RESUMO: Este artigo objetiva explanar sobre o redirecionamento da execução fiscal em face do sócio-gerente da sociedade devedora de crédito tributário, sobretudo à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, instância máxima de competência para a análise da legislação federal no Brasil.
Palavras-chave: Responsabilidade tributária. Redirecionamento da execução fiscal. Sócio-gerente. STJ.
ABSTRACT: This paper aims to explain the redirection of the tax execution in the face of the managing partner of the debtor company, especially in the light of the jurisprudence of the Superior Court of Justice, the highest authority for the analysis of federal legislation in Brazil.
Keywords: Tax liability. Redirecting tax enforcement. Managing partner. STJ.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2. Da Responsabilidade Tributária; 2.1 Contribuinte x Responsável tributário; 2.2 Espécies de responsabilidade tributária; 3. Da responsabilidade do sócio-gerente – Art. 135, III, do CTN; 4. Da jurisprudência do STJ. 5. Conclusão; 6. Referências bibliográficas;
1. INTRODUÇÃO
O tema da responsabilidade tributária atrai a atenção de inúmeros estudiosos, sem contar com a repercussão jurisprudencial, já que, não raras vezes, é levado ao conhecimento e julgamento dos tribunais brasileiros.
A dedicação sobre o tema tem fundamento principal na repercussão econômica que a interpretação eleita terá sobre o mundo empresarial. Ora, é sabido que um dos elementos de maior incentivo à atividade econômica pelas pessoas humanas é a proteção de seu patrimônio individual, mediante a ficção que é a pessoa jurídica.
Assim sendo, em caso de insucesso do negócio, salvo as exceções legais, o patrimônio individual do sócio estará protegido contra a execução dos credores das sociedades, isso nos tipos societários de responsabilidade limitada.
Ocorre que a responsabilidade tributária do sócio-gerente pela prática de ilícitos possibilita, justamente, excetuar essa regra para invadir o patrimônio particular do sócio em favor da liquidação do crédito tributário vencido.
Por essa razão, a pacificação da melhor extensão e alcance dos dispositivos tributários a seguir apontados define a medida de responsabilização dos sócios de forma direta, sem bloqueio pela personalidade jurídica da sociedade.
2. DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
A responsabilidade tributária é a sujeição de alguém à obrigação do pagamento do crédito tributário. Decorre, pois, da submissão de alguém ao vínculo jurídico tributário, no qual se encontra na posição passiva, como devedor do direito subjetivo do Fisco.
Entretanto, a responsabilidade tributária também pode ser entendida como a sujeição passiva de alguém à obrigação tributária, sem, entretanto, gozar da condição de contribuinte, como terceiro chamado de “responsável tributário”.
Nesse sentido, veja-se as palavras de Hugo de Brito Machado:
“A palavra “responsabilidade” liga-se à ideia de ter alguém de responder pelo descumprimento de um dever jurídico. Responsabilidade e dever jurídico não se confundem. A responsabilidade está sempre ligada ao descumprimento do dever, isto é, à não prestação. É a sujeição de alguém à sanção. Tal sujeição geralmente é de quem tem o dever jurídico, mas pode ser atribuída a quem não o tem.
No direito tributário a palavra “responsabilidade” tem um sentido amplo e outro estrito.
Em sentido amplo, é a submissão de determinada pessoa, contribuinte ou não, ao direito do Fisco de exigir a prestação da obrigação tributária. Essa responsabilidade vincula qualquer dos sujeitos passivos da relação obrigacional tributária.
Em sentido estrito, é a submissão em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do Fisco de exigir a prestação respectiva[1].
No presente artigo, a expressão “responsabilidade tributária” é tomada no seu sentido estrito, ou seja, como a sujeição passiva tributária do terceiro que não seja contribuinte.
2.1 Contribuinte x Responsável tributário
À guisa de rememoração, os conceitos de contribuinte e responsável tributário são trazidos no artigo 121 do Código Tributário Nacional. Veja-se:
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Assim, o contribuinte se distingue do responsável à medida que tem relação direta e pessoal com a ocorrência do fato gerador, enquanto o responsável não possui essa relação, sendo sua obrigação criada pela lei. Entretanto, o legislador não pode escolher aleatoriamente quem será responsável tributário, devendo esse estar vinculado ao fato gerador da obrigação, conforme artigo 128 do CTN. Veja-se:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
2.2 As espécies de responsabilidade tributária
A doutrina reconhece duas grandes espécies de responsabilidade tributária, a responsabilidade por substituição e a responsabilidade por transferência.
Na responsabilidade por substituição, ocorrido o fato gerador, o responsável tributário é o sujeito passivo da obrigação tributária de forma originária, excluindo a responsabilidade do contribuinte desde o início. O fundamento da substituição tributária é a facilitação da cobrança, já que a lei concentra o dever de recolher o tributo sobre poucos sujeitos, que substituem tantos outros. Normalmente, a lei tributária elege aqueles sujeitos para onde convergem a cadeia econômica, como no caso de supermercado que recebe a produção de vários pequenos produtores. É muito mais cômodo e exige muito menos energia por parte do Fisco fiscalizar o supermercado do que cada um dos pequenos produtores.
Além disso, os substitutos tributários costumam ter melhor escrituração contábil, o que também facilita a fiscalização, como também maior patrimônio, ampliando a garantia de pagamento do crédito tributário. Sobre a substituição tributária, veja-se as palavras de Ricardo Alexandre:
“ Nos casos de responsabilidade por substituição, desde a ocorrência do fato gerador, a sujeição passiva recai sobre uma pessoa diferente daquela que possui relação pessoa e direta com a situação descrita em lei como fato gerador do tributo. Em nenhum momento, o dever de pagar o tributo recai sobre a figura do contribuinte, não havendo qualquer mudança subjetiva na obrigação.
O exemplo mais conhecido é o da responsabilidade que a lei faz recair sobre a fonte pagadora dos rendimentos, no caso do imposto de renda das pessoas físicas. Nesse caso, no momento em que a fonte disponibiliza os rendimentos ou proventos, nasce a obrigação tributária relativa ao IRPF”.[2]
De outra banda está a responsabilidade por transferência. Nesse caso, ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação tributária tendo como sujeito passivo o contribuinte ou substituto tributário. Em razão de algum da ocorrência de algum fato dentre aqueles previsto em lei, a sujeição passiva é transferida ao responsável tributário, de forma derivada, ou seja, a partir da ocorrência desse fato e não do fato gerador da obrigação tributária como no caso da substituição tributária. Nesse sentido, veja-se as palavras de Eduardo Sabbag:
“Responsabilidade por transferência: também intitulada responsabilidade derivada ou de 2º grau, dá-se quando a terceira pessoa vem e ocupa o lugar do contribuinte após a ocorrência do fato gerador, em razão de um evento a partir do qual se desloca (se transfere) o ônus tributário para um terceiro escolhido por lei. Atribui-se a este terceiro o nome de “responsável tributário”, propriamente dito. Perceba que o “responsável tributário” (responsabilidade por transferência) responde por débito alheio, enquanto o “substituto tributário” (responsabilidade por substituição) responde pelo próprio débito”[3].
O regramento da responsabilidade tributária está previsto no capítulo V, do Título II, do Código Tributário Nacional, dos artigos 128 a 138. O CTN divide a responsabilidade por transferência em: (I) responsabilidade dos sucessores; (II) responsabilidade de terceiros e; (III) responsabilidade por infrações. Entretanto, parte da doutrina critica essa divisão, apontando como a mais correta a seguinte: (I) responsabilidade por solidariedade; (II) responsabilidade de terceiros e (III) responsabilidade dos sucessores.
Segundo essa corrente, a responsabilidade por infrações, não seria caso de responsável tributário em sentido estrito, mas sim de contribuinte, pois tem vinculação direta e pessoal com a ocorrência do fato gerador da obrigação acessória, a partir do cometimento de um dos ilícitos lá listados.
Nesse sentido, Ricardo Alexandre:
“Segundo a doutrina, a responsabilidade “por transferência” abrange os casos de responsabilidade “por sucessão”, “por solidariedade” e “de terceiros”, conforme esquematizado a seguir:
(...)
O CTN não sistematiza a matéria da forma esposada pela doutrina. A responsabilidade por solidariedade é tratada nas disposições relativas à obrigação tributária (CTN, art. 124), encontrando-se a disciplina legal das responsabilidades “por sucessão” (CTN, arts, 130 a 133) e “de terceiros” (CTN, art. 134) nas disposições relativas à responsabilidade.
(...)
Se merece elogio a exclusão da solidariedade das hipóteses de responsabilidade por transferência, não se pode dizer a mesma coisa dos casos relativos à responsabilidade por infrações (letra “c”), porque, conforme se verá adiante, o Código acaba por cometer o disparate de chamar de responsável a pessoa que praticou a infração, tendo relação pessoal e direta com o fato gerador da respectiva penalidade”[4].
O objetivo deste artigo não permite abranger detalhadamente cada uma das hipóteses de responsabilidade tributária por transferência. Doravante, tratar-se-á da responsabilidade do sócio-gerente, que se enquadra na responsabilidade de terceiros.
Tratadas as questões imprescindíveis à contextualização e entendimento do tema, passa-se à questão central deste artigo.
3. A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO-GERENTE.
Veja-se, inicialmente, o artigo 135, III, do Código Tributário Nacional:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Como podemos extrair do dispositivo mencionado, o Código Tributário Nacional determina que o gerente, diretor ou representante seja responsabilizado pelo pagamento do crédito tributário quando agir em desrespeito à lei, ao contrato social ou estatuto.
A primeira conclusão é a de que o sócio, simplesmente por ser sócio, sem se investir na condição de gerente, diretor ou representante, não pode ser responsabilizado pessoalmente, justamente porque, não estando em uma dessas condições, não tem ingerência sobre os atos praticados pela sociedade, nem causou a situação que embaraçou o pagamento ao Fisco, seja judicial ou extrajudicialmente.
Sobre a responsabilidade do sócio-gerente, veja-se as palavras de Josiane Minardi:
“Quanto à responsabilidade pessoal dos sócios, de acordo com o artigo 135 do CTN, trata-se de apenas os sócios que tenham poderes de gerência, direção ou representação e não todos os sócios indistintamente.
Além disso, as pessoas elencadas nesse dispositivo legal só respondem pessoalmente pelos créditos tributários que derem causa por excesso de poder, infração à lei ou contrato social e estatuto social”.[5]
No mesmo sentido, Luciano Amaro:
“Para que incida o dispositivo, um requisito básico é necessário: deve haver a prática de ato para o qual o terceiro não detinha poderes, ou de ato que tenha infringido a lei, o contrato social ou o estatuto de uma sociedade. Se inexistir esse ato irregular, não cabe a invocação do preceito em tela. Poderá aplicar-se, porém, o disposto no art. 134, que se contenta com a participação (por ação ou omissão) do terceiro para responsabilizá-lo subsidiariamente.
O problema está em definir os atos a que se refere o art. 135. É intuitivo que há de se tratar de atos praticados em nome de outrem (o representado, preponente, administrado, mandante, que seria o “contribuinte”) pelo terceiro (administrador, mandatário etc.). Com excesso de poderes, por exemplo, mas em nome do administrado, do mandante etc. Com violação da lei, mas também em nome de outrem. Com infringência do contrato ou estatuto, mas sempre em nome da sociedade. Muitas hipóteses se enquadram em mais de uma dessas situações: um ato praticado com excesso de poderes pode violar, a um só tempo, o estatuto e a lei; um ato ilegal certamente não será praticado no exercício de poderes regulares. Para que a responsabilidade se desloque do contribuinte para o terceiro, é preciso que o ato por este praticado escape totalmente das atribuições de gestão ou administração, o que frequentemente se dá em situações nas quais o representado ou administrado é (no plano privado), assim como o Fisco (no plano público), vítima de ilicitude praticada pelo representante ou administrador”[6].
A situação mais clássica que fundamenta o redirecionamento da execução fiscal em face do sócio-gerente é aquela posta na súmula 435 do STJ. Veja-se:
“Súmula 435 – Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
Em outras palavras, o entendimento sumulado do STJ aponta que o fato de a empresa deixar de funcionar no domicílio tributário sem comunicação ao Fisco presume o seu encerramento irregular, esse sim ato ilícito a se enquadrar no artigo 135 do CTN. É obrigação do representante da empresa informar ao fisco a alteração do domicílio.
Na prática jurídica, essa situação ocorre, na maioria das vezes, no curso da execução fiscal, quando o oficial de justiça se dirige ao domicílio tributário para citar ou intimar a empresa, mas, chegando lá, verifica não funcionar mais naquele local. Diante desse cenário, o representante da Fazenda Pública requer ao juiz o redirecionamento da execução fiscal em face do sócio-gerente, com base na súmula 435 do STJ.
4. DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ
Surgir, no âmbito da jurisprudência do STJ, assim como dos demais tribunais brasileiros, a discussão sobre se o artigo 135, III, do CTN autorizada a responsabilização sócio-gerente que não detinha esse qualidade ao tempo da ocorrência do fato gerador e/ou do inadimplemento da obrigação tributária. O conflito de decisões passou a ser parte do cotidiano forense acerca dessa questão.
A própria jurisprudência do STJ é vacilante, tendo, quase que contemporaneamente, apresentados ambos os entendimentos, demonstrando que a chama da discussão se mantém firme.
Em outro giro, importante ressaltar o teor da súmula nº 430 do STJ. Veja-se:
“Súmula nº 430 – O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.
A responsabilidade tributária de terceiro prevista no artigo 135 é decorrente de ato ilícito, com excesso de poderes ou desrespeito ao contrato social ou estatuto. O mero inadimplemento não consubstancia ilícito capaz de justificar o redirecionamento da execução ao sócio-gerente, permitindo tão somente a cobrança judicial do crédito tributário em face do contribuinte, que é a sociedade.
É sob a luz dessa súmula que trataremos das recentes decisões do STJ sobre o assunto, demonstrando uma tendência de alinhamento de sua jurisprudência com a súmula.
Em agosto de 2015, a primeira turma do STJ julgou necessário a qualidade de gerente em dois momentos para o redirecionamento da execução fiscal: (I) no momento do ato ilícito; (II) no momento do fato gerador e do inadimplemento da obrigação. Veja-se o julgado:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. NECESSIDADE DE TER O SÓCIO PODER DE GERÊNCIA À ÉPOCA DO FATO GERADOR. PRECEDENTES. VALORAÇÃO DOS FATOS CONTIDOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
1. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento de que "o pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da sociedade executada, pressupõe a permanência de determinado sócio na administração da empresa no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador. Ainda, embora seja necessário demonstrar quem ocupava o posto de gerente no momento da dissolução, é necessário, antes, que aquele responsável pela dissolução tenha sido também, simultaneamente, o detentor da gerência na oportunidade do vencimento do tributo. É que só se dirá responsável o sócio que, tendo poderes para tanto, não pagou o tributo (daí exigir-se seja demonstrada a detenção de gerência no momento do vencimento do débito) e que, ademais, conscientemente, optou pela irregular dissolução da sociedade (por isso, também exigível a prova da permanência no momento da dissolução irregular)" (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1009997/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 4/5/2009).
2. A Corte a quo, após análise dos autos, concluiu que a parte agravante não exercia poderes de gerência ao tempo da constituição do crédito tributário. Assim, a alteração destas conclusões demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 729.285/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 19/08/2015).
Para a primeira turma, pois, indispensável que o responsável tributário também tenha dado causa ao inadimplemento, sem o que não seria possível o redirecionamento da execução fiscal. Nesse mesmo sentido, veja-se as palavras de Kiyoshi Harada:
“Outrossim, merece exame a jurisprudência STJ que determina o redirecionamento da execução fiscal contra sócios no caso de dissolução irregular da sociedade que caracteriza infração de lei. E a jurisprudência reputa dissolvida irregularmente a sociedade executada quando ela não for encontrada no endereço mencionado, ou quando a sociedade se encontra em estado de insolvência, sem que houvesse pedido de quebra.
É razoável que se repute infringida a lei em tais hipóteses. O que não é compreensível é o redirecionamento da execução contra os sócios, sem observância dos requisitos estabelecidos no caput do art. 135, responsabilizando os sócios pelos créditos tributários legal e regularmente constituídos, antes do ato reputado como infração de lei. É imprescindível que a responsabilização do sócio ou do administrador esteja articulada com a sua ação ou omissão ilegal e a obrigação tributária dela decorrente. Há de ter alguma vinculação com a situação configuradora do fato gerador. A chamada responsabilidade objetiva só existe no nosso ordenamento jurídico em relação ao poder público e suas concessionárias (art. 37, § 6o da CF). Por isso, o art. 13 da Lei no 8.620/93, fundada no art. 124, II, do CTN, foi declarado inconstitucional pelo STF (RE no 562276/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 12-11-2010). O sócio-gerente ou o administrador que age contra lei, contrato social ou estatuto é o responsável pelo pagamento do tributo que decorrer dessa atividade ilegal ou excessiva. A ilegalidade cometida pelo sócio ou administrador não o torna responsável pelos tributos preexistentes à sua ação ilegal, originários de operações legais e regulares, não cabendo nessa hipótese o redirecionamento da execução fiscal ao teor do caput do art. 135 sob comento. Nem pode haver aplicação retroativa da lei tributária, salvo em caso de norma expressamente interpretativa ou na hipótese de retroação benéfica (art. 106 do CTN e art. 5o, XL, da CF). Para a responsabilização do sócio, no caso, há que se atentar para o aspecto temporal do fato gerador que aponta a legislação aplicável segundo o princípio tempus regit actum. Faltando qualquer um dos cinco aspectos do fato gerador, a obrigação tributária não existe. Diferente a posição do sócio investido na função de liquidante da sociedade em liquidação que promover o pagamento de credor quirografário em prejuízo da preferência de que goza o crédito tributário”[7].
Entretanto, a segunda turma, em junho de 2015 já havia exarado decisão no REsp nº 1.520.257/SP no sentido de ser prescindível a qualidade de sócio ao tempo do inadimplemento, pois a razão do redirecionamento é tão somente a prática do ilícito. Veja-se:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ARTS. 134, VII, DO CTN; 4º DA LEF; 10 DO DECRETO N. 3.708/19; 50, 1.052 E 1.080 DO CC/02. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. PRESUNÇÃO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR NOS TERMOS DA SÚMULA 435/STJ. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO-GERENTE QUE EXERCIA ESSE ENCARGO POR OCASIÃO DO ATO PRESUMIDOR DA DISSOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. DATA DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR OU VENCIMENTO DO TRIBUTO. IRRELEVÂNCIA. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Hipótese em que o Tribunal de origem afastou a responsabilidade dos sócios-gerentes da sociedade contribuinte executada por entender que estes, embora ocupassem a gerência no momento da dissolução irregular presumida, não exerciam a direção da entidade por ocasião da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária ou do vencimento do respectivo tributo.
2. Os arts. 134, VII, do CTN; 4º da LEF; 10 do Decreto n. 3.708/19; 50, 1.052 e 1.080 do CC/02 não foram objeto de análise ou apreciação pelo Tribunal de origem, o que revela a ausência de prequestionamento. Incidência dos verbetes 282 e 356 da Súmula do STF.
3. O pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular ou em ato que presuma sua ocorrência - encerramento das atividades empresariais no domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes (Súmula 435/STJ) -, pressupõe a permanência do sócio na administração da sociedade no momento dessa dissolução ou do ato presumidor de sua ocorrência, uma vez que, nos termos do art. 135, caput, III, CTN, combinado com a orientação constante da Súmula 435/STJ, o que desencadeia a responsabilidade tributária é a infração de lei evidenciada na existência ou presunção de ocorrência de referido fato.
4. Consideram-se irrelevantes para a definição da responsabilidade por dissolução irregular (ou sua presunção) a data da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, bem como o momento em que vencido o prazo para pagamento do respectivo débito.
5. No caso concreto dos autos, o Tribunal de origem, à luz do contexto fático-probatório, concluiu que as pessoas contra quem se formulou o pedido de redirecionamento gerenciavam a sociedade no momento da constatação do ato presumidor da dissolução irregular.
6. Recurso especial da Fazenda Nacional provido.
(REsp 1520257/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2015, DJe 23/06/2015).
A segunda turma se valeu do mesmo entendimento já esposado na súmula 430, pelo qual o mero inadimplemento, por si só, não é causa para o redirecionamento da execução fiscal. Ora, a súmula revela irrelevância do momento do vencimento não pago da obrigação tributária, isoladamente para fins de responsabilidade de terceiro do artigo 135 do CTN, que requer tão somente a prática do ato ilícito ou excesso de poderes.
Esse segundo entendimento é manifestamente mais favorável à Fazenda Pública, enquanto o primeiro, ao contribuinte. Isso porque, não raras vezes, o crédito tributário é cobrado anos depois, quando já houve modificação na gerência da sociedade, o que inviabilizaria o redirecionamento da execução fiscal, com prejuízo do pagamento do crédito tributário. Nesse sentido, Ricardo Alexandre:
Há quem defenda que para responsabilizar o sócio-gerente nos termos do entendimento do STJ, seria necessário que ele também estivesse no exercício da gerência no momento do fato gerador ou do vencimento do prazo para o pagamento do tributo. A tese é sedutora e funda-se numa suposta impossibilidade de que atos praticados em determinados momentos da linha do tempo (no caso, assunção de gerência e posterior dissolução irregular de sociedade) gerem responsabilização por eventos (fatos geradores e respectivos lançamentos) pretéritos. Contudo, conforme já analisado, não é o inadimplemento tributário que gera a responsabilidade do sócio-gerente (STJ, Súmula 430). Por conseguinte, a ocorrência do fato gerador e o não pagamento do tributo não trazem, por si só, consequências jurídicas para quem exerce a gerência da empresa. O que gera a responsabilização do gerente é o cometimento dos ilícitos estudados ao longo deste tópico, o que pode acontecer, como é bastante comum, contemporaneamente à ocorrência do fato gerador ou o vencimento do tributo, ou noutro momento, como, por exemplo, numa futura dissolução irregular.
Foi na esteira deste raciocínio que o Superior Tribunal de Justiça afirmou que ‘é irrelevante para a definição da responsabilidade por dissolução irregular (ou sua presunção) a data da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, bem como o momento em que vencido o prazo para pagamento do respectivo débito’ (REsp 1.520.257/SP). Assim, a pessoa que exerce a gerência no momento da dissolução irregular da sociedade é responsável pelos tributos eventualmente devidos, mesmo quando não esteve no exercício da gerência no momento da ocorrência do fato gerador ou na data do vencimento dos créditos tributários não adimplidos.
Apesar da lógica por trás da tese encampada, é justificável o temor de que ela poderia abrir espaço para alterações societárias fraudulentas, destinadas a concentrar toda a responsabilidade tributária em determinada pessoa, de forma a livrar da sujeição passiva os verdadeiros causadores e beneficiários do inadimplemento tributário, lesando os direitos da Fazenda Pública. Contudo, caso se comprove que o objetivo da alteração societária foi exatamente o de fraudar a Fazenda, estar-se-á diante de uma infração à lei a que o art. 135 do CTN atribui o efeito de responsabilização pessoal do respectivo agente (REsp 1.520.257/SP)”[8].
A preocupação revelada pelo autor acima é relevante. A jurisprudência deve se firmar no sentido de garantir maior eficácia aos dispositivos interpretados, o que pressupõe o impedimento a que a fraude levada a cabo pelos particulares possam driblar a incidência da regra, sobretudo no Direito tributário que envolve a entrega de receitas, indispensáveis ao Poder Público e, de outro lado, objeto de resistência pelo particular.
5. CONCLUSÃO
Por tudo quanto exposto, percebe-se a relevância do tema no âmbito do Direito tributário, definindo a extensão da garantia do pagamento do crédito tributário, possibilitando a invasão do patrimônio dos sócios-gerentes quando da prática do ato ilícito, conforme artigo 135, do CTN.
A jurisprudência do STJ ainda busca pacificação, o que definirá o futuro da exação tributária em face das sociedades, que representa fatia substancial das receitas públicas do Estado. Assim sendo, aguardemos o desfecho.
6. REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. pg. 295.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. pg. 151.
MINARDI, Josiane. Manual de direito tributário. 2ª ed. Salvador: Juspodvim, 2015.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. pg. 151.
[2] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. pg. 295.
[3] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pg. 714.
[4] [4] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. pg. 306.
[5] MINARDI, Josiane. Manual de direito tributário. 2ª ed. Salvador: Juspodvim, 2015. pg. 353.
[6] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. pg. 221.
[7] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. pg. 672.
[8] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. pg. 327.
Advogado, Pós Graduado em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Universidade de Anhanguera-Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Raimundo Gomes de Almeida. O redirecionamento da execução fiscal em face do sócio-gerente e a (ir) relevância do momento do inadimplemento da obrigação tributária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 mar 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49662/o-redirecionamento-da-execucao-fiscal-em-face-do-socio-gerente-e-a-ir-relevancia-do-momento-do-inadimplemento-da-obrigacao-tributaria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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