RESUMO: O presente artigo trata das ações de responsabilidade civil extracontratual e sua relação com a denunciação da lide. Sob a ótica dos princípios da duração razoável do processo e da eficiência, investigar-se-á o cabimento da denunciação da lide ao agente público causador do dano ao particular. Conclui-se que se mostra viável em algumas hipóteses o Estado denunciar da lide e em outras não, sendo essencial para essa finalidade, perquirir se a demanda original está fundamentada na responsabilidade objetiva ou subjetiva.
PALAVRAS-CHAVES: Responsabilidade, Denunciação, Lide, Razoável, Duração, Processo, Eficiência.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Responsabilidade Estatal; 2.1. Considerações iniciais; 2.2. Evolução da responsabilidade estatal. 3. Enquadramento jurídico da denunciação da lide; 3.1. Direito de regresso; 3.2. Intervenção de terceiros; 3.3 Definição de denunciação da lide. 4. Princípio da duração razoável do processo; 4.1. Tempo no processo; 4.2. Da previsão da garantia em convenções internacionais até a consagração no novo Código de Processo Civil; 4.3. Significado da expressão razoável duração do processo. 5. Princípio da eficiência; 5.1. Previsão; 5.2. Classificação. 6. Análise do cabimento da denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil estatal extracontratual. 7. Conclusão – 8. Referências.
1. Introdução
Conforme é sabido, a denunciação da lide é espécie de intervenção de terceiros e como tal visa otimizar a prestação jurisdicional, amparada no direito de regresso.
Entretanto, em que pese ser pautada por uma ideia de eficiência do serviço prestado pela Justiça, em algumas situações haverá um dispêndio de tempo maior que o razoável no processo, o que tornará inviável o cabimento da denunciação em determinadas hipóteses de ação de responsabilidade extracontratual do Estado.
Nesse sentido, para verificar se é possível a denunciação da lide do agente público causador do dano, faz-se necessário investigar se a lide principal está fundada na responsabilidade objetiva ou subjetiva do Estado.
O artigo além da introdução, conclusão e referências bibliográficas, apresenta cinco itens.
No item 2 trar-se-á à baila a responsabilidade civil do Estado, onde será destacado sua conceituação, evolução e modalidades.
O item 3 analisará a denunciação da lide a partir do seu enquadramento jurídico, realçando as noções de direito de regresso e da intervenção de terceiros.
No item 4, será destacado a noção de tempo no processo e será analisada a garantia constitucional da duração razoável do processo, demonstrando sua evolução, desde o seu surgimento na Europa até a atual previsão constitucional e infraconstitucional, bem como, ao final, discorrer-se-á sobre a delimitação de seu conceito.
O item 5, por outro lado, abordará outro princípio de suma importância para o desenvolvimento do artigo, qual seja, o princípio da eficiência, no tocante à sua previsão e classificação doutrinária.
Por fim, o item 6 destacará a investigação acerca do cabimento ou não da denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil extracontratual, realçando as diferenças existentes entre os casos que têm por demanda original a responsabilidade objetiva e subjetiva, bem como a necessidade de se ponderar o princípio da duração razoável do processo e o princípio da eficiência.
2. Responsabilidade Estatal
2.1. Considerações Iniciais
Inicialmente, cumpre analisar o instituto da responsabilidade estatal sob o aspecto de sua evolução, visando trazer para o presente trabalho subsídios a partir dos traços distintivos das modalidades de responsabilidade estatal, para o correto enquadramento da conduta lesiva realizada pelo Estado.
Posto isto, inicialmente, é imperioso salientar que a ideia de responsabilidade está relacionada à ideia de resposta. Nesse sentido é que o ordenamento impõe àquele que provoca um dano a outrem, o dever de responder por esta conduta danosa perante o mesmo e a esta concepção se dá o nome de Responsabilidade Civil.
Para análise do tema da responsabilidade civil estatal é necessário distinguir suas duas modalidades, quais sejam, a da responsabilidade contratual e extracontratual.
A responsabilidade contratual está relacionada às obrigações oriundas dos contratos em que a Administração figura como parte, e a extracontratual é a decorrente das demais atividades estatais.
Para o presente trabalho, a modalidade de responsabilidade que interessa se cogitar é a responsabilidade extracontratual, a qual está bem definida por Celso Antônio Bandeira de Mello, assim:
Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. (MELLO, 2010, p. 993).
2.2. Evolução da Responsabilidade Estatal
Delimitada a modalidade de responsabilidade estatal a que se quer dar destaque, passa-se a analisar propriamente a evolução da responsabilidade estatal.
Observa-se primeiramente que alguns doutrinadores, notadamente Maria Sylvia Zanella Di Pietro, dividem a evolução mencionada em três fases marcantes: fase da teoria da irresponsabilidade, fase da teoria civilística e fase da teoria publicística. (DI PIETRO, 2010, p. 643).
Antes de começar a discorrer acerca de cada uma delas é importante trazer à baila a tese que a ideia de responsabilidade do Estado decorre do surgimento do Estado de Direito. Tal pensamento é cristalino nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, adiante transcritas:
Segundo entendemos, a idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável da noção do Estado de Direito. A trabalhar-se com categorias puramente racionais, dedutivas, a responsabilidade estatal é simples corolário da submissão do Poder Público ao Direito. Deveras, a partir do instante em que se reconheceu que todas as pessoas, sejam elas de Direito Privado, sejam de Direito Público, encontram-se, por igual, assujeitadas à ordenação jurídica, ter-se-ia que aceitar, à bem da coerência lógica, o dever de umas e outras – sem distinção – responderem pelos comportamentos violadores do direito alheio em que incorressem. (MELLO, 2010, p. 999).
Tal qual no âmbito privado, verifica-se que no âmbito da Administração Pública, a evolução da responsabilidade civil partiu da responsabilidade aquiliana ou culposa, comumente chamada de responsabilidade subjetiva, à responsabilidade objetiva, atualmente prevista no art. 37, § 6.º da CF/88, conforme se demonstrará adiante.
O Estado atualmente também pode ser responsabilizado por condutas danosas, porém nem sempre foi assim. Observando a evolução da responsabilidade estatal, verifica-se num primeiro momento a aplicação da teoria da irresponsabilidade estatal, com posterior evolução para teoria dos atos de impérios e de gestão e em seguida para a teoria da culpa civil ou responsabilidade subjetiva. Posteriormente, apresenta-se a teoria da culpa administrativa ou da culpa do serviço público e por fim, a teoria do risco administrativo e risco integral, as quais serão melhores explicitadas a seguir.
Pode-se dizer primeiramente com relação à fase da irresponsabilidade, que esta prevaleceu até a primeira metade do século XIX e tinha um cunho essencialmente absolutista. Outro ponto a se destacar é o fato que a irresponsabilidade do Estado era considerada corolário de soberania e do absolutismo dos monarcas que concentravam todos os poderes. Tal fase decorria do contexto político que se vivenciava na época, conforme salienta com propriedade José dos Santos Carvalho Filho:
Na metade do século XIX, a idéia que prevaleceu no mundo ocidental era a de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes. A solução era muito rigorosa para com os particulares em geral, mas obedecia às reais condições políticas da época. O denominado Estado Liberal tinha limitada atuação, raramente intervindo nas relações entre particulares, de modo que a doutrina de sua irresponsabilidade constituía mero corolário da figuração política de afastamento e da equivocada isenção que o Poder Público assumia àquela época. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 522).
A doutrina de Danielle Annoni é precisa a respeito desta fase, quando diz que:
(...) a teoria da irresponsabilidade absoluta do Estado pautava-se, fundamentalmente, em dois postulados: 1) a soberania do Estado, que proibia a relação de igualdade entre o soberano e o súdito, seu representado; 2) a representação do Direito como ordenamento posto pelo próprio Estado, o que inviabilizava que o soberano violasse o Direito que ele mesmo instituiu. Como corolário desses postulados, os atos contrários à lei praticados por funcionários do Estado não poderiam ser atribuídos a este, já que não poderia o Estado agir contra o Direito. A responsabilidade deveria ser atribuída pessoalmente àqueles. (ANNONI, 2009, p. 60-61).
Conforme se depreende da lição acima exposta, dentro da concepção política do Estado absoluto torna-se inviável a reparação dos danos causados pelo poder público, bem como não se admitia a constituição de direitos contra o Estado soberano, o que implica dizer que o mesmo possuía imunidade total em face de seus súditos.
Mais uma vez, faz-se oportuno trazer à baila a lição de Danielle Annoni sobre esta fase da irresponsabilidade estatal:
Resguardava-se o Estado regalista, protegido pelo princípio da não contradição: o Estado, órgão gerador do Direito, a quem cabe a tutela jurídica, não poderia, ao exercê-lo, atentar contra a própria ordem que instituiu, haja vista que, “sendo ele próprio o Direito, jamais praticaria injustiças”. (ANNONI, 2009, p. 61).
Esta concepção de Estado infalível é bem lembrada, outrossim, por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que dispõe que:
(...) o Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar (the king cannot do wrong; le roi ne peut mal faire) e de “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei (quod principi placuit habet legis vigorem). (DI PIETRO, 2010, p. 644).
Essa teoria, porém, não resistiu ao Estado Democrático de Direito, conforme dito acima nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello. Isto porque, a teoria da irresponsabilidade era deveras injusta, uma vez que a irresponsabilidade do Estado era a negação dos princípios da justiça e da igualdade, os quais são postulados basilares da Revolução Francesa.
Inaugura-se então a fase das teorias civilistas, na qual, pode-se afirmar que a responsabilidade do Estado seguia a principiologia do Direito Civil, embasada na ideia de culpa.
Neste sentido, num primeiro momento passou-se a admitir alguns casos de responsabilidade, porém, em outros não se admitia. Com efeito, distinguiam-se, nesta fase, para fins de responsabilidade, os atos do Estado praticados no exercício do poder de império (ius imperii) e os atos do poder de gestão (ius gestionis).
Nos primeiros, atos de império, o Estado estaria agindo no exercício de sua soberania, com todas as prerrogativas, impostos ao particular coercitivamente, sem haver necessidade, portanto, da autorização judicial para prática dos mesmos. Esta característica destes atos faz com que mesmo quando danosos aos particulares, estes não gerem direito à reparação.
Já nos atos de gestão, a Administração pratica-os em situação de igualdade com o particular, equiparando-se a este. Em decorrência destas posições em mesmo plano da Administração (ou soberano) e do administrado (ou súdito), poderia haver responsabilização.
Discorrendo sobre a referida distinção traz-se à baila o magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Essa distinção foi idealizada como meio de abrandar a teoria da irresponsabilidade do monarca por prejuízos causados a terceiros. Passou-se a admitir a responsabilidade civil quando decorrente de atos de gestão e a afastá-la nos prejuízos resultantes de atos de império. Distinguia-se a pessoa do Rei (insuscetível de errar – the king can do no wrong), que praticaria os atos de império, da pessoa do Estado, que praticaria atos de gestão, através de seus prepostos. (DI PIETRO, 2010, p. 645).
Esta divisão em atos de império e atos de gestão, apesar do inegável avanço que representou em comparação com a antiga teoria da irresponsabilidade, recebeu muitas críticas, pois não era suficiente para resolver todos os problemas que surgiam nas relações com a Administração.
Na verdade, não se fazia muito simples a distinção entre um e outro ato, o que acabou por deslocar a responsabilidade para ideia de culpa. Esta teoria responsabilizava o Estado, quando por ato ilícito praticado por seus agentes, viesse a cometer alguma lesão contra um particular.
É importante, assim, destacar que o abandono da tese que separava os atos de Estado em atos de império e de gestão, para efeito de responsabilização, não significou a superação da fase das teorias civilísticas, uma vez que se continuava a se utilizar da doutrina do Direito Civil para explicar a responsabilidade, havendo algum dano.
Surgiu, pois, a teoria da culpa civil, onde se buscava individualizar a culpa pela conduta através dos agentes estatais. Conforme destaca Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 645): “Procurava-se equiparar a responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou prepostos.”
Para Danielle Annoni, a teoria da culpa civil impunha a responsabilização estatal quando se demonstrasse culpa in eligendo ou culpa in vigilando, colhendo-se por oportuno sua lição acerca dessas modalidades:
A culpa in eligendo era atribuída ao Estado quando da escolha de seus funcionários. O dano causado por um ato ilícito conferia ao Estado o dever de indenizar o prejudicado, haja vista que era responsável pela escolha de seus funcionários. A culpa in vigilando, por sua vez, resultava da conduta negligente ou imprudente dos agentes públicos, quando no exercício de suas atribuições, que fazia o Estado responder também pelos danos causados. (ANNONI, 2009, p. 63).
Com o passar dos anos, verificou-se igualmente a insuficiência desta teoria da culpa civil. Isto porque cabia ao lesado arcar com o ônus da prova não só do dano, mas também da atuação culposa do agente público. Eis o problema, dado que nem sempre se conseguia identificar o causador do dano ou ainda acontecer do dano ser provocado por conduta desidiosa do funcionário, impossibilitando, assim, a responsabilização do Estado.
Fazia-se necessário transpor essa necessidade de configuração de culpa do agente para possibilitar a responsabilidade do Estado. E dentro do processo evolutivo, em 1873, em Bourdeaux, cidade francesa, houve um caso do atropelamento de uma menina por um vagão da Companhia Nacional da Manufatura do fumo, ocasião em que seu pai acionou o Estado francês pleiteando uma indenização por tal fato e pela primeira vez, a jurisprudência francesa entendeu cabível o pedido, pois haveria no caso a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público.
Pela importância do fato que marca o início da fase das teorias publicísticas, traz-se à baila os comentários de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
O primeiro passo no sentido da elaboração de teorias de responsabilidade do Estado segundo princípios do direito público foi dado pela jurisprudência francesa, com o famoso caso Blanco, ocorrido em 1873: a menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados. (DI PIETRO, 2010, p. 645).
Tem-se, portanto, o início da fase das teorias publicísticas, com o advento de três novas teorias: a teoria da culpa do serviço (também chamada de “culpa administrativa”, “acidente administrativo” “ou falta do serviço – doutrina da faute du service”); a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral.
A primeira teoria da fase publicística, como visto, é a teoria da culpa do serviço, na qual se leva em consideração a irregularidade no funcionamento do serviço, para dele inferir a responsabilidade estatal. O fato gerador é justamente o funcionamento defeituoso do serviço, que independe de culpa do agente público.
Deve-se ressaltar que a culpa do serviço mencionada, ocorre em três hipóteses, segundo Paul Duez (1927), sistematizador desta teoria da faute du service, apud Mello (2010, p. 1005): “1) le service a mal fonctionné (culpa in committendo); 2) le service n’a pás fonctionné (culpa in ommittendo); 3) le service a fonctionné tardivemente”, ou seja, 1.ª) o mau funcionamento do serviço (culpa in comittendo); 2.ª) o não funcionamento do serviço (culpa in omittendo); 3.ª) o atrasado ou demorado funcionamento do serviço.
Em tal modalidade de responsabilidade pela culpa do serviço, embora se possa enxergar na mesma os germes da teoria objetiva, não chega a ser uma responsabilidade objetiva. Isto porque se faz presente o elemento culpa.
Entretanto, conforme será melhor explicitado adiante, tal culpa estatal é presumida, havendo, assim, a inversão do ônus da prova, cabendo ao Estado a possibilidade de comprovação de que o serviço funcionou normalmente.
A teoria da faute du service ou culpa do serviço evoluiu para a teoria do risco administrativo, esta sim, tipicamente responsabilidade objetiva, estando atualmente consagrada pelo art. 37, § 6.º, da Constituição Federal de 1988.
Oportuno trazer-se à baila a definição de responsabilidade objetiva erigida por Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 1005-1006): “Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem.”
A Teoria do Risco Administrativo é, sem dúvida, mais benéfica para o administrado, visto que o mesmo não necessita identificar o agente causador do dano, bem como a culpa do mesmo na conduta estatal, ou ainda, a culpa do serviço, para ensejar a responsabilização do Estado pelos seus prejuízos, cabendo, portanto, em atos lícitos e ilícitos, necessitando apenas a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre a conduta estatal e o mesmo dano.
Frise-se, portanto, que mesmo no exercício das atividades regulares da Administração, o Estado pode vir a ser responsabilizado, com base na teoria do risco.
Necessário se faz, portanto, adentrar nos fundamentos que justificam a responsabilização do Estado sem a necessidade da comprovação de sua culpa.
Na verdade, a ideia é que o Estado por ser a parte mais forte da relação entre Administração e administrado, deveria arcar com o risco das atividades administrativas. Tal fundamentação está bem explanada na lição de José dos Santos Carvalho Filho que ora se expõe:
Foi com lastro em fundamentos de ordem política e jurídica que os Estados modernos passaram a adotar a teoria da responsabilidade objetiva no direito público. Esses fundamentos vieram à tona na medida em que se tornou plenamente perceptível que o Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos. Diante disso, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 524).
O risco administrativo, embora esteja lastreado na responsabilidade objetiva, não impõe ao Estado responsabilização absoluta, havendo, assim hipóteses que excepcionam a regra prevista no art. 37, § 6.º da CF/88 e ilidem a responsabilidade do Estado.
É neste contexto que Hely Lopes Meirelles (2004, p. 626-627) divide em duas modalidades a teoria do risco: o risco administrativo, propriamente dito, e o risco integral.
Segundo o autor, pela teoria do risco integral, obrigar-se-ia o Estado a indenizar todo e qualquer dano, ainda que decorrente de dolo ou culpa da vítima, caso fortuito, força maior, ou ato-fato de terceiro. Ou seja, é teoria extremada, dado que inadmite quaisquer excludentes à responsabilização estatal.
Na verdade, o que se pode concluir, com amparo nas ideias do renomado autor, é que a teoria do risco integral, se fosse na prática adotada como regra levaria ao abuso social.
Como conclusão às ideias trazidas com a explanação das fases evolutivas da responsabilidade civil estatal bem se encaixa a doutrina de Danielle Annoni, a qual explica que não se excluem atualmente a responsabilidade subjetiva e objetiva, conforme se vê abaixo:
No entanto, há que se ter claro que o processo evolutivo, tanto no âmbito do direito privado quanto no de direito público, não se fez de forma linear, muito menos excludente. Isto significa dizer que atualmente convivem e regem a vida dos cidadãos tanto a responsabilidade civil subjetiva como a objetiva, além de suas nuances. (ANNONI, 2009, p. 59).
3. Enquadramento Jurídico da Denunciação da Lide
3.1. Direito de Regresso
Observando os termos do art. 37, § 6.º, parte final, da CF/88, verifica-se que o direito de regresso foi constitucionalmente disciplinado na própria norma que consagra a responsabilidade civil extracontratual do Estado, exsurgindo, quando há condenação.
Nesse sentido, pode-se dizer que o direito de regresso é o direito da Fazenda Pública de reaver a quantia despendida, em reparação civil oriunda de responsabilidade civil extracontratual, de agentes públicos causadores de dano.
Dito de outra forma, conforme se depreende da lição do doutrinador José Roberto Pimenta Oliveira, in verbis:
O direito de regresso é a competência de perseguir o responsável pelos prejuízos suportados pelo Poder Público, após ter sido reconhecido pelo Estado-Juiz o dever de indenizar danos materiais ou morais advindo da atuação funcional ilícita de agentes públicos. (OLIVEIRA, 2010, p. 1127)
Arremata o mesmo autor que: “O direito de regresso é corolário dos princípios da República, da soberania popular, da indisponibilidade dos interesses públicos, da legalidade, da moralidade administrativa e da impessoalidade. (OLIVEIRA, 2010, p. 1152)
3.2. Intervenção de Terceiros: conceito
Antes de adentrar propriamente no tema da denunciação da lide em razão da mesma ser espécie de intervenção de terceiros, cumpre inicialmente falar sobre a intervenção de terceiros em si.
Na esteira do que aduz Fredie Didier Jr.: “Terceiro é conceito que se determina por exclusão ao conceito de parte”. (2016, p. 484)
Ocorre que, ao longo do processo, determinadas decisões podem ser tomadas e virem a prejudicar terceiros, pessoas estranhas ao processo, por isso fez-se necessário que o legislador viabilizasse meios processuais para a participação/ingresso deles no processo.
Nesse sentido, e com fulcro na lição da melhor doutrina, o Novo Código de Processo Civil prevê como espécies de intervenção de terceiros as seguintes figuras processuais: a) assistência simples (art. 121) ou litisconsorcial (art. 124); b) amicus curiae (art. 138); c) denunciação da lide (art. 125) e d) chamamento ao processo. (MARINONI; ARENHARDT; MITIDIEIRO, 2015, p. 92)
Em virtude de sua precisão, faz-se oportuno trazer à baila a definição de Daniel Amorim Assumpção Neves para o instituto jurídico da intervenção de terceiro (NEVES, 2016, p. 267): “Por intervenção de terceiros entende-se a permissão legal para que um sujeito alheio à relação jurídica processual originária ingresse em processo já em andamento”.
Forçoso, outrossim, apontar a lição de Fredie Didier Jr. (2016, p. 484) para quem: “A intervenção de terceiro é fato jurídico processual que implica modificação de processo já existente. Trata-se de ato jurídico processual pelo qual um terceiro, autorizado por lei, ingressa em processo pendente, transformando-se em parte.”
Conforme pode se depreender do que foi dito até então, a intervenção de terceiros deve ser justificada porque existe um interesse deste terceiro no resultado da demanda principal, já que podem ser gerados efeitos na sua esfera jurídica.
Há, portanto, um interesse jurídico no litígio, e não meramente econômico ou de outra natureza.
3.3. Definição de Denunciação da Lide
Primeiramente, deve-se pontuar acerca da denunciação da lide que a mesma é espécie de intervenção de terceiros, conforme anteriormente aduzido.
Ademais, observa-se que a denunciação da lide se enquadra dentre as intervenções provocadas, uma vez que o terceiro ingressará na lide não de forma espontânea, e sim a partir de um requerimento do autor ou do réu.
Na verdade, a denunciação da lide será útil à medida que se permitirá trazer ao processo o terceiro que na ótica do demandante tem responsabilidade de ressarci-lo por danos eventuais em virtude do resultado do processo principal.
Assim sendo, pode-se dizer que é o direito de regresso que ampara a denunciação da lide.
Outro ponto que deve ser destacado quanto à denunciação da lide é que a mesma visa otimizar a prestação jurisdicional, vez que duas lides serão decididas de forma conjunta através do proferimento de uma única sentença.
É mister ressaltar ainda a relação de prejudicialidade existente entre a ação principal e a denunciação da lide, uma vez que apenas será apreciada a denunciação da lide se o denunciante for vencido. Sendo ele vencedor, a denunciação (ação regressiva) restará prejudicada.
Resta evidenciado assim, que se trata de demanda antecipada, já que antes mesmo de saber se terá de fato o prejuízo que imagina, o denunciante propõe contra terceiro a referida demanda, a qual será permitida visando uma economia processual.
Nesse sentido nos ensina Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 286):
Segundo autorizada doutrina, a denunciação da lide é uma demanda incidente, regressiva, eventual e antecipada: (…) d) antecipada porque no confronto entre o interesse de agir e a economia processual o legislador prestigiou a segunda; afinal, não havendo ainda nenhum dano a ser ressarcido no momento em que a denunciação da lide ocorre, em tese não há interesse de agir do denunciado em pedir o ressarcimento. Razões de economia processual, entretanto, permitem excepcionalmente uma demanda sem interesse de agir (NEVES, 2016, p. 286)
O art. 125 do NCPC traz as duas hipóteses de cabimento da denunciação da lide:
Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:
I – ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;
II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.
§1.º. O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.
A melhor doutrina entende que o art. 125, II do NCPC permite a denunciação da lide em qualquer hipótese de direito regressivo previsto em lei ou contrato.
Esse é o inciso que se enquadra a denunciação da lide nos casos de ações fundadas em responsabilidade civil extracontratual, nas quais o Estado figura como réu e que interessa para o estudo aqui desenvolvido.
4. Princípio da Duração Razoável do Processo
4.1. Tempo no Processo
Verifica-se nos dias atuais, na sociedade contemporânea, que o tempo possui para o homem um valor muito significativo, dentre outros motivos, pela própria finitude de sua vida e, ainda, em razão da concepção muito difundida de que tempo pode representar dinheiro.
Por outro lado, é sabido por todos, que o Judiciário brasileiro vivencia ainda uma crise, em virtude de não conseguir oferecer aos jurisdicionados um processo em que seus conflitos sejam resolvidos em um tempo plausível.
Destacando as medidas que têm sido tomadas pelos representantes dos Poderes para enfrentar a mencionada crise, Ricardo Quass Duarte destacou que:
Em 15 de dezembro de 2004, representantes dos três Poderes da República reuniram-se em sessão solene, para firmar um “Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano”. Nesse Pacto, ressaltou-se que “a morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático. (DUARTE, 2009, p. 16).
Ainda neste contexto, observa-se com preocupação a problemática da morosidade da prestação jurisdicional, já que um processo que se desenvolve com demora excessiva gera dano às partes, trazendo a insatisfação dos cidadãos e dos próprios operadores do direito, que se sentem impotentes para resolver problema de tamanha complexidade, que muitas vezes desencadeia inclusive, greve de servidores no âmbito da Justiça. Nesse sentido, pondera a renomada jurista Ada Pellegrini Grinover (1996) apud Duarte (2009, p. 42): “A justiça é inacessível, cara, complicada, lenta, inadequada. A justiça é denegação de justiça. A justiça é injusta. Não existe justiça”.
Um processo que se estende por um lapso de tempo além do normal, do razoável provoca efeitos nefastos para pelo menos uma das partes. Nesse sentido, alerta Duarte (2009, p. 41) que o processo “deve conter meios para neutralizar os efeitos do tempo inimigo.”
Discorrendo sobre a problemática do tempo no processo, o mesmo jurista leciona que:
O tempo realmente figura como um dos poderosos inimigos no processo civil, na medida em que, quando a demanda leva muito tempo para terminar, direitos são perecidos, acordos desfavoráveis são realizados, transações comerciais deixam de ser concretizadas, as angústias e frustrações das partes aumentam, assim como aumenta o descrédito da população na Justiça. (DUARTE, 2009, p.15).
Nada obstante as ideias desenvolvidas até então, não se pode fugir do fato que o processo, sendo um complexo encadeamento de atos em busca da solução do litígio, o mesmo requer tempo para se desenvolver. Isto porque, necessário se faz que o processo se desenrole observando as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, que integram o devido processo legal.
Nesse sentido, às partes deve ser conferida ampla oportunidade de participação e de produção das provas necessárias à demonstração dos fatos por elas alegados.
Assim, imaginando-se um processo que tramite sob o rito comum, observa-se a necessidade de tempo para a defesa do réu; para o autor manifestar-se sobre os fatos alegados pelo réu, para ocorrência da audiência preliminar e de instrução e julgamento; para o juiz poder sanear o processo; para a produção das provas requeridas, tal qual uma prova pericial; para apresentação de alegações finais e para a prolação da sentença, da qual ficará ainda sujeita a recursos antes do seu trânsito em julgado. Todos esses tempos, somados são necessários ao processo e varia em função de inúmeros fatores.
Com efeito, uma demanda que discuta matéria unicamente de direito, não necessita de um tempo muito extenso. Entretanto, uma demanda que objetive uma reparação por danos ambientais exige um tempo de amadurecimento processual bem maior, pois haverá necessidade de produção de prova pericial multidisciplinar, a fim de revelar as causas dos danos, as espécies de vegetação afetadas, a quantificação do prejuízo e as medidas reparadoras que poderão ser adotadas.
Ademais, resta evidente que demandas individuais, com apenas um réu durará menos tempo em comparação com uma demanda que conte com dezenas de pessoas em ambos os polos. (DUARTE, 2009, p. 38).
O transcurso do tempo também pode ser benéfico para justiça. Tal concepção é bem destacada, novamente, por Ricardo Quass Duarte:
O tempo também atua como amigo, na exata medida em que contribui para formar o convencimento do órgão judicial acerca da decisão mais acertada para a lide, assim como quando acalma o ânimo das partes, favorecendo que alcancem uma composição que lhes seja mais favorável. (DUARTE, 2009, p. 46).
Esse problema do tempo gasto com a marcha processual, bem como a necessidade de se ter um processo célere foi bem pontuado pelo jurista Carlos Henrique Ramos a seguir:
É preciso ressaltar que, se, de um lado, a demora dos feitos a algo a ser combatido, por outro, representa uma conseqüência advinda de um regime processual que busca assegurar um patamar mínimo de inviolabilidade às garantias processuais. Há que se distinguir a demora natural, fisiológica, advinda do tempo normal para prática dos atos processuais (dilação razoável), daquela injustificada, patológica, seja por falhas na organização judiciária, seja por comportamentos abusivos e indesejados das partes, dos advogados ou dos agentes judiciários. (RAMOS, 2008, p. 52).
Arrematando tal questão, pontua Ricardo Quass Duarte que:
O fato de uma demanda demasiadamente lenta ser extremamente indesejável ao sistema não significa que uma demanda que termine rapidamente represente um ideal a ser alcançado. Já se afirmou com propriedade que “celeridade não pode se confundida com precipitação. Segurança não pode ser confundida com eternização”. Daí a necessidade de ser encontrado um equilíbrio entre os valores celeridade e segurança. O ideal é que o processo tenha duração razoável, tramitando por um tempo justo, o que é bem diferente de preconizar que ele tramite celeremente. (DUARTE, 2009, p. 20).
4.2. Da Previsão da Garantia em Convenções Internacionais até a Consagração no Novo Código de Processo Civil.
Pode-se dizer que o surgimento do direito à tutela jurisdicional em tempo razoável ocorreu com a Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a qual fora firmada em Roma, no ano de 1950. No bojo deste diploma, consta o art. 6.º, § 1.º, que dispõe que:
Qualquer pessoa tem direito a que sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
Posteriormente, a defesa dos direitos humanos foi se difundindo com mais vigor por todo o mundo, havendo a criação de sistemas regionais de proteção internacional dos direitos humanos reunindo Estados soberanos.
Neste contexto foi criado o Sistema Interamericano de Direitos Humanos que abarca os Estados da América, incluindo, assim, o Brasil. Tal sistema é composto por tratados que visam à promoção da dignidade da pessoa humana, e ainda pela presença de uma Corte, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em San José, capital da Costa Rica, havendo na mesma, periodicamente, a cada ano, reuniões para analisar as denúncias de violações dos direitos humanos. (PORTELA, 2010, p. 693-694).
O principal tratado do Sistema Interamericano de Direitos Humanos é a Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica, por ter sido celebrado em San José, capital da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. Este documento legal preceitua expressamente em seu art. 8.º, “a” que:
Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, instituído por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ele formulada, ou para determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Oportuno fixar que a mencionada convenção foi ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, ingressando no ordenamento brasileiro após a promulgação do Decreto n.º 678 em 06 de novembro de 1992 e posterior publicação em 09 de novembro do mesmo ano.
Isto posto, em face do que preceitua a CF/88 em seu art. 5.º, § 2.º, in verbis: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, é imperioso afirmar que a partir do Decreto 678/92, o direito fundamental da razoável duração do processo já estaria incorporado ao ordenamento pátrio.
Partindo desta premissa, outra conclusão que se chega é que a legislação brasileira, por meio do art. 5.º, LXXVIII da CF/88, inserido pela EC 45/04, apenas expressamente veio a declarar o direito à prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável.
Discorrendo com propriedade acerca da ideia acima desenvolvida, ensina Araken de Assis:
Não se pode emprestar à explicitação do princípio da duração razoável do processo o caráter de novidade surpreendente e, muito menos, de mudança radical nos propósitos da tutela jurídica prestada pelo Estado brasileiro. Estudo do mais alto merecimento já defendera, baseado em argumentos persuasivos, a integração ao ordenamento brasileiro do direito à prestação jurisdicional tempestiva, através da incorporação do Pacto de São José da Costa Rica ou Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Em síntese, o art. 8.º, 1, do Pacto, prevendo tal direito, agregou-se ao rol dos direitos fundamentais, a teor do art. 5.º, § 2.º, da CF/88. De acordo com tal regra, o catálogo formal não excluiria outros direitos fundamentais decorrentes de tratados internacionais. À luz desse raciocínio, a EC 45/04 limitou-se a declarar um princípio implícito na Constituição. Ainda mais convincente se revelava a firme tendência de localizar na cláusula do devido processo (art. 5.º, da CF/88) a garantia de um processo justo, inseparável da prestação da tutela jurisdicional no menor prazo possível nas circunstâncias (ASSIS, 2007, p. 41-42).
Seguindo a tendência internacional e constitucional da tutela jurisdicional em tempo razoável, o Novo Código de Processo Civil de 2015 também prevê expressamente o princípio da duração razoável do processo.
Nesse sentido, observa-se que em duas oportunidades o novo diploma processual menciona a ideia de que o processo tem que se encerrar em prazo razoável. Primeiramente, dentre as normas fundamentais (art. 4.º) e, em seguida, no art. 139, II, quando aborda os deveres do juiz.
4.3. Significado da Expressão Razoável Duração do Processo
Conforme demonstrado, a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, a CF/88 passou a incluir no rol de direitos e garantias fundamentais a previsão de que a todos “são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5.º, LXXVIII).
A partir da leitura desse dispositivo pode-se afastar uma primeira eventual interpretação equivocada, a de que esse dispositivo impõe que para o processo ter uma duração razoável, ele tem que ser célere.
Na verdade, a interpretação mais correta é aquela que impõe a celeridade apenas para atingir a duração razoável do processo. Tal linha de pensamento é bem exposta por Ricardo Quass Duarte:
Nesse diapasão, não se pode confundir celeridade com razoabilidade do tempo de tramitação do processo. Célere é sinônimo de ligeiro, veloz, acelerado; razoável significa não excessivo, moderado, suficiente. É evidente que esses adjetivos não se equivalem. Em verdade, é possível até notar certa contradição entre eles, pois dizer que o processo tramitou celeremente significa que percorreu os caminhos necessários de forma extremamente rápida, ao passo que afirmar que o processo foi concluído em prazo razoável traz a idéia de moderação e adequação do intervalo de tempo utilizado. (DUARTE, 2009, p. 56).
Voltando-se à perquirição do significado da expressão razoável duração do processo é que se percebe na doutrina, propostas de fixação de prazos determinados para que os processos sejam concluídos.
Entretanto, tais propostas merecem críticas, em face da imprevisível gama de situações que podem ser diferentes entre os processos, ainda que estes possuam pedidos idênticos e sejam regidos pelo mesmo procedimento.
Nesse sentido, oportuno se trazer à baila a crítica acertada trazida por Ricardo Quass Duarte:
Ademais, ainda que possuam objetos idênticos e sigam o mesmo procedimento, dois processos não tramitam de forma homogênea, podendo tomar rumos bastante diferentes e, consequentemente, ser decididos em tempos distintos, sem que isso represente afronta à garantia de tempestividade da tutela jurisdicional. Há uma imensa gama de situações processuais legítimas que podem afetar profundamente o trâmite de um processo e, consequentemente, o seu tempo de duração, como um pedido de tutela antecipada, a intervenção de um terceiro, o ajuizamento de uma ação declaratória incidental, a realização de inspeção judicial, a expedição de uma carta rogatória, etc. (DUARTE, 2009, p. 53-54).
Sendo assim, refuta-se a ideia de que a duração razoável do processo seja medida através do somatório de prazos fixados na legislação para produção de atos processuais. Tal tese não se sustenta por serem inúmeros e complexos os fatores que envolvem os processos e não apenas os prazos.
Portanto, a conclusão que se chega é que não há como se fixar, a priori, lapsos temporais para encerramento dos feitos para caracterizar, com o seu descumprimento, violação à garantia da razoável duração do processo.
Com efeito, o que se afigura mais plausível é que a verificação se o processo tramitou em prazo razoável se dê em cada caso concreto.
Este pensamento se coaduna com a doutrina de Carlos Henrique Ramos que assim dispõe:
(...) muitas são as críticas à doutrina do não-prazo. Mas o fato é que não deve ser fixado, em abstrato, um prazo máximo a ser obedecido em todos os processos. A multiplicidade de procedimentos e a diversidade de pretensões inviabilizariam qualquer tentativa nesse sentido. Assim como no direito moderno muito se pugna pela criação de procedimentos flexíveis e adaptáveis às necessidades do direito material, a garantia da duração razoável impõe que sua análise seja balizada nas peculiaridades do caso concreto. (RAMOS, 2008, p. 90).
É forçoso lembrar que esta tese é corroborada pelas manifestações do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, conforme destaca Ricardo Quass Duarte:
Como já salientado, a aferição sobre a ocorrência ou não de violação à garantia de temporalidade razoável do processo deve ser feita concretamente, à luz das especificidades de cada caso. Nesse sentido manifesta-se reiteradamente a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (...) (DUARTE, 2009, p. 52).
Lastreado, portanto, nas premissas fixadas até então no presente artigo, pode-se dizer que a razoável duração do processo é variável, porém, é possível observar-se de plano que dentro deste conceito se inclui a ideia de um tempo adequado para a discussão do direito das partes, observado o devido processo legal.
Ocorre que, fica claro que falar apenas em tempo adequado, ainda que se leve em conta as considerações feitas, não resolve o problema da subjetividade que acompanha a expressão razoável duração do processo.
Carece, portanto, os operadores do direito de uma maior concretude para a expressão, de modo que se possa avaliar com mais facilidade se houve ou não, em determinado processo, violação à garantia da duração razoável do processo.
Visando solucionar tal problema, é de grande importância salientar que a Corte Europeia dos Direitos do Homem, num esforço pedagógico de estabelecer balizas para fixar o prazo razoável de tramitação de cada processo, ensina que tal razoabilidade deve ser aferida através de três critérios objetivos, quais sejam: a complexidade da causa, o comportamento das partes e o modo como as autoridades dirigiram o processo. Esta afirmação pode ser confirmada através da doutrina de Danielle Annoni:
Assim, dada a complexidade em se fixar uma regra específica, determinante das violações ao direito à tutela jurisdicional dentro de prazo razoável, a Corte Européia dos Direitos do Homem firmou entendimento de que, respeitadas as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo, quais sejam: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa do processo; c) a atuação do órgão jurisdicional. (ANNONI, 2009, p. 125).
Avaliando a referida proposta da Corte Europeia, entende-se ser medida salutar a fixação desses critérios balizadores. A uma, porque diminui a possibilidade de decisões judiciais arbitrárias e casuísticas. E a duas, porque não foge à realidade complexa imposta pela variedade de situações e procedimentos existentes.
Por outro lado, observa-se que pelo fato da referida garantia da duração razoável do processo ter sido positivada pela primeira vez na Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, deve-se tomar a experiência das decisões da Corte Europeia como a fonte mais rica sobre o tema, devendo a mesma servir como parâmetro para o Brasil.
Pela riqueza que envolve o tema, necessário se faz a avaliação de cada critério acima citado de per si.
O primeiro critério a ser discutido é o da complexidade da causa. A análise da complexidade da causa envolve variados fatores que se pode apontar, tais quais o número de pessoas envolvidas no litígio; tipo de processo; quantidade de pedidos; especialidade ou não dos procedimentos, bem como a natureza do direito envolvido.
Quanto ao número de pessoas envolvidas, não é difícil perceber que processos em que haja um maior número de litigantes haverá maior complexidade, pois a todos eles serão conferidos o direito à ampla defesa, que resultará na necessidade de lapso temporal mais dilatado para que todos possam produzir suas eventuais provas.
Por outro lado, há uma necessidade de tempo maior para o juiz julgar a lide, em virtude do número maior de questões de direito envolvidas no litígio.
No tocante aos tipos de processos, uma primeira conclusão que se pode chegar é que, em regra, um processo de conhecimento terá maior complexidade do que o cumprimento de sentença e o processo cautelar.
Isto decorrerá da sua própria natureza, vez que seu escopo é de formação do convencimento do magistrado acerca do direito das partes, enquanto que o processo cautelar visa apenas assegurar a efetivação do direito e o cumprimento de sentença, a própria efetivação.
Da mesma forma, pode-se dizer que é simples concluir que processos com maior número de pedidos e de questões prejudiciais para serem analisados são mais complexos.
De outra banda, verifica-se, outrossim, de plano, que determinados procedimentos especiais são mais céleres que o procedimento comum, sendo, portanto, mais curtos e considerados menos complexos em virtude da redução do número de atos a serem produzidos pelas partes até a prolação da sentença.
Não se pode esquecer que a complexidade da causa pode ser relacionada à importância que alguns direitos possuem no nosso ordenamento, tais quais processos que tratem do direito à saúde, à liberdade, ou relacionados aos idosos.
Nesse sentido, é que quando há um pedido de medicamento, habeas corpus, ou algum processo que envolve idoso, pelo seu tempo reduzido de vida que lhe resta, o ordenamento pátrio prioriza tais ritos abreviando o tempo normal do processo.
Partindo agora para análise do segundo critério, aquele referente ao comportamento das partes, é importante fixar que a questão principal a ser perseguida é investigar se alguma das partes e procuradores envolvidos no processo contribuíram para uma dilatação desnecessária do processo.
Será verificado se algum dos litigantes agiu de má-fé, faltou com seus deveres processuais, tal qual o da lealdade processual; se houve alguma atuação procrastinatória, destituída de fundamento; se criou embaraços ao cumprimento de provimentos judiciais. Em suma, pode-se dizer que um bom guia para analisar o comportamento das partes é observar o cumprimento dos deveres processuais dos envolvidos no processo, previsto no art. 77 do NCPC.
Por fim, resta a análise do terceiro critério, referente à atuação do órgão jurisdicional. Aqui se destaca a atuação do juiz no tocante à correta condução do processo. É necessário que se verifique se houve alguma intenção do magistrado em retardar o processo, movido por algum interesse particular injustificável.
Importante destacar, por oportuno, acerca dos critérios balizadores do direito à razoável duração do processo, a lição de Carlos Henrique Ramos, a seguir:
A partir de um esforço compilativo, os critérios desenvolvidos pela Corte Européia de Direitos Humanos podem ser sintetizados a partir de algumas assertivas fundamentais. Nesse sentido, a garantia do prazo razoável restará violada caso: a) em uma causa considerada não-complexa, a controvérsia não seja solucionada tempestivamente ou, em se tratando de um feito que verse sobre questões complexas, os juízes não empreendam esforços para o seu adequado enfrentamento; b) os postulados éticos de demandar e ser demandado, além dos deveres típicos de colaboração, não sejam obedecidos; c) os deveres dos juízes e dos auxiliares da justiça, mais precisamente aqueles relacionados com a correta condução do processo e com o cumprimento dos prazos, não sejam corretamente obedecidos; d) o Estado, como um todo, não adote providências estruturais para melhor aparelhar o sistema judiciário. (RAMOS, 2008, p. 100-101).
Como consequência da violação da garantia da duração razoável do processo, os sistemas de proteção dos direitos humanos, através de suas Cortes, sancionam os Estados a indenizarem os prejudicados com a demora excessiva. Tal realidade é confirmada por Danielle Annoni, conforme se observa nas linhas abaixo:
No caso da Corte Européia dos Direitos do Homem, a sanção pela violação do dispositivo que garante o direito à prestação jurisdicional num prazo razoável, foi a condenação dos Estados lesantes a indenizarem os prejudicados pela demora excessiva no julgamento de suas demandas. (ANNONI, 2009, p. 126).
No mesmo sentido, Marco Félix Jobim relata caso em curso no Judiciário do Estado do Ceará e submetido à Corte Interamericana em que houve condenação em cento e trinta e cinco mil dólares às vítimas pela demora injustificada do processo, nos termos que abaixo se segue:
Na hipótese, a Corte Interamericana considerou o atraso por mais de seis anos do processo penal e do processo civil de reparação de dano moral, ambos em curso no Judiciário do Estado do Ceará, sem que até a data da sentença da Corte tivesse havido conclusão no juízo de primeiro grau com sentença prolatada, tudo em decorrência de demoras injustificáveis por culpa do aparelho judiciário. Além de ter recebido outras sanções imateriais, o Estado brasileiro foi condenado a indenizar os pais e irmãos da vítima em mais de cento e trinta e cinco mil dólares americanos, a serem entregues diretamente aos beneficiários. (JOBIM, 2011, p. 92).
Por tudo que foi dito, notadamente por se alinhar com a jurisprudência internacional de proteção aos direitos fundamentais e com a recente inclusão pela EC 45/04, entre o rol de direitos e garantias fundamentais, da duração razoável do processo, torna-se plenamente legítima a defesa da tese que o Judiciário brasileiro, ou seja, o Estado brasileiro, pode por determinadas condutas ou ausência delas, ser responsabilizado pela demora da prestação jurisdicional por violação a direito fundamental, expressamente assegurado na CF/88, através do art. 5.º, inciso LXXVIII e consagrado igualmente no art. 4.º do NCPC.
5. Princípio da Eficiência
5.1. Previsão
Conforme é sabido, o Novo Código de Processo Civil brasileiro inovou no seu início, ao prever no Livro da Parte Geral um capítulo sobre normas fundamentais do processo civil, dentre as quais estão lá dispostos vários princípios a serem seguidos pelo juiz.
Nesse sentido deve ser destacado o princípio da eficiência, que se preocupa com a relação entre os meios empregados e os resultados alcançados.
Cabe destacar a ideia trazida pelo festejado doutrinador Leonardo Carneiro da Cunha acerca da eficiência:
Quanto maior o rendimento de produção mais eficiente será a atividade desenvolvida. A eficiência relaciona-se com o alcance de finalidade pré-estabelecidas, dizendo respeito aos meios empregados para tanto. Haverá eficiência se os meios adotados forem ótimos, gerando pouco esforço ou dispêndio, com o melhor resultado possível. (CUNHA, 2016, p. 357)
5.2. Classificação
Pode-se afirmar que a eficiência se apresenta no sistema processual sob duas perspectivas, que no dizer de Dierle Nunes (2012) apud Cunha (2016, p. 376), são a perspectiva da eficiência quantitativa e da eficiência qualitativa.
Segundo Michele Taruffo (2008) apud Cunha (2016, p. 376) “a primeira estaria relacionada com a velocidade dos procedimentos e a redução de custos, de sorte que, quanto mais barata e rápida a resolução de conflitos, maior eficiência seria obtida. Uma segunda perspectiva da eficiência estaria relacionada com a qualidade das decisões e de sua fundamentação, conduzindo à necessidade de adoção de técnicas adequadas, corretas, justas e equânimes.”
Na esteira desse pensamento, observa-se que a eficiência quantitativa guarda identidade com os princípios da duração razoável do processo e da economia processual.
De outra banda, verifica-se que ao falar-se do princípio da eficiência quer-se traduzir a chamada eficiência qualitativa.
Ademais, pontua-se, por oportuno, que ao se falar das intervenções de terceiros, na verdade, estar-se realçando o princípio da eficiência (eficiência qualitativa), vez que resolver-se-á em definitivo, várias demandas e questões incidentes em um único processo, evitando-se o ingresso de outro processo na Justiça.
Desta forma, à medida que várias demandas são resolvidas a um só tempo, em um único processo, este será mais eficiente, embora tenha consumido um pouco mais de tempo, já que referida decisão será mais completa e abrangente.
6. Análise do Cabimento da Denunciação da Lide nas Ações de Responsabilidade Civil Estatal Extracontratual
Estando previsto no art. 37, § 6.º da CF/88, a garantia da responsabilidade extracontratual do Estado conjuntamente com o direito de regresso, questiona-se se a Fazenda Pública, em ação indenizatória movida por um particular apenas contra ela, poderia, com fundamento no dispositivo constitucional acima mencionado e no art. 125, II, do NCPC, denunciar da lide o agente público causador do dano.
Conforme já explicitado, a denunciação da lide é típica demanda regressiva, vez que o denunciante se resguarda para o caso de eventual derrota, já se ressarcir do denunciado neste mesmo processo.
Destaque-se, no entanto, que nos termos do art. 125, caput e § 1.º do NCPC, a denunciação da lide se apresenta apenas como uma opção, já que o denunciante não perde seu direito de regresso, caso venha a sucumbir na demanda principal. Poderá, sem qualquer problema, ajuizar ação autônoma para reaver a quantia despendida.
A denunciação da lide é instituto que é colocado à disposição do interessado com vistas a buscar uma decisão já no mesmo processo que resolva a lide entre denunciante e denunciado, atendendo assim ao princípio da eficiência do processo.
Tornando ao questionamento anteriormente proposto, verifica-se que o mesmo não comporta uma resposta que sirva para todos os casos possíveis, de maneira que as diversas situações ensejarão respostas diferentes. Senão vejamos.
Grande parte das ações de indenização propostas contra a Fazenda Pública são fundamentadas na responsabilidade objetiva. Ocorre que a demanda de regresso contra o agente público se fundamenta na existência de dolo ou culpa por parte do mesmo.
No caso acima, claramente há a inclusão de um elemento fático-jurídico novo, qual seja a discussão acerca do dolo/culpa por parte do agente.
Evidencia-se assim um caso em que a denunciação da lide não é permitida, na esteira do pensamento exposto na obra “A Fazenda Pública em Juízo” de autoria do doutrinador Leonardo Carneiro da Cunha (2016, p. 170-171) que fundamenta seu posicionamento em uma necessária ponderação entre os princípios da eficiência e da duração razoável do processo, anteriormente discutidos no presente trabalho.
Com efeito, acaso a pretensão de reembolso do ente estatal contida na demanda regressiva (pretensa denunciação da lide) esteja amparada na existência de dolo ou culpa do agente público (servidor), haverá a intromissão de um elemento novo, não existente na demanda principal.
Nesse caso, conforme é sabido, não se pode prescindir de uma instrução, a qual não se faria necessária, acaso essa demanda regressiva fosse veiculada através de ação autônoma, pelo fato de que a vítima fundamentou seu pedido na responsabilidade objetiva.
Optando o ente estatal por tentar o ressarcimento através da denunciação da lide do seu agente que teria agido com culpa ou dolo para o infortúnio, trará desnecessariamente uma demora para o processo, violando assim o princípio da duração razoável do processo.
Conforme bem leciona Leonardo Carneiro da Cunha:
A eficiência deve, porém, ser ponderada com a duração razoável do processo. Não se deve admitir a denunciação da lide quando ela provocar uma demora para além do razoável do processo. (...) A denunciação da lide deve portanto, ser regulada por regras que encontram balizas nos princípios da eficiência e da duração razoável do processo. (...) Ora, nesse exemplo, a denunciação da lide irá provocar no processo introdução de fundamento jurídico novo, estranho à causa de pedir deduzida na petição inicial. Admitir-se, na espécie, a denunciação da lide seria desprestigiar o princípio da duração razoável do processo e da presteza na entrega da prestação jurisdicional, cuja essência serve de fonte inspiradora ao instituto da denunciação da lide”. (CUNHA, 2016, p. 170-171)
Por outro lado, situação diversa ocorre nos casos em que a própria responsabilidade do ente estatal é subjetiva, com necessária comprovação da culpa pela parte demandante, casos esses presentes nas hipóteses de omissão do Estado.
Conforme restou demonstrado anteriormente no presente artigo, no caso de omissão estatal, entende-se que a responsabilidade não mais deve ser tida como objetiva e sim passar a seguir a teoria da culpa anônima ou da falta do serviço.
Nesse caso, desde o início do processo haveria a necessidade de discutir o elemento culpa/dolo. Ou seja, a demanda principal entre a vítima (demandante) e o ente estatal já necessita da realização de audiência de instrução. Assim sendo, não haverá problema de se agregar à lide principal a denunciação da lide, posto que não haverá aposição de elemento novo à causa de pedir.
Corroborando com esse entendimento, traz-se mais uma vez a lição do festejado doutrinador Leonardo Carneiro da Cunha, para o qual:
Assim, em razão do princípio da duração razoável do processo e dada a evidência de que não haveria o acréscimo de qualquer elemento novo à demanda, admissível, não restam dúvidas, a denunciação da lide pela Fazenda Pública nos exemplos já citados de responsabilidade subjetiva desta. Diversamente, se a denunciação da lide pela Fazenda Pública provocar a agregação de elemento novo, não se fundando nos elementos que já estiverem na causa e gerar a necessidade de uma instrução que, de início, seria dispensável, não será, então cabível a denunciação. (CUNHA, 2016, p. 174-175)
Portanto, como linhas finais, pode-se afirmar que em ação indenizatória movida por um particular apenas contra a Fazenda Pública para se saber se é cabível a denunciação da lide do agente público causador do dano deve se perquirir se a demanda principal se funda na tese da responsabilidade objetiva ou subjetiva do Estado.
Sendo o pedido fulcrado na responsabilidade objetiva não será possível ao Estado denunciar da lide o servidor, por vedação imposta pelo princípio da duração razoável do processo, o qual prevalecerá em detrimento do princípio da eficiência, que fundamenta a denunciação da lide.
No caso de ser subjetiva, não haverá qualquer problema quanto ao cabimento da denunciação da lide, pois já necessitando do dispêndio do tempo natural do processo, da instrução processual, não há que se falar em violação ao princípio da duração razoável do processo, devendo-se, por outro lado, acatar a denunciação da lide em homenagem ao princípio da eficiência.
7. CONCLUSÃO
O Estado deve responder pelos danos causados ao particular, hipótese esta que caracteriza a responsabilidade extracontratual do Estado.
Demonstrou-se que tal responsabilidade está prevista no art. 37, § 6.º da CF/88 e que esse dispositivo prevê, outrossim, o direito de regresso.
Avançando na análise do tema, procurou-se investigar se seria cabível a denunciação da lide, espécie de intervenção de terceiros e típica demanda regressiva, em uma ação indenizatória movida por um particular apenas contra o ente estatal.
Verificou-se que para responder ao referido questionamento deve-se saber se a demanda principal está calcada na tese da responsabilidade objetiva ou subjetiva.
Observou-se, desta forma, que sendo o pedido desenvolvido com base na responsabilidade objetiva não será viável a denunciação da lide do servidor, tendo em vista que haveria inclusão de fundamento novo, a ser discutido na esfera da culpa, devendo-se, portanto, prevalecer o princípio da duração razoável do processo em detrimento do princípio da eficiência, que ampara a denunciação da lide.
De outra banda, mostrou-se cabível a denunciação da lide no caso de demanda principal já ser fundada na tese da responsabilidade subjetiva do Estado, já que de todo jeito já haverá a necessidade de maior dispêndio de tempo no processo.
Pode-se dizer, por tudo que foi visto no trabalho, que em ação indenizatória movida por particular apenas contra o ente estatal, em algumas hipóteses, se demonstrou possível que o Estado denuncie da lide o agente público que causou o dano, devendo haver no caso concreto uma ponderação entre os princípios da eficiência e duração razoável do processo.
8. REFERÊNCIAS
ANNONI, Daniele. O direito humano de acesso à justiça em um prazo razoável. Tese de doutorado, UFSC, Santa Catarina, 2006.
ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.
ASSIS, Araken de. Duração razoável do processo e reformas da lei processual civil. In: MOLINARO, Carlos Alberto; MILHORANZA, Mariângela Ribeiro; PORTO, Sérgio Gilberto. (Coord.). Constituição, jurisdição e processo: estudos em homenagem aos 55 anos de revista jurídica. Sapucaia do Sul: Notadez, 2007.
BASTOS, Antônio Adonias Aguiar. O direito fundamental à razoável duração do processo e a reforma do poder judiciário: Uma desmi(s)tificação. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewPDFInterstitial/14973/14537. Acesso em: 15.11.2016.
BRASIL. Código de Processo Civil (2015). Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília, DF: Congresso Nacional. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L.13105.htm>Acesso em: 15nov2016.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 19. ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22.ª ed., rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 13.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016
CUNHA, Leonardo Carneiro da. O princípio da eficiência no novo código de processo civil. In: DIDIER JR., Fredie; NUNES, Dierle; FREIRE, Alexandre (coords.). Normas fundamentais. Salvador: Juspodivm, 2016.
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil, 18. ed. Ver. Amp. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23.ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.
DUARTE, Ricardo Quass. O Tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009.
EBLING, Cláudia Marlise da Silva Alberton. O princípio da razoável duração do processo sob o enfoque da jurisdição, do tempo e do processo. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8304. Acesso em: 16.04.2011.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 16.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
HOFFMAN, Paulo. Razoável duração do processo. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 5.ª ed., rev., amp., ref. e atual. São Paulo: Impetus, 2011.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015, V. 2.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
MELO, João Paulo dos Santos. Duração razoável do processo. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2010.
MORO, Luis Carlos. Como se pode definir a “razoável duração do processo”. Disponível em http://www.conjur.com.br/2005-jan-23/definir_razoável_duração_processo Acesso em: 15.11.2016.
MIRANDA, Gilson Delgado. A Denunciação da Lide nas Ações de Responsabilidade Civil do Estado. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Melo; PIRES, Luis Manoel Fonseca; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Responsabilidade civil do estado: desafios contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. Ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O Direito de Regresso do Estado Decorrente do Reconhecimento de Responsabilidade Civil Extracontratual no Exercício da Função Administrativa. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Melo; PIRES, Luis Manoel Fonseca; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Responsabilidade civil do estado: desafios contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 2.ª ed., rev., amp. e atual. Salvador: JusPodivm, 2010.
RAMOS, Carlos Henrique. Processo civil e o princípio da duração razoável do processo. Curitiba: Juruá, 2008.
SILVA, Ivan de Oliveira. A morosidade processual e a responsabilidade civil do estado. São Paulo: Pillares, 2004.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
VARGAS, Jorge de Oliveira. Responsabilidade civil do estado pela demora na prestação da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 1999.
WAMBIER, Luiz Rodrigues. A responsabilidade civil do estado decorrente dos atos jurisdicionais. In: RT 633/41. São Paulo: RT,1998.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
Analista Judiciário do TJPE. Assessor de Magistrado. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Elpídio Donizetti. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Mário Vieira de Menezes. Responsabilidade civil extracontratual do Estado e sua relação com a denunciação da lide Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 mar 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49788/responsabilidade-civil-extracontratual-do-estado-e-sua-relacao-com-a-denunciacao-da-lide. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.