seu dever de vigilância do detento, o qual foi encarcerado alcoolizado e, posteriormente, encontrado morto no interior da cela, configurada está a responsabilidade do ente público em arcar com os danos causados. II – Deve ser mantido o valor fixado a título de danos morais, porquanto proporcional e razoável para conferir uma compensação aos lesados, atenuando a dor sofrida com a perda do ente familiar, e em atenção à função punitiva e pedagógica que se espera da condenação. Remessa e Apelação conhecidas e improvidas”. No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, sustenta-se a repercussão geral da matéria deduzida no recurso. No mérito, aponta-se violação ao artigo 37, § 6º, do texto constitucional. O Estado de Goiás alega, em síntese, que o fato ocorrido não enseja sua responsabilidade civil, haja vista tratar-se de suicídio do detento e que, por isso, ausente o nexo de causalidade entre o evento morte e qualquer ação advinda da Administração Pública para sua ocorrência, por se tratar de culpa exclusiva da vítima. Decido. O recurso não merece prosperar. Inicialmente, verifico que o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte que firmou o entendimento de que o Estado tem o dever objetivo de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia, atraindo então a responsabilidade civil objetiva, em razão de sua conduta omissiva, motivo pelo qual é devida a indenização decorrente da morte do detento, ainda que em caso de suicídio. Nesse sentido: “
A integridade física dos detentos é de responsabilidade do Estado, o qual deverá manter vigilância constante e eficiente, bem como tratamento adequado à saúde física e mental dos mesmos.
Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg no REsp 1.305.259, com relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 02/04/13 decidiu que a administração pública está obrigada ao pagamento de pensão e indenização por danos morais no caso de morte por suicídio de detento ocorrido dentro de estabelecimento prisional mantido pelo Estado. Nessa oportunidade, entendeu que não seria necessário perquirir a culpa da administração pública, ou seja, que a responsabilidade estatal pela integridade dos presidiários é objetiva.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE DETENTO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO CARACTERIZADA. ORIENTAÇAO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. Na hipótese dos autos, as recorridas ajuizaram ação ordinária visando à condenação do Estado de Santa Catarina ao pagamento de indenização pelos danos que suportaram com o suicídio de um parente em uma cela de presidiária.
2. O Tribunal de origem não condenou o Poder Público, em razão da ausência de nexo de causalidade entre eventual omissão estatal e o falecimento do preso.
3. Contudo, a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e a do Superior Tribunal de Justiça são no sentido de que não é necessário perquirir eventual culpa/omissão da Administração Pública em situações como a dos autos, já que a responsabilidade civil estatal pela integridade dos presidiários é objetiva em face dos riscos inerentes ao meio em que eles estão inseridos por uma conduta do próprio Estado.
4. Agravo regimental não provido.
O STF no julgamento do RE 841526/RS fixou a seguinte tese em repercussão geral:
Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento.
Dessa forma, a morte de detento gera responsabilidade civil objetiva para o Estado, em virtude da omissão específica em cumprir o dever de incolumidade física e moral do detido, conforme previsão constitucional. Contudo, é importante destacar que a responsabilidade civil será regida pela teoria do risco administrativo.
Sendo assim, o Estado poderá ser dispensado de indenizar se ficar demonstrado que não tinha a efetiva possibilidade de evitar a ocorrência do dano. Rompe-se o nexo de causalidade entre o resultado morte e a omissão estatal. Ou seja, o Estado poderá demonstrar uma das hipóteses de excludente da responsabilidade.
Vejamos a ementa do julgado trazido à baila:
Ementa EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM VIRTUDE DA CONFIGURAÇÃO DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO:
O Estado de Coisas Inconstitucional tem origem nas decisões da Corte Constitucional Colombiana, diante da constatação de violações sistemáticas e contínuas de direitos fundamentais. O reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional tem por finalidade a construção de soluções estruturais, dirigidas à superação de violações reiteradas de direitos fundamentais e humanos.
Conforme a doutrina especializada no tema, para que haja o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional, são imprescindíveis alguns pressupostos caracterizadores: (1) A superação das violações sistemáticas de direitos pressupõe a adoção de medidas complexas, que exigem a atuação em conjunto de diversos órgãos; (2) Violação reiterada de direitos fundamentais e humanos de um número significativo de pessoas; (3) Omissão das autoridades na garantia e promoção dos direitos fundamentais e humanos; (4) Congestionamento da justiça, se todos os que tiverem os seus direitos violados, pleitearem o cumprimento e a garantia dos mesmos, individualmente, no poder judiciário.
Como forma de enfrentar litígio dessa espécie, o que não seria viável por decisões tradicionais, a Corte terá que fixar medidas estruturais dirigidas à formulação de políticas públicas. Adota-se uma postura de ativismo judicial estrutural diante da omissão dos poderes executivos e legislativo. Trata-se de uma técnica que confere ao Tribunal uma ampla latitude de poderes.
Em razão disso, entende-se que essa técnica somente deve ser manejada em hipóteses excepcionais. Dessa forma, é preciso constatar que a intervenção da Corte é imprescindível para solução do gravíssimo quadro de violação de direitos fundamentais e humanos enfrentado.
No ano de 2015, o Partido Socialista e Liberdade (PSOL) ajuizou uma ADPF (ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio) pleiteando que o STF declarasse que a situação atual do sistema penitenciário brasileiro era de violação dos preceitos fundamentais da Constituição Federal e, em especial, direitos fundamentais dos presos. Em razão disso, requereu que a Corte determinasse à União e aos Estados que tomassem uma série de providências com o objetivo de sanar as lesões aos direitos dos presos.
O STF reconheceu que no sistema prisional ocorre uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. Entendeu que os cárceres brasileiros, além de não cumprirem a função de ressocialização da pena, fomentam o aumento da criminalidade. As penas privativas de liberdade aplicadas acabam sendo penas cruéis e desumanas, que configurariam a tortura.
Em decorrência disso, diversos dispositivos constitucionais, documentos internacionais e normas infraconstitucionais estão sendo reiteradamente desrespeitados.
Salienta-se que, a responsabilidade por essa violação generalizada de direitos fundamentais deve ser atribuída ao poder legislativo, executivo e judiciário, tanto da União, como também dos Estados-Membros e do Distrito Federal. A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira "falha estrutural" que gera ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agravamento da situação. A intervenção judicial é necessária diante da incapacidade demonstrada pelas instituições legislativas e administrativas.
O STF ainda não julgou definitivamente o mérito da ADPF, mas já apreciou o pedido de liminar. Concedeu, parcialmente, a medida liminar e deferiu os pedidos de instituição das audiências de custódia em todos os estados e a liberação das verbas do FUNPEN.
Nessa linha, segue abaixo o importantíssimo julgado sobre o estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro:
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental – 6
O Plenário concluiu o julgamento de medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental em que discutida a configuração do chamado “estado de coisas inconstitucional” relativamente ao sistema penitenciário brasileiro. Nessa mesma ação também se debate a adoção de providências estruturais com objetivo de sanar as lesões a preceitos fundamentais sofridas pelos presos em decorrência de ações e omissões dos Poderes da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal. No caso, alegava-se estar configurado o denominado, pela Corte Constitucional da Colômbia, “estado de coisas inconstitucional”, diante da seguinte situação: violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades. Postulava-se o deferimento de liminar para que fosse determinado aos juízes e tribunais: a) que lançassem, em casos de decretação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não se aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no art. 319 do CPP; b) que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizassem, em até 90 dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contadas do momento da prisão; c) que considerassem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; d) que estabelecessem, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo; e) que viessem a abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando reveladas as condições de cumprimento da pena mais severas do que as previstas na ordem jurídica em razão do quadro do sistema carcerário, preservando-se, assim, a proporcionalidade da sanção; e f) que se abatesse da pena o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de forma a compensar o ilícito estatal. Requeria-se, finalmente, que fosse determinado: g) ao CNJ que coordenasse mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em curso no País, que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”; e h) à União que liberasse as verbas do Fundo Penitenciário Nacional – Funpen, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos — v. Informativos 796 e 797.
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental – 7
O Colegiado deliberou, por decisão majoritária, deferir a medida cautelar em relação ao item “b”. A Ministra Rosa Weber acompanhou essa orientação, com a ressalva de que fossem observados os prazos fixados pelo CNJ. Vencidos, em parte, os Ministros Roberto Barroso e Teori Zavascki, que delegavam ao CNJ a regulamentação sobre o prazo para se realizar as audiências de custódia. O Tribunal decidiu, também por maioria, deferir a cautelar no tocante à alínea “h”. Vencidos, em parte, os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que fixavam o prazo de até 60 dias, a contar da publicação da decisão, para que a União procedesse à adequação para o cumprimento do que determinado. O Plenário, também por maioria, indeferiu a medida cautelar em relação às alíneas “a”, “c” e “d”. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator), Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski (Presidente), que a deferiam nessa parte. De igual modo indeferiu, por decisão majoritária, a medida acauteladora em relação à alínea “e”. Vencido o Ministro Gilmar Mendes. O Tribunal, ademais, rejeitou o pedido no tocante ao item “f”. Por fim, no que se refere à alínea “g”, o Plenário, por maioria, julgou o pleito prejudicado. Vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que deferiam a cautelar no ponto. Por fim, o Colegiado, por maioria, acolheu proposta formulada pelo Ministro Roberto Barroso, no sentido de que se determine à União e aos Estados-Membros, especificamente ao Estado de São Paulo, que encaminhem à Corte informações sobre a situação prisional. Vencidos, quanto à proposta, os Ministros relator, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Presidente
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O Plenário anotou que no sistema prisional brasileiro ocorreria violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios converter-se-iam em penas cruéis e desumanas. Nesse contexto, diversos dispositivos constitucionais (artigos 1º, III, 5º, III, XLVII, e, XLVIII, XLIX, LXXIV, e 6º), normas internacionais reconhecedoras dos direitos dos presos (o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais como a LEP e a LC 79/1994, que criara o Funpen, teriam sido transgredidas. Em relação ao Funpen, os recursos estariam sendo contingenciados pela União, o que impediria a formulação de novas políticas públicas ou a melhoria das existentes e contribuiria para o agravamento do quadro. Destacou que a forte violação dos direitos fundamentais dos presos repercutiria além das respectivas situações subjetivas e produziria mais violência contra a própria sociedade. Os cárceres brasileiros, além de não servirem à ressocialização dos presos, fomentariam o aumento da criminalidade, pois transformariam pequenos delinquentes em “monstros do crime”. A prova da ineficiência do sistema como política de segurança pública estaria nas altas taxas de reincidência. E o reincidente passaria a cometer crimes ainda mais graves. Consignou que a situação seria assustadora: dentro dos presídios, violações sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da criminalidade e da insegurança social. Registrou que a responsabilidade por essa situação não poderia ser atribuída a um único e exclusivo poder, mas aos três — Legislativo, Executivo e Judiciário —, e não só os da União, como também os dos Estados-Membros e do Distrito Federal. Ponderou que haveria problemas tanto de formulação e implementação de políticas públicas, quanto de interpretação e aplicação da lei penal. Além disso, faltaria coordenação institucional. A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representaria falha estrutural a gerar tanto a ofensa reiterada dos direitos, quanto a perpetuação e o agravamento da situação. O Poder Judiciário também seria responsável, já que aproximadamente 41% dos presos estariam sob custódia provisória e pesquisas demonstrariam que, quando julgados, a maioria alcançaria a absolvição ou a condenação a penas alternativas. Ademais, a manutenção de elevado número de presos para além do tempo de pena fixado evidenciaria a inadequada assistência judiciária. A violação de direitos fundamentais alcançaria a transgressão à dignidade da pessoa humana e ao próprio mínimo existencial e justificaria a atuação mais assertiva do STF. Assim, caberia à Corte o papel de retirar os demais poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados. A intervenção judicial seria reclamada ante a incapacidade demonstrada pelas instituições legislativas e administrativas. Todavia, não se autorizaria o STF a substituir-se ao Legislativo e ao Executivo na consecução de tarefas próprias. O Tribunal deveria superar bloqueios políticos e institucionais sem afastar esses poderes dos processos de formulação e implementação das soluções necessárias. Deveria agir em diálogo com os outros poderes e com a sociedade. Não lhe incumbira, no entanto, definir o conteúdo próprio dessas políticas, os detalhes dos meios a serem empregados. Em vez de desprezar as capacidades institucionais dos outros poderes, deveria coordená-las, a fim de afastar o estado de inércia e deficiência estatal permanente. Não se trataria de substituição aos demais poderes, e sim de oferecimento de incentivos, parâmetros e objetivos indispensáveis à atuação de cada qual, deixando-lhes o estabelecimento das minúcias para se alcançar o equilíbrio entre respostas efetivas às violações de direitos e as limitações institucionais reveladas. O Tribunal, no que se refere às alíneas “a”, “c” e “d”, ponderou se tratar de pedidos que traduziriam mandamentos legais já impostos aos juízes. As medidas poderiam ser positivas como reforço ou incentivo, mas, no caso da alínea “a”, por exemplo, a inserção desse capítulo nas decisões representaria medida genérica e não necessariamente capaz de permitir a análise do caso concreto. Como resultado, aumentaria o número de reclamações dirigidas ao STF. Seria mais recomendável atuar na formação do magistrado, para reduzir a cultura do encarceramento. No tocante à cautelar de ofício proposta pelo Ministro Roberto Barroso, o Colegiado frisou que o Estado de São Paulo, apesar de conter o maior número de presos atualmente, não teria fornecido informações a respeito da situação carcerária na unidade federada. De toda forma, seria imprescindível um panorama nacional sobre o assunto, para que a Corte tivesse elementos para construir uma solução para o problema.
A partir do entendimento do STF, no sentido de reconhecer que o sistema carcerário brasileiro vive em um estado de coisas inconstitucional, e que a responsabilidade por tal fato recai nos poderes legislativo, executivo e judiciário, tanto da União, como dos Estados-Membros e Distrito Federal, os Tribunais Superiores mais atentos a essa questão, começam a propor algumas medidas, ainda que isoladas, para diminuição e responsabilização da violação de direitos fundamentais e humanos dos presos, que vivem em condições precárias e insalubres impostas pelo próprio Estado.
Como exemplo, o Min. Luís Roberto Barroso na sessão plenária do STF, no voto proferido no julgamento do RE 580252, com repercussão geral, propôs a remição de dias da pena como meio de reparação aos presos que sofrem danos morais por cumprirem pena em presídios com condições degradantes. O Ministro afirmou a existência de danos morais por violação à dignidade da pessoa humana. Para ele não há discussão que o Estado tem responsabilidade objetiva civil pelas péssimas condições dos presídios.
Contudo, ao invés de aderir ao pagamento da indenização pela reparação em pecúnia, o Ministro apresentou proposta alternativa de pagamento, reparando o dano por meio da remição de dias de pena cumpridos em condições degradantes, aplicando por analogia o art. 126 da Lei de Execução Penal.
Ao concluir o seu voto, o Ministro Barroso propôs a seguinte tese de repercussão geral:
“O Estado é civilmente responsável pelos danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos presos em decorrência de violações à sua dignidade, provocadas pela superlotação prisional e pelo encarceramento em condições desumanas ou degradantes. Em razão da natureza estrutural e sistêmica das disfunções verificadas no sistema prisional, a reparação dos danos morais deve ser efetivada preferencialmente por meio não pecuniário, consistente na remição de 1 dia de pena por cada 3 a 7 dias de pena cumprida em condições atentatórias à dignidade humana, a ser postulada perante o Juízo da Execução Penal. Subsidiariamente, caso o detento já tenha cumprido integralmente a pena ou não seja possível aplicar-lhe a remição, a ação para ressarcimento dos danos morais será fixada em pecúnia pelo juízo cível competente”.
Com o devido respeito à posição do Min. Barroso, a remição sugerida não implica em sua inacumulabilidade com a indenização em pecúnia pelos danos morais vivenciados pelo detento. E mais, a pena cumprida em condições degradantes, ainda que diminuída, não deixa de caracterizar o dano moral. Basta um dia no cárcere para que o dano já esteja configurado.
5. CONCLUSÃO:
Por todo exposto, fica claro que o Estado deve ser responsabilizado, de forma objetiva, pelos danos ocorridos a integridade física e moral dos presos. Isso porque, o Estado tem o dever específico, previsto constitucionalmente, de assegurar a incolumidade física e moral de todos aqueles submetidos ao sistema carcerário.
Cabe salientar que, a responsabilidade civil do Estado não será consubstanciada na teoria do risco integral, mas sim na teoria do risco administrativo. Sendo assim, a responsabilidade estatal ficará excluída, se o Estado demonstrar a: (1) presença de motivo de força maior; (2) culpa exclusiva de terceiro; (3) culpa exclusiva da vítima. Entretanto, para a exclusão da responsabilidade é necessário que o Estado comprove a presença de uma dessas hipóteses.
Dessa forma, o Estado deverá ser responsabilizado por não garantir as condições necessárias para o cumprimento da pena. A responsabilidade civil do poder público é por ação, e não por omissão. Afinal, o Estado ciente das péssimas condições de detenção, envia pessoas a cárceres superlotados e insalubres.
6. REFERÊNCIAS
GARCIA, Wander; FLUMIAN, Renan. Concursos Jurídicos: doutrina completa. Editora Foco.
CALVANCANTE, Márcio André Lopes. Julgados Resumidos Dizer o Direito. Editora Dizer o Direito.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=290987> . Acesso em: 12 de fevereiro de 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299385> . Acesso em: 12 de fevereiro de 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=313198> . Acesso em: 12 de fevereiro de 2017.
BRASIL. Disponível em < http://www.portaljustica.com.br/acordao/303759>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22059736/recurso-extraordinario-com-agravo-are-700927-go-stf>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2017.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVEIRA, Gloria Luiza Machado. Responsabilidade civil do Estado atinente aos presos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 mar 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49619/responsabilidade-civil-do-estado-atinente-aos-presos. Acesso em: 23 dez 2024.
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