RESUMO: Nos ditames da Constituição Federal (art. 37, §6º), o Estado é responsável pelos danos causados por seus agentes públicos a terceiros durante o exercício da função pública. Nesse contexto, a jurisprudência e a doutrina pátria entendem que tal responsabilidade é objetiva, devendo o Poder Público ser responsabilizado independentemente de culpa estatal. Assim, os danos perpetrados por condutas comissivas dos agentes públicos seriam indenizados pelo Estado na figura de garantidor da proteção estatal. Por sua vez, as condutas omissivas, na qualidade de “omissões específicas”, também restariam enquadradas na seara da responsabilidade objetiva. Diante da qualidade de garantidor de proteção dos que estão sob a sua custódia, questiona-se, portanto, a responsabilidade estatal perante a ocorrência de lesão ou morte de detentos dentro dos estabelecimentos prisionais. Isto porque a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLIX, juntamente com a Lei de Execução Penal, asseguram aos presos o respeito à sua integridade física e moral. Desta feita, o presente artigo, através de pesquisa bibliográfica, busca trazer reflexão sobre o assunto, baseando-se, primordialmente, no entendimento doutrinário e jurisprudencial atual sobre o tema em foco, a fim de delinear os limites da (ir)responsabilidade do Estado em tais situações.
Palavras-chave: Poder Público. Agentes Públicos. Responsabilidade Civil do Estado. Lesão e Morte nos Estabelecimentos Prisionais. Custódia de presos.
ABSTRACT: Under the provisions of the Federal Constitution (article 37, paragraph 6), the State is responsible for the damages caused by its public agents to third parties during the exercise of the public function. In this context, jurisprudence and doctrine understand that such responsibility is objective, and the Public Power should be held accountable regardless of state guilt. Thus, the damages perpetrated by commissive conduct of public agents would be indemnified by the State as the guarantor of state protection. In turn, omissive conduct, as "specific omissions", would also remain framed within the sphere of objective responsibility. Faced with the quality of guarantor of the protection of those in their custody, therefore, the State's responsibility is questioned in the face of the occurrence of injury or death of inmates within prisons. This is because the Federal Constitution, in its art. 5, section XLIX, together with the Criminal Execution Law, assure prisoners respect for their physical and moral integrity. This article, through a bibliographical research, seeks to bring about reflection on the subject, based primarily on the current doctrinal and jurisprudential understanding on the subject in focus, in order to delineate the limits of the State's responsibility in such situations.
Keywords: Public Power. Public Agents. State Liability. Injury and Death in Prison Establishments. Custody of prisoners.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A responsabilidade civil do Estado à luz da CF/88 e da jurisprudência brasileira. 3. A responsabilidade civil do Estado dentro dos estabelecimentos prisionais brasileiros. 4. Conclusão. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, §6º, atribui ao Estado a obrigação de responder pelos danos causados por seus agentes públicos durante o exercício da função pública. Trata-se da chamada “Responsabilidade Civil do Estado”, que compele o Poder Público a reparar a transgressão civil daqueles que agem em seu nome.
Núcleo essencial do Estado Democrático de Direito, tal responsabilidade trata-se de ônus resultante da garantia de proteção estatal, a qual deve ser plenamente salvaguardada, visto que, apesar de ser detentor de poderes soberanos sobre os seus administrados, o Estado possui a obrigação de observar os ditames da lei e, assim, de compensar os danos causados por seus agentes, seja em condutas comissivas ou omissivas.
Diante da reparação estatal constitucionalmente garantida, surge, nesse contexto, o questionamento quanto à responsabilidade do Estado em caso de danos perpetrados em desfavor de presos dentro dos estabelecimentos prisionais brasileiros, tendo em vista que estão aqueles sob a proteção direta do Poder Público.
O ordenamento jurídico ao autorizar a atuação sancionatória do Estado sobre indivíduo que transgride as leis penais, permitindo a sua privação de liberdade, garante-lhes, ao mesmo tempo, integridade física e moral (art. 5º, inciso XLIX, CF), demonstrando que o exercício do ius puniendi estatal não exclui o dever de proteção dos que foram punidos.
Tal questionamento traz à tona, assim, importante discussão acerca da responsabilização do Estado pelos seus atos e omissões perante aqueles que já foram punidos pelo poder estatal e estão em cárcere. É sobre esse intrigante tema que o presente artigo propõe-se a discorrer, pautando-se, primordialmente, no atual entendimento jurisprudencial sobre o assunto, expondo, por conseguinte, as principais bases que norteiam a responsabilidade civil estatal.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO À LUZ DA CF/88 E DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
O Estado, pessoa jurídica de direito público interno, para manifestar concretamente o seu poder, necessita da atuação dos chamados agentes públicos, particulares incumbidos de função pública, os quais agem em nome e sob a responsabilidade do Estado.
Sobre o conceito de agentes públicos, Lucia Valle Figueiredo assim se manifesta:
A expressão “agentes públicos” é abrangente e abriga funcionários, servidores, contratados por tempo determinado para serviço de excepcional interesse público e, ainda, os que obtiveram estabilidade por meio da Constituição de 1988, das Disposições Gerais e Transitórias. Também inclui os particulares em colaboração com a Administração Pública. (FIGUEIREDO, 1998, p. 506)
Por sua vez, segundo Fernanda Marinela:
A expressão agente público é a mais ampla para designar de forma genérica e indistinta os sujeitos que exercem funções públicas, que servem ao Poder Público como instrumentos de sua vontade ou ação, independentemente do vínculo jurídico, podendo ser por nomeação, contratação, designação ou convocação. Independe, ainda, de ser essa função temporária ou permanente e com ou sem remuneração. Assim, quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. (MARINELA, 2015, p. 615)
Ao atribuir aos agentes públicos a qualidade de “representantes da vontade estatal”, o Estado torna-se garantidor de que aqueles agirão conforme determina a lei, sem transgredir os seus limites. Desta forma, consoante o Princípio da Impessoalidade, os atos praticados deverão ser imputados ao órgão público e não ao agente, que é apenas um funcionário que em sua função manifesta a vontade estatal. Logo, perante os particulares, a responsabilidade pelos atos dos agentes é atribuída ao Estado e não ao próprio agente público.
É o que se extrai dos ditames do art. 37, §6º, da CF, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifos acrescidos)
Da exegese do artigo transcrito, extrai-se, portanto, a denominada “Responsabilidade Civil do Estado”. Intrinsecamente ligada ao Princípio da Legalidade[1], tal responsabilidade obriga o Poder Público a recompor os danos causados a terceiros quando do desempenho de suas atividades por meio dos agentes públicos. Logo, caso haja transgressão por parte de seus agentes durante o exercício da função, a responsabilidade de indenizar o lesado será do Poder Público, o que, por sua vez, não impede a ação regressiva do Estado contra o agente nos casos de dolo ou culpa.
Segundo ensinam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
No âmbito do Direito Público, temos que a responsabilidade civil da Administração Pública evidencia-se na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, atuando em seu nome, ou seja, na qualidade de agentes públicos, causem à esfera juridicamente tutelada dos particulares. Traduz-se, pois, na obrigação de reparar economicamente danos patrimoniais, e com tal reparação se exaure. [...] A nosso ver, a fundamentação da responsabilidade estatal reside na busca de uma repartição isonômica, equânime, do ônus proveniente de atos ou dos efeitos oriundos das atividades da Administração. [...] (ALEXANDRINO & PAULO, 2015, pp. 846; 849-850)
Na doutrina pátria, a responsabilidade do Estado baseia-se em três teorias construídas ao longo dos anos: a) Teoria da Culpa Administrativa (culpa anônima); b) Teoria do Risco Administrativo; e c) Teoria do Risco Integral.
Segundo a Teoria da Culpa Administrativa, à pessoa lesada cabe provar, além do dano e do nexo de causalidade (demonstrando que fora, de fato, a conduta do agente que resultou no referido dano), a culpa administrativa, ou seja, a falta na prestação de um serviço que deveria ter sido prestado de forma eficiente. Tal teoria, portanto, baseia-se na ideia de que só ocorre dano caso haja irregularidade na execução das atividades administrativas, havendo culpa da Administração, que não prezou pela eficiência do serviço ou que sequer o executou.
Por outro lado, pela Teoria do Risco Administrativo, o Estado deve responder pelo dano causado ao particular independentemente de prova de culpa na sua atuação, bastando a comprovação de que tenha ocorrido, de fato, o evento danoso. Tal teoria, assim, consagra a responsabilidade civil objetiva do Estado, ante a desnecessidade de ser perquirir qualquer culpa da Administração.
Desta feita, sendo objetiva a responsabilidade do Estado, terá o particular que provar três elementos a fim de comprovar que sofreu o dano, quais sejam: a) a conduta praticada por um agente público no desempenho de suas atribuições próprias[2]; b) o dano causado; e c) o nexo de causalidade, demonstrando que foi a conduta que resultou no referido evento danoso.
Ressalte-se que, de acordo com a Teoria do Risco Administrativo, o Estado somente poderá eximir-se do dever de reparar o dano caso prove a existência de causa excludente da sua responsabilidade, quais sejam: a) caso fortuito ou força maior;[3] b) culpa exclusiva da vítima; c) culpa exclusiva de terceiro.
Desdobramento, também, da responsabilidade objetiva, a Teoria do Risco Integral possui certa singularidade com a Teoria do Risco Administrativo, visto que exige apenas a comprovação do evento danoso e do nexo causal, diferenciando-se por não admitir excludentes de responsabilidade, e por isso, sua aplicação é mais restrita. Assim, diante de sua peculiaridade entende o Superior Tribunal de Justiça, atualmente, que a responsabilidade civil baseada no risco integral deve ser aplicada somente nos casos de dano ambiental. [4]
Diógenes Gasparini assim define a referida teoria:
Por teoria do risco integral entende-se a que obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta, para caracterizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento. (GASPARINI, 2011, p. 1.114)
Diante da exegese das referidas teorias, entende a doutrina e a jurisprudência que o art. 37, §6º, da CF, estabelece para o Estado uma responsabilidade objetiva perante os administrados, seguindo, assim, a Teoria do Risco Administrativo, ou seja, a responsabilização civil do Poder Público independe de prova de culpa na sua atuação comissiva, mas admite excludentes de responsabilidade.
Tal interpretação se dá devido à justificativa de que o referido artigo exige dolo ou culpa para que possa ser exercido o direito de regresso perante os agentes públicos, porém, não faz tal exigência para que o Estado seja responsabilizado, consolidando-se a ideia de que a exigência do elemento subjetivo é unicamente para a ação regressiva. Ademais, a responsabilidade objetiva é a que melhor se coaduna com a ideia de Estado Democrático de Direito, a fim de evitar a perpetuação da irresponsabilidade estatal.
Nos dizeres de Fernanda Marinela:
[...] o Estado responde por ato de seus agentes, responde pelos atos através dos quais o agente, nessa qualidade, causar dano. Importante é que o dano tenha ocorrido pelo fato de o agente ter essa condição, não interessando se o agente agiu com culpa ou dolo, ou até, se era ou não o competente; o que importa é que a qualidade de agente foi fator determinante [...]. (MARINELA, 2015, p. 960)
Ainda, segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
Segundo entendimento uniforme de nossa doutrina e jurisprudência, esse dispositivo constitucional consagrou, no Brasil, a responsabilidade objetiva da administração pública, na modalidade risco administrativo, pelos danos causados por atuação de seus agentes. (ALEXANDRINO & PAULO, 2015, p.850)
Feito tal panorama, resta claro ser objetiva a responsabilidade do Estado diante de dano causado por conduta comissiva de agente público. Já no tocante à conduta omissiva, ou seja, quanto ao dano causado por omissão estatal, existem intensas divergências sobre qual seria o tipo de responsabilidade, se objetiva ou subjetiva, tendo em vista que não se extrai claramente do texto constitucional qual seria a solução jurídica nos casos de danos oriundos de omissão estatal. Veja-se.
Ao longo dos anos, a doutrina majoritária vem se posicionando no sentido de que a responsabilidade civil do Estado em caso de atos omissivos é subjetiva, baseada na Teoria da Culpa Administrativa (culpa anônima), a qual exige a comprovação da falta do serviço ou mau funcionamento deste, como já exposto.
Veja-se a opinião dos autores Fernando Ferreira e Ronny Charles:
A responsabilidade do Estado por danos decorrentes de sua omissão vige a teoria da culpa administrativa, também chamada de teoria da "falta do serviço", segundo a qual o lesado deve demonstrar que o Estado tinha o dever legal de agir e que falhou no cumprimento deste dever legal, isto é, com negligência, imprudência ou imperícia. O elemento subjetivo da culpa não precisa estar identificada, razão pela qual se chama culpa anônima, não individualizada, pois o dano não decorreu de atuação de agente público, mas de omissão do poder público. (FERREIRA & CHARLES, 2015, p. 477)
Entretanto, tal posicionamento não se trata de posição consensual, tendo em vista a indefinição trazida pelo art. 37, §6º, da CF, que não deixa claro se no dispositivo abarcam-se condutas comissivas, omissivas ou ambas. Assim, diante de tal incerteza e observando a solução que seria mais justa em um Estado Democrático de Direito, o Supremo Tribunal Federal trouxe para o ordenamento jurídico o seu posicionamento. Vejamos.
A atual e majoritária jurisprudência do STF, caminhando em sentido contrário à doutrina majoritária, afirma ser, também, objetiva a responsabilidade em caso de conduta omissiva.[5] Veja-se o que afirmou o Ministro Luiz Fux no julgamento do RE 841526/RS[6]:
Com efeito, não cabe ao intérprete estabelecer distinções onde o texto constitucional não o fez. Ora, o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal determina que o Estado responderá objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros (“as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” - grifei), de modo que basta que esse nexo de causalidade se forme para que a responsabilidade surja, não exigindo a norma constitucional em questão que a conduta estatal seja comissiva ou omissiva. (STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 [repercussão geral])
No mesmo sentido resta o seguinte julgado do STF:
[...] A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. [...] (STF. 2ª Turma. ARE 897890 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2015)
Extrai-se, assim, dos referidos julgados a atual posição do STF quanto o tipo de responsabilidade por omissão estatal, que seria, portanto, objetiva. Entretanto, cabe ressaltar que para o STF, apesar do Estado responder de forma objetiva pelas suas omissões, o nexo de causalidade só resta caracterizado quando o Poder Público tenha o dever legal específico de agir para impedir a ocorrência do dano e não cumpriu com tal obrigação. É a chamada “omissão específica”.
Quando o Estado possui o dever de garantir a proteção de determinadas pessoas que estão sob a sua proteção e estas sofrem danos, deve ser responsabilizado, mesmo que tais danos não sejam ocasionados diretamente por atuação dos seus agentes. Desta forma, se cabia ao Estado impedir tal fato e não o fez, deve responder por tal omissão, equiparando-se à conduta comissiva.
Podemos citar como exemplo o caso de um aluno de escola pública que sofre agressão advinda de outro aluno dentro do estabelecimento educacional no horário de aula. Neste caso a agressão não resultou de ação de agente público da escola, porém, responderá o Estado pela sua “omissão específica”, visto que, estando o aluno dentro de estabelecimento público cabia ao Estado a sua proteção. Assim, ocorrendo uma conduta estatal omissiva será punida, conforme entende o STF, como uma responsabilidade objetiva.
Assim, como se percebe, o Estado possui a obrigação de zelar pela integridade dos que estão sob a sua proteção. Diante de tais apontamentos, surge o seguinte questionamento, cerne do presente artigo: a lesão sofrida por preso dentro de estabelecimento prisional, bem como a ocorrência de morte de detento em tais locais, impõem que o Estado seja responsabilizado? É tal indagação que o artigo se propõe a responder a seguir.
3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DENTRO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS BRASILEIROS
Diante da atual situação precária dos estabelecimentos prisionais brasileiros, inúmeras mortes de presos em tais locais são frequentemente noticiadas. Entretanto, pouco se debate acerca da responsabilidade do Estado diante de tal situação, visto que, para a grande maioria da sociedade os detentos, na condição de criminosos, não merecem qualquer proteção, devendo “pagar” pelos crimes que cometeram da pior forma possível.
Assim, cumprindo as penas em celas com condições subumanas, são, por vezes, “esquecidos” pelo Poder Público, que deixa de cumprir a sua função de garantidor de proteção, permitindo a ocorrência de lesões corporais, mortes, dentre outras situações, seja por falta de atendimento médico devido ou pela falta de segurança nos locais. Desta forma, as prisões se tornam lugares “sem lei”, onde perversas crueldades são cometidas.
Tal cenário, por sua vez, não se coaduna com os ditames constitucionais que garantem plena proteção e dignidade ao preso, sendo o Estado o responsável pela consecução do ideal protecionista. Vale destacar que, antes de se analisar a responsabilidade do Estado deve se deixar de lado qualquer sentimento íntimo de justiça, devendo, sim, observar o que diz as normas da nossa Carta Magna, percussora dos princípios norteadores do nosso Estado, bem como os ditames da Lei de Execução Penal - LEP (Lei nº 7.210/84).
Pois bem, segundo art. 5º, inciso XLIX, da CF, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Assim, o indivíduo em situação de privação de liberdade, submetido ao cárcere estatal, apesar de ter cometido transgressão penal contra bem jurídico, tem garantido constitucionalmente o direito à integridade e tal proteção deve ser efetivada pelo Estado.
Tal direito, inclusive, vem consubstanciado em outros dispositivos constitucionais, que, visando promover a humanização da pena, asseguram aos presos o direito de não serem submetidos à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, bem como de que não haverá penas de morte, de trabalhos forçados, perpétuas ou cruéis (art. 5º, incisos III e XLVII, da CF).
São, portanto, direitos fundamentais expressos em normas de aplicação imediata,[7] que devem ser prontamente efetivadas pelo Poder Público, não podendo, jamais, serem erigidas à condição de normas meramente programáticas.
Ademais, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) em seu corpo legal, traz de forma explícita o dever de proteção do Estado, in verbis:
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.
Ante a existência de tais garantias constitucionais e legais, o Estado se vê compelido a proteger os detentos que estão sob a sua custódia e, portanto, diante de sua omissão em protegê-los dentro do estabelecimento prisional deve ser condenado a indenizar os danos que o preso venha a sofrer. Assim, caso não tenha atuado a fim de impedir a ocorrência do evento danoso, o Estado se torna responsável, afinal qualquer dano sofrido pelo preso dentro do presídio demonstra que o serviço penitenciário não funcionou da maneira correta.
Trata-se da ocorrência da “omissão específica”, que, como já explanado, configura-se quando o Estado tem o dever legal específico de agir para impedir a ocorrência do dano e não cumpre com tal obrigação. Este, inclusive, é o atual entendimento do STF, o qual através do julgamento do Recurso Extraordinário 841526/RS, em 2016, trouxe para o ordenamento jurídico importante posicionamento quanto ao tema, tendo, inclusive, decidido o tema no referido julgado sob a sistemática da repercussão geral. [8]
Desta forma, com a atribuição de repercussão geral, a tendência é que os demais tribunais passem a adequar suas decisões ao entendimento proferido no julgamento do RE 841526/RS. O referido julgado, por sua vez, possui a ementa abaixo transcrita:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g. , homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 [repercussão geral]) (grifos acrescidos)
Extrai-se, assim, do referido julgado o atual entendimento da Suprema Corte quanto ao tema em foco. De acordo com o STF, o Poder Público possui, de fato, responsabilidade civil em caso de lesão ou morte de preso em decorrência da omissão específica em cumprir o dever de proteção que lhe é imposto pelo art. 5º, XLIX, da CF/88, sendo, portanto, tal responsabilidade objetiva, na modalidade risco administrativo.
Nas palavras do Ministro Luiz Fux, relator do julgado:
[...] o detento, privado que está de sua liberdade e forçado ao convívio prolongado com outros apenados, em situações precárias de habitabilidade, só poderá ter direito a um tratamento digno e humanitário, com respeito, inclusive, à sua integridade física e moral, se o Estado efetivamente agir no sentido de cumprir o dever especial de proteção que a Constituição Federal lhe impõe. Conclui-se, portanto, que o direito fundamental em testilha não apenas obriga o Estado a tomar medidas efetivas a fim de proporcionar a sua realização (dimensão objetiva), mas também atribui ao apenado a posição jurídica de exigir que essa prestação estatal lhe seja outorgada (dimensão subjetiva) [...]. (STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 [repercussão geral]) (grifos acrescidos)
Como se percebe, a linha de argumentação desenvolvida pelo Ministro relator que culminou no atual entendimento do STF sobre o tema em foco pauta-se na ideia de que o Estado deve proteger aqueles que estão sob a sua custódia e que, por conseguinte, em caso de inobservância de seu dever específico de proteção, é responsável pela morte ou lesão a detento. Sendo, portanto, tal responsabilidade objetiva, cabem ser provados os três elementos caracterizadores (omissão, dano, e nexo causal entre o dano e a omissão específica do Poder Público).
Entretanto, vale ressaltar que, segundo o STF, o Estado pode ser dispensado da reparação do dano caso reste comprovado que o mesmo não tinha a efetiva possibilidade de evitar a ocorrência do evento danoso. Nas palavras do relator:
[...] não basta, para que se configure a responsabilidade civil do ente público no mister da execução penal, a pura e simples inobservância do mandamento constitucional de que evite a morte do preso sob sua custódia, sendo necessário, também, que o Poder Público tenha a efetiva possibilidade de agir nesse sentido. Deveras, sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do preso, é imperioso reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e o dano. (STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 [repercussão geral])
Trata-se, portanto, de nítida exceção à regra. Desta forma, há cinco situações principais que podem vir a ocorrer dentro dos presídios, quais sejam: lesão causada por agressão de outrem (que resulte ou não em morte), suicídio do preso, morte natural repentina, morte causada por doença conhecida e não tratada e homicídio causado por ação de legítima defesa.
Na primeira situação, qual seja, lesão causada por agressão de outrem (que resulte ou não em morte) resta nítido, como já largamente exposto, a falta de proteção do detento pelo Estado, que infringiu o seu dever de garantir a integridade do preso, permitindo que outrem atentasse contra a sua vida.
Já no tocante ao suicídio, o STF delineou no referido julgado duas situações que podem trazer diferentes consequências: a primeira diz respeito ao caso em que o preso já venha demonstrando claros indícios de que cometeria o suicídio. Em tal situação o Estado será condenado a indenizar os seus familiares por não ter feito nada para evitar a concretização do suicídio. Por outro lado, caso seja o suicídio uma atitude surpresa, ou seja, se o preso antes não demonstrou nenhum indício de que cometeria tal ação, o Estado se exime da responsabilidade, ante o elemento da imprevisibilidade.
Veja-se o que afirmou o então relator:
De fato, haverá hipóteses em que o suicídio de um detento será um evento previsível à luz do seu histórico carcerário, o qual poderá revelar sintomas e indícios perceptíveis pela ciência psiquiátrica de um estado mental instável e tendente à prática de um ato autodestrutivo. Por outro lado, haverá igualmente casos em que o suicídio será um ato repentino e isolado, praticado num momento fugaz de angústia exacerbada e absolutamente imprevisível ao mais atento carcereiro, médico ou até mesmo aos mais próximos entes queridos do falecido. (STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 [repercussão geral])
No tocante à morte natural de preso saudável, como a decorrente de infarto inesperado, por exemplo, o Estado não haveria de ser responsabilizado ante a existência do elemento imprevisível, ou seja, tal morte não tinha como ser evitada. Diferentemente do caso de morte ocorrida em razão de doença conhecida e não tratada por adequado acompanhamento médico, ocorrendo violação do art. 14 da Lei de Execução Penal[9], o que justifica a obrigação do Estado em indenizar os familiares do detento, ante a sua inobservância do dever específico de proteção e cuidado.
Assim fora dito no julgamento do RE 841526/RS:
No que se refere às mortes naturais, novamente há que se reconhecer casos em que o prontuário médico do detento indica a necessidade de um determinado tratamento que não lhe é dispensado no cárcere, em flagrante violação ao artigo 14, caput, da Lei de Execução Penal, advindo de tal omissão óbito que era previsível. Há casos, porém, em que o preso sofre mal súbito ou possui moléstia desconhecida, que se manifesta de forma abrupta e fatal, não sendo exigível que o Estado seja responsabilizado por essa morte que inexoravelmente ocorreria, mesmo se o preso estivesse em liberdade. (STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 [repercussão geral])
Por sua vez, no tocante à situação em que um preso mata outro em legítima defesa, o Estado também não será responsabilizado, tendo em vista que fora o preso que faleceu quem agiu erroneamente, atentando contra a vida de outrem, o qual em reação lícita acaba o matando. Logo, se tal alto é lícito, conforme dispõe os arts. 23, inciso II, do Código Penal, e 188, inciso I, do Código Civil, não há qualquer dever de reparação por parte do Estado.
Destarte, diante de todo o discorrido o Ministro Luiz Fux concluiu o julgamento expondo o seguinte:
Diante de tais considerações, é possível extrair um denominador comum a todas as situações específicas retratadas acima: há casos em que a morte do detento simplesmente não pode ser evitada pelo Estado. Nesses casos, como já se ressaltou acima, rompe-se o nexo de causalidade entre o resultado morte e a omissão estatal no seu dever de manter a incolumidade física dos presos, o que afasta a responsabilização civil do ente público. Adota-se aqui, portanto, a teoria do risco administrativo, que permite a oposição de causas excludentes do nexo causal [...].
Consectariamente, a tese central quanto à questão constitucional dotada de repercussão geral discutida nos presentes autos pode assim ser sintetizada: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. (STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 [repercussão geral]) (grifos acrescidos)
Diante de todo o exposto e perante a análise da jurisprudência atual do STF, resta firme orientação quanto à imperatividade de responsabilização do Estado em caso de morte ou lesão a detento, cabendo à Administração Pública o ônus de provar, caso exista, causa excludente de tal responsabilidade, tendo em vista se basear na Teoria do Risco Administrativo.
Destaca-se, inclusive, que em outros julgados tal entendimento já vinha sendo aplicado:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MORTE DE PRESO SOB CUSTÓDIA DO ESTADO. OMISSÃO ESTATAL. INTEGRIDADE FÍSICA DO PRESO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. AGRAVO IMPROVIDO. I – O Tribunal possui o entendimento de que o Estado se responsabiliza pela integridade física do preso sob sua custódia, devendo reparar eventuais danos. Precedentes. II - Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto à existência de nexo causal entre a omissão do Estado e o resultado morte, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. III - Agravo regimental improvido.” (AI 799.789 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 01/02/2011)
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. MORTE DE DETENTO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Impossibilidade do reexame das provas contidas nos autos na via extraordinária. Incidência da Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. 2. Morte de detento em estabelecimento prisional. Responsabilidade civil objetiva do Estado configurada. Precedentes. 3. Proibição constitucional de vinculação de qualquer vantagem ao salário mínimo. Impossibilidade da modificação da base de cálculo por decisão judicial: Súmula Vinculante n. 4.” (AI 603.865 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 06/02/2009)
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE PRESO SOB CUSTÓDIA DO ESTADO. CONDUTA OMISSIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (RE 594.902 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 09/11/2010)
O ius puniendi do Estado, por conseguinte, não exclui o dever deste de proteger os detentos que estão sob sua custódia, sendo proibido qualquer omissão estatal que torne o cumprimento da pena mais gravosa do que o determinado em sentença judicial, ou seja, que extrapole os limites da privação de liberdade. O descaso do Poder Público dentro dos estabelecimentos prisionais é nítida afronta aos ditames da nossa Carta Magna. Sobre isto vejamos o que disse o Ministro Luiz Fux no RE 841526/RS:
O Estado Democrático de Direito, onde todos são iguais perante a lei, não pode admitir que alguns indivíduos sejam privados dos seus direitos fundamentais, mesmo que tenham eles atentado contra os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, que o Direito Penal busca tutelar. A pretensão punitiva do Estado, conquanto deva ser exercitada plenamente, deve respeitar os direitos que os acusados ou apenados, como qualquer ser humano, têm assegurados pela ordem jurídica. (STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 [repercussão geral])
Assim, na tensão dos valores, deve prevalecer o direito de proteção por parte do Estado, pois se assim não for haverá enfraquecimento dos direitos fundamentais expostos no corpo da Constituição Federal. Ademais, a iminente possibilidade de ocorrência de rebeliões e mortes em presídios traz não só para o preso, mas também para toda a sociedade, a sensação de insegurança, demonstrando que os danos nos estabelecimentos prisionais de forma reflexa atinge a sociedade como um todo, sendo imprescindível, portanto, que o Estado assuma conduta preventiva perante a ocorrência de eventos danosos nos estabelecimentos prisionais.
4. CONCLUSÃO
Ao final do presente artigo, resta bem definida a qualidade de responsável do Estado pelos danos ocorridos em estabelecimento prisional. As omissões do Poder Público na proteção dos que estão sob sua custódia traz para si a responsabilidade objetiva de indenizar o lesado ou a sua família. Assim, independentemente de culpa estatal, sendo provado o dano e o nexo causal, e não existindo qualquer causa excludente, o Estado irá reparar o dano que lhe cabia evitar através dos seus agentes públicos.
A atual jurisprudência do STF caminha no sentido de impor ao Estado o pagamento de indenização diante do não cumprimento de seus deveres constitucionais, zelando, assim, pela integridade dos apenados. O exercício do ius puniendi resta desassociado da ideia de vingança e qualquer omissão ou descaso do Poder Público nos estabelecimentos penais que se transformem em danos, devem ser convertidos em indenizações, não importando a gravidade da lesão.
A transferência para o Poder Público deste poder de proteção serve exatamente para garantir uma maior segurança dentro e fora das prisões, evitando a perpetuação de crueldades, devendo o Estado, preferencialmente, adotar postura preventiva para evitar a ocorrência de tais eventos danosos. A Constituição Federal de 1988, ao erigir o respeito à integridade do preso à condição de direito fundamental, não permitiu qualquer lacuna para que o Estado se furte aos seus deveres.
Nesse contexto, o julgamento do RE 841526/RS trouxe para o ordenamento jurídico posicionamento de grande valia, sendo de imprescindível observância por parte dos demais órgãos judiciários. A afirmação de que o Estado possui responsabilidade objetiva no caso em foco demonstra ser a que se mais coaduna com os ditames do Estado Democrático de Direito, evitando, com mais eficiência, a perpetuação da irresponsabilidade estatal.
Destarte, o presente artigo, debruçando-se sobre a jurisprudência atual, vem acolher a tese que define a responsabilidade objetiva do Estado em caso de lesão ou morte nos estabelecimentos prisionais brasileiros. Afinal, o Poder Público, diante de sua supremacia, possui todo o aparelhamento necessário para evitar os referidos danos, sendo sua obrigação cumprir com tal dever.
5. REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, M.; PAULO, V. Direito Administrativo Descomplicado. 23ª ed. São Paulo: Editora Método, 2015.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2010.
FERREIRA, F. B. N.; CHARLES, R. L. T. Direito Administrativo. 5ª ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2015.
FIGUEIREDO, L. V. Curso de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
GASPARINI, D. Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MARINELA, F. Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
[1] O Princípio da Legalidade é princípio base do Estado Democrático de Direito, subordinando a atuação do Estado aos ditames da lei. Desta feita, o Poder Público não pode agir contra legem, devendo indenizar os danos cometidos pelos agentes públicos que transgredirem os seus limites.
[2] Nas palavras de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2015, p. 854), “não haverá, tampouco, responsabilidade da administração pública nos casos em que o causador do dano seja realmente um agente público, mas a atuação dele não esteja relacionada à sua condição de agente público. Como exemplo, mencionamos julgado do Supremo Tribunal Federal em que se considerou não haver obrigação do Estado de indenizar vítima de disparo de arma de foto utilizada por policial durante período de folga, embora a arma pertencesse à corporação.“
[3] Segundo Dicionário Jurídico, “Caso Fortuito é o evento proveniente de ato humano, imprevisível e inevitável, que impede o cumprimento de uma obrigação, tais como: a greve, a guerra etc. Não se confunde com força maior, que é um evento previsível ou imprevisível, porém inevitável, decorrente das forças da natureza, como o raio, a tempestade etc.” Definição disponível em: < http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/791/Caso-fortuito>. Acesso em: 28 jan. 2017.
[4] Neste sentido: STJ. REsp 1.346.430/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 18.10.2012; STJ. REsp 1.374.284/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 27.08.2014.
[5] Nesse sentido: ARE 754.778 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 19/12/2013; RE 607.771 AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe de 14/05/2010; AI 852.237 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 25/06/2013; STF. RE 677139 AgR-EDv-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 22/10/2015.
[6] STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 (repercussão geral). Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 27 jan. 2017.
[7] Art. 5º, § 1º, da Constituição Federal: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
[8] Repercussão Geral é instituto processual que reserva ao STF o julgamento exclusivo de temas, trazidos em recursos extraordinários, que apresentem questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
[9] Art. 14, da LEP: “A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.”
Advogada. Bacharel em em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRISCILLA CORREIA SIMõES, . A (ir)responsabilidade civil do Estado em caso de lesão ou morte de detentos nos estabelecimentos prisionais brasileiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 mar 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49777/a-ir-responsabilidade-civil-do-estado-em-caso-de-lesao-ou-morte-de-detentos-nos-estabelecimentos-prisionais-brasileiros. Acesso em: 23 dez 2024.
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