RESUMO: O estudo pretende realizar uma análise sobre a alteração dos arts. 213 e 214 do Código Penal Brasileiro advinda com a Lei 12.015/2009 e seus reflexos na execução da pena tanto no aspecto material como no processual. Pretende ainda, comprovar a interpretação do ordenamento jurídico sobre os crimes contra a dignidade sexual e o que se tem feito a favor de garantir às vítimas a proteção jurisdicional necessária a tutela de seus direitos e averiguar quais as ações penais cabíveis, apresentando as consequências sofridas pelas vítimas e a tutela jurisdicional sugerida para dar maior defesa ao seu direito de dignidade. O método de pesquisa empregado no desenvolvimento deste trabalho foi o dedutivo. Será utilizada a técnica de documentação indireta de fontes primárias, utilizando pesquisa documental em jurisprudências como também será utilizada a documentação de fontes secundárias, com pesquisa bibliográfica em doutrinas, artigos e na legislação constitucional e infraconstitucional. O estudo demonstra que é evidente que a Lei 12.015/2009 modernizou o ordenamento jurídico penal com relação aos crimes sexuais. E como toda lei nova, recebeu várias críticas positivas e negativas, e diversas interpretações, o que originou inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto que ainda está longe de ser tranquilo quanto aos assuntos mais debatidos, como em quais situações será aplicado o princípio da lei penal mais proveitosa, se os crimes de estupro ou estupro de vulnerável serão considerados tipos penais mistos cumulativos ou alternativos.
PALAVRAS-CHAVE: Crimes sexuais - Execução da pena - Liberdade sexual
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO JUSTIFICATIVA 1.1 Crimes contra a dignidade sexual 1.2 A modificação introduzida pela Lei 12.015/2009 e seus reflexos 2.1 Lei 12.015/09 principais mudanças em matéria de crime contra a dignidade sexual 2.2 Nova tipificação penal CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Os casos de violência sexual em ambiente doméstico e familiar é um problema jurídico e social complexo e deve ser discutido amplamente para que se alcance uma razoável solução. Quando se trata de vítima mulher algumas outras questões ainda são levantadas. Descobriu-se em pesquisas realizadas, ser o tema polêmico tanto na jurisprudência quanto na doutrina, o que possibilitou, portanto, a problematização da temática. A matéria que ora se apresenta, elucida de certo, não só uma alteração da legislação, mas uma mudança social no tratamento desta espécie de crimes, os crimes de cunho sexual.
Temos conhecimento que a Parte Especial do Código se encontra adicionada em XI Títulos, colecionando os crimes nela inseridos de acordo com sua objetividade jurídica, ou seja, de acordo com o bem jurídico tutelados pelos tipos penais. Assim no Título I, temos os crimes contra a pessoa; no Título II, crimes contra o patrimônio; no Título III, crimes contra a propriedade imaterial; no IV, os crimes contra a organização do trabalho; no Título V, os crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos; no Título VI, os crimes que aqui pretendemos trabalhar, denominados atualmente de crimes contra a dignidade sexual; no VII, encontramos os crimes contra a família; no Título VIII, os crimes contra a incolumidade pública; no IX, tem-se os crimes contra a paz pública; no Título X, há os crimes contra a fé pública; por fim, no XI, temos os crimes contra a Administração Pública. (RANGEL,2009).
Os crimes de natureza sexual, que podem abarcar violência física ou moral, devem ser tratados de forma apropriada, tendo em vista sua matéria tão perfeita e importante. Desde que dentro dos limites estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, é direito próprio à pessoa, dispor do próprio corpo do modo como lhe satisfaz. Infringir a vontade da pessoa com procedimentos sexuais criminosos, obrigando-a a prática de ato pornográfico, qualquer que seja sua espécie, é reprovável e repulsivo, dessa forma, a vítima de um crime sexual tem sua dignidade selvagemente atingida. (MOREIRA,2011).
Há muito que se argumentava, doutrinária e jurisprudencialmente, acerca de alguns tipos penais previstos no Título VI do Código Penal, que tutelava, antes do aparecimento das mudanças aqui tratadas, as condutas designadas como “crimes contra os costumes”. Todavia, estes “crimes contra os costumes” deram espaço aos “crimes contra a dignidade sexual”. Este Título – o VI do Código – passou em 2009 por uma verdadeira reforma: houve mudanças que vão desde o nome do Título até a abolição de tipos penais. É bem verdade que algumas destas reformas já haviam antes sido realizadas, desde 2005, oportunidade em que foram suprimidas algumas condutas anteriormente tipificadas e excluídas formas de extinção da punibilidade ligadas a este tipo de criminalidade. (NUCCI,2009).
A Lei 12.015/09, distintamente das legislações usuais, portanto, mudou a designação do Título VI de “crimes contra os costumes” para “crimes contra a dignidade sexual”. Esta temática há muito era debatida na doutrina brasileira: o conceito de “costumes” já não parecia ter proteção constitucional. E, sabemos que o direito de punir do Estado encontra limitação na própria Constituição Federal, praticando esta Carta uma dupla função: a de orientar a escolha dos bens jurídicos, mas de apresentar certas garantias que não podem ser quebradas em busca da proteção destes bens. (ZAFFARONI,2010)
O entendimento de “costumes”, como sabido, dizia respeito a uma ética sobre a conduta sexual, uma decência, um recato, tendo sempre em conta o “homem médio”. Era uma “noção penetrada de moralismos [...], transmitia a impressão que se procurava impor às pessoas um padrão mediano no que concerne a sua atividade sexual”. Essa finalidade de proteger os “costumes” já não mais permanece. O que se quer proteger, evitar, coibir e punir com os crimes inscritos neste Título VI do Código não é um conceito ético ou moral: trata-se da liberdade sexual e da própria dignidade da pessoa humana, em um dos seus ângulos mais íntimos que é a livre prática de atos de natureza sexual. (ESTEFAM,2010).
Sendo assim, queremos mostrar a necessidade da aplicação de esforços, direcionados à criação de táticas, para solucionar o quadro atual e contribuir com a busca do melhoramento de estudos dos crimes dessa natureza, nos levando assim, a construir uma sociedade preparada para lidar com esse fenômeno.
JUSTIFICATIVA
O reconhecimento da violência sexual e a noção de que esta deve ser impedida é de máxima importância. Há que se verificar a dimensão dos danos causados e certificar à vítima real proteção à sua dignidade enquanto pessoa e acima de tudo fazendo cumprir o previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 quanto aos direitos fundamentais endossados a todo cidadão. Desse modo, a escolha do tema se justifica por tratar de assunto que está presente em nosso dia-a-dia e pode afetar substancialmente o emocional das vítimas e pessoas mais próximas de forma inconvertível.
Finalmente, evidencia-se que, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 62), com a tutela ao vulnerável, "[...] elimina-se a discussão sobre o estado de pobreza da pessoa ofendida [...]", antigamente requisito indispensável para possibilitar a ação penal pública regularizada à representação do ofendido, conforme o antigo artigo 225, § 1º, inciso I, e § 2º, do Código Penal.
Desse modo, apresenta-se afirmativa a iniciativa da Lei nº 12.015/09 em tornar, em regra, pública condicionada à petição do ofendido a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual, pois, desta forma, os interesses da vítima e da sociedade são mais bem conciliados, mas é preciso muito cuidado na aplicação no tempo desta nova lei, assim como deve ser fixada a regra de que a ação penal será pública incondicionada nos crimes praticados contra menor de 18 (dezoito) anos ou vulnerável e naqueles dos quais o resultado seja lesão corporal grave ou morte da vítima.(FRANCO,2010).
Destarte é que, antes de qualquer modificação nos tipos penais, o legislador ocupou-se de refazer este conceito obsoleto e relacionado a uma época distante (ano de 1940, momento da edição do Código Penal), que não mais se ajustava à realidade social.
Averiguaremos as alterações no título VI do Código Penal advindas da Lei n. 12.015, de sete de agosto de 2009, considerando panoramas positivos e negativos, e ressaltamos a tutela jurisdicional direcionada às vítimas. Preparar as vítimas dos crimes contra a dignidade sexual, particularmente mulheres e crianças, bem como sequelas físicas, morais e psicológicas que suportam em decurso do crime.
A presente pesquisa tem sua importância no ordenamento jurídico. Aborda o aspecto psicológico, que é fortemente empenhado em se tratando de vítimas de violência sexual, e o âmbito processual, no qual se dá o estudo das ações cabíveis a cada tipo penal incriminador. Mostra-se de grande relevância também devido às mudanças acontecidas na legislação no ano de 2009, no que se referem aos tipos penais incriminadores dos crimes contra a dignidade sexual.
1.1 CRIMES CONTRA A DIGIDADE SEXUAL
O comportamento sexual do Brasileiro, assim como tem ocorrido com as civilizações ocidentais, vem se modificando ao longo dos tempos, a partir dos anos 60, com a valorização dos aspectos positivos da sexualidade e a sua privatização, surgiu então, a necessidade de criar novas leis que se adequassem à realidade social. Desta forma, pode-se afirmar que com as mudanças sociais e culturais vividas no século XX, houve um afastamento da moralidade religiosa herdada na época medieval, ganhando a sexualidade uma autonomia individual e subjetiva, nascendo desde então, a preocupação do Estado em regular todos os tipos de condutas lesivas a liberdade sexual do indivíduo. (CABRAL,2009).
Os crimes contra os costumes apareceram tendo em vista a relevância de proteger à moral e os bons costumes por meio de normas incriminadoras. Estas normas foram criadas para o bom convívio interpessoal, sendo que foi em 1940, sob o ponto de vista repressivo do Código Penal, que surgiu a possibilidade de punição pelo Estado ao sujeito violador de tal direito. (GOMES,2009).
De acordo com o doutrinador Luís Regis Prado (2010):
Nada perderia a lei se utilizasse o Título “Crime contra o Pudor”, tendo em vista que todos os delitos que compuseram esse Título tiveram como denominador comum, a ofensa a esse sentimento individual e social, além de que essa expressão estaria mais ao alcance do povo por ser o pudor vulgarmente conhecido como sentimento de pejo ou vergonha suscitado por um ato de natureza sexual.
Por conseguinte, independente do título, o bem jurídico protegido pela lei seria, primeiramente, a dignidade da pessoa humana, onde, com amparo constitucional, o legislador tratou de abranger especificamente os casos de dignidade sexual, tendo em vista sua importância.
Posto que haja doutrinadores que advogam que, “o ponto culminante interpretativo deve atentar não ao sentimento social sobre o fato, mas sim sobre a existência de lesão ou perigo para a dignidade sexual dos envolvidos”, tal como Gustavo Octaviano Diniz Junqueira em seu livro “Elementos do Direito Penal” (p. 263), verifica-se que isso não é verdade absoluta, nem como tal deve ser tratada.
Tal postura torna-se contestável a partir das pesquisas realizadas corriqueiramente sobre a periculosidade do sujeito ativo envolvido nesses tipos de crimes e, por este fato, o risco ao qual se coloca à sociedade ao determinar que, em respeito à intimidade da vítima, esse agente continue livre para reincidir.
Vale dizer, portanto, que a lei surge através das mudanças sociais, bem como pelas necessidades por ela apresentadas, como consequência disto, não se pode interpretar uma norma, mormente de ordem pública, com olhos voltados apenas aos envolvidos diretamente com o delito.
Segundo o art. 213 do Código Penal Brasileiro, estupro, antes do surgimento da nova lei, que trouxe uma visão diferente da realidade executória ao tipo penal em nota, era deliberado como "constranger mulher à conjunção carnal, por meio de violência ou grave ameaça". Tinha como atitude consumativa necessária para a caracterização deste crime a conjunção carnal, isto é, a penetração do pênis na vagina. Assim, as outras atitudes para a realização de atos associados à libido, ou seja, aos desejos originários do sexo, imbuídos de violência, que não estivesse presente esta característica, eram classificadas tipificados em crime diverso - Atentado Violento ao Pudor (art. 214, CP) - inclusive as praticadas contra homens, apesar de algumas popularmente serem chamadas de estupro. (ESTEFAM,2010).
No período compreendido entre o final do século XIX até a primeira metade do século XX, vários autores passaram a enxergar a sexualidade sob uma nova visão, conceito este que só foi possível, devido a valoração da individualidade na idade moderna, a qual serviu de base para a organização da sociedade capitalista.
A partir da segunda metade do século XX, podem-se destacar dois eventos importantes que marcaram o estudo da sexualidade: o desenvolvimento de métodos contraceptivos, que rompe com associação, que até então existia, entre a atividade sexual e a reprodução; e o surgimento de novas reflexões sobre o tema.
Nessa época, as mulheres encontravam-se totalmente desprotegidas, não existindo nenhum tipo de lei que resguardasse os seus direitos, consideradas seres inferiores, eram vítimas de constantes assédios e estupros, ficando totalmente vulnerável a todos os tipos de violência, já que os seus agressores não sofriam nenhuma punição. (FRANCO,2010).
É neste cenário histórico, que surgem os movimentos feministas, com objetivo de combater as descriminações ocasionadas pelas desigualdades derivadas dos padrões estabelecidos pela moralidade sexual, lutando pelos direitos legais da mulher, dentre os quais pode destacar: direito a integridade física, a autonomia, direitos trabalhistas, reprodutivos, proteção contra a violência doméstica, assédio sexual e estupro. (FRANCO,2010).
Esses movimentos foram os principais responsáveis pelo crescimento sobre o estudo de gênero, dando novas perspectivas sobre as questões teóricas e de investigação sobre a sexualidade, as quais passaram a ser vistas sob uma nova ótica, ocasionando várias consequências como: a alteração do estereótipo masculinidade, feminilidade e seus respectivos papéis; novas atitudes liberais em relação ao corpo e as emoções; maior tolerância ao sexo antes do casamento; maior tolerância às diferenças sociais e a educação sexual. (FRANCO,2010).
De acordo com a grande maioria da doutrina, o indivíduo que comete o crime contra a dignidade sexual, violando a intimidade da vítima, bem como a moral da sociedade, traz consigo grandes chances de voltar a delinquir, o que gera a insegurança e o medo à sociedade, pois se o criminoso continua solto, qualquer pessoa pode, a qualquer momento, ser sua próxima vítima. (JESUS,2010).
Pode-se, contudo, verificar que, na grande maioria dos casos, as vítimas acabavam por não apresentar queixa-crime, não movendo a ação penal privada para procurar punir o indivíduo, por medo e por quererem resguardar a sua intimidade e a sua segurança. Embora atualmente modificado pela lei, exigindo apenas à representação da vítima para a persecução penal, ainda acaba por deixar nas mãos da vítima a possibilidade de processar e punir o indivíduo. (JESUS,2010).
Quanto à periculosidade do sujeito ativo do crime, o doutrinador Hélio Gomes, em sua obra “Medicina Legal”, traz a seguinte explicação: “O estupro, de todos os delitos carnais, é certamente o que revela maior temor do delinquente. Os estupradores, via de regra, são tipos anormais, psicopatas sexuais, hipergenitais.” (“Medicina legal” – p. 444).
Portanto, sendo o autor de crimes sexuais perigo à sociedade, vale dizer que o Estado não pode deixar nas mãos da vítima a possibilidade de puni-lo, bem como deixando o Ministério Público, na maioria das vezes, dependente desta representação para processar o indivíduo que, possivelmente, voltará a cometer delitos. (JESUS,2010).
Também com relação ao indivíduo que comete os crimes contra a dignidade sexual, o doutrinador Genival Venoso de França, traz o conceito quanto aos seus transtornos sexuais, bem como aos instintos do homem em geral: “Há no homem dois instintos fundamentais: o de nutrição e o de perpetuação. O primeiro assegura a conservação do indivíduo e o segundo garante a continuação da espécie. Se estes instintos se equilibrassem dentro da normalidade, teríamos o ideal.
“Porém, surgem, vez por outra, aberrações das mais absurdas e extravagantes, comprometendo a segurança das pessoas e da sociedade.” (“Medicina legal” – p. 211).
Conclui-se, desta forma, que a persecução e punição desse tipo de criminoso pensam, principalmente, na sociedade, tendo em vista a grande possibilidade de reincidência, que acaba por atingir a segurança de todo grupo social, sendo a prisão dos agentes, além de efetiva resposta à sociedade, é medida imperativa para a manutenção da ordem pública.
A fim de abordar as modificações referentes à Ação Penal nos crimes contra a dignidade sexual, previstas no artigo 225 do Código Penal, reservamos tópico específico, tendo em vista a relevância do tema.
Com relação às críticas que essas alterações já suscitaram, expõe o doutrinador Gustavo Octaviano Diniz Junqueira (2010):
“A lei 12.015/2009, além do nome do Título, mudou a estrutura dos crimes e gerou celeuma pela falta de clareza de seus tipos” (“Elementos do Direito Penal” – p. 263). Portanto, embora a lei tenha trazido mudanças, se faz nítido concluir que elas não foram capazes de atender as necessidades da sociedade, bem como, no tocante ao princípio da proporcionalidade, a lei não foi capaz de suprir a precisão de imediata repressão e severa punição do fato.
Foram várias mudanças, no entanto, considerando a gravidade desse tipo de delito, o legislador deixou a desejar em alguns aspectos, tais como, não ter amparado o ofendido de “exatos” 14 anos, bem como no tocante à Ação Penal em tais crimes.
No que diz respeito ao crime de estupro, previsto no artigo 213 do CP, o legislador optou por abranger a sua aplicação possibilitando que, não apenas a mulher, mas também o homem pudesse ser sujeito passivo do crime.
Com isso, o atentado violento ao pudor deixou de ser um tipo penal para se enquadrar no mesmo artigo, não ocorrendo, portanto, “abolitio criminis”, mas sim, a transformação de duas condutas anteriormente distintas em crime único, o que, apesar de não ser tema abordado no presente artigo, já vem beneficiando vários agentes que respondiam por concurso de crimes, e agora têm suas penas reduzidas por se tratar de crime único, resultado totalmente contrário aos objetivos da lei. (JESUS,2010).
A lei também, com o objetivo de se tornar mais severa, tornou o crime de estupro contra vulnerável um crime hediondo, como já previsto ao crime de estupro do artigo 213 do CP, revogando também os casos de presunção de violência do artigo 224 do CP e aumentando as penas dos crimes sexuais cometidos contra adolescente maior de 14 e menor de 18 anos, ou quando o resultado for lesão corporal de natureza grave. (JESUS,2010).
Sabemos que uma das primordiais modificações da nova lei está associada ao crime de estupro que, evidentemente, foi o que causou maior efeito nas alterações causadas pela lei 12.015/2009, principalmente em razão da aliança com o crime de atentado violento ao pudor e da forma como esta junção foi feita, motivo pelo qual recebeu uma atenção especial da jurisprudência.
Embora anulado o artigo 214, que tratava do crime de atentado violento ao pudor, não houve a abolição do crime deste delito, ou seja, que ele apenas passou a compor a nova redação do crime de estupro. (QUEIROZ, 2010).
Não obstante, a anulação deste artigo criou incontáveis inferências. Como o crime passou a ser de ação múltipla, como já vimos, por possuir duas modalidades - o embaraço ao ensejo carnal e o constrangimento à prática de outro ato depravado - surgiu uma série de debates a respeito da temática, alusivos a existência ou não da cumulação de crimes e da continuidade delitiva. (RASSI e GRECO, 2010)
De acordo com Guilherme Nucci (2009),
o crime de estupro passou a ser classificado da seguinte maneira: crime comum, de ação múltipla, material, comissivo, instantâneo, de dano, unilateral e composto de vários atos de uma ação que integram uma conduta.
Trata-se de crime comum, pois qualquer pessoa pode cometê-lo ou sofrê-lo, isto é, não exige nenhuma qualidade sui generis do sujeito ativo, nem do sujeito passivo. (GOMES E MOLINA, 2009)
O crime de estupro, ao mudar sua redação, passou a ser um crime comum, visto que agora o constrangimento não é só aquele exercido por um homem contra uma mulher, mas qualquer pessoa pode constranger ou ser constrangido à conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique ato pornográfico diverso.
Cogita-se também de um crime de ação diversa, visto que faz referência a várias condutas, isto é, possui mais de um verbo nuclear. (GOMES e MOLINA, 2009).
Por ter aspirados a expressão do crime de atentado violento ao pudor, o crime de estupro passou a ser de ação múltipla, ou seja, que possui agora três verbos nucleares (constranger, praticar, permitir), que podem proceder ações capazes de caracterizar o estupro.
Em contrapartida, é um crime material, uma vez que a lei exige um resultado naturalístico para a sua consumação, isto é, o tipo penal descreve tanto a conduta como o resultado, exigindo a sua produção. (GOMES e MOLINA, 2009)
O crime de estupro é material porque dita a conduta do agente e, prontamente, o resultado que, neste caso, seria a violação da liberdade sexual da vítima. É comissivo (aquele cujo resultado depende de ação anterior), uma vez que exige uma ação do agente, ele faz o que a norma proíbe, é necessário um comportamento positivo para a concretização do delito. (GOMES e MOLINA, 2009)
Por se dar num momento exato, não existindo continuidade temporal, é classificado também como um crime instantâneo. (GOMES e MOLINA, 2009)
Esta qualificação se aplica ao crime de estupro, uma vez que o crime estará consumado no instante em que o agente cumpre uma das ações descrita no tipo penal, não precisando, para tanto, a constância da conduta.
Da mesma maneira, é um crime de dano, porque almeja lesionar, destruir, diminuir o bem jurídico tutelado. (GOMES e MOLINA, 2009). Se aplica ao crime de estupro, uma vez que o tipo penal está condicionado à lesão ao bem jurídico, qual seja a dignidade e a liberdade sexual do indivíduo.
Trata-se também de um crime unilateral, pois apenas um agente pode praticá-lo, ou seja, não existe a necessidade de mais de uma pessoa para que possa haver um resultado. (GOMES e MOLINA, 2009)
O crime de estupro é unilateral porque tão-somente uma pessoa pode figurar no eixo ativo do delito. Por fim, é também crime plurissubsistente, visto que se forma por vários atos; existe a violência ou constrangimento ilegal ligado à conjunção carnal com a vítima ou a prática de outro ato libidinoso. (JESUS, 2010).
No entanto, estas classificações não são de todo unânimes, existindo doutrinadores que divergem deste posicionamento.
Para André Estefam (2010) e Damásio Evangelista de Jesus (2010),
o crime de estupro não é um crime material, mas sim um crime de semelhante conduta – aquele que o legislador descreve somente o comportamento do agente, sem descrever o resultado naturalístico – tendo em vista que, para eles, a lei não menciona nenhum resultado naturalístico.
Para Rogério Greco (2009),
o crime de estupro nem sempre poderá ser caracterizado como um crime comum. Para ele quando se destinar à prática de conjunção carnal será crime de mão-própria com relação ao sujeito ativo, uma vez que só pode ser cometido pelo sujeito em pessoa, exigindo uma atuação pessoal do agente. E, desta mesma forma, será crime próprio com relação ao sujeito passivo, em razão de que apenas a mulher pode sofrer constrangimento para a conjunção carnal. Quanto à realização de outros atos pornográficos, Greco entende como os demais, classificando-o como um crime comum.
Rogério Greco (2010),
também classifica o crime como sendo de forma vinculada (aquele que a lei determina a forma de lesão ao bem jurídico), quando direcionada à prática de conjunção carnal e de forma livre (cometidos por meio de qualquer comportamento que se chegue ao resultado tipificado), quando dirigida a outros atos lascivos.
O doutrinador ao integrar a conformação do vulnerável no ordenamento jurídico pátrio, anulando o artigo 224 do Código Penal, substituiu a técnica da suspeita de violência. A criação da categoria jurídica do vulnerável tem como intenção defender a irredutibilidade sexual dos menores de 14 anos e das pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário juízo para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência, tutelando-os do ingresso precoce ou abusivo na vida sexual. (ESTEFAM, 2010),
Não é necessário a não permissão da vítima para que seja caracterizado o crime. Uma das finalidades da mudança foi o de impedir a existência de entendimento de que pela relativização da presunção de violência, a realização de atos sexuais voluntários com adolescentes menores de 14 anos pudesse ser considerada atípica, por tratar-se de menor já corrompido. (JESUS, 2010).
Todavia, para alguns juristas, como André Estefam, Rogério Sanches Cunha, Paulo Queiroz e Guilherme Nucci, o conceito de vulnerabilidade não pode ser soberano desta forma, deve, portanto, admitir prova em contrário, principalmente quando se tratar de adolescentes, isto é, aqueles com idade superior a 12 (doze) anos, como define o Estatuto da Criança e o do Adolescente.
Para os menores de 12 (doze) anos, ainda considerados crianças por esta mesma lei, defende Nucci que quanto a estes deve ser preservado o caráter absoluto de proteção sexual. (NUCCI, 2009)
Desta forma, se uma vítima, por exemplo, aos 13 anos já possui vida sexual ativa e pratica, deliberadamente, um ato luxurioso com uma pessoa maior de idade, não existe, neste caso, profanação a sua dignidade sexual, portanto não deveria reconhecer o delito. Não obstante a intenção do legislador tenha sido justamente criar um critério rígido, um modelo absoluto que afastasse a relatividade da antiga presunção de violência, a criação deste novo conceito de vulnerabilidade não pode ser considerado absoluto, de modo a não admitir prova em contrário. (ESTEFAM, 2010).
Apesar de positiva a criação deste novo tipo penal como vem, ainda restou o debate, a respeito de tratar a idade da vítima de forma absoluta ou relativa para se configurar o delito. Mesma questão que, antigamente, se discutia na suprimida presunção de violência.
Para muitos doutrinadores e juristas, ao manter a idade de 14(catorze) anos como fundamento objetivo, o legislador não observou a evolução histórica dos crimes sexuais, que afasta, cada dia mais, a inocência dos jovens para a prática da relação sexual. Não há como comparar o jovem do século XXI, com o jovem que viveu à época da criação do Código Penal.
Desta maneira, imputando a vulnerabilidade de forma objetiva ao menor de 14 (catorze) anos, principalmente àqueles que já são considerados adolescentes, isto é que possuem idade superior a 12 (doze) anos e que, em incontáveis situações, já se apresentam com vida sexual ativa, o legislador pode ter ido na oposição da história.
Como forma de esclarecimento, seguem as razões de Paulo Queiroz (2011) para motivar seu posicionamento quanto à relativização da vulnerabilidade:
Primeiro, porque a história é um elemento essencial do direito, por isso que as presunções legais (a condição de vulnerável encerra um presunção legal implícita de impossibilidade de autodefesa) têm, em princípio, valor relativo. Segundo, porque o legislador não pode suprimir a liberdade de alguém a pretexto de protegê-la. Terceiro, porque não existem direitos absolutos, uma vez que a absolutização de um direito implicaria, inevitavelmente, a negação mesma do direito (v.g., absolutizar o direito à liberdade de expressão importaria na anulação do direito à honra e vice-versa). (QUEIROZ, 2011).
E completa:
“Além do mais, a proteção penal não pode ter lugar quando for verdadeiramente possível uma autoproteção por parte do próprio sujeito, sob pena de violação ao princípio de lesividade.” (QUEIROZ, 2011).
Na verdade, por outro lado, há doutrinadores, como Rogério Greco (2009),
que defende a forma objetiva como foi destinada a vulnerabilidade ao menor de 14 (catorze) anos. Para ele, um adolescente menor de 14 (catorze) anos, ainda que possua uma vida sexualmente permissiva, não é suficientemente desenvolvido para decidir sobre sua postura sexual. Para tanto, explica que a personalidade desse menor ainda está em formação e que seus conceitos e opiniões ainda não se consolidaram. Ademais, justifica ainda na objetividade em que o legislador tentou impor à norma, de modo que esta regra deve ser seguida sem que haja discussão quanto à sua relativização. (GRECO, R., 2009).
Luiz Régis Prado também segue essa segunda linha de pensamento e assim classifica:
“(...) Assim, configura o delito em análise a conduta de ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com pessoa menor de 14 (catorze) anos, ainda que a vítima tenha consentido no ato, pois a lei ao adotar o critério cronológico acaba por presumir iuris et de iure, pela razão biológica da idade, que o menor carece de capacidade e discernimento para compreender o significado do ato sexual. Daí, negar-se a existência válida a seu consentimento, não tendo ele nenhuma relevância jurídica para fins de tipificação do delito.” (PRADO, 2010, p. 674).
Já no que se refere a ocorrência de erro de tipo, parece ser praticamente única na doutrina a aceitação dessa possibilidade. André Estefam, Guilherme Nucci, Paulo Queiroz e Rogério Greco se posicionaram afirmativamente quanto a isto.
Ademais ao se praticar um ato pornográfico consensual com uma pessoa de 13 (treze) anos de idade, por exemplo, não conhecendo o agente essa condição característica e acreditando com veemência, pelas condições em que se conheceram ou por qualquer outra razão, que a pessoa na qual ele se relaciona não é pessoa menor de 14 (quatorze) anos, estará ele agindo em erro de tipo (CP, art. 20, caput). Neste caso, comprovado o equívoco quanto à idade, se dará a exclusão do dolo do agente, resultando na atipicidade da conduta. (GRECO, R., 2009).
Quanto às pessoas com déficit mental, há de se elogiar a terminologia adotada na Lei 12.015/2009, que por ser mais técnica, não deu margem a qualquer dúvida. A apresentação de vulnerabilidade está condicionada à realização de perícia psiquiátrica que irá corroborar se existe o transtorno mental e se este transtorno compromete o entendimento da vítima para atos de natureza sexual. (ESTEFAM, 2010)
Destarte, não basta que a pessoa esteja em condição de doença ou possua deficiência mental para se classificar o delito, se faz necessária que a pessoa seja incapaz de se autodeterminar, ou seja, de consentir com a prática da relação sexual. (QUEIROZ, 2011)
Deve-se verificar, ainda, se a falta de critério é absoluta ou não. Uma vez que existindo parcialmente a falta de compreensão para a prática do ato sexual, poderá haver a desclassificação para o crime do art. 215 (violência sexual mediante fraude). No entanto, constatada a incapacidade absoluta incidirá a norma prevista no art. 217-A, §1º, do CP. (NUCCI, 2009).
Desta maneira como no delito do art. 213, no crime de estupro de vulnerável também existem duas formas qualificadas previstas nos §§ 3º e 4º do art. 217-A. No primeiro caso incorrerá a qualificadora quando do ato sexual originar lesão corporal de natureza grave e no segundo quando houver a morte da vítima. Aqui, também, haverão os mesmos embates quanto à incidência das qualificadoras apenas na hipótese de crimes dolosos ou ainda que o evento qualificador também seja doloso.
Por tratar-se de norma penal mista, também haverá para o crime de estupro de vulnerável, art. 217-A, os debates quanto à possibilidade do concurso de crimes e da continuidade delitiva.
A Lei 12.015/2009 abortou o artigo 223, que tratava das formas apreciadas pelo resultado, e o art. 224 que continha os pressupostos legais de presunção de violência, esta última foi modificada pela criação do corpo do vulnerável. A ação penal passou a ser, em regra, pública regulada à representação. E nos casos de vítima menor de dezoito anos ou vulnerável, será pública incondicionada. (JESUS, 2010)
Conforme Rassi e Greco (2010),
Existem debates doutrinários nos casos de crimes sexuais que derivam em lesão corporal de natureza grave ou morte, pois o legislador não incluiu esta hipótese como uma das exceções que seriam conduzidas por ação penal pública incondicionada. Entende boa parte da doutrina, que por tratar-se de crime complexo, deveria, então, ser conduzida por ação penal pública incondicionada, conforme entende a súmula 608 do STF, criada antes da edição da Lei 12.015/2009 e que para esta corrente não foi revogada pela nova lei. (RASSI e GRECO, 2010).
Então, observaremos que a falha do legislador ocasionou diversos questionamentos que poderiam ter sido evitados.
A Lei 12.015/2009 também criou dois motivos de aumento de pena no art. 234-A. O primeiro ocorre quando o crime resultar em gravidez. O segundo efetua-se quando o agente remete à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. As expressões sabem ou deveriam saber ser portador é objeto de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais para saber se compete a modalidade culposa ou se só se admite a dolosa.
Para Rogério Greco (2009),
Estes vocábulos só podem aprovar o dolo, seja ele direto ou casual, mas, de forma alguma, a culpa, visto que quando a lei menciona que o agente sabia ou devia saber ser portador de uma doença, ela está se referindo ao conhecimento possível da contaminação e não ao seu elemento subjetivo no momento do ato sexual.
O art.234-B, também produzido pela Lei 12.015/2009, incorporou os processos do Título VI, na lista dos que correm em segredo de justiça, com o intuito de proteger a intimidade das pessoas envolvidas no crime.
Outra relevante modificação foi com relação à denominação do Título VI, pois a nomenclatura de cada Título do Código Penal tem a faculdade de representar a realidade dos tipos penais nele inseridos, além de ser uma base de interpretação das figuras peculiares, isto é, o nome de um título abala a interpretação de todos os artigos que nele se encontram. (GRECO, R., 2009)
Assim sendo, neste diapasão, nos mostra positiva a mudança na nomenclatura do Título VI que, com as novas mudanças, deixou-o adequado com os dispositivos nele inseridos, de forma a nos ajudar na interpretação de cada um dos tipos penais nele erguidos.
2.2 NOVA TIPIFICAÇÃO PENAL
A partir da nova redação do artigo 213 do Código Penal, foram juntadas as ações de delito, pertencentes ao estupro e atentado violento ao pudor, este último previsto no revogado artigo 214, do mesmo Diploma Legal.
Assim, aquele que “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, deverá refutar apenas por estupro, ainda que tenha praticado, além do ensejo, outras condutas inseridas na citada norma penal, quando se tratar da mesma vítima, num mesmo âmbito, sendo, portanto, incabível a incidência de concurso ou de crime continuado. (CABRAL.2009).
Contudo, nesse caso, necessariamente, devem ser representadas na denúncia as diversas condutas praticadas, visando à demonstração da gravidade do crime, para efeito de exasperação da pena a ser aplicada.
Logra especial cuidado, o cumprimento da necessidade de contato físico para a representação de ato libidinoso, diverso da conjunção carnal, ao contrário do entendimento sustentado pelo Professor Guilherme de Souza Nucci (2009), em sua obra “Crimes contra a dignidade sexual: comentários à Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009”, Editora RT, p. 22).
“De fato, “se alguém, mediante ameaça com arma de fogo, obriga a vítima a se desnudar em sua frente, o que lhe coteja prazer sexual”, não está cometendo crime de estupro, e sim embaraço ilegal, previsto no artigo 146 do CP: “ Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”, vez que, inaplicável à hipótese, o tipificado no artigo 61 do Decreto-lei 3.688/41 - LCP.
Quanto as aplicações da nova lei para os fatos já julgados ou iminentes de julgamento, urge observar que, em alguns casos, a mesma deverá retroagir para lucrar aqueles incriminados sob o amparo da antiga redação.
Trata-se da chance em que o agente sofreu condenação ou encontra-se denunciado pela prática dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor – antes tipificado nos artigos 213 e 214 do CP, em concurso material, quando praticados contra a mesma vítima sob um mesmo contexto jurídico, eis que, com a junção dos tipos no artigo 213 do CP, o agente passa a responder por um único crime, intitulado “estupro”. (CABRAL.2009).
Conforme lições do celebrado Guilherme de Souza Nucci (2009):
É clara e evidente a junção dos comportamentos criminosos, pertencentes aos anteriores estupro e atentado violento ao pudor, sob um mesmo tipo penal permutado. Portanto, o agente que “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” responderá por um só delito: estupro (art. 213, CP). É plácido o entendimento em relação aos tipos alternativos: a prática de uma só conduta descrita no tipo ou o cometimento de mais de uma, quando expostas as práticas num mesmo pano de fundo, especialmente contra idêntica vítima, resulta na concretização de uma só infração penal.
No caso de cumprimento de pena, por sentença transitada em julgado, caberá ao juízo da execução penal ajustar a severa crítica à nova realidade jurídica, podendo fazê-lo de ofício, ou por provocação das partes, conforme artigo 66, inciso I, da Lei n.º 7.210/84, e artigo 2º, parágrafo único, do CP, c/c artigo 13 caput do Decreto-Lei n.º 3.931/41 – LICPP, que equivale tratar-se de direito subjetivo do réu, erigido na condição de garantia fundamental pelo artigo 5º, inciso XL, da CF. (CABRAL.2009).
Nos processos que ainda estejam sem julgamento, a questão deverá ser promovida pelo Promotor de Justiça nos argumentos finais, se em grau de recurso, pelo Órgão Ministerial de 2º Grau, devendo também ser observada nas ações em que haja representação, ou naquelas de natureza pública incondicionada, no momento do oferecimento da denúncia. (CABRAL.2009).
Sobre a aplicação anterior a Lei n.º 12.015/09, Nucci (2009) leciona que tal, “... devem agir imediatamente, compreendendo inquéritos, processos em andamento e processos em fase de execução...”, lembrando que:
(...) a primeira etapa, cuida-se de desenvolver uma responsabilidade de crime único, embora possa existir a representação dos fatos de maneira nobre, contendo a denúncia ou queixa somente a figura do art. 213. Na segunda etapa, cabe ao juiz, se for o caso, condenar o réu, provada uma ou duas condutas, a um só delito de estupro, detalhando, naturalmente, a pena de maneira mais apropriada possível. Nesse campo, ingressa o princípio constitucional da individualização da pena, vale dizer, o cometimento de violência sexual consistente em conjunção carnal resulta no mínimo de seis anos; a prática de violência sexual lastreada em conjunção carnal associada a um ou mais atos libidinosos constitui cenário diferenciado. Portanto, valendo-se do disposto no artigo 59 do Código Penal, pensamos ser incabível a fixação de apenas seis anos. A pena mínima não se justifica diante da multiplicidade de condutas sexuais violentas contra determinada vítima (...)
Na seara da nova redação concedida ao artigo 218, do CP, que passou a punir a conduta de “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem”, tal se mostra benéfica ao partícipe do crime de estupro de vulnerável, como no caso da mãe que induz sua filha a satisfazer a lascívia de seu companheiro, a qual, antes da Lei n.º 12.015/09, incorria nas sanções previstas para o crime de estupro ou de atentado violento ao pudor – conforme o caso –, sujeitando-se, todavia, agora, à pena reclusiva de 02 (dois) a 05 (cinco) anos. (CABRAL.2009).
Censurando a alteração, Nucci (2009) afirma que
a mesma cria “(...) um modo de exclusão pluralística à teoria monística (...)” , pois passa a punir autor e partícipe do crime de estupro de vulnerável de forma distinta, o primeiro, por infração ao artigo 217-A, do CP, com pena mínima prevista em 08 (oito) anos, enquanto o segundo por infração ao artigo 218, com pena mínima de 02 (dois) anos.
Outro fato merecedor de nota foi o tratamento desigual que o tipo confere às diferentes formas de participação, pois somente concedeu pena menor ao indutor, mantendo a coautoria nos termos do artigo 29, caput, do CP, para aquele que estimula ou auxilia um menor de 14 (quatorze) anos a praticar ato sexual com outra pessoa como partícipe de estupro de vulnerável. (CABRAL.2009).
De fato, a falta de tipificação igualitária para pessoas com diferenças como induzir e atrair -, proporcionou uma indevida impunidade, afirmando o citado autor que:
O efeito dessa falta de bom senso será a possibilidade de executar por semelhança in bonam partem ao partícipe em geral do estupro de vulnerável a figura privilegiada do art. 218, uma vez que não existe qualquer sentido em punir o indutor com pena de dois anos e o estimulador com pena de oito anos. Se a situação de ambos for igualada (indutor e instigador), o que seria medida lógica e natural, a reforma com o fim de proteger o vulnerável, no campo sexual, terá aberto um flanco significativo de impunidade (NUCCI,2009).
Na seara da tipificação do crime, uma perspectiva a ser considerada, foi o questionamento recente dirigido ao Centro de Apoio Operacional Criminal - do Ministério Público Estadual, onde se perguntava em qual figura delitiva implicaria aquele que, na forma do artigo 71 do CP, tivesse executado o crime de estupro ou atentado violento ao pudor sob o amparo da lei anterior, seguindo, repetidas vezes, na prática delitiva após a entrada em vigor da Lei n.º 12.015/09.
A suposição, com certeza, contesta na observância do princípio ao curso do tempo, devendo-se executar a lei que está em vigor ao tempo do primeiro crime, porque, sobretudo, mais benévola, na qual o alcance se estenderá a todas as condutas típicas posteriores, especialmente diante da irretroatividade da lei mais grave (CABRAL.2009).
Baseado no próprio Código Penal, em seu artigo 225, verifica-se que: “Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, avança-se mediante ação penal pública condicionada à representação”.
A ação penal que era, como norma, privada, onde a vítima tinha a titularidade da ação, ou seja, detinha a legitimidade ativa, foi modificada. A ação passou a ser pública condicionada à representação, tendo a legitimidade ativa passada ao Ministério Público, porém, ele necessita da petição da vítima para iniciar a perseguição penal. (GRECO,2010).
O que o atual trabalho procura debater é o fato de que, embora o Ministério Público tenha atualmente a titularidade da ação em qualquer dos cenários previstos nos crimes contra a dignidade sexual, a condição à que ele fica dominado, ou seja, a representação do ofendido, acaba, em várias oportunidades, por gerar a impunidade do indivíduo que cometeu o crime.
De acordo com Guilherme de Souza Nucci (2009), doutrinador respeitado, “aos fatos ocorridos após 7 de agosto de 2009, torna-se pública atrelada a ação. Antes dessa data, ainda se pode favorecer seja ela de natureza privada” (“Crimes contra a dignidade sexual – Comentários à lei 12.015/2009; p. 71).
Com relação à exceção pronunciada no parágrafo único do artigo 225 do CP, anteriormente só havia previsão quanto à ação penal condicionada nos casos em que a vítima era pobre, e apenas incondicionada se o crime era cometido com abuso do poder familiar, ou com violência real, de acordo com a Súmula 608 do STF. (GRECO.2010).
A nova lei 12.015/2009, todavia, também tratou de modificar a exceção, tendo em vista que, atualmente, o parágrafo único do artigo 225 do CP tem a seguinte redação: Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável” (GRECO.2009).
Melhor dizendo, a lei teria a intenção de tutelar as vítimas que fossem menores de idade, bem como as vulneráveis, tendo em vista a maior debilidade dessas pessoas.
Esta definição do legislador deveria compreender não apenas a estas vítimas, mas sim, a todas as vítimas dos crimes contra a dignidade sexual, acautelando-se, assim, a segurança de toda a sociedade, tendo em vista a gravidade do delito e a periculosidade do sujeito que o pratica.
O termo “proporcional” ganhou expressão especialmente no direito administrativo e foi no século XIX que se teve a necessidade de aplicação do princípio em outros campos, tal como no direito processual, porém, foi apenas após a Segunda Guerra Mundial, quando a jurisprudência e doutrina alemã, justificando o princípio com base na Lei Maior, que o mesmo ganhou status Constitucional.
De acordo com André Estefan (2009):
“[...] na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser compensados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução mais justa. Assim, a falta de entendimento de uma doutrina não pode ser mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra a doutrina ser sacrificada.”
Portanto, o princípio da proporcionalidade estará presente sempre que dois direitos constitucionalmente certificados supostamente esbarrem, necessitando-se de uma norma apta a fazer com que o mais apropriado possa persistir, sendo que o correto nestes casos seria proteger o direito mais benéfico à sociedade, não prevalecendo o ângulo individualista do direito em prejuízo de sua interpretação ampla. (MOREIRA,2009).
No entanto, haverá choque de direitos fundamentais quando, analisado a jurisprudência, o exercício pelo titular de um dos direitos em conflito obstruir, restringir ou afetar o exercício do direito fundamental de outro, independendo, porém, de se tratar de direitos iguais, individuais ou não, bastando que impeça o exercício regular de um direito.
De acordo com Evandro Campano (2009), o “princípio da adequação”, sendo este subprincípio do Princípio da Proporcionalidade, ordena que: [...] se verifique, na doutrina, se a decisão normativa restringente (o meio) do direito fundamental permite o alcance da finalidade perseguida. Trata-se de averiguar se a medida é capaz, útil, conveniente, apropriada para atingir o fim perseguido.
Finalmente, o princípio da proporcionalidade abrange, em relação ao meio empregado pelo legislador, as características da necessidade e da adequação, ou seja, a finalidade de efetuar, sob o interesse público, a medida adequada aos fins à que se visa realizar.
Com base no artigo 5° da Constituição Federal de 1988, verifica-se que o legislador optou por proteger em seu “caput” os cinco direitos fundamentais básicos e, nos seus incisos, encontram-se as suas análises.
De acordo com o próprio “caput” do artigo 5°, o direito à segurança é um direito fundamental e inviolável, sendo tutelado, portanto, a todo e qualquer indivíduo, conforme garantia constitucional:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (art. 5°, “caput”, CF/88).
Em relação à segurança, deve-se considerar que “é um direito de personalidade, intrínseco à necessidade de se desenvolverem as atividades por onde se explana o modo de ser de cada um no mundo, sem que elas venham a ser objeto da desnecessária intervenção de quem quer que seja”. (FRANCO,2010)
Com base no mesmo artigo 5°, em seu inciso X, o legislador também traz o seguinte direito fundamental:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” (art. 5°, inciso X, CF/88).
Por conseguinte, direito à intimidade e à vida privada, embora não tenham sido olhadas com grande afeto ou despertada interesse de grande parte dos doutrinadores no início de seu surgimento, ganhou força ao ser reconhecido pela Declaração Universal de Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
E, ainda que este direito deva ser respeitado, vale lembrar que: “O direito ao respeito da vida privada também compreende em princípio a liberdade de relações entre os dois sexos, desde que aceitas por uma vontade livre e consciente.” (FRANCO,2010).
Ou seja, o direito à intimidade não é soberano, tendo em vista que encontra empecilhos em outros direitos constitucionais, tal como no direito à segurança da sociedade.
Pelo princípio da intervenção mínima, o direito penal deve ser respeitado como ultima ratio, melhor dizendo, deve ser considerado a última opção para solução de conflitos, devendo-se punir os comportamentos realmente ofensivos à sociedade (princípio da ofensividade). Assim sendo, havendo mudança de valores, há também mudanças no que deve ser tutelado pelo direito penal. (NUCCI, 2009).
O princípio da intervenção mínima é conceituado como um dos princípios constitucionais tácitos aplicados ao Direito Penal, em razão das críticas extensiva que se faz das normas constitucionais, autorizada no art. 5º, § 2º da Carta Magna. Ele tem o dever de limitar a atividade legislativa na execução de leis penais incriminadoras, tendo em vista que existem outros meios para resolução de conflitos, que, na maioria dos casos, são muito mais eficientes ao fim que se destinam. O direito penal deve ser utilizado como ultima ratio, portanto, se existir alguma maneira menos danosa para solucionar algum conflito, este deve ser o meio empregado. (RASSI e GRECO, 2009)
Com a mudança de costumes, a liberdade sexual, hoje, é observada de maneira bem mais abrangente e de uma forma muito mais natural pelas novas gerações, por isso, houve modificações no bem jurídico protegido de forma a tutelar a ‘dignidade sexual’ do indivíduo, deixando-o a salvo de qualquer tipo de exploração, resguardando um perfeito desenvolvimento moral e da personalidade do indivíduo, no que se refere à sua sexualidade. (JESUS, 2010).
Na concepção de Greco e Rassi (2009),
A sociedade brasileira passou por diversas modificações e, nesta circunstância, a expressão crimes contra os costumes já se apresentava ultrapassada, pois o interesse atual é proteger a dignidade sexual das pessoas e não o seu comportamento sexual diante da sociedade. Se antes existia a preocupação em proteger a virgindade das mulheres, hoje existem outras preocupações, como, por exemplo, a exploração sexual de menores. Ou seja, a legislação penal deve se preocupar com a defesa de bens jurídicos e não com a proteção de uma moral sexual. (GRECO, R.,2009).
O Direito Penal Sexual, ramificação do direito que tem como objetivo determinar os comportamentos sexuais humanos a serem protegidos pelo Estado, tem como uma de suas maiores complicações eliminar os comportamentos penalmente insignificantes de natureza unicamente moral, pois, a criminalização destes comportamentos são, por diversas vezes, defendidos por grande parte dos grupos sociais de uma determinada região. Além do mais, a moral social sempre influenciou o Direito Penal ao longo da história. (RASSI E GRECO, 2009)
Grande parte do ensinamento especializado, o qual se adota Guilherme Nucci, Paulo Queiroz e Rogério Greco, faz incontáveis críticas a essa linha moralizadora do Direito Penal Sexual, que insiste em manter na legislação penal comportamentos ofensivos à moral social sexual, mesmo defronte de uma mudança no comportamento sexual das pessoas ao longo dos últimos anos e das novas medidas sobre sexualidade. Para estes autores, criminalizar condutas que ferem apenas a moral sexual seria infringir o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, que deveria funcionar de modo, apenas quando não existir na ordem jurídica outros meios para se prevenir o dano. (RASSI E GRECO, 2009).
Apesar disso, ao que se avalia, o legislador tenta impor uma moral pública sexual, como se a atividade sexual por si só simbolizasse algum perigo capaz de adulterar e degradar o sujeito e, diante disso, acaba se excedendo na criação de tipos penais sexuais. (QUEIROZ, 2011)
Assim esclarece Paulo Queiroz acerca de quais bens deve ser protegido pelo direito penal sexual:
“(...) intervenção penal na esfera da sexualidade só faz sentido se se atender à proteção da própria liberdade de autodeterminação sexual de adultos e à proteção do desenvolvimento pleno e saudável de crianças, adolescentes e incapazes em geral, isto é, só faz sentido quando verse a tutelar o sujeito contra ações de terceiros (o Estado, inclusive) que adulterem o direito de toda pessoa humana de se relacionar ou não se relacionar sexualmente com quem quiser, quando quiser, se quiser, como quiser.” (QUEIROZ, 2011)
“(...) deve ser alvo de descriminalização tudo quando não apresentar grave violação ao direito do próprio sujeito de auto determinar-se sexualmente.” (QUEIROZ, 2011).
Contudo, em conformidade com estes legisladores, o direito penal sexual deve servir apenas para proteger a autodeterminação sexual de cada indivíduo, devendo, portanto, ser tratado com ultima ratio para se tomar o controle social.(QUEIROZ, 2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É relevante que a Lei 12.015/09, veio transformar o ordenamento jurídico no que diz respeito aos crimes contra a dignidade sexual, agora, tendo como vítima no mesmo artigo e nos mesmos elementos do tipo, tanto a mulher quanto o homem que por sua vez era de forma pré-julgada por pensarem que a libido do homem é mais aguçada que o da mulher, ficando demonstrada que ambos possuem as mesmas vontades sexuais e talvez até mesmo, certos pensamentos parecidos.
Analisando um pouco mais a Lei 12.015/2009, verificamos que, de fato, o legislador perdeu uma grande oportunidade de descriminalizar outros crimes previstos no Código Penal, executando o princípio da intervenção mínima, uma vez que diversas tipificações penais, como é o caso dos artigos 229 (casa de prostituição), 233 (ato obsceno) e 234 (escrito ou objeto obsceno), ferem exclusivamente a moral pública sexual, sem representar qualquer violação a liberdade sexual das pessoas.
Quanto à mudança de nomenclatura, esta nos pareceu bastante positiva, tendo em vista que o vocabulário anterior não estava adequado com o modelo comportamental da sociedade, que busca proteção à sua dignidade sexual e não a preservação de hábitos comuns das pessoas.
Ainda que a Lei n.º 12.015/2009 tenha aparecido como tentativa de prover as necessidades pedidas pela sociedade, conferindo direitos e deveres com o objetivo de proteger as garantias fundamentais, ainda que precocemente, não é certo afirmar que a lei atingiu os objetivos esperados, seja numa ótica de maior severidade, seja na modificação do tipo de ação penal imposto.
Evidencia-se que a intenção do legislador, embora tenha sido a de amparar e resguardar ainda mais direitos, em alguns aspectos, tendo em vista que criou falhas e divergências, acabou fazendo o contrário e, até mesmo, comprometendo a possibilidade de punição do agente infrator, como exemplo, temos o sujeito passivo do crime que sofre o resultado morte e não deixa representante, o que impede o Ministério Público de mover a ação penal e buscar a resposta tão esperada pela sociedade na repressão desse tipo repugnante de delito.
Na atualidade, com os estudos mais aprofundados sobre as mudanças fomentadas pela nova lei, já se debate a possibilidade de modificação de alguns artigos a fim de resguardar a intenção legislativa ao proporcionar as tão esperadas mudanças, isto é, proteger a sociedade e a vítima de tais delitos.
Vale ressaltar também, que o princípio da proporcionalidade tem o objetivo de fazer valer o direito mais necessário e importante em conflito, que neste caso, seria o direito de toda a sociedade, ou seja, a segurança coletiva, interpretando a norma de maneira a favorecer o interesse social e não o individual, podendo se encontrar aparentemente em conflito.
Também, vale ressaltar que, embora a lei seja recente e suas interpretações diversas surgiram em face das necessidades e modificações da sociedade, isto é, visando amparar e resguardar sua aplicabilidade e concretização.
Então, não se pode admitir a liberdade e impunidade desses criminosos em nome de um ideal de privacidade e intimidade da vítima, bem como fechar os olhos para a maior possibilidade de reincidência dos infratores que cometem crimes de violência sexual, com a desculpa de que a persecução penal pode causar maiores prejuízos para a vítima.
O direito da sociedade em ver esses sujeitos infratores processados e longe do convívio social, em nome princípio da proporcionalidade, deve se sobrepor ao interesse privado de intimidade da vítima.
Embora a ação penal possa realmente causar embaraço à vítima, isso não é motivo bastante para que o Estado lhe conceda a discricionariedade (pequena liberdade) de buscar a punição ou não desses criminosos, tendo em vista que a periculosidade e repugnância dos crimes por ele cometidos, por si só, fundamentam a necessidade da persecução criminal ser incondicionalmente delegada ao Estado que, como representante da sociedade, deve buscar a punição adequada desses criminosos.
Contudo, vimos que o aspecto mais importante da nova lei foi em razão da junção do crime de estupro e atentado violento ao pudor, fazendo aparecer discussões com relação ao acaso do concurso material entre as condutas relatadas no tipo penal e da continuidade delitiva.
Entendemos que pela união das condutas fez aparecer um tipo penal alternativo, uma vez que só existe uma conduta definida no tipo penal e que está caracterizada pelo verbo “constranger”. Para que seja considerado um tipo penal cumulativo seria necessário haver vários verbos definindo várias condutas, como ocorre no artigo 33 da Lei 11.343/2006.
Desta maneira, compreendemos também que é perfeitamente possível o crime continuado quando, em momentos diferentes, o agente comete as duas condutas relatadas no tipo penal do artigo 213, observadas os requisitos do artigo 71 do Código Penal, uma vez que estamos tratando de crimes da mesma espécie, tendo inclusive sido unificados num só tipo penal, e reconhecendo que estas ações possuem a mesma maneira de execução.
A criação da figura do vulnerável, em substituição à antiga técnica de presunção de violência, também foi um marco da Lei 12.015/2009, cuja intenção foi de tutelar a intangibilidade sexual dos menores de 14 anos e das pessoas que, por alguma razão, não têm o necessário critério para a prática do ato sexual.
Contudo não há como não fazer crítica ao critério rígido em que o legislador tentou impor ao delito no caso dos menores de 14 catorze anos. Nesta seara, concordamos com os doutrinadores que defendem a ideia de que o conceito de vulnerabilidade não pode ser absoluto, devendo se admitir prova em contrário.
Sendo assim ], é evidente que a Lei 12.015/2009 modernizou o ordenamento jurídico penal com relação aos crimes sexuais. E como toda lei nova, recebeu várias críticas positivas e negativas, e diversas interpretações, o que originou inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto que, comparação, ainda está longe de ser tranquilo quanto aos assuntos mais debatidos, como em quais situações será aplicado o princípio da lei penal mais proveitosa, se os crimes de estupro ou estupro de vulnerável serão considerados tipos penais mistos cumulativos ou alternativos.
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Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Civil, de Família e Sucessões, Ambiental e do Consumidor pela Faculdade Internacional Signorelli. Pós-graduado em Ciências Penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARDOSO, Anderson Luiz Guimarães. A nova lei de combate aos crimes contra a liberdade sexual: Uma análise acerca das modificações trazidas ao crime de estupro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 mar 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49809/a-nova-lei-de-combate-aos-crimes-contra-a-liberdade-sexual-uma-analise-acerca-das-modificacoes-trazidas-ao-crime-de-estupro. Acesso em: 23 dez 2024.
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