RESUMO: O objetivo do trabalho é a análise crítica a PEC 171.1993, abordando as perspectivas divergentes em relação a diminuição da maioridade penal para 16 anos. Pretende-se elucidar as questões relacionadas a esse tema, contrapondo as diferentes leituras dos que defende a PEC e dos que são contra, propondo assim, uma reflexão aos leitores. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e legislativa.
Palavras chaves: maioridade penal – Estatuto da Criança e do Adolescente – sistema penal
Sumário: Explicação do Projeto de Emenda à Constituição. Por que a maioridade, ou imputabilidade, penal se dá a partir dos dezoito anos? Porque se defende a redução da maioridade penal. Porque ser contra a redução da maioridade penal. Referências.
Em 1993, andando na contramão de tudo que havia sido construído até então, inclusive contra o recém aprovado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Deputado Federal Benedito Domingo apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993, que altera o art. 228 da Constituição Federal, visando diminuir a idade mínima da imputabilidade penal para 16 anos. Isso deu início a mais 46 PECs que tinham o mesmo objetivo da anteriormente citada, e propunham que a maioridade penal fosse de 17 até, pasmem, 12 anos.
Após a proposta de emenda ser desarquivada em março de 2015, foi levada até a Comissão de Cidadania e Justiça (CCJ) e, em uma votação com um total de 59 deputados votantes, a PEC 171/2013 foi aprovada com 42 votos a favor e 17 contrários
A legislação especial para os menores de idade, o Estatuto da Criança e do Adolescente, não definiu arbitrariamente os critérios etários para definir o fim e o início da infância e adolescência. A base para suas definições foram pesquisas na esfera social, cognitiva, sexual, biológica. Entretanto, essa fixação de idades abre espaço para discordâncias por ser embasadas em matérias não exatas, tais como a psicologia e a sociologia.
Entretanto, prioriza-se a proteção do desenvolvimento do indivíduo e sua capacidade de querer e determinar suas escolhas. Isso demonstra a possibilidade de relativização dos limites estabelecidos pelo Estado, pois não são valores imutáveis, tal como aconteceu com a maioridade civil.
Os defensores da diminuição da maioridade alegam que o critério está ultrapassado, haja vista que a concepção de mundo contemporânea é muito diversa da de quando a legislação sobre o assunto foi feita. Acentua-se que se vive na sociedade da informação e do acesso à tecnologia, o que favoreceria o desenvolvimento precoce do cérebro.
Em contraponto, diz-se que justamente por viver-se neste período da sociedade da informação, que os jovens estão mais confusos, principalmente diante de tantos meios de comunicação que podem prejudicar sua formação de discernimento. Ademais, ressalta-se a crise das instituições tradicionais, tais como a igreja e a família, quanto a influência e molde de valores na formação do comportamento juvenil. O acesso a informação não é sinônimo de maturidade.
E na capacidade de mudança dos jovens que se pauta o tratamento diferenciado para os menores de 18 anos, com as imposições de medidas socioeducativas pelo ECA, em detrimento de penas criminais. As respostas ou medidas que decorrem da comprovação da prática de um delito têm uma dupla dimensão: a sancionatória, que reprova o ato cometido e a pedagógica, que visa oferecer condições efetivas para a superação daquela vivência ou vulnerabilidade.
A adolescência é momento importante na construção de um projeto de vida adulta, portanto a atuação da sociedade voltada para esta fase deve ser guiada pela perspectiva de orientação. Relativizar a faixa etária para os 16 anos e interromper o direito que o indivíduo tem a completude da formação de personalidade e identidade.
Os defensores da medida acreditam que os indivíduos já possuem capacidade para discernimento e, principalmente, usam como exemplo o fato de que jovens de 16 anos já podem votar, participar de plebiscito, entre outras atividades políticas. Ademais, considera-se que o sistema não julga adequadamente os menores infratores, que há muitas benevolências. Assim, defendem que a punição deva ser proporcional com a gravidade do ato praticado (o que já ocorre, na verdade, com as medidas do ECA)
Pesquisas apontam que a grande maioria da população apoia a proposta. Crê-se que a redução da maioridade penal e uma maior punição provoque um impacto social grande e, portanto, mudança. Isso desestimularia os jovens a adentrarem no mundo infracional, assim como seus corruptores. Alterações pontuais no ECA não possuiriam a mesma intensidade de mudança como a medida aludida.
A redução da maioridade é uma exigência do próprio sistema: o Código Civil reduziu sua maioridade de 21 anos (Código de 1916), para 18 anos, segundo o novo Código Civil de 2002. Isto significa dizer que a legislação civil se atualizou à nova realidade. O Código Penal precisa também se adequar à nossa realidade.
O professor e criminologista Eugênio Raul Zaffaroni disse certa vez que “Cada pais tem um número de presos que decide politicamente ter”, ainda adicionou que “A redução da maioridade penal é também uma demanda mundial que se relaciona à política de criminalização da pobreza. A intenção é pôr na prisão os filhos dos setores mais vulneráveis, enquanto os da classe média continuam protegidos. Embora haja alguns adolescentes assassinos, a grande maioria dos delitos que eles cometem são de pouquíssima relevância criminal. O Brasil tem um Estatuto [Estatuto da Criança e Adolescente] que é modelo para o mundo. Lamento muito que, por causa da campanha midiática, ele possa ser destruído.”[1] Vive-se hoje no Brasil a cristalização da ideia de punição generalizada, no caso o encarceramento e o endurecimento das penas como soluções para a crise que o sistema penal hoje enfrenta. Acredita-se que há impunidade no Brasil, mas não é verdade. Punimos muito, mas punimos mal.
A disseminação desse pensamento vem, principalmente, pela ação e influência dos meios de comunicação e da mídia, que, na insistência de publicar noticiários violentos, atrai o público e consequentemente as vendas, criou-se uma síndrome de vitimização, no qual as pessoas acreditam que podem ser vítimas de um ataque criminoso a qualquer momento, apoiando assim o endurecimento das penas e o encarceramento em massa, independente do grau do crime e do autor.
O quarto poder desse modo, através da agenda oculta, manipula a opinião pública e polariza a sociedade. Assim, os políticos fazem uso do sistema penal com medida supostamente eficazes em curto prazo, como a redução da maioridade penal, como forma mais econômica e demagógica de dar uma resposta estatal ilusória ao problema da delinquência juvenil.
Tem-se um discurso, que se transformou em uma cultura social, voltado para a repressão, e não para a prevenção. A mídia é culpada, pois não encara o crime como uma tragédia, e sim como um espetáculo, um instrumento de faturamento e de Ibope.
É preciso destacar também a seletividade da medida da maioridade penal. Os grandes públicos desta medida são adolescentes marginalizados, cujos crimes são majoritariamente patrimoniais ou de tráfico. Vale lembrar que 62% deles são de famílias de renda inferior a dois salários mínimos. Esse tipo de criminalidade e reflexo das péssimas condições socioeconômicas destes adolescentes
Um jovem ingressa no crime devido à falta de escolaridade, de afeto familiar, e por pressão consumista que o convence de que só terá seu valor reconhecido socialmente se portar determinados produtos de grife. O menor infrator é resultado do descaso do Estado.
Estes meninos são majoritariamente vulneráveis socialmente, são os meninos pobres, são os meninos negros desse país que respondem perante o olhar da justiça criminal, que é estigmatizado.
Reforça-se as ideias encontradas no Estatuto da Criança e do Adolescente ao referir-se a adolescência e infância como fases de formação da personalidade e desenvolvimento físico e mental. Indivíduos menores de 18 anos não possuem desenvolvimento biopsicológico e social necessário para compreender a totalidade da natureza criminosa de suas ações ou para orientar o comportamento de acordo com essa compreensão e, portanto, possa se exigir dele um comportamento diverso ao que ele teve no momento em que cometeu o crime. Ou seja, mesmo que o menor infrator tenha consciência dos seus atos, não significa que possua capacidade emocional para lidar com a situação.
Não se deve confundir impunidade com imputabilidade. Já responsabilizamos os adolescentes em atos infracionais. Não por menos, 0,1% dos jovens em regime de restrição e privação de liberdade cumpre as medidas socioeducativas no País previstas pelo ECA. Antes de cogitar investir em soluções ineficazes como a redução da maioridade penal, é importante dar uma chance para aquilo que está à disposição, mas não é aplicado.
Além disso, os menores infratores já são punidos de acordo com a gravidade do delito. A legislação especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o adolescente é punido com medidas socioeducativas, como como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação.
Segundo especialistas, a diminuição do patamar da idade mínima contraria as principais tendências de gestão de justiça juvenil em todo o mundo. E vai de encontro a uma recomendação da própria ONU, que diz que a reforma representaria uma ameaça para os direitos de crianças e adolescentes. De uma lista de 54 países analisados pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 78% fixam a maioridade penal em 18 anos ou mais.
Ademais, estudos da UNICEF esclarecem que a criminalidade, ou mesmo a porcentagem de crimes hediondos cometidos por jovens com menos de 18 anos é inferior à 1,4%. Ainda, segundo dados do Ministério da Justiça, os menores de 16 a 18 anos são responsáveis por 0,9% dos crimes praticados no Brasil. Se considerados apenas os homicídios e tentativas de homicídio, o percentual cai para 0,5%. Ou seja, mesmo que a redução da maioridade penal extinguisse os delitos cometidos por jovens menores de idade, ainda assim não diminuiria a criminalidade visto que a quantidade desses jovens infratores é ínfima E ainda saliento que a tendência, caso a medida seja adotada, é que a criminalidade aumente, visto que o sistema carcerário brasileiro é, como se diz popularmente, "uma escola do crime" e não um reformatório.
E relevante lembrar também que estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que NÃO HÁ RELAÇÃO direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência.
Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, e não a causa. A racionalidade e a temperança que deveriam guiar a elaboração de qualquer projeto de lei cede espaço para a passionalidade do clamor público no furor dos acontecimentos.
O Brasil tem um Estatuto [Estatuto da Criança e Adolescente] que é modelo para o mundo. E lamentável saber que por causa da campanha midiática e interesses políticos mercadológicos, ele possa ser destruído.
Isto posto, ao diminuir a maioridade penal para os 16 anos, estaremos estigmatizando adolescentes, marginalizando-os ainda mais, retirando-lhes a chance de serem educados e ressocializados. O criminólogo Alessandro Baratta argumenta que: “ O cárcere é contrário a todo ideal educativo, porque este promove a individualidade, o autorrespeito do indivíduo, alimentado pelo respeito que o educador tem dele.”[2]
O papel da sociedade é educar esses adolescentes ainda em fase de desenvolvimento psicossocial, devendo a constituição proteger o direito das crianças e adolescentes. A problemática dos jovens infratores no Brasil não deve ser solucionada com o Direito Penal, que somente deveria ser usado, em tese, em ultima ratio.
Por fim, o conteúdo do art. 228, a inimputabilidade penal, é claramente uma cláusula pétrea, constituindo, assim, uma das garantias fundamentais da pessoa humana não podendo ser objeto de Emenda Constitucional que vise abolir a capacidade penal de 18 anos, atribuindo idade inferior, como a de 16 anos, que tem se cogitado na referida emenda.
1- BARATTA, Alessando, CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA DO DIREITO PENAL.
2- BATISTA, Nilo, Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro.
3- SANTOS, Juarez Cirino, MANUAL DE DIREITO PENAL, parte Geral.
4- SPOSATO, Karyna Batista e ANDRADE, Marisa Meneses, EM BUSCA DE JUSTIÇA AO JOVEM: a difícil articulação entre os poderes.
5- www.18razoes.wordpress.com/quem-somos/
6- www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14493
7- www.congressoemfoco.uol.com.br/tag/maioridade-penal/
8- www.estadao.com.br/noticias/geral,maioridade-seletiva,1023450
10- www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Entrevista&Num=65
11- www.estudeatualidades.com.br/2013/05/sobre-a-reducao-da-maioridade-penal/
12-www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/83-da-populacao-e-a-favor-da-reducao-da-maioridade-penal.aspx
[1] http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Entrevista&Num=65 (Acessado dia 2/07/2015)
[2] BARATTA, Alessandro, CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA DO DIREITO PENAL, pág. 183 e 184.
Graduanda de Direito na Universidade de Brasília (UNB).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OHOFUGI, Nathália Guimarães. Análise crítica à Pec 171/1993 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 abr 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49973/analise-critica-a-pec-171-1993. Acesso em: 23 dez 2024.
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