RESUMO: O Estado Democrático de Direito tem como um dos seus princípios a segurança jurídica, a qual garante estabilidade nas relações jurídico-sociais. Da necessidade de garantir a segurança jurídica é que o instituto da prescrição se tornou a regra em nosso ordenamento, sendo imprescindível a existência de previsão expressa para que uma pretensão seja imprescritível. Na Constituição Federal, o art. 37, §5º, traz em seu corpo previsão expressa de imprescritibilidade, afirmando de forma indireta e ampla, que as ações de ressarcimento de danos ao erário são imprescritíveis. Tal afirmação, por sua vez, se tornou alvo de polêmicas, visto que a imprescritibilidade, principalmente no âmbito do Direito Público deve ser interpretada com cautela, tendo surgido na doutrina e na jurisprudência duas linhas interpretativas: a primeira caminha no sentindo de que a imprescritibilidade aludida no referido dispositivo alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário, incluindo as decorrentes de ilícitos civis, já a segunda corrente entende que apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ato de improbidade administrativa são imprescritíveis. Destarte, o presente artigo, através de pesquisa bibliográfica, busca discorrer sobre o entendimento jurisprudencial sobre o tema, a fim de delinear o alcance do art. 37º, §5º, da CF.
Palavras-chave: Prescrição. Direito Público. Ações de ressarcimento de danos ao erário. Improbidade Administrativa. Ilícitos civis.
ABSTRACT: The Democratic State of Law has as one of its principles legal certainty, which guarantees stability in legal-social relations. The need to guarantee legal certainty is that the prescription institute has become the rule in our law, and it is essential that there be express provision for a claim to be imprescriptible. In the Federal Constitution, article 37, paragraph 5, has in its body an express prediction of imprescriptibility, affirming in an indirect and ample way, that the actions of reimbursement of damage to the treasury are imprescriptible. This statement, in turn, has become the subject of controversy, since imprescriptibility, especially in the scope of Public Law, must be interpreted with caution, and two interpretative lines have emerged in doctrine and jurisprudence: the first one in the sense that the imprescriptibility Mentioned in the mentioned device reaches any type of compensation action to the treasury, including those arising from civil unlawful, the second current understands that the only actions for damages to the treasury due to administrative improbity are imprescriptible. Thus, this article, through a bibliographical research, seeks to discuss the jurisprudential understanding on the subject, in order to delineate the scope of the article 37, paragraph 5, of the Federal Constitution.
Keywords: Prescription. Public Right. Actions for reimbursement of damages to the treasury. Administrative improbity. Civil unlawful.
Sumário: 1. Introdução. 2. A (im)prescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
No Direito brasileiro a prescrição tornou-se instituto de grande relevância, concretizando os ideais do princípio de segurança jurídica. Desta forma, aquele que, durante o período determinado em lei não busca discutir o seu direito violado perde, após o transcurso do lapso temporal devido, o direito de ver o mérito de sua pretensão analisado judicialmente. Tal imposição garante, assim, à sociedade certa estabilidade nas relações instituídas entre os indivíduos ou entre estes e o Poder Público.
Nesse contexto, a prescritibilidade tornou-se regra, sendo indispensável a existência de previsão expressa para que se configure a imprescritibilidade de uma pretensão. Logo, diante de sua excepcionalidade, vem entendendo a jurisprudência pátria que os dispositivos que afirmam que uma pretensão é imprescritível devem ser interpretados restritivamente.
No âmbito do Direito Público, o instituto da prescrição passou a ser objeto de divergência no tocante à imprescritibilidade ou não das ações de ressarcimento por danos causados ao erário diante da exegese do art. 37, §5º, da Constituição Federal de 1988, o qual em sua parte final ressalva as ações de ressarcimento ao erário da incidência do instituto da prescrição, sem fazer menção expressa à qual tipo de ilícitos tal norma se aplicaria.
Assim, segundo interpretação ampla do referido artigo toda e qualquer ação de ressarcimento movida pela Fazenda Pública seria imprescritível, o que trouxe inquietude para os intérpretes do direito. Diante de tal indefinição, há aqueles que sustentam a tese de que todas as ações de ressarcimentos ao erário são imprescritíveis, bem como outros que afirmam que a imprescritibilidade não abarca os ilícitos civis, mas apenas os casos de improbidade administrativa, devendo ser feita interpretação restritiva do dispositivo constitucional.
Tal questionamento traz à tona, assim, importante discussão acerca da (im)prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário. Destarte, é sobre tal polêmica que o presente artigo propõe-se a discorrer, baseando-se, primordialmente, no atual entendimento jurisprudencial sobre o assunto, expondo as principais bases que norteiam a prescrição no âmbito do Direito Público.
2. A (IM)PRESCRITIBILIDADE DAS AÇÕES DE RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO
Fundamental para a estabilidade em um Estado Democrático de Direito, o instituto da prescrição busca garantir a manutenção da ordem jurídica e a tranquilidade das relações jurídico-sociais. Tal instituto existe para impedir a perpetuação de algumas pretensões, impondo prazo para que o titular de direito violado busque o manejo de ação judicial a fim de resguardá-lo.
Nas palavras de Flávio Tartuce:
É antiga a máxima jurídica segundo a qual o exercício de um direito não pode ficar pendente de forma indefinida no tempo. O titular deve exercê-lo dentro de um determinado prazo, pois o direito não socorre aqueles que dormem. Com fundamento na pacificação social, na certeza e na segurança da ordem jurídica é que surge a matéria da prescrição [...]. De acordo com o art. 189 do CC, violado um direito, nasce para o seu titular uma pretensão, que pode ser extinta pela prescrição, nos termos dos seus arts. 205 e 206. Desse modo, se o titular do direito permanecer inerte, tem como pena a perda da pretensão que teria por via judicial. (TARTUCE, 2015, pp. 229-231)
Assim, diante da necessidade de segurança jurídica nas relações é que a prescrição tornou-se regra, evitando a instabilidade social e trazendo a certeza de que a situação consolidada no tempo não será impugnada pelo titular do direito, que diante de sua inércia teve sua pretensão extinta. Neste diapasão, pode-se afirmar que raras são as hipóteses de imprescritibilidade.
Quanto ao tema, José dos Santos Carvalho Filho assim se manifesta:
[...] se, de um lado, não se pode relegar o postulado de observância dos atos e condutas aos parâmetros estabelecidos na lei, de outro é preciso evitar que situações jurídicas permaneçam por todo o tempo em nível de instabilidade, o que, evidentemente, provoca incertezas e receios entre os indivíduos. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 34)
Ademais, segundo José Joaquim Gomes Canotilho:
O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito. (CANOTILHO, 2000, p. 257)
Por conseguinte, para que uma pretensão se torne perpétua, e, portanto, imprescritível, faz-se necessária a existência de previsão expressa. No texto da CF/88 encontramos dispositivos que fazem referência expressa à imprescritibilidade, como o art. 5º, incisos XLII e XLIV. Desta feita, sendo a imprescritibilidade exceção, deve a norma que a contempla ser interpretada restritivamente.[1]
No âmbito do Direito público, por sua vez, é imprescindível que o instituto da prescrição siga os princípios que norteiam a atuação da Administração Pública, devendo sua aplicação ou não ser justificada por razões de interesse público. Assim, qualquer dispositivo que tenha a previsão de imprescritibilidade na seara pública deve ser interpretado com bastante cautela.
Na Constituição Federal, o art. 37, §5º, traz em seu corpo previsão expressa de imprescritibilidade. Veja-se.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. (grifos acrescidos)
Como se vê, o referido artigo em sua parte final afirma, de forma indireta e ampla, que as ações de ressarcimento de dano ao erário são imprescritíveis. Tal afirmação, por sua vez, se tornou alvo de polêmica nas lides judiciais, isto porque o referido artigo traz a incerteza de quais seriam os tipos de ilícitos que se encaixariam em tal situação de imprescritibilidade. Veja o que disse o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 764.278/SP:
A questão prescricional, aqui, é particularmente relevante em face do que estabelece o § 5º do art. 37 da Constituição Federal, segundo o qual "a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento". Bem se vê que o Constituinte, ao atribuir ao legislador ordinário a incumbência de estabelecer prazos prescricionais para ilícitos praticados por agentes administrativos, prescreveu uma ressalva, que não pode ser ignorada e cujo conteúdo e sentido devem ser desvendados pelo intérprete. (STJ, REsp 764.278/SP, 1ª Turma, DJe de 25.5.2008)
O referido dispositivo, portanto, como se percebe, deixa margem para as mais diversas interpretações, havendo assim, na doutrina e na jurisprudência pátria divergência de entendimentos quanto ao assunto, fundamentados em duas correntes interpretativas. A primeira corrente caminha no sentindo de que a imprescritibilidade aludida no art. 37º, §5º, da CF, alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário, já a segunda entende que a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de improbidade administrativa.
Desta forma, diante de tal indefinição[2] e a fim de garantir estabilidade jurídica para as lides que envolvem pedidos de ressarcimento de dano ao erário, o Supremo Tribunal Federal, através do julgamento do Recurso Extraordinário 669.069/MG[3] (julgado sob a sistemática da repercussão geral[4]), em 2016, trouxe para o ordenamento jurídico o seu atual posicionamento sobre o tema.
Desta forma, com a atribuição de repercussão geral, a tendência é que os tribunais passem a seguir o entendimento proferido no julgamento do RE 669.069/MG. O referido julgado, por sua vez, possui a ementa abaixo transcrita:
CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF, RE 669.069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, Dje 03.02.2016) (grifos acrescidos)
Extrai-se, assim, do referido julgado o atual entendimento do Excelso Pretório sobre o alcance da ressalva presente no art. 37º, §5º, da CF. Desta feita, segundo o STF, é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil, ou seja, caso o Poder Público sofra um dano ao erário oriundo de ilícito civil deve ajuizar a ação no prazo prescricional previsto em lei, a fim de que seja o mesmo ressarcido.
O relator do julgado, o ex-ministro Teori Zavascki, em parte de seu voto assim se manifestou:
Essa ressalva final do texto normativo deu margem à instalação de um impasse dogmático a seu respeito. Uma das linhas de entendimento é essa sugerida pelo recurso, que, fundado em interpretação literal, atribui à ressalva constitucional a consequência de tornar imprescritível toda e qualquer ação de ressarcimento movida pelo erário, desde que o dano reclamado decorra de algum ilícito, independentemente da natureza dessa ilicitude. [...] Ora, se fosse nesse amplíssimo sentido o conceito de ilícito anunciado no § 5º do art. 37 da CF, estaria sob a proteção da imprescritibilidade toda e qualquer ação ressarcitória movida pelo Erário, mesmo as fundadas em ilícitos civis que sequer decorrem de dolo ou culpa. A própria execução fiscal seria imprescritível, eis que a não satisfação de tributos ou de outras obrigações fiscais, principais ou acessórias, certamente representa um comportamento contrário ao direito (ilícito, portanto) e causador de dano. Essa visão tão estremada certamente não se mostra compatível com uma interpretação sistemática do ordenamento constitucional. Mesmo o domínio jurídico específico do art. 37 da Constituição, que trata dos princípios da administração pública, conduz a uma interpretação mais restrita. [...] não é adequado embutir na norma de imprescritibilidade um alcance ilimitado [...] O que se mostra mais consentâneo com o sistema de direito, inclusive o constitucional, que consagra a prescritibilidade como princípio, é atribuir um sentido estrito aos ilícitos de que trata o § 5º do art. 37 da Constituição Federal. (STF, RE 669.069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, Dje 03.02.2016) (grifos acrescidos)
Assim, como se extrai da linha de argumentação desenvolvida pelo Ministro relator, ante a característica de exceção da imprescritibilidade deve o dispositivo ser interpretado de maneira restritiva, não se coadunando com a sistemática do ordenamento constitucional a ideia de que a imprescritibilidade presente na referida norma teria um alcance ilimitado. Veja-se o que já disse o STJ sobre o tema:
Interpretação que não seja a estrita levaria a resultados incompatíveis com o sistema, como seria o de considerar imprescritíveis ações de ressarcimento fundadas em danos causados por seus agentes por simples atos culposos. (STJ, REsp 764.278/SP, 1ª Turma, DJe de 25.5.2008)
Isto, pois, segundo o STF, a pretensão de ressarcimento fundamentada em ilícito civil, embora cause prejuízo material ao patrimônio público, não revela conduta revestida de alto grau de reprovabilidade, não se mostrando, assim, especialmente atentatória aos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública, diferentemente dos danos ocorridos por ato de improbidade administrativa, que afetam diretamente a máxima tutela dos cofres públicos.
Neste diapasão, o alcance do dispositivo em foco deve ser mensurado mediante a sua associação com o parágrafo anterior (art. 37, §4º, da CF[5]), que trata das sanções por ato de improbidade administrativa. Tratando da penalização dos agentes administrativos ímprobos, entende a jurisprudência que, em sentido oposto aos ilícitos civis, as ações por danos ao erário decorrentes de improbidade administrativa são imprescritíveis, tendo em vista que ferem diretamente ao Princípio da Moralidade Administrativa. Segundo o STJ:
Assim, ao ressalvar da prescritibilidade "as respectivas ações de ressarcimento", o dispositivo constitucional certamente está se referindo, não a qualquer ação, mas apenas às que busquem ressarcir danos decorrentes de atos de improbidade administrativa de que trata o § 4º do mesmo art. 37. (STJ, REsp 764.278, 1ª Turma, DJe de 25.5.2008)
Veja-se o que diz Emerson Garcia sobre ser imprescritível a ação de reparação de danos decorrentes de ato de improbidade:
A imprescritibilidade, é importante frisar, embora busque resguardar a apresentação de uma pretensão em juízo, encontra justificativa na ratio essendi do direito tutelado. Em outras palavras, a proteção do patrimônio público, enquanto modalidade de interesse difuso, afeto a todos os membros da coletividade, foi não só retirada do poder de disposição de qualquer legitimado a tutelá-lo, como, também, pode ser feita a qualquer tempo. (GARCIA, 2013, pp. 712-714)
Assim, é a moralidade administrativa, constitucionalmente garantida, que impede a equiparação do dano civil ao dano decorrente de ato de improbidade administrativa. Logo, diferentemente do que ocorre no caso de ilícitos civis, os danos decorrentes do ato ímprobo violam não apenas direito individual ou normas de serviço interno da Administração, como também o dever geral de probidade, afetando toda a sociedade.
Vejam-se alguns julgados que entendem pela imprescritibilidade das ações por danos ao erário decorrentes de improbidade administrativa:
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO MANDADO DE SEGURANÇA TRANCAMENTO DE INQUÉRITO CIVIL PARA APURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ENRIQUECIMENTO ILÍCITO JUSTA CAUSA PRESCRIÇÃO. [...] 4. A ação civil de ressarcimento por ato de improbidade é imprescritível, inexistindo ainda ação contra o impetrante. (STF, RE 626.697/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, Dje 13.08. 2014) (grifos acrescidos)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. [...] 2. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário, manifestada na via da ação civil pública por improbidade administrativa, é imprescritível. Daí porque o art. 23 da Lei n. 8.429/92 tem âmbito de aplicação restrito às demais sanções prevista no corpo do art. 12 do mesmo diploma normativo. 3. Nesse sentido: AgRg no AREsp 388.589/RJ, 2ª Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 17/02/2014; REsp 1268594/PR, 2ª Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 13/11/2013; AgRg no REsp 1138564/MG, 1ª Turma, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 02/02/2011. [...] (AgRg no REsp 1442925/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/09/2014, DJe 23/09/2014) (grifos acrescidos)
DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃOCIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PEDIDO DE RESSARCIMENTO.POSSIBILIDADE. AÇÃO IMPRESCRITÍVEL. PRECEDENTES. 1. É entendimento desta Corte a ação civil pública, regulada pela Lei 7.347/85, pode ser cumulada com pedido de reparação de danos por improbidade administrativa, com fulcro na Lei 8.429/92, bem como que não corre a prescrição quando o objeto da demanda é o ressarcimento do dano ao erário público. (STJ - AgRg no REsp: 1138564/MG, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 16/12/2010, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/02/2011) (grifos acrescidos)
Desta forma, ante a imperatividade de interpretação restritiva, entende a jurisprudência pátria que a ressalva constante do art. 37, §5º, abarca somente as ações por danos ao erário decorrentes de improbidade administrativa, sendo prescritíveis as ações de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícitos civis.
Pode-se citar como exemplo, a situação em que um particular dirigindo seu veículo acabe batendo em carro pertencente a um órgão público, assim, neste caso existe prazo para que o Estado busque, através do manejo de ação judicial, a reparação do ilícito civil. Da mesma forma, caso seja um agente público que, dirigindo carro oficial, cometa o deslize, vindo a bater em veículo de particular, a ação regressiva do Estado (que indeniza o particular, conforme os ditames do art. 37, §6º, da CF), perante o agente público que atuou com dolo ou culpa, também é prescritível.
Assim, após o julgamento do RE 669.069/MG resta, atualmente, fixada a seguinte tese jurisprudencial: a imprescritibilidade a que se refere o art. 37, § 5º, da CF diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de atos praticados por qualquer agente, servidor ou não, tipificados como ilícitos de improbidade administrativa, sendo prescritível as ações de ressarcimento de danos ao erário por ilícitos civis.
Ademais, no tocante ao prazo prescricional para as ações de ressarcimento de danos ao erário por ilícitos civis, existem duas correntes: a primeira afirma que o prazo seria de 3 (três) anos, com base no art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, segundo o qual prescreve em três anos a pretensão de reparação civil; já a outra corrente entende que o prazo, em razão do princípio da isonomia, deveria ser o mesmo que é estabelecido para as ações propostas contra a Fazenda Pública, o qual é de 5 (cinco) anos, conforme dispõe o art. 1º do Decreto 20.910/32.
Atualmente o prazo de 5 (cinco) anos é o que vem sendo aceito pela jurisprudência majoritária. Destacando-se que no STF não se firmou base concreta quanto ao referido prazo, mas, enquanto não resta pacificado, a prescrição quinquenal é a mais aceita pelos tribunais.[6]
Vejam-se alguns julgados que entendem pela aplicação da prescrição quinquenal aos ilícitos de natureza civil.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL DE RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO NÃO DECORRENTE DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. A pretensão de ressarcimento de danos ao erário não decorrente de ato de improbidade prescreve em cinco anos. 2. Embargos de divergência acolhidos. (STJ - EREsp: 662844 SP 2009/0181521-3, Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, Data de Julgamento: 13/12/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 01/02/2011) (grifos acrescidos)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE VEÍCULO. REPARAÇÃO CIVIL. PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/32. QUINQUENAL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO CIVIL. DEVER DE INDENIZAR E NEXO CAUSAL. SÚMULA 7/STJ. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. EVENTO DANOSO. PRECEDENTES. 1. Cuida-se originalmente de ação ressarcitória, proposta pelo Distrito Federal, com o intuito de ser ressarcido na quantia de R$ 22.868,66, decorrentes de acidente de trânsito, envolvendo veículo oficial e ônibus da parte agravante. [...] 4. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a prescrição contra a Fazenda Pública é quinquenal, mesmo em ações indenizatórias, uma vez que é regida pelo Decreto 20.910/32, norma especial que prevalece sobre lei geral. 5. O STJ tem entendimento jurisprudencial no sentido de que o prazo prescricional da Fazenda Pública deve ser o mesmo prazo previsto no Decreto 20.910/32, em razão do princípio da isonomia. (STJ, AgRg no AREsp 768.400/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 16/11/2015) (grifos acrescidos)
Quanto aos que defendem a aplicação do prazo de 3 (três) anos do Código Civil, trata-se de corrente minoritária, visto que, segundo leciona Celso Antonio Bandeira de Mello (2008, p. 1033), os ideais que norteiam o ramo do Direito Civil e do Direito Público são distintos, não cabendo serem aplicadas as regras de prescrição constantes do diploma civil, mas sim as regras genéricas de Direito Público.
Desta forma, o atual entendimento do STF pela prescrição das ações de ressarcimento ao erário que se originem de ilícitos civis é o que mais se coaduna com os ditames que norteiam o Direito Público, visto que, sendo a imprescritibilidade a exceção, deve esta ser aplicada na seara pública somente quando justificada por razão de interesse público, como é no caso de improbidade administrativa que atenta diretamente contra a moralidade do Poder Público, o que ocorre em grau mais leve nos casos de ilícitos civis, como demonstrado no presente artigo.
Destarte, garantir a imprescritibilidade sem qualquer ressalva causaria instabilidade nas relações civis entre o Poder Público e os particulares, afrontando uma das principais bases do Estado Democrático de Direito: a segurança jurídica.
3. CONCLUSÃO
Ao final do presente artigo resta definida a atual posição do STF quanto ao alcance do art. 37, §5º, da CF, entendendo a Suprema Corte que as ações de ressarcimento ao erário são prescritíveis quando se originam de ilícitos civis. Tal entendimento, exposto no RE 669.069/MG, resta pacificado, sendo tendência que os tribunais passem a seguir o referido posicionamento, diante da atribuição da repercussão geral ao tema em foco.
A imprescritibilidade de uma ação no âmbito do Direito Público justifica-se quando há a infringência dos princípios bases que norteiam a atividade pública, tal como o princípio da moralidade, afetando diretamente os cofres públicos. Desta forma, e diante da imperativa necessidade de garantir o postulado da segurança jurídica é que, segundo a jurisprudência, as ações de ressarcimento ao erário oriundas de ilícitos civis são prescritíveis, reservando-se a imprescritibilidade às ações de ressarcimento ao erário originadas por ato de improbidade administrativa.
Assim, resta claro que a ressalva do art. 37, §5º, da CF, deve ser interpretada em conjunto com o artigo antecedente (art. 37, §4º, da CF), o qual trata das sanções aplicáveis ao ato de improbidade administrativa. A regra da imprescritibilidade existe para proteção do patrimônio público em face de todos e são os atos ímprobos que afetam diretamente os cofres públicos, envolvendo o interesse de toda a sociedade.
Os danos oriundos de ilícitos civis, assim, caminham em sentido oposto, visto que afetam, principalmente, interesses individuais e internos da Administração pública, como no caso de acidente automobilístico que envolve veículo de órgão público, como já exposto. Tal característica, por conseguinte, justifica o fato de serem prescritíveis.
Destarte, o presente artigo, debruçando-se sobre a jurisprudência majoritária e sobre o entendimento exposto no RE 669.069/MG, vem acolher a tese que define a prescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário oriundas da prática de ilícitos civis.
4. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2010.
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional. 7ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000.
CARVALHO FILHO, J. S. Manual de Direito Administrativo. 22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
GARCIA, E. Improbidade administrativa. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MELLO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.
TARTUCE, F. Manual de Direito Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Método, 2015.
[1] Nesse sentido: STJ, REsp 764.278/SP, 1ª Turma, DJe de 25.5.2008.
[2] Existem decisões do Supremo Tribunal Federal em que foi afirmado, com fundamento na parte final do § 5º do art. 37 da CF, que ações de ressarcimento ao erário eram imprescritíveis (Neste sentido: MS 26.210/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 04.09.2008; AI-AgR 788.268/SP, rel. Min. Rosa Weber, 22.05.2012).
[3] O RE 669.069/MG julgou caso em que a inicial veicula uma ação de ressarcimento instaurada pela União em face de uma empresa de transporte rodoviário e de um motorista a ela vinculado, tendo por fundamento a alegada responsabilidade civil por acidente automobilístico ocorrido no ano de 20 de outubro de 1997 na rodovia MG 862.
[4] Repercussão Geral é instituto processual que reserva ao STF o julgamento exclusivo de temas, trazidos em recursos extraordinários, que apresentem questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Sob o ângulo da repercussão geral, afirmou o STF que o tema ultrapassa o interesse subjetivo das partes, visto que o entendimento formalizado repercutirá em outros casos idênticos.
[5] Art. 37, §4º: Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
[6] No julgamento do RE 669.069/MG, o STF aplicou o prazo de 3 (três) anos do Código Civil, porém como o objeto do recurso extraordinário não era esse, a questão quanto a qual seria o prazo prescricional ainda se encontra em aberto na Corte.
Advogada. Bacharel em em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRISCILLA CORREIA SIMõES, . A (im)prescritibilidade da ação de ressarcimento de danos ao erário: o alcance do art. 37, § 5º, da Constituição Federal de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 mar 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49797/a-im-prescritibilidade-da-acao-de-ressarcimento-de-danos-ao-erario-o-alcance-do-art-37-5o-da-constituicao-federal-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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