RESUMO: O trabalho foi fundamentado em pesquisa documental descritiva, com análise doutrinária e jurisprudencial adotadas no Brasil, tem por finalidade identificar qual(is) o(s) prazo(s) prescricional(is) das multas aplicadas pelo TCU – Tribunal de Contas da União. É verificado que em razão de a LOTCU – Lei Orgânica do TCU (Lei n.º 8.443/1992) deixar lacunas sobre a prescrição das sanções nela previstas, atualmente, coexistem três vertentes acerca da prescritibilidade das multas previstas nos arts. 57 e 58 da LOTCU: a imprescritibilidade propriamente dita; a utilização decenal que compõe a regra geral do CC – Código Civil brasileiro (Lei n.º 10.406/2002), constante em seu art. 205; e o uso do prazo quinquenal previsto em inúmeras normas de Direito Público. Por fim, baseando-se princípios básicos do ordenamento jurídico, defende-se o período de cinco anos para que ocorra a prescrição, contados do conhecimento do ilícito pelo respectivo Tribunal de Contas.
Palavras-chave: Prescrição. Multa. Ilícito. Prazos. Tribunal de Contas da União.
ABSTRACT: This article was based on descriptive documentary research, specially about doctrinal thoughts and jurisprudential analysis usually adopted in Brazil, the central focus of this study is to identify what is the limitation period of fines imposed by TCU – Brazilian Court of Auditors. This work shows that, although the LOTCU – TCU Organic Law (Law n. 8.443/1992) doesn’t deal with deadlines period of sanctions therein, nowadays coexist three positions about deadline for the statute of limitations for fines which are contained in Articles 57 and 58 of the same law, these are: the imprescriptibility itself; the application of ten-years term existing in the general rule of CC – Brazilian Civil Code (Law n. 10.406/2002); and the use of five-year term provided on several public law rules. Lastly, according to the principles of unity and the coherence of the community legal order, argues in favour of the limitations period of five years, calculated from the moment at TCU became aware of the unlawful fact.
Keywords: Limitation period. Fines. Unlawful fact. Deadlines. Brazilian Court of Auditors.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. OS PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 2.1.1. O princípio da prescritibilidade. 2.1.2. A imprescritibilidade como exceção. 2.2. O princípio do devido processo legal. 2.3. O princípio da razoável duração do processo. 3. O PRAZO PRESCRICIONAL DAS MULTAS APLICADAS PELO TCU – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. 3.1. A imprescritibilidade. 3.2. A prescrição decenal. 3.3. A prescrição quinquenal. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Incorrer em ilícito é hipótese para a incidência de norma jurídica que tem como intuito repelir tal conduta. No mundo jurídico há diversos instrumentos corretivos para esta situação, dentre as quais: medidas para restaurar a situação anterior, quando possível, reparar o lesado com uma compensação (no Processo Civil é denominado “perdas e danos”); e penalizar desvios de condutas (este denomina-se pena ou sanção).
Para os dois primeiros casos, o objetivo é a recomposição patrimonial do lesado, sendo que a finalidade da sanção é atingida por via oblíqua, por vezes, há casos em que o prejudicado não se beneficia diretamente. A CF/88 – Constituição Federal de 1988 – atribuiu ao TCU ambas as funções (reparatória e punitiva), em seu art. 71 é explanado, de forma clara, estas competências:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
(Grifo meu).
Os assuntos tratados pelo TCU são de tanta importância que a própria CF/88, em seu art. 71, § 3º, confere que: “As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo”. Ou seja, o TCU prescinde de recorrer ao Poder Judiciário para dar validade (efetividade) às suas decisões.
Contudo, a LOTCU – Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União – Lei n° 8.443 de 1992, que dispõe sobre todo o aparato organizacional do TCU, versa em seus arts. 57 e 58 sobre sanções, da espécie multa administrativa, que poderão ser aplicadas pelo próprio TCU em determinados casos. Entretanto, é valido ressaltar que existem outras espécies de sanções das quais o TCU pode se valer, como: o afastamento provisório do cargo, o arresto dos bens de responsáveis julgados em débito e a inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública. Trataremos no presente artigo não somente das previstas no capítulo V (de sanções) da LOTCU, como, também, dos outros supracitados.
O foco do trabalho desenvolvido é em torno do instituto da prescrição, tendo em vista a lacuna existente na LOTCU (A Lei n° 8.443/92 é omissa quanto ao instituto da prescrição/decadência), o princípio da prescritibilidade adotado pela CF/88 e a regra geral de prescrição estabelecida no CC (art. 205), bem como apresentar uma análise crítica da jurisprudência do TCU acerca da matéria.
A temática é bastante relevante pois, assim como o instituto da decadência, é utilizado por gestores públicos e por outros como pressuposto na tentativa de afastar a aplicação de sanções sobre eles – provocação esta que tem cominado em fortes debates nas deliberações atuais do TCU. A decisão do Tribunal não põe fim à controvérsia, pois a matéria é frequentemente submetida à apreciação do Poder Judiciário, que não raras vezes reforma o julgado administrativo. Nesse contexto, o artigo objetiva descrever as principais teses jurídicas atualmente em discussão para, ao final, posicionar-se acerca de cada uma delas.
A análise crítica abordará a importância dos princípios como parte integrante do Direito – elementos essenciais para a perfeita orientação legislativa, judicial e administrativa – e descreverá alguns previstos na CF/88.
Para o estudo foram escolhidos quatro princípios, com base na proximidade destes com o assunto a ser tratado e, principalmente, por priorizar o fator tempo para sua realização. Os princípios são: da segurança jurídica, da proteção da confiança, do devido processo legal e da razoável duração do processo.
2.1. O princípio da segurança jurídica e a proteção à confiança
A proteção à confiança é considerada um valor inerente ao princípio da segurança jurídica que visa garantir, por meios normativos, que o Estado não frustrará as legítimas expectativas concedidas aos indivíduos. Com isso, é razoável que o Estado induza à estabilidade e à permanência em seus atos praticados, mesmo que estes atos sejam considerados ilegais posteriormente; pois, em qualquer caso, foram produzidos, no indivíduo, uma legítima expectativa frente a um determinado comportamento estatal. Isso não quer dizer que o Estado deva incorrer em ilegalidades, e sim assegurar a boa-fé subjetiva.
A segurança jurídica pode ser considerada um dos elementos fundamentais que justificam a existência de um ordenamento jurídico e, praticamente, do próprio Estado de Direito. Canotilho[1] anota que, há muito os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança são considerados elementos constitutivos do Estado de Direito.
Apesar de haver divergências doutrinárias, para Canotilho, a segurança jurídica é um gênero da espécie proteção da confiança. Ainda, segrega didaticamente que a proteção da confiança está relacionada a questões subjetivas do ordenamento jurídico, em especial a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos praticados; enquanto a segurança jurídica vincula-se aos elementos objetivos, como a estabilidade jurídica e a preocupação com a concretização do direito.
Canotilho ainda destaca que para o entendimento sobre segurança jurídica deve ser observado três tipos de atos: os normativos, os jurisdicionais e os administrativos.
Os atos normativos têm como objetivo impor condições àqueles que criam as normas[2]. Desta forma, as leis devem ser elaboradas em linguagem clara, compreensível e não contraditória, gerando nos intérpretes um sentido incontroverso de aplicação, de modo que as consequências jurídicas dos atos praticados sejam de conhecimento dos indivíduos. Neste sentido, a regulamentação deve permitir a identificação das situações concretas nas quais devem ser aplicadas. Caso contrário, não será possível trazer segurança às relações sociais e jurídicas, consequentemente, haverá dúvidas a respeito da atuação do Poder Público e isto impossibilitará o controle da atuação administrativa pelo Poder Judiciário. Neste ponto, como previsto na própria CF/88, art. 5º, inciso XXXVI, temos que as normas não podem retroagir para prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Para os atos jurisdicionais temos a figura da coisa julgada que não pode ser confundida com a eventual necessidade de se respeitar a uniformidade da jurisprudência. Canotilho ressalta que “sob o ponto de vista do cidadão, não existe um direito à manutenção da jurisprudência dos tribunais, mas sempre se coloca a questão de saber se e como a proteção da confiança pode estar condicionada pela uniformidade, ou, pelo menos, estabilidade, na orientação dos tribunais”[3]. Ou seja, trazendo para o caso concreto, cabe ao Juiz de Direito avaliar o caso e os possíveis princípios aplicáveis, decidir a relevância e importância destes diante da situação, para que seja buscada a melhor decisão.
No caso dos atos administrativos temos outra vertente. Ainda que as manifestações da Administração Pública não possuam força de uma sentença judicial e sequer sejam protegidas pela coisa julgada, elas devem possuir estabilidade a ponto de vincular o autor ao ato, a ponto evitar o comportamento contraditório. Esta estabilidade deve ser relativa, para que permita adaptações futuras nos entendimentos, muitas vezes causadas por descobertas técnicas e científicas.
A prescrição é um instituto que guarda íntima harmonia com o princípio da segurança jurídica, na qual sua aplicabilidade se restringe em casos em que houver discussão no espectro patrimonial e subjetivo. Faz-se necessário, por ora, distinguir o instituto da prescrição e o da decadência; para Câmara Leal, o prazo decadencial inicia-se no momento em que o direito nasce. Por outro lado, o prazo prescricional começa a fluir no momento em que a ação nasce, ou seja, no momento em que o direito é violado, ameaçado ou desrespeitado[4]. A legislação brasileira tem se posicionado com entendimento diverso, a respeito dos prazos prescricionais, reconhece que a contagem do prazo prescricional se inicia quando a violação de direito se torna conhecida pela autoridade competente para que seja exigida o cumprimento de uma obrigação específica, este modelo intitula-se: princípio da actio nata, no Direito Administrativo.
Adaptando este último entendimento ao processo de controle externo, temos que o ponto de partida para a contagem do prazo prescricional ocorre com o efetivo conhecimento da irregularidade pelo TCU, órgão competente para tratar da matéria nestas circunstâncias. Então, em regra, o conhecimento se dará com a instauração do processo interno.
Utilizar-se da prescrição pode contribuir para geração de duas possíveis hipóteses: tanto para a criação de um direito, consolidando situações jurídicas contínuas e duradouras; quanto para a extinção de pretensões jurídicas.
Entretanto, para que este instituto seja devidamente invocado, faz-se necessário o cumprimento das seguintes etapas:
I) existência de um direito patrimonial subjetivo violado (fator primordial ao nascimento da pretensão); e
II) inércia do titular em não exercer sua pretensão por um prazo pré-determinado, curso temporal que pode variar dependendo do direito em questão e das circunstâncias do caso concreto (possibilidade de ocorrer suspensão e interrupção).
No que tange à renúncia, segundo entendimento da doutrina e conforme posição firmada no CC, é plenamente possível aplica-las à prescrição. Podendo esta ser tácita ou expressa (vigente no art. 191 do CC). Contudo, a renúncia só poderá ser concretizada caso não venha a prejudicar terceiro. Além disso, a abdicação não pode ser prévia, por motivo lógico de sistemática, não há possibilidade de os sujeitos renunciarem a um direito que ainda não possuem.
O CPC – Código de Processo Civil, que tem aplicação subsidiária nos processos perante ao TCU, versa, em seu art. 219, § 5°, que “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição” (alteração realizada pela Lei n.º 11.280/2006). Isto é, prescinde de provocação das partes para que o juiz decida sobre prescritibilidade.
Com o advento desta alteração no CPC iniciou-se reiteradas críticas sobre a temática. Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias[5] reconhecem que a inovação acompanha a economia e a celeridade processuais instituídas na CF/88 por meio da EC – Emenda Constitucional – Nº 45/2004. Entretanto, questionam o equívoco do legislador em permitir que um juiz reconheça de ofício a prescrição. A crítica fundamenta-se no fato de que não é razoável que o juiz adentre na autonomia privada da pessoa e, por conseguinte, nas liberdades individuais – direito fundamental assegurado pela CF/88.
A prescrição é vista como um dos inúmeros vetores do princípio da segurança jurídica, como discorre Pontes de Miranda que o instituto “em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é excepcional”.[6]
A partir deste ensinamento, trazendo para o tema em abordagem, é possível interpretar que, no ordenamento jurídico brasileiro, a imprescritibilidade decorre de duas fontes:
I) da existência de direitos extrapatrimoniais; ou
II) do rol taxativo de exceções na CF/88.
São três as hipóteses constantes do item II:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
(Grifo meu).
As decisões do TCU que se pautam pela imprescritibilidade fundamentam-se especialmente na omissão legislativa a respeito do prazo prescricional. Por outro lado, tem-se toda uma lógica do ordenamento jurídico para afastar a aplicação desta possibilidade, pois, não existindo uma lei expressa, destarte, o intérprete não seria competente para se valer da analogia, costumes ou da interpretação extensiva das normas jurídicas para regular direitos do credor. Ademais, sendo esta matéria do ramo de Direito Administrativo, o Estado tem o dever de seguir estritamente o que está previsto em normal legal (princípio da legalidade). Esta posição tem adeptos da doutrina, José Cretella Jr. expôs ser ilegítimo “à doutrina, quando é omisso o direito positivo, criar direito novo e conceder benefícios que só o legislador pode outorgar. Cabe à lei fixar, de modo absolutamente preciso, o prazo prescricional”[7].
Corroborando com a posição defendida por Cretella Jr., o jurista e Ministro do STF – Supremo Tribunal Federal – Luis Roberto Barroso fez a seguinte ponderação:
O fato de não haver uma norma dispondo especificamente acerca do prazo prescricional, em determinada hipótese, não confere a qualquer pretensão a nota da imprescritibilidade. Caberá ao intérprete buscar no sistema normativo, em regra através da interpretação extensiva ou da analogia, o prazo aplicável.
Com efeito, o argumento de que o tema da prescrição seria de “direito estrito”, não admitindo por isso analogia, não tem fundamento[8].
Logo, pelo entendimento da sistemática do ordenamento jurídico, é bastante plausível sopesar que a prescrição é a regra, e a imprescritibilidade exceção, mesmo diante de hipóteses em que haja omissão legislativa.
O príncipio do devido processo legal está previsto na seção de direito fundamentais da CF/88 (vide art. 5º, inciso LIV), traz o seguinte texto: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Historicamente, este princípio teve como fundamento a garantia dos cidadãos jurisdicionados em face ao exercício abusivo do poder, entretanto seu significado sofreu diversos ajustes ao longo dos séculos.
Além disso, este princípio:
a) gera a garantia de que todo e qualquer processo se dá em relação a fatos cuja ocorrência é posterior às leis que os regulamentam;
b) significa também que o Poder Judiciário deve apreciar as lesões e ameaças à liberdade e aos bens dos indivíduos[9].
Quanto ao primeiro quesito (letra “a”), o processo tem de se submeter a um ordenamento preexistente e, se este se alterar, estando em curso o processo, os atos já realizados serão respeitados (em prol da segurança jurídica e da proteção ao direito adquirido)[10]. José Frederico Marques apud Acquaviva (2001) pondera no sentido de que o princípio do devido processo legal permite, ainda, a necessária imparcialidade do juiz.
Atualmente o princípio é subdividido em duas dimensões, a saber: substancial e processual (formal ou procedimental).
O devido processo legal substancial (substantive due process) visa o direito material e pressupõe uma produção legislativa com proporcionalidade e razoabilidade, ou seja, as leis devem satisfazer ao interesse público, na medida em que sejam atendidos os seus anseios e expectativas. É especificamente na proporcionalidade e razoabilidade das leis que se delimita o poder legiferante do Estado, a fim de evitar o abuso de poder por parte do próprio Governo, de modo a garantir ao cidadão que as leis a serem instituídas estarão adequadas e comprometidas aos reais interesses sociais. Cabe, logo, ressaltar que este instituto não se limita à seara legislitiva, é perceptível sua vasta aplicabilidade no exercício da função jurisdicional.
Sob outra perspectiva, o devido processo legal processual (procedural due process), de cunho mais tradicional, é empregado em sentido estrito, referindo-se tanto ao processo judicial quanto ao processo administrativo, e tem como alicerce assegurar ao litigante vários direitos no âmbito do próprio processo. É neste contexto processual que emprega-se a nomenclatura “devido processo legal” (no Brasil) e se insere o contraditório que, paralelamente, ao direito de ação, a ampla defesa e ao tratamento isonômico (formal e material), enfeixa o acesso à justiça.
A observância do princípio do devido processo legal tem relevância para o TCU, principalmente, por ser matéria discutida pelo STF. Conforme entendimento do STF, editou-se a Súmula Vinculante Nº. 3 que trouxe a seguinte redação: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”
Contudo, se faz necessário que este princípio seja, compulsoriamente, observado na aplicação das sanções previstas na LOTCU, inclusive no tocante à aplicação de eventual prescrição.
O princípio da razoável duração do processo, também, integrante do rol direito fundamentais da CF/88 (incluído pela EC Nº 45/2004, conforme art. 5º, inciso LXXVIII) traz a seguinte assertiva: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Outrossim, há a presença deste princípio na EC Nº 45/2004:
Art. 7º. O Congresso Nacional instalará, imediatamente após a promulgação desta Emenda Constitucional, comissão especial mista, destinada a elaborar, em cento e oitenta dias, os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada, bem como promover alterações na legislação federal objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional.
(Grifo meu).
Podemos citar, no mesmo sentido, a Exposição de Motivos do CPC/2015 (Lei n. 13.105/2015) disserta que “a ausência de celeridade, sob certo ângulo, é ausência de Justiça”.
Seguindo o mesmo ideal, Welsch[11] leciona que:
A morosidade processual apresenta-se como uma das principais causas de descrédito do Judiciário. É pacífico o entendimento de que "justiça tardia não é justiça". Grande parcela desta demora deve-se às diversas formas e possibilidades de recursos existentes no ordenamento jurídico e que impedem a rápida e eficiente entrega da prestação jurisdiciona. (...)
A introdução do prazo razoável na prestação jurisdicional como princípio constitucional traz um compromisso do Estado para com o cidadão a fim de dar maior efetividade ao processo, em respeito ao direito fundamental de acesso à justiça, que merece ser festejado. Sua importância destaca-se como pressuposto para o exercício pleno da cidadania nos Estados Democráticos de Direito, garantindo aos cidadãos a concretização dos direitos que lhes são constitucionalmente assegurados.
A demora na prestação jurisdicional causa às partes envolvidas ansiedade e prejuízos de ordem material a exigir a justa e adequada solução em tempo aceitável. (...)
A prescrição pode ser analisada como uma medida asseguratória da segurança jurídica, do devido processo legal e da razoável duração do processo. Visto que, não há motivos justificáveis para que a Administração Pública procrastine demasiadamente suas deliberações, o perigo da utilização desregrada da burocracia (morosidade) nos traz sensação de pessoalidade (parcialidade) e impunidade. No entanto, exige-se da Administração Pública o cumprimento dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (conforme previsão no art. 37 da CF/88).
Tomando como ponto de partida o estabelecido no art. 71, inciso VIII, da CF88; observa-se claramente que o texto constitucional não fixou prazos e, ademais, não regulamentou sobre o regime jurídico das sanções aplicadas pelo TCU.
Neste momento, é oportuno discernir a natureza jurídica dos “débitos” e das “multas”.
O débito está associado à ação de ressarcimento do dano causado ao erário, uma vez que o administrador público foi responsabilizado por gestão ruinosa, o prejuízo causado deverá ser recomposto ao patrimônio público. Pela natureza jurídica do débito, tanto a jurisprudência do TCU[12] quanto a do STF entendem que é imprescritível. Vale enfatizar que deve-se fazer interpretação conjugada com o explicitado no art. 5º, XLV, da CF/88: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Isto é, pode um herdeiro responder por débito que decorreu de dano cometido pelo de cujus, quando ainda em vida.
Em contraposição, a multa constitui instrumento de sanção ao ato ilícito, ou seja, é inerente à ela o poder punitivo. Nesta situação, não é cabível a aplicabilidade do art. 5º, XLV, da CF/88. Por conseguinte, caso o gestor seja condenado e venha a falecer, extingue-se a punibilidade.
Retomando ao aspecto prescricional das sanções, atualmente, existem basicamente três diferentes entendimentos doutrinário a respeito da aplicação deste instituto. São eles:
I) os que sustentam a imprescritibilidade das sanções;
II) os que defendem a utilização da regra geral do Código Civil, sendo o prazo de dez anos (CC, art.205);
III) os que dispõem do emprego do prazo de cinco anos (estabelecido em diversas normas aplicáveis ao Direito Público).
Os que defendem a imprescritibilidade da pretensão punitiva aplicadas pelo TCU baseiam-se, principalmente, na ressalva contida no art. 37, §5º da CF/88[13]. Nota-se claramente que a ressalva é destinada à imprescritibilidade das ações de ressarcimento em favor do erário e não da imprescritibilidade das sanções aplicadas pela Corte de Contas. Desta forma, como ainda não existe a referida lei citada neste § 5º, esta corrente doutrinária, aproveitando da lacuna legislativa, aposta na imprescritibilidade das sanções aplicadas pelo Tribunal.
Como vimos anteriormente, prescrição é fruto da observância do princípio da segurança jurídica, do devido processo legal e da razoável duração do processo, e que manifesta-se em todas as pretensões e ações. A CF/88 positivou, taxativamente, as exceções à prescritibilidade, tal como fez para os crimes de racismo, a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático e as ações de ressarcimento de danos causado ao erário.
Diversas demandas judiciais de MS – Mandado de Segurança – transitaram pelo STF, em que o impetrante solicita o afastamento do instituto da imprescritibilidade adotada pelo TCU. Analisando o teor processual de algumas decisões monocráticas (por exemplo: MS 26.210/DF[14], MS 26.745/DF[15], MS 27.440/DF[16] e MS 31.035/DF[17]) proferidas pelos Ministros da Suprema Corte, é seguro afirmar que não houve discriminação entre reparação de dano (débito) e aplicação de sanção (multa). Pode-se observar que no embasamento dos votos dos relatores é julgado somente o critério “débito” em face do art. 37, §5º da CF/88; sendo negligenciado o fator “multa”, que, por sua vez, tem deveras importância.
Por se tratar de uma norma constituicional de eficácia limitada (conhecida como relativa complementável ou, ainda, dependente de complementação legislativa), isto é, para o exercício do direito ou benefício consagrado, dependem de lei ordinária ou complementar que o regulamente. Então, a definição das regras de prescrição de multa não seria de competência do próprio TCU. Pedro Lenza (2015)[18], em sua obra, define com clareza as normas constitucionais de eficácia limitada:
São aquelas normas que, de imediato, no momento que a Constituição é promulgada, ou entra em vigor (ou diante da introdução de novos preceitos por emendas à Constituição, ou na hipótese do art. 5º, § 3º), não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional, ou até mesmo de integração por meio de emenda constitucional (...) São, portanto, de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, ou, segundo alguns autores, aplicabilidade diferida.
(Grifo original).
Diante da omissão legislativa identificada, uma alternativa razoável seria utilizar-se do remédio constitucional MI – Mandado de Injunção, previsto no art. 5º, inciso LXXI, da CF/88: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Nesta mesma linha, a então Ministra do STF Cármen Lúcia[19], em diversos julgamentos de MI, conceitua este instituto como “ação constitucional de natureza mandamental, destinada a integrar a regra constitucional ressentida, em sua eficácia, pela ausência de norma que assegure a ela o vigor pleno”. Ademais, o MI só será admitido caso atenda a dois requisitos constitucionais:
I) norma constitucional de eficácia limitada, prescrevendo direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; e
II) falta de norma regulamentadora, tornando inviável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas acima mencionados (omissão do Poder Público).
A CF/88, também, previu taxativamente a quem compete decidir sobre MI:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;
II - julgar, em recurso ordinário:
a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;
Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
§ 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando:
V - denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção.
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
(grifo meu).
Conforme exposto, o rol dos competentes para utilizar-se do MI para suprir lacunas não foi extensivo ao TCU, portanto o Tribunal de Contas não está apto a processar e julgar, originariamente, por meio deste remédio constitucional.
Contudo, considerando a sistemática hermenêutica do ordenamento jurídico, a imprescritibilidade das multas não é uma escolha acertada a ser adotada.
A parcela doutrinária que defende a prescrição decenal fundamenta-se no art. 205 do CC, impõe que: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”. Para esta vertente, mesmo que se trate de matéria tipicamente de direito privado, o proposto neste artigo legal transcende a qualquer espécie de relação jurídica[20]; independentemente de quais as partes envolvidas (seja pessoa física, jurídica ou o próprio Estado). Opostamente à esta concepção, Chaves (2009)[21] entende que uma vez constituído título executivo que comine multa, aplica-se à pretensão de executá-la judicialmente o prazo prescricional de cinco anos (conforme art. 206, § 5º, inciso I, do CC), afastando de qualquer maneira a regra geral que consta do art. 205 do CC. Entretanto, uma vez constituído título executivo que impute débito, há a imprescritibilidade da pretensão para executá-lo, ou seja, o débito imputado em um acórdão condenatório pode ser cobrado a qualquer tempo.
Para aprofundar nesta discussão, é oportuno recorrer à LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga LICC – Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro), especificamente, em seu art. 4º é posto que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Observando por esta perspectiva, para suprir a omissão presente na LOTCU não seria adequado a imprescritibilidade das multas, visto que nesta situação há outra lei que trata de prescrição, de modo a afastar a aplicação da analogia, dos costumes, ou dos princípios gerais de direito.
Os defensores desta linha alegam como principal justificativa que, por se tratar de dano contra a res pública (coisa pública) e de interesse coletivo (afeta a todos), qualquer atitude ilícita deveria ser tratada com maior relevância, rigor e, por sua vez, ter maior elasticidade dos prazos prescricionais para responsabilizar com mais severidade todos que concorram com o ato lesivo.
Sob o novo contexto trazido pela Constituição Federal de 1988, é que devemos interpretar a regra geral prevista no Código Civil. No atual ordenamento jurídico brasileiro, todas as normas (lei lato sensu) – que constam dos atributos: da generalidade (abrange o máximo de número de casos em concreto possível), da impessoalidade (pressupõe aplicação a todos que nela se enquada) e da abstração (não foi criada com vistas um caso específico apenas) – devem prevalecer a consonância com a CF/88, não se limitando apenas à interpretação textual do documento, mas inclusive a ideia principiológica e a lógica jurídica adotada pelo legislador originário ao editar a norma. Em outras palavras, o intérprete deve atentar-se ao “espírito” do documento normativo no intuito de chegar ao objetivo pretendido pelo legislador (a princípio, este representa o povo) sempre com vistas a máxima efetividade às normas constitucionais.
Como se não bastasse, a concepção de pretender uniformizar a aplicabilidade de um determinado prazo prescricional, muitas vezes, desconsideram princípios estruturantes do ordenamento jurídico. A consequência é imediata, levaria a uma incoerência no ordenamento jurídico, afetando negativamente a noção de direito, além de violar os princípios do devido processo legal, concordância prática e da isonomia.
Traduzindo para um exemplo prático, caso um gestor público incorra em ilicitudes que sejam enquadradas na lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/92), o processo administrativo do órgão competente terá prazo prescricional de cinco anos a contar da data do conhecimento do fato. Por outra via, não teria nexo, sequer seria justo, alongar-se o prazo somente pelo fato de a matéria ser de competência do TCU. Este tratamento diferenciado para situações idênticas fere frontalmente o princípio da isonomia. Diante disso, é flagrantemente despropositado utilizar a disciplina do Código Civil para extrair a norma jurídica aplicável à prescrição da pretensão punitiva afeta às relações de Direito Público.
Como exemplo, de aplicação do prazo prescricional de cinco anos no Direito Público, temos a lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/92) – que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública – trata de prescrição em seu art. 23, trazendo o prazo de 5 anos. Consonante com este prazo, a lei do servidor público federal (Lei 8.112/90) – que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais – prevê prazos prescricionais que estam presentes nos arts. 110, 142, 219 e tem como regra o prazo de cinco anos. Nesta mesma sistemática, o CTN – Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66) – que dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios – constam os prazos prescricionais de cinco anos, em seus arts. 168 e 173.
Celso Antônio Bandeira de Mello, ao abordar o assunto, elucida:
Não há regra alguma fixando genericamente um prazo prescricional para as ações judiciais do Poder Público em face do administrado. (...)
(...) Remeditando sobre a matéria, parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito Civil, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas das que inspiram as relações de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte. Antes dever-se-á, pois, indagar do tratamento atribuído ao tema prescricional ou decadencial em regras genéricas de Direito Público[22].
(Grifo meu).
De maneira acertada, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona, em sua obra, que o mais coerente é aplicar o prazo prescricional de Direito Público, invocando analogia e a simetria sistêmica. De fato, é primordial resguardar a segurança jurídica e o tratamento isonômico.
Com o objetivo de buscar de uma solução mais eficiente para este impasse, deve-se considerar o Direito como um todo, visando a coerência e a integridade do composto normativo em geral, perpassando pela aplicação adequada da hermenêutica jurídica, sem afastar a importância dos princípios norteadores de toda esta conjuntura.
Diversas normas destinadas ao direito público tratam, como regra, da prescrição com prazo de cinco anos. As normas vão desde decretos do poder executivo anteriores à nossa atual Constituição até leis stricto sensu pós Constuição Federal de 1988 (a exemplo do art. 23, inciso II, da Lei 8.429/1992, do art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990, do art. 1º do Decreto 20.910/1932, do art. 174 do Código Tributário Nacional, do art. 1º da Lei 9.873/1999 e art. 1º da Lei 6.838/1980 e do art. 46 da Lei 12.529/2011). Apesar de o exercício do controle externo previsto no art. 71 da CF/88 ser de titularidade do Congresso Nacional e exercido com auxílio do TCU e que não há margem para que outro ente o exerça, é bem verdade que inúmeros órgãos e entidades espalhados por toda a Administração Pública desempenham diversas atribuições similares a este controle, entretanto, neste caso, estão sob a regra do prazo prescricional de cinco anos. Ou seja, as consequências jurídicas para os casos são distintas daqueles tratados pelo TCU, porém, a norma prevê condutas (causas) semelhantes às examinadas pelo TCU, tais como: atentar contra os Princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei 8.429) ou atos que cominem em prejuízo ao erário (art. 71, inciso II, da CF/88).
Deste modo, se faz bastante pertinente, razóavel e lógico enfatizar as noções de unidade, coerência e integridade do sistema jurídico. Isto posto, o mais congruente e satisfatório é acatar a prescrição quinquenal. Além de considerar o (quase) óbvio, por outro lado, por via oblíqua, coaduna com os princípios da razoável duração, do processo do devido processo legal, e da segurança jurídica e a proteção da confiança.
No que tange à aplicação de multas pelo TCU, Jorge Ulisses, ciente da locuna legislativa na LOTCU, propõe utilizar da analogia a fim de dirimi-la, mediante a observância e aplicação da seguinte ordem normativa:
I) de direito administrativo;
II) de direito tributário;
III) de direito penal; e finalmente
IV) de direito privado.
Diversos importantes doutrinadores administrativista do Brasil defendem essa posição, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, leciona que:
Dentre as várias normas, a que guarda maior identidade com as situações do controle externo e com a matéria de direito público, notadamente administrativo, é a lei que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Admininistração Pública Federal, direta e indireta, por regular norma bastante semelhante, pertinente à prescrição da ação punitiva diante do poder de polícia (...)[23].
Nesta mesma perspectiva, Hely Lopes Meirelles dita:
(...) quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. 20.910⁄32), das punições dos profissionais liberais (Lei 6.838⁄80) e para cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174)[24].
Como não poderia ser diferente, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina:
Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal explícita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações.
Isto posto, estamos em que, faltando regra específica que disponha de modo diverso, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé em uma, outra ou em ambas as partes de relação jurídica que envolva atos ampliativos de direito dos administrados, o prazo para a Administração proceder judicialmente contra eles é, como regra, de cinco anos, quer se trate de atos nulos, quer se trate de atos anuláveis (...)[25].
(Grifo original).
Em sede recursal às decisões proferidas pelo TCU, os tribunais integrantes do Poder Judiciário tem decidido (recorrendo ao art. 5º, inciso XXXV, da CF/88: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) em favor da prescrição quinquenal. Como principal exemplo tem-se o REsp – Recurso Especial[26] – julgado pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça – (órgão de uniformização da legislação infraconstitucional) que, de fato, reconheceu a imprescritibilidade do débito, como prescrito na CF/88, porém adotou a vertente da aplicação do prazo geral da prescrição administrativa para a multa (sendo de cinco anos) nos casos em que não existisse regra enunciada em lei.
O problema apresenta-se em torno da lacuna presente na LOTCU, sendo que esta não previu prazo prescricional para multas aplicadas pelo TCU no auxílio ao Congresso Nacional do exercício do controle externo. A discussão em torno desta temática toma espaço não somente na doutrina como também nos tribunais de justiça, como se não bastasse, até mesmo no próprio TCU não há entendimento pacífico. Diversos estudiosos e doutrinadores tentam buscar uma solução mais justa e razoável para a problemática, sob observância da hermenêutica constitucional brasileira, com foco na sistemática principiológica, ponderando aqueles princípios fundamentais que mais impactam na discussão.
Por vezes, o TCU tem aplicado, majoritariamente, o prazo previsto na regra geral do CC (art. 205 do CC), aplicável no direito privado, como ocorreu nas seguintes decisões: Acórdão 510/2005 – TCU – Plenário; Acórdão 1.803/2010 – TCU – Plenário; Acórdão 474/2011 – TCU – Plenário; Acórdão 3.036/2006 – TCU – 1ª Câmara; Acórdão 2.073/2011 – TCU – 1ª Câmara.
Não tantas vezes, o TCU tem optado pela imprescritibilidade das multas aplicadas aos gestores faltosos, da mesma forma em que foi delineada para as ações destinadas ao ressarcimento dos danos causados ao erário (art. 37, § 5º, da CF/88).
Por outra face, tem reiteradas vezes rechaçado a aplicação do prazo quinquenal (compreendido como prazo “padrão” do Direito Público) para esta circunstância, mas, atualmente, há nova uma corrente sendo estudada por esta Corte de Contas que aplicaria o prazo prescricional de cinco anos, como é observado no Acórdão 1.314/2013 – TCU – Plenário. Como foi exposto, relevantes doutrinadores do direito administrativo, dentre eles: Celso Antônio Bandeira de Mello e Hely Lopes Meirelles tem defendido veementemente a aplicação do prazo quinquenal. Neste espeque, o Ministro do TCU Benjamin Zymler, constante do Voto condutor do Acórdão 1.314/2013 – TCU – Plenário, versou sobre a prescritibilidade da multa imposta em processos de controle externo, que considera que o prazo prescricional de cinco anos deve ser contado a partir do conhecimento do fato pelo TCU.
O presente trabalho visa enriquecer a discussão dos prazos prescricionais para sanções aplicadas pelo TCU, no exercício do controle externo. Ao passo que defende a aplicação do período de cinco anos, por entender que melhor se adaptaria às situações jurídicas e principiológicas propostas na CF/88 e, também, às realidades do Brasil. Para se chegar a esta conclusão recorreu-se aos princípios constuticionais da a razoável duração do processo, o devido processo legal e a segurança jurídica; com vistas à a integridade e a coerência do ordenamento jurídico lato sensu.
A prescrição decenal, com fundamento na regra geral do CC, sequer conduz à melhor interpretação jurídica. A pretensão de regular indeterminadamente uma ampla gama de assuntos – previsto no art. 205 do CC – esbarra em limites principiológicos, afetando a integridade e coerência do ordenamento jurídico. Sobretudo, deve-se respeitar os princípios da concordância prática, do devido processo legal e da isonomia (igualdade). Nesse sentido, recepcionar dez anos como o prazo para a perda da pretensão punitiva pelo TCU, em que pese outras instituições públicas disporem de tão somente cinco anos, conduz a uma assimetria de Poderes, desequilíbrio certamente não pretendido pelo constituinte originário.
Da mesma maneira, seria um contrassenso aceitar a multa como imprescritível, principalmente no escopo do princípio da segurança jurídica, que acrescenta entendimento que a prescrição é a regra, e a imprescritibilidade é a exceção. Conforme a sistemática da própria CF/88, o legislador originário optou por expor taxativamente as situações cabíveis de imprescritibilidade, como ocorreu para os crimes de racismo (art. 5º, inciso XLII), na ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, inciso XLIV) e nas ações de ressarcimento cometidas por qualquer agente que causem prejuízos ao erário (art. 37, § 5º). Contudo, o TCU não é competente para utilizar-se de métodos de integração normativa. Caso contrário, seria mitigada a pacificação das relações sociais, podendo, descabidamente, a qualquer tempo ser obrigado a quitar uma dívida não liquidada.
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[1] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7ª Ed. 8 reimp. Coimbra: Almedina, p. 257, 2010.
[2] CANOTILHO. Ob. cit. p. 257-64.
[3] CANOTILHO. Ob. cit. p. 265.
[4] LEAL, 1978, p. 100-1
[5] ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – Teoria Geral. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011. p. 797.
[6] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado - Tomo VI. 4ª ed. RT, 1974, p. 127.
[7] CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo. 5ª Ed. Ver. E aum. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
[8] BARROSO, Luis Roberto. A prescrição administrativa no direito brasileiro antes e depois da lei nº 9.873/99. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 4, 2001. Disponível em: . Acesso em: 04/01/2016.
[9] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 2. ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2001.
[10] BAPTISTA, Sônia Márcia Hase de Almeida. Direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1997.
[11] WELSCH, Gisele Mazzoni. A Razoável Duração do Processo (art. 5º, LXXVIII da CF/88) como Garantia Constitucional. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 8, nº 789, 24 de junho de 2008. Disponível em: . Acesso em: 05/01/2016.
[12] Súmula-TCU nº 282.
[13] Neste sentido: Acórdão 510/2005 – Plenário; 208/2005 – 1ª Câmara; 511/2005 – 1ª Câmara [idem].
[14] STF – MS 26.210/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, j. 04/09/2008, DJe 09/10/2008.
[15] STF – MS 26.745/DF, Rel. Min. Celso de Melo, j. 24/10/2013, DJe de 29/10/2014.
[16] STF – MS 27.440/DF , Rel. Min. Celso de Melo, j. 01/08/2013, DJe de 07/08/2013.
[17] STF – MS 31.035/DF , Rel. Min. Celso de Melo, j. 17/12/2014, DJe de 30/01/2015.
[18] Lenza, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015.
[19] STF – MI 828/DF, MI 841/DF, MI 850/DF, MI 857/DF, MI 879/DF, MI 905/DF, MI 927/DF, MI
938/DF, MI 962/DF, MI 998/DF.
[20] TCU – TC 007.822/2005-4, Rel. do recurso de reconsideração: Min. Benjamin Zymler, Voto do Min. Walton Alencar Rodrigues, p. 10.
[21] CHAVES, Francisco Eduardo Carrilho. Controle Externo da Gestão Pública. 2. ed. Niterói: Impetus, 2009.
[22] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2013. P. 1078-9.
[23] Fernandes, 2003, p. 561 e 563.
[24] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 654.
[25] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2013. P. 1080.
[26] STJ - REsp 894.539/PI, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 20/08/2009, DJe 27/08/2009.
Graduado em Ciências Contábeis (UnB) e Pós Graduado (Lato Sensu) em Gestão em Controladoria Governamental (Faculdade JK)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Giovanni. A prescritibilidade dos prazos das multas aplicadas pelo TCU - Tribunal de Contas da União Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 mar 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49821/a-prescritibilidade-dos-prazos-das-multas-aplicadas-pelo-tcu-tribunal-de-contas-da-uniao. Acesso em: 23 dez 2024.
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