Resumo: O presente artigo visa analisar o poder do Estado na função de regular e fiscalizar as atividades das Agências Reguladoras e, consequentemente, sua aplicação nas relações consumeristas O trabalho se desenvolve em cinco seções. Inicialmente, serão expostos aspectos quanto ao papel do Poder Público no exercício de sua função de fiscalizar as atividades das Agências Reguladoras. Em seguida, serão abordados os aspectos: (i)quanto à fiscalização às Agências Reguladoras, já que houve uma sensível mudança no Estado de Polícia Brasileiro, a partir das privatizações empreendidas na última década do século passado, em que as tarefas antes cometidas ao poder público passaram às mãos da iniciativa privada; (ii) a regulação, como uma forma de intervenção do Poder Público como responsividade - ou seja-. ocupar o espaço da ação atribuída às Agências Reguladoras, (iii) dos cuidados com a transparência que devem ter as Agências Reguladoras, como deveres para com os consumidores, especialmente, nas atribuições que deveriam atuar o Poder Público, a fim de evitar as queixas dos consumidores e, (iv), do processo sancionatório, decorrente da fiscalização, já que cabe à Agência Reguladora fiscalizar as condições da prestação do serviço e aplicar sanções às concessionárias, por meio de um processo sancionatório célere e descomplicado.
Palavras-chave: Fiscalização e Regulação. Agências Reguladoras. Código de Defesa do Consumidor
ABSTRACT: This paper aims to analyze the power of the State in regulating and supervising the activities of Regulatory Agencies and, consequently, their application in consumer relations The work is developed in five sections. Initially, aspects will be exposed regarding the role of the Public Power in the exercise of its function of supervising the activities of the Regulatory Agencies. Next, the following aspects will be addressed: (i) regarding the oversight of the Regulatory Agencies, since there has been a significant change in the State of the Brazilian Police since the privatizations undertaken in the last decade of the last century, in which the tasks previously committed to power The private sector; (Ii) regulation, as a form of public intervention as responsiveness - that is. (Iii) care with the transparency that Regulatory Agencies should have, as duties to consumers, especially in the attributions that the Public Power should perform, in order to avoid complaints from Consumers, and (iv) of the sanctioning process, resulting from the inspection, since it is up to the Regulatory Agency to supervise the conditions of service provision and to apply sanctions to the concessionaires, through a speedy and uncomplicated sanction process.
Keys-words: Supervision and Regulation. Regulatory agencies. Code of Consumer Protection.
O presente artigo visa analisar o poder do Estado na função de regular e fiscalizar as atividades das Agências Reguladoras e, consequentemente, sua aplicação nas relações consumeristas.
O trabalho se desenvolve em cinco seções. Inicialmente, serão expostos aspectos quanto ao papel do Poder Público no exercício de sua função de fiscalizar as atividades das Agências Reguladoras, já que é função do Estado garantir, mediante a fiscalização, a prestação do serviço adequado, definido no parágrafo 1º do artigo. 6º da Lei nº 8.987/95 (Lei de Concessões de Serviços Públicos)
No campo dos serviços públicos concedidos a particulares, a fiscalização envolve dois aspectos fundamentais: (i) o cumprimento dos contratos de concessão e (ii) os regulamentos que estabelecem os deveres dos prestadores de serviço perante os usuários.
Em seguida, serão abordados os aspectos quanto à fiscalização junto às Agências Reguladoras, já que houve uma sensível mudança no Estado de Polícia Brasileiro, a partir das privatizações empreendidas na última década do século passado, em que as tarefas antes cometidas ao poder público passaram às mãos da iniciativa privada; (ii) a regulação, como uma forma de intervenção do Poder Público como responsividade - ou seja-. ocupar o espaço da ação atribuída às Agências Reguladoras, já que a regulação visa substituir, de certa forma, a proteção com que o consumidor contava (embora isto nem sempre tenha ocorrido) com a execução dos serviços públicos pelo Estado ou por entes estatais; (iii) os cuidados com a transparência que devem ter as Agências Reguladoras, como deveres para com os consumidores, especialmente, nas atribuições que deveriam atuar o Poder Público, a fim de evitar as queixas dos consumidores e, por fim, (iv), do processo sancionatório, decorrente da fiscalização, já que cabe à Agência Reguladora fiscalizar as condições da prestação do serviço e aplicar sanções às concessionárias, por meio de um processo sancionatório célere e descomplicado.
2. O PAPEL DO PODER PÚBLICO NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO DE GESTOR E FISCALIZALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
A fiscalização e serviço adequado é uma das manifestações do poder de polícia do Estado, bem como a atividade da administração destinada a promover o respeito às normas jurídicas e regulamentares, ao interesse público, funcionando como um mecanismo de repressão e de abusos de direito.
Sob este prisma, corresponde ao poder-dever de estabelecer parâmetros de comportamentos, conforme a norma, restringindo-se no campo de ação do fiscalizado, caso necessário, e punindo as transgressões.
No campo dos serviços públicos concedidos a particulares, a fiscalização envolve dois aspectos fundamentais: o cumprimento dos contratos de concessão, bem como dos regulamentos que estabelecem os deveres dos prestadores de serviço perante os usuários. Com efeito, aqui não se trata apenas de evitar condutas individuais contrárias ao interesse público, mas em promover ativamente a qualidade dos serviços, tal como previsto no contrato de concessão e legislação pertinente – inclusive o Código de Defesa do Consumidor – o que torna a fiscalização tarefa essencial para a atuação eficiente do ente regulador FARENA (2013, p.2).
Portanto, a obrigação de respeitar os direitos do consumidor será sempre a mesma, enquanto se trate de serviços públicos prestados por empresas sob o controle acionário estatal, quer sejam prestados por concessionários privados, conforme autoriza o parágrafo 1º do artigo. 6º da Lei nº 8.987/95 (Lei de Concessões de Serviços Públicos), bem como o artigo. 22 da Lei nº 8.078/90. No entanto, a despeito de que as estatais também podem desviarse do serviço adequado e do próprio interesse público.
Neste cenário, foi a privatização da prestação dos serviços que inspirou a criação das agências reguladoras, como autoridade independente, capaz de conciliar o interesse público, as obrigações decorrentes da concessão e o interesse do consumidor com a liberdade para a gestão lucrativa do negócio, típica das empresas privadas.
Em qualquer caso, o controle do cumprimento das normas regulamentares relativas à prestação do serviço e à proteção do consumidor torna-se um dos objetivos preponderantes da atividade de fiscalização, tudo com vistas a tornar realidade a prestação do serviço adequado (inciso IV ao parágrafo único ao art. 175, Constituição Federal), que é um direito do usuário e dever do Poder Concedente FARENA ( 2013, p.3).
É, portanto, função do Estado garantir mediante a fiscalização, a prestação do serviço adequado, definido no parágrafo 1º do artigo. 6º da Lei nº 8.987/95 (Lei de Concessões de Serviços Públicos)
Acerca do papel do Estado na fiscalização das atividades das Agencias Reguladoras, a professora Maria Sylvia Di Pietro, leciona: “regular significa organizar determinado setor. As agências reguladoras estabelecem normas, regras para o setor e também atuam no caso concreto. Tanto podem regular o objeto da concessão quanto podem atuar como poder de polícia. No caso das concessões, a agência assume o papel do poder concedente. Ela elabora o edital, celebra o contrato, fiscaliza a execução dos serviços, regulamenta e implementa a política tarifária. Quando se fala em papel de agências reguladoras, o que se tem em foco são as cláusulas regulamentares da concessão. Se não existe agência reguladora, o próprio Poder Público assume suas funções originais e regula o setor”.[1]
Além disso, assume o Estado o risco ao conceder às Agencias Reguladoras a prestação dos serviços públicos, em caso descumprimento do contrato de concessão ou ocorrendo falha na execução dos serviços, respondendo objetivamente pelos danos causados aos consumidores, restando-lhe uma ação de regresso em face da causadora dos danos.
Neste sentido, DENARI (2007, p. 228) ensina: “TEORIA DO RISCO-nos termos do art. 22 e seu parágrafo único, quando os órgãos públicos se descuram da obrigação de prestar serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos, são compelidos a cumpri-los e reparar dos danos causados, na forma prevista do Código”
Portanto, responde o ente público ao assumir o risco pela concessão às Agências Reguladoras na prestação de serviços públicos, quando este é defeituoso e cause danos ao consumidor.
3. O PAPEL DO PODER PÚBLICO NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO DE FISCALIZAR AS ATIVIDADES DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
A década de 1990 foi marcada no Brasil pela crescente influência da ideia de Estado regulador, difundida de modo mais incisivo no restante do mundo, a partir da década anterior com o Consenso de Washington e com os governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, respectivamente na Inglaterra e nos Estados Unidos. Nesse contexto de revisão da política estatal e da própria máquina administrativa, se percebe uma remodelagem das funções do Estado por meio da desestatização e da maior participação do setor privado na economia CAMARGO (2010, p.365).
A abordagem do Consenso de Washington, além do receituário de medidas a serem adotadas pelos países menos desenvolvidos, também colocou em evidência a noção de consensualidade que os países desenvolvidos teriam em torno das causas e da natureza da crise latino-americana. Como tradução desse diagnóstico, aponta-se o excessivo tamanho do Estado e sua ineficiência. A crise passa, portanto, a ser considerada uma crise do Estado, exaltando a necessidade de uma revisão da própria máquina administrativa e de remodelagem de suas funções por meio da desestatização e da maior participação do setor privado na economia CAMARGO (2010, p.365).
As Agências Reguladoras, portanto, são consideradas instituições relativamente novas no Brasil – as primeiras agências completaram duas décadas de criação, e ainda enfrentam desafios para se consolidarem institucionalmente e para se articularem com outros organismos que atuam de forma complementar, como é o caso dos órgãos de defesa do consumidor.
A atuação das agências e órgãos reguladores impacta diretamente no dia-a-dia dos consumidores, pois a elas cabe fiscalizar, guiar e suplementar o mercado e corrigir suas falhas, como o desequilíbrio entre consumidores – parte mais vulnerável na relação de consumo – e fornecedores.
A partir do surgimento das privatizações no Brasil, houve uma sensível mudança na prestação dos serviços públicos pelo Estado, as tarefas que antes eram desempenhadas pelo poder público passaram às mãos da iniciativa privada.
Essa novidade, no mercado, era vista como a solução para os problemas de atraso e inacessibilidade de serviços públicos, como, por exemplo, a eletricidade, os transportes públicos e a telefonia. Restou, assim, ao Estado, a função regulatória, que foi conferida às Agências Reguladoras que se inspiraram no modelo americano, mas que aqui foram implantadas de forma que a atividade de “organização do setor” acabou sobrepujando a atividade de fiscalização, fenômeno patente especialmente nas Agências Reguladoras de serviços públicos antes considerados exclusivos do Poder Público.
A privatização entregou ao mercado o controle econômico e financeiro de serviços públicos essenciais, muitos deles monopólios naturais. A criação – nem sempre simultânea – de agências reguladoras destinou-se à correção das “falhas de mercado” que representariam obstáculo à eficiência ótima na prestação desses serviços, após o investimento inicial aportado pela iniciativa privada. A separação entre o poder concedente e a atividade regulatória funciona também como um atrativo para o investimento de longo prazo, na medida em que concorre para afastar injunções políticas que possam comprometer a rentabilidade do negócio FARENA ( 2013, p.4).
Nesse modelo de privatizações, podemos dizer que as Agências Reguladoras são dotadas de independência, mandatos fixos e autonomia, protegidas contra as suas ingerências políticas do executivo e desempenham múltiplas atividades, tais como a manutenção da integridade dos contratos, a promoção da competitividade, a fiscalização, funcionando, ainda, como “autoridade moral” para mediação de conflitos entre as prestadoras.
Dentre as agências reguladoras, destacamos a ANATEL que é aquela cuja legislação, a Lei nº 9.472/97, mais se aproximou do paradigma, especificando este diploma legal a sua natureza jurídica, regime e características de independência, ausência de subordinação, mandato fixo dos dirigentes e autonomia financeira, a saber:
“Art.8º - Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais. (...)
§ 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira. (....)
Art.9º - A Agência atuará como autoridade administrativa independente, assegurando-se, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua competência.
Além disso, a Lei Geral de Telecomunicações-LGT, dispõe em seu artigo 2º, inciso II sobre o dever do Poder Público de “estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira”. Outras disposições dessa Lei também se relacionam aos princípios do Código de Defesa do Consumidor. Confira-se.
O art. 3º da LGT também se encontra de acordo com os princípios dos arts. 4º e 6º do CDC, na medida em que estabelece os direitos dos usuários dos serviços de telecomunicações, quais sejam:
Art. 3° O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
I - de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional.
II - à liberdade de escolha de sua prestadora de serviço;
III - de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço;
IV - à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços;
V - à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas;
VI - à não divulgação, caso o requeira, de seu código de acesso;
VII - à não suspensão de serviço prestado em regime público, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização ou por descumprimento de condições contratuais;
VIII - ao prévio conhecimento das condições de suspensão do serviço;
IX - ao respeito de sua privacidade nos documentos de cobrança e na utilização de seus dados pessoais pela prestadora do serviço;
X - de resposta às suas reclamações pela prestadora do serviço;
XI - de peticionar contra a prestadora do serviço perante o órgão regulador e os organismos de defesa do consumidor;
XII - à reparação dos danos causados pela violação de seus direitos.
Além disso, a LGT em seu art. 5º, faz expressa referência ao artigo 170 da Constituição Federal, impondo ao poder público o dever de observar na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações, o princípio constitucional da defesa do consumidor e o da continuidade do serviço prestado no regime público, dentre outros. Já o seu artigo 6º reforça o dever do Poder Público de reprimir as infrações da ordem econômica, e o artigo 7º estabelece que as normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações.
Porém, as Agências Reguladoras deveriam ser a primeira instância de defesa do usuário (consumidor) dos serviços públicos; no entanto, uma vez implantadas, elas negligenciam este dever, priorizando a “regulação consensual, muitas vezes aplicada sem traumas porque adequada aos interesses dos regulados.
A fiscalização, parte do poder da concessão atribuído às agências, passou a enfrentar a maior parte dos problemas ligados à prestação dos serviços que afetam diretamente o consumidor. A capacidade de regulamentar – o poder normativo – não foi acompanhada dos necessários aperfeiçoamento e aparelhamento da fiscalização, reduzida esta última a instrumentos defasados, anti-econômicos e ineficazes e ofuscam o interesse social.
4. O PAPEL DO PODER PÚBLICO NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO DE REGULAMENTAÇAO
A regulação, que se defende neste trabalho, seria uma forma de intervenção do Poder Público como responsividade - ou seja- como ocupar o espaço da ação atribuída às Agências Reguladoras.
A regulação é, para fins analíticos, dividida em dois tipos básicos, a econômica e a social. A regulação econômica trata dos esforços governamentais em assegurar o funcionamento adequado dos mercados, como prevenção de monopólios, definição de tarifas e regras de entrada, permanência e saída em determinados mercados. Já a regulação social trata de questões como assimetrias de informação, segurança e externalidades negativas, em áreas como meio ambiente, proteção do consumidor, segurança do trabalho, entre outras. Usualmente as duas formas de regulação andam juntas e implicam em custos para os regulados. Sob esse prisma, a intervenção do Estado na economia passa a ser meio para a promoção de direitos SODRÉ (2010, p. 15).
Nessa esteira, se em determinado setor sensível à sociedade o mercado funcionasse em perfeitas condições, ainda, assim, haveria a necessidade de regulação, entendida como a intervenção do Estado na economia para a promoção do bem-estar social? Ao que parece sim, já que as Agências Reguladores, quando atuam sob concessão do Poder Público, em muitos casos, negligenciam na prestação dos serviços públicos.
Decorridos mais de dez anos desde a criação das primeiras agências reguladoras no país, podemos afirmar que a existência de previsão legal dos mecanismos de participação social no processo regulatório não foi suficiente para o bom funcionamento do modelo. Não há dúvidas que, até o momento, nem o cidadão individualmente, nem as organizações que o representam conseguiram exercer de forma efetiva o seu papel junto aos reguladores. Os obstáculos são diversos e vão muito além da complexidade técnica comumente alegada. Há, por exemplo, o risco constante de se limitar a participação a assuntos periféricos quando o saber técnico e a atividade de monitoramento do setor em questão não existem LIPORACE (2011, p. 197).
Cumpre ainda mencionar que uma das mais frequentes razões técnicas para a regulação dos serviços públicos é a constatação de que o mercado não poderá prover o serviço em patamares adequados, pois o mercado onde são estabelecidas tais relações possui falhas que impedem que ele funcione adequadamente e otimize os resultados de suas relações de forma isonômica. É consenso que um mercado que funciona adequadamente, havendo concorrência efetiva entre os ofertantes é uma das principais garantias de que os consumidores serão tão bem atendidos quanto possível, tanto em termos de preços adequados como da busca da satisfação de seus anseios. Por outro lado, mercados que possuem falhas, que não funcionam adequadamente, em especial aqueles em que não existe concorrência efetiva entre os ofertantes, tendem a não atender adequadamente os consumidores. BESSA, MOURA, SILVA, (2014, p.248).
Verifica-se no contexto brasileiro uma verdadeira ausência de política regulatória que considere os interesses do consumidor como prioritários. Tal fato decorre do próprio processo de criação das agências no Brasil, marcado pela inexistência de debate sobre as prioridades políticas, sobre o acesso e universalização de serviços públicos, pela ausência de marcos regulatórios claros e pela falta de definição dos mecanismos de transparência e de controle social e político.
Nem os princípios básicos das agências, como a transparência e a participação, foram adequadamente definidos por uma lei específica, o que ocasionou uma grande diferença entre as formas de atuação desses órgãos. Na maioria dos casos não houve esclarecimento público sobre o papel dos órgãos criados, o que aumenta a dificuldade para os cidadãos monitorarem o seu desempenho. Configurou-se, portanto, uma total ausência de cultura reguladora no país.
A regulação visa substituir, de certa forma, a proteção com que o consumidor contava (embora isto nem sempre tenha ocorrido) com a execução dos serviços públicos pelo Estado ou por entes estatais, os quais não tinham o lucro como objetivo primordial, evitando que a transferência desses serviços a prestadores privados seja prejudicada pelo advento das conhecidas imperfeições do mercado.
Assim, podemos afirmar que a regulação deve assegurar a competitividade dos serviços; propiciar a correção das assimetrias de informação entre consumidor e fornecedor, e entre os próprios fornecedores; propiciar a internalização de “externalidades” (custos não absorvidos pela formação de preços no mercado, como a poluição), evitar práticas abusivas no mercado e contra os consumidores, etc., enfim, um conjunto de ações voltadas para a efetividade da prestação dos serviços públicos FARENA ( 2013, p.6).
Portanto, mesmo que haja uma regulação a ser aplicada pelas Agências Reguladoras, em se tratando de serviços públicos prestados à sociedade consumerista, espera-se que se apliquem e cumpram os princípios constitucionais, no que se refere à legislação especial, por mais que almejem o fim econômico, o que realmente está em jogo é o interesse social.
5. O PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO EXERCÍCIO DE SUAS ATIVIDADES E RESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS
Um ponto relevante dentro deste estudo são os cuidados com a transparência que devem ter as Agências Reguladoras, como deveres para com os consumidores, especialmente, nas suas atribuições sob concessão do ente o Poder Público, a fim de evitar as queixas dos consumidores, no intuito de manter o equilíbrio da relação primitiva, já que a ausência de uma política de defesa do consumidor planejada e divulgada pelas Agências Reguladoras desrespeita o art. 4º, II, 'd', do CDC, que preconiza ação governamental para proteger efetivamente o consumidor no mercado de consumo.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, artigo 6º, II, “a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, assegurados a liberdade de escolhas e a igualdade nas contratações”. Assim, o legislador da época absorveu que a educação de que cuida o inciso correspondente da Legislação Consumerista deveria ser analisado segundo FILOMENO (2007, p.145-146), sob dois aspectos: a) a educação formal, a ser dada nos diversos cursos desde o primeiro grau de escolas públicas ou privadas, aproveitando-se as disciplinas afins, como a educação moral e cívica, onde se tratará dos aspectos legais e institucionais, como ciência, onde se cuidará da qualidade dos alimentos, da água e outros produtos essenciais e, b) a educação informal, de responsabilidade desde logo dos próprios fornecedores quando, já mediante a ciência do marketing, como já acentuado e tendo-se em conta seus aspectos éticos, procurando bem informar o consumidor sobre características dos produtos e serviços já colocados no mercado, ou ainda os que serão colocados à disposição do público consumidor.
Na visão do renomado doutrinador, seria indispensável que houvesse uma ligação permanente, ou um elo de comunicação entre fornecedores e consumidores para que esses últimos pudessem efetivamente ter acesso às informações sobre os produtos e serviços.
Será que essa ligação seria apenas entre fornecedor (Agências Reguladoras) e consumidor? Ao que parece não! Entendemos que a educação ao consumidor não se limita apenas aos fornecedores. Tal responsabilidade também se estende aos Órgãos Públicos (Estado), bem como às entidades privadas (Agências Reguladoras), sob concessão de um serviço público, no sentido de promoverem debates, simpósios sobre os direitos dos consumidores, como responsabilidade social, editando livros, cartilhas, enfim, tudo que esteja à disposição e ao alcance do consumidor, especialmente, quanto à educação e informação.
Portanto, a educação para o consumo deve ser incentivada e tratada desde cedo nas escolas, tanto pelos entes públicos como pelos entes privados e, em princípio, os consumidores estariam mais informados, conscientizados e preparados para o mercado de consumo e prontos para enfrentar temas de tamanha importância e relevância como à obediência e aplicação dos princípios consumeristas nas relações entre Agências Reguladoras, Estado e os consumidores.
Tal esforço e vontade dos entes públicos e privados será possível alcançar os bons resultados, como, por exemplo, ocorre na cidade de São José dos Campos-SP, onde o Município instituiu a educação específica aos consumidores mirins, de modo a conscientizar o jovem da importância de ser um cidadão crítico e criterioso na hora de comprar ou contratar algum serviço FILOMENO ( 2007, p.80).
Além disso, outro princípio que está diretamente ligado ao exemplo acima destacado, é a informação adequada, que corrobora a necessidade de conscientizar o consumidor, mesmo que mirim. O consumidor deve ser educado e informado para ganhar conhecimento e adquirir uma real liberdade de escolha dos produtos e serviços que lhe interessam MALFATTI ( 2003, p. 250).
Com o bom exemplo ocorrido na cidade de São José dos Campos, podemos pensar que a conscientização do consumidor já começa nas escolas, com isso avançaremos nesse aspecto, porém, sem olvidar da necessária regulação e fiscalização, por parte do Estado e das Agências Reguladoras, como obrigação das garantias econômicas e do interesse social.
6. DA NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE SANÇÕES À AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO
No que se refere ao poder de atuação das Agências Reguladoras, quando deixa de cumprir suas funções, seja na aplicação da regulação ou fiscalização e cause prejuízos à coletividade, surge a necessidade de aplicar sanções, já que cabe ao ente público o dever de fiscalizar as condições da prestação do serviço e aplicar sanções às concessionárias, por meio de um processo sancionatório célere e descomplicado.
O processo sancionatório a ser aplicado nas agências reguladoras deverá respeitar os imperativos constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não poderá reproduzir as mazelas dos processos judiciais, criando, por exemplo, inúmeras instâncias revisoras desnecessárias.
Por outro lado, há casos nos quais o descumprimento implica em ganhos imediatos para o infrator, como por exemplo, nas cobranças indevidas enviadas a milhares de usuários. A simples instauração de um procedimento é insuficiente para inibir a ação lesiva dos entes regulados, cortando imediatamente os ganhos que levam à continuidade das infrações. Acresce, assim, a importância do uso de cautelares, em casos de lesões de massa que precisam ser imediatamente coibidas, a fim de que a apropriação de renda dos consumidores ao longo do tempo não compense amplamente eventuais sanções pecuniárias nos procedimentos administrativos de descumprimento de obrigação, especialmente, se o julgamento definitivo for demorado. A instauração sucessiva de procedimentos por agências como a ANATEL na tentativa de coibir práticas recorrentes somente tem reforçado a ideia de sua ineficácia, longe de representar instrumento efetivo de mudança de comportamento dos regulados FARENA (2013, p.12).
Por mais que em alguns casos a aplicação das sanções em face da inércia das Agências Reguladoras, no exercício de suas funções, sejam descumpridas, temos que continuar levantando a bandeira, ou seja, reiterando a aplicação das sanções, já que do outro da relação jurídica está um consumidor individual ou uma coletividade que necessita restabelecer o equilíbrio do contrato firmado entre as partes que sofreu abrupta alteração, pelo fornecedor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos que, no presente artigo, mesmo com a presença recorrente de prestadores de serviços públicos regulados nas listas oficiais dos maiores destinatários, os consumidores, ficou demonstrado o quão longe ainda estamos de um verdadeiro respeito à sociedade consumerista, mesmo passados mais vinte anos do surgimento das primeiras das privatizações.
O consumidor, na verdade, tem o legítimo direito à proteção do Estado, antes e após do advento das privatizações, revelando-se o grande débito deste em fiscalizar os serviços prestados pelas agências reguladoras, em especial, aquelas de serviços que antes eram exclusivos do Estado.
Neste cenário, investigou-se o papel do Poder Público no exercício de sua função de fiscalizar as das atividades das Agências Reguladoras e, em seguida, seus reflexos que, diretamente atingem os consumidores, por serem os destinatários finais dos serviços públicos.
Percebemos também que, mesmo com a regulamentação advinda com a Lei 8.987 de 1995, (Lei de Concessões de Serviços Públicos), o poder público e as agências reguladoras falham no exercício de suas atividades, sejam na fiscalização ou na prestação dos serviços públicos, caindo em descrédito e até mesmo colocando em cheque a concessão dada às agências para a prestação dos serviços públicos.
Cumpre esclarecer que o trabalho regulatório é recuperar, no âmbito das agências reguladoras, a importância da fiscalização, orientando-a também para a apuração de violações dos direitos dos consumidores.
O que se observou, neste estudo, foi a falha nas prestações dos serviços ou por práticas abusivas, por parte do poder público ou das prestadoras que se eternizam ao longo dos anos, levando a uma sobrecarga dos órgãos integrantes do sistema nacional de defesa do consumidor, como os procons e os ministérios públicos, transformados em balcão de atendimento das prestadoras, bem como nos ajuizamentos de ações, por parte dos consumidores, buscando-se a reparação civil das agências reguladoras ou do Estado
Por fim, concluímos que a eficácia da fiscalização ou regulação na prestação dos serviços públicos pelo Estado ou pelas reguladoras somente poderão ter algum efeito prático se estiverem amparados pela Lei, ou seja, por uma regulamentação eficaz ao lado de um processo sancionatório célere que, certamente, inibirá condutas violadoras dos direitos dos usuários, fomentando um ambiente de empresas de práticas saudáveis, baseado na lealdade e no respeito pelo consumidor.
Longe disso, ficamos apenas com a seguinte indagação: qual seria então o real sentido do papel da regulação ou fiscalização, a quem tem o dever de por em prática, passando a relacionar a defesa do consumidor dentre as prioridades?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAMARGO, Bibiana Helena Freitas - Regulação Econômica -Agências reguladoras e os direitos dos consumidores: A Aneel e A comissão de defesA do consumidor da câmara dos deputados - 2010
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MAFATTI. Alexandre David. Direito-Informação no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Alfabeto Jurídico, 2003.
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Mestre e doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Jesus Cláudio Pereira de. O papel do Estado diante da função de regular e fiscalizar as atividades das agências reguladoras à luz do Código de Defesa do Consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 abr 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49915/o-papel-do-estado-diante-da-funcao-de-regular-e-fiscalizar-as-atividades-das-agencias-reguladoras-a-luz-do-codigo-de-defesa-do-consumidor. Acesso em: 23 dez 2024.
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