RESUMO: O presente trabalho de conclusão de curso visa analisar o respeito da administração pública às finalidades necessárias ao preenchimento dos cargos de confiança e comissão, tendo em vista a cessão destes servidores a outros órgãos, entidades e poderes, bem como eventual excesso desarrazoado dos referidos cargos na máquina administrativa.
Palavras - chave: Administração Pública, Cargos de Confiança, Cessão de Servidores, Princípios, Controle.
INTRODUÇÃO
A constituição Federal de 1988 foi um marco divisor para a Administração Pública Brasileira principalmente no que tange ao seu artigo 37, inciso II, que estabelece que a investidura em cargo ou emprego público, depende de aprovação prévia em concurso público, de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo, ressalvada as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Artigo 37 – (...)II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”
Desta forma, abraçados pela legalidade do provimento de cargos em comissão, ao longo da história, observamos que estes passaram a funcionar como uma forma de favorecimento, uma troca de interesses, indo de encontro ao interesse público, haja vista que os “escolhidos” para ocuparem estes cargos não são selecionados por mérito, comprometimento e/ou qualificação dos serviços que poderão prestar a sociedade, mas sim como “moeda de troca de favores”, deixando de observar os princípios norteadores da Administração Pública, como legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, dentre outros.
Em outras palavras, forma-se uma espécie de clientelismo que consiste na utilização da máquina pública pelo detentor do poder, visando satisfazer interesses pessoais através da concessão de benefícios a terceiros.
O presente artigo visa uma análise contundente da legalidade das nomeações para cargo comissionado declarado em lei de livre nomeação e exoneração e de servidores efetivos em função de confiança ou gratificada, demonstrando uma afronta aos princípios que regem a Administração Pública ao ceder estes servidores a outros órgãos, entidades ou poderes.
Para alcançar o objetivo proposto, este trabalho será realizado através do método dedutivo, baseando-se em um referencial teórico bibliográfico de vários doutrinadores da área em estudo, legislação e jurisprudências.
1 – Cargos Comissionados e Função Gratificada
Neste ponto, cabe esclarecer a diferença entre o cargo comissionado e a função de confiança ou gratificada.
Os cargos em comissão são aqueles providos por meio de recrutamento amplo ou restrito, ou seja, por pessoas que não pertençam aos quadros dos servidores efetivos da Administração Pública, aqueles denominados de livre nomeação e exoneração, ou por servidores efetivos do quadro de carreira, desde que, em ambos os casos, as atribuições sejam próprias de direção, chefia ou de assessoramento.
As funções de confiança (ou gratificada) são aquelas exercidas, exclusivamente, por servidores concursados, efetivos dos quadros de carreira da Administração Pública (recrutamento restrito), também são destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
Neste sentido, dispõe o artigo 37, inciso V, da CR/88:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: (...) V- as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
Dessa forma, constituem-se características essenciais aos cargos em comissão a livre nomeação e exoneração e às funções de confiança o exercício tão-somente de atribuições de direção, chefia e assessoramento.
2. Cessão de Servidores Comissionados ou Função de Confiança
A Constituição da República, ao estabelecer a necessidade de concurso para o exercício de uma atividade pública, tem como vetor a moralização do serviço público, evitando-se a contratação por apadrinhamento ou por critérios obscuros (violando, também, o princípio da publicidade), de pessoas despreparadas para o exercício do cargo, violando também o princípio da eficiência, que visa à garantia da boa qualidade dos serviços públicos ofertados aos administrados.
O instituto do concurso público, à luz dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, funciona como uma forma de impedir a existência de empreguismos e clientelismo na prestação do serviço público.
Os cargos efetivamente de comissão se encontram alinhados com as políticas governamentais do chefe do governo e sempre vislumbram alcançar o melhor desempenho na complexa missão de administrar a coisa pública.
A cessão de servidores é incompatível com o exercício da função de confiança ou comissionada, não podendo, a seu bel prazer, o administrador público abusar da prerrogativa constitucional, nomeando os servidores nos referidos cargos para, posteriormente, cedê-los a outro órgão/entidade/poder.
Se este servidor em comissão, a princípio contratado para exercer uma função de confiança do contratante, é cedido a outro órgão, nos leva a questionar qual o real intuito em contratar uma determinada pessoa para depois cedê-la a outro órgão. Nos leva ainda a concluir que tal ocorrência consiste em uma “barganha política”, um clientelismo absurdo que de forma alguma prestigia o interesse público. Por esta troca de favores o bom andamento do serviço público, a eficiência, qualidade do serviço prestado à sociedade torna-se algo tratado em segundo plano, e não como objetivo único da Administração Pública.
Assim, a cessão de pessoal ocupante de cargo em comissão ou função de confiança para outros órgãos, entidades ou poderes é totalmente desarrazoada e imoral, uma vez que tais funções, conforme previsto constitucionalmente, implicam necessariamente no desempenho de funções de chefia, direção e assessoramento no órgão/poder previsto em lei, devendo ser exercidas em benefício da autoridade que tem o poder de nomeação, não se admitindo, destarte, que sejam colocados à disposição de outros órgãos.
3. Da Repercussão Geral sobre a matéria
Em relação ao tema, vejamos parecer do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco:
Decidiu o Tribunal de Contas do Estado, à unanimidade, em sessão ordinária realizada no dia 15 de fevereiro de 2006, considerando todos os termos do Relatório Técnico (Opinativo), às fls. 05 a 16 dos autos, responder ao Consulente nos seguintes termos:
• Servidor que exerce cargo comissionado não pode ser colocado à disposição de outro órgão ou entidade.
• Só é permitida a cessão de funcionário se forem atendidas as seguintes condições:
1. Estar o servidor em exercício de cargo efetivo;
2. Haver previsão legal;
3. Efetivar a celebração de convênios, quando entre poderes da mesma esfera ou entre esferas distintas de governo;
4. Editar e publicar ato (portaria) que mencione, entre outros, o motivo e o prazo da cessão e a quem cabe o ônus da remuneração do servidor.(Decisão TC n. 0154/06, Relator Conselheiro Carlos Barbosa Pimentel, sessão: 15/02/06, negrito e grifo nosso).
Nesse mesmo sentido já se posicionou o Tribunal de Contas de Minas Gerais, de forma contrária à cessão de servidor titular de cargo em comissão, através da consulta n. 443.034[1], Relator Conselheiro Simão Pedro Toledo. O TCEMG, partindo do pressuposto de que a nomeação do cargo em comissão caracteriza-se pela relação de confiança entre o servidor nomeado e a autoridade que o nomeou, entendeu que a cessão não se compatibiliza com a natureza daquele cargo, na medida em que o servidor cedido fica subordinado a outra autoridade, o que desconstitui a relação de confiança.
No mais, o Tribunal de Constas do Estado de Minas Gerais considerou que o cargo em comissão, por ser livre nomeação e exoneração, possui uma transitoriedade incompatível com o ato de cessão, o qual possui como requisito a fixação de um prazo determinado dentro do qual o servidor fica à disposição do cessionário. Vejamos:
Ementa. Cessão de servidores municipais ao Judiciário para atender necessidade do serviço eleitoral. Obrigatoriedade ante a previsão legal - Lei Federal n. 6.999 - Hipóteses em que a cessão depende de assentimento da Administração Municipal, a teor de sua autonomia - Servidor admitido para exercer cargo de confiança e posto à disposição de outro órgão. Afronta ao princípio da moralidade. Os convênios de cooperação entre Entidades Públicas, mesmo na área de pessoal, podem e devem ser celebrados, desde que se harmonizem com as disposições legais, notadamente aquelas do art. 37 da Constituição Federal. No caso em espécie, na hipótese de o servidor a ser colocado à disposição de outro Órgão tenha sido admitido pela Entidade cedente com o propósito de transferi-lo à cessionária ou beneficiária, é evidente que, quando nada, violentado está o princípio da moralidade, sem se falar na agressão ao interesse público, pois não haveria prestação de serviço ao Município, que arcaria com o ônus da remuneração, ficando a despesa sem a mínima justificativa ética ou moral.
É curial que dei apenas um exemplo, entre muitos que podem ser apresentados e que caracterizam tentativas de contornar os referidos princípios do art. 37 da Constituição Federal, dentre elas as manobras para elidir a exigência do concurso público, estas bem mais frequentes. Ainda dentro dessa linha de raciocínio, que tem o interesse público como pedra angular, não vejo conteúdo moral na admissão de servidor para ocupar cargo demissível ad nutum na estrutura organizacional de um Município, para, ou com o propósito, só e só, de colocá-lo à disposição de outro Município ou até mesmo de um dos Poderes do Estado. Se o cargo é de recrutamento amplo, portanto demissível ad nutum, é porque tem por suporte fático a estrita relação de confiança entre a autoridade que tem competência para recrutar o auxiliar e o escolhido. Ora, promover tal recrutamento e ato contínuo transferir o servidor para a supervisão de outro gestor, quando nada, é um paradoxo, pois a relação de confiança que justificou o provimento estaria desfigurada com a cessão.
Na verdade, não encontro supedâneo para tal cessão de servidor, até porque nem mesmo se poderia fixar prazo para a disposição, pois, se não há efetividade e muito menos estabilidade, a demissibilidade não poderia ficar limitada pelo prazo que todo ato de disposição deve conter." É o entendimento da Auditoria, que ora é ratificado. (grifo e negrito nosso)
Na mesma linha da deliberação supramencionada, o Tribunal de Contas de Minas Gerais, na Consulta n. 862.304[2], afirmou ser impossível a cessão de servidor titular de cargo em comissão, seja o de recrutamento amplo (pode ser ocupado por cidadão com ou sem a titularidade de cargo efetivo), seja o de recrutamento restrito (somente pode ser ocupado por cidadãos com a titularidade de cargo efetivo). Neste caso, o TCEMG esclareceu que, na hipótese de o cargo em comissão ser ocupado por servidor efetivo, a Administração Pública pode cedê-lo, desde que o exonere do cargo em comissão. Já na hipótese de o cargo em comissão ser ocupado por cidadão sem a titularidade de cargo efetivo, o TCEMG ponderou que a cessão não se mostra possível, por violar os princípios da moralidade, da razoabilidade e da finalidade. Senão vejamos:
“Reconhece o nosso ordenamento jurídico duas espécies de cargos em comissão: um, (...), de recrutamento amplo, que poderá ser provido por cidadãos não investidos em cargos efetivos, e outro, de recrutamento restrito, provido por servidores efetivos.
A cessão de pessoal ocupante de cargo em comissão, seja ele de recrutamento amplo ou de recrutamento restrito, revela-se, à luz dos princípios gerais da Administração Pública, hoje expressamente previstos no art. 37, caput, da Constituição da República, atentatória a todos aqueles princípios , porquanto é desarrazoado prover-se um cargo diretivo, de assessoramento ou de chefia, e, após, deslocar o servidor ali investido de forma distinta para o exercício de funções diferenciadas e de responsabilidade destacada, para prestar serviços a outro órgão ou entidade públicas.
(...) devo obtemperar, que no tocante a servidor ocupante de cargo em comissão de recrutamento restrito, caso a Administração precise emprestar a força de trabalho desse servidor a outro órgão ou entidade, em nome do interesse público e da cooperação, mediante cessão, poderá fazê-lo, desde que – preenchidos os requisitos lançados na parte inicial desse parecer (interesse público, norma legal) – exonere o servidor efetivo do cargo em comissão no qual estava investido, sob pena de violação aos princípios constitucionais encartados no citado art. 37.
Nesta toada, e, destacando, neste ponto, o cerne da consulta, quando à cessão de servidor ocupante de cargo de recrutamento amplo, não sendo ele oriundo de cargos efetivos, a cessão, nessas condições, constitui clara afronta aos princípios constitucionais da moralidade, razoabilidade e finalidade” (...).
EMENTA: Por sua vez, o Tribunal Mineiro não foi diferente em relação à cessão de servidor em cargo comissionado. O TJMG, na Apelação Cível n. 1.0023.09.011742-7/001[3], reconheceu a ocorrência de ato de improbidade administrativa cometido por servidores cedidos e por ordenador de despesas do órgão cessionário e determinou a restituição de valores ao erário municipal. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - RECONHECIMENTO - AÇÃO DE RESSARCIMENTO - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS DE CARGO PÚBLICO COM SUBSÍDIOS DE SECRETÁRIO MUNICIPAL - IMPOSSIBILIDADE - SERVIDOR CEDIDO COM ÔNUS PARA O ÓRGÃO DE ORIGEM - ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E EFETIVO DANO AO ERÁRIO - COMPROVAÇÃO - RESTITUIÇAO DEVIDA - APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI 8.429/92 - SENTENÇA MANTIDA.
- Legitimado está o Ministério Público à propositura da Ação Civil Pública, instrumento constitucional colocado à disposição do órgão ministerial, para a tutela jurisdicional de quaisquer direitos ou interesses difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos.
- A configuração das hipóteses de improbidade administrativa previstas nos artigos 9° e 10 da Lei 8.429/1992 demandam a prova do enriquecimento ilícito, bem como da efetiva lesão ao erário decorrente de qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa.
- Constitui ato de improbidade administrativa a cumulação de remunerações advindas de cargo efetivo e de cargo comissionado (Secretário Municipal), tendo em vista que o servidor fora cedido pelo Estado de Minas Gerais ao Município de Alvinópolis, com ônus para o órgão de origem, nos termos do convênio n. 478/07 e da publicação no órgão oficial.
- O favorecimento de servidores e a incorporação indevida de verbas públicas nos respectivos patrimônios encerram enriquecimento ilícito e efetivo dano ao erário e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa.
4. Excesso desarrazoado dos cargos comissionados e função de confiança ou gratificada na máquina pública.
A necessidade da realização de concurso público para preenchimento de vagas públicas foi instituída com a finalidade de criar um sistema meritório na Administração Pública, pelo qual fosse possível escolher, de forma isonômica e imparcial, os melhores para exercer a função. Também significa que o concurso público pode ser considerado uma melhor forma de controle prévio da atuação da Administração Pública, atendendo inclusive aos princípios constitucionais da moralidade, eficiência, dentre outros.
Ao nomear servidores nos cargos comissionados para logo em seguida cedê-los para outros órgãos/instituições/poderes, reforça o fato de que os servidores eram desnecessários, deixando visível que o que se pretendia era burlar as normas da Administração Pública, uma vez que é proibida a contratação temporária a não ser em caso de excepcional interesse público.
Os cargos exercidos nos outros órgãos/poderes/entidades, para os quais os servidores nomeados em comissão foram cedidos, encerram atividade, atribuições ou funções permanentes, burocráticas, ligadas à rotina da atividade administrativa, constituindo nítida burla à regra do provimento de cargo público por meio do concurso.
Nota-se, portanto, que administradores públicos utilizam-se de tais cargos comissionados tão somente para maquiar a real situação, posto que são exemplos de contratações temporárias ilegais, evidenciando violação ao princípio do concurso público. Neste ínterim, restou sobejamente comprovado que utilizam-se do artifício de nomear servidores para cargos comissionados ou função de confiança, já sabendo que serão utilizados em situações não previstas constitucionalmente, com o intuito de beneficiar determinadas pessoas e violar o princípio do concurso público, evidenciando uma prática que se torna corriqueira na Administração Pública: o aumento de número de cargos de provimento em comissão e sua cessão para outros órgãos/poderes/instituições.
Evidencia-se, desta forma, o desrespeito aos princípios basilares da Administração Pública, arrolados no caput do art. 37 da CF, que exige dos administradores públicos, um comportamento ético, perfilado com o interesse público e dentro dos parâmetros legais, disciplinando, expressamente, que a regra de investidura em cargos públicos ocorra através do concurso público.
Embora o artigo 37 da Magna Carta arrole explicitamente apenas cinco princípios tocantes à Administração Pública (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência), outros restam implicitamente consagrados na Carta Política, como o da Lealdade e Boa Fé.
Sobre o tema afirma CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:
“(...) uns, por constarem expressamente da Lei Maior, conquanto não mencionados no art. 37, caput; outros, por nele estarem abrangidos logicamente, isto é, como conseqüências irrefragáveis dos aludidos princípios; outros, finalmente, por serem implicações evidentes do próprio Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo”.[4]
Sem olvidar a importância de todos os princípios norteadores do agir administrativo, importa ressaltar aspectos dos Princípios da Legalidade, da Moralidade, da Lealdade e Boa-fé. Vejamos, nos ensinamentos de ilustres juristas.
No tocante à Legalidade, ensina HELY LOPES MEIRELLES:
“que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.”[5]
Em relação ao Princípio da Moralidade Administrativa, MAURICE HAURIOU foi o primeiro a tratar do assunto, traduzindo-se no conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração.[6]
A moral administrativa, que não se trata da moral comum, mas sim de uma moral jurídica[7], implica saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto(...)[8].
Nos ensinamentos de MARINO PAZZAGLINI FILHO:[9]
“o princípio da lealdade é bivalente. A atuação do agente público deve-se pautar pela lealdade com a própria Administração Pública [e com o futuro administrador, acrescentamos], objetivando sempre o melhor atendimento do interesse público e a defesa legítima do interesse público e a defesa legítima do interesse da entidade econômica, de que tenha ciência em razão de suas funções e que possa influir sobre o mercado aberto antes de sua publicação oficial. E pela lealdade com o administrador, atendendo-o e prestando-lhe serviço público com decoro e celeridade e sem embaraços.
Quanto ao princípio da Boa-fé leciona WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR[10]:
A boa-fé realça o valor ético da confiança, comportando atuações retas e honestas (normalidade de conduta, de vontade, de fim), no estabelecimento e desenvolvimento de relações jurídicas no direito administrativo, tanto da parte da Administração quanto dos administrados, sob pena de lesão aos valores éticos destacados.
Ao cabo das considerações supra, resulta evidenciado que a cessão de pessoal ocupante de cargo em comissão ou função de confiança para outros órgãos, entidades ou poderes consiste em afronta aos princípios basilares que regem a Administração Pública.
CONCLUSÃO
Após uma detida análise do sistema administrativo público conclui-se que existe uma lacuna a ser preenchida no sentido de entender melhor por que a máquina não está funcionando inteiramente em conformidade aos Princípios que regem a Administração Pública. Não resta dúvida que as formas encontradas para burlar o sistema por administradores visam, senão, satisfazer o interesse próprio em detrimento ao interesse público, acarretando consequentemente um estrago imensurável.
A forma de contratação apresentada neste artigo coloca em dúvida a real necessidade dos cargos comissionados e a função de confiança ou gratificada, bem como demonstram uma afronta aos princípios de uma boa administração pública. Isto porque os ocupantes deste cargo/ função, como anteriormente explanado, são contratados para exercer uma função de confiança do contratante, e ao serem cedidos a outro órgão perdem a essência para a qual se destinavam.
Neste artigo, buscou-se fomentar o debate acerca da contratação de cargos em comissão, objetivando esclarecer alguns equívocos propagados. Analisar o perfil dos ocupantes dos cargos em comissão no Brasil seria um grande avanço, pois como vimos o problema dos comissionados não está na quantidade, mas pode estar na qualidade, basta agora sabermos se há quem se aventure a fazer uma análise qualitativa que nos ajude avançar no entendimento sobre o tema.
O uso artificioso de nomear servidores para cargos comissionados ou função de confiança, desrespeitando as hipóteses específicas previstas constitucionalmente, somente tem o intuito de beneficiar determinadas pessoas e burlar o instituto do concurso público.
Restou nítido, desta forma, o desrespeito aos princípios básicos da Administração Pública, arrolados no caput do art. 37 da CF, que exige dos administradores públicos, um comportamento ético, perfilado com o interesse público e dentro dos parâmetros legais, disciplinando, expressamente, que a regra de investidura em cargos públicos ocorra através do concurso público.
REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual do Direito Administrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2002.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional . 12ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.
SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. Revista e atualizada. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.
STF – Supremo Tribunal Federal – disponível em. Acesso em: 11 de agosto de 2015.
STJ – Superior Tribunal de Justiça – disponível em. Acesso em:14 de julho de 2015.
TCEMG – Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – disponível em. Acesso em: 22 de julho de 2015.
TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais – disponível em. Acesso em: 07 de setembro de 2015.
[1] __________. Pleno. Consulta n. 443.034. Relator: Conselheiro Simão Pedro. Sessão de 6 de agosto. 1997. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24,n. 3, p. 101, julho/set. 1997. Obs: o voto do relator seguiu na integralidade o parecer do Conselheiro Eduardo Carone Costa, emitido na época em que era titular do cargo de auditor do Tribunal de Contas.
[2] MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Pleno. Consulta n. 862.304. Relator: Conselheiro Wanderley Ávila. Sessão de 25 de abril de 2012. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 83, n. 2, p. 128, abr/jun. 2012.
[3] TJMG. 5ª Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0023.09.011742-7/001. Relator: Desembargador Versiani Penna. Julgado em 21/03/2013. Publicação 26/03/2013.
[4] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo. P.54. 1999.
[5] Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.82.
[6] Meireles, Helly Lopes. 1999:83.
[7] Meireles, Helly Lopes. 1999:83.
[8] Pietro, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 10ª ed. São Paulo, 1999, p.69.
Oficial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Graduada em Pedagogia pela Universidade Norte do Paraná, no ano de 2007.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Maria Aparecida. Cargo comissionado e função de confiança cessão ilegal de servidores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 mar 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49778/cargo-comissionado-e-funcao-de-confianca-cessao-ilegal-de-servidores. Acesso em: 23 dez 2024.
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