RESUMO: A opção brasileira pela utilização compulsória do modelo compartilhado de guarda, sendo regra geral no país desde a sanção da Lei Federal n° 13.058/2014, possui como fundamento a correção de equívocos e lacunas no ordenamento jurídico local que possibilitavam aos magistrados evitar, sempre que possível, sua aplicação no âmbito nacional. Por intermédio da realização de uma breve exposição acerca da noção de guarda compartilhada, incluindo a evolução do referido instituto no Direito Brasileiro e o contexto social até a aprovação da “Lei da Guarda Compartilhada”, permite-se realização de estudo comparativo desta inovação com as ações afirmativas, políticas públicas que intentam a reparação de uma disparidade socioeconômica existentes em determinada sociedade.
ABSTRACT: The brazilian option for the compulsory use of the shared custody model, being a general rule in the country since the sanction of Federal Law No. 13.058 / 2014, is based on the correction of mistakes and gaps in the local legal system that allowed the magistrate to avoid, whenever possible, its application at the national level. Through a brief presentation on shared custody, including the evolution of the referred institute in brazilian law and the social context until the approval of the “Shared Guard Law”, a comparative study of this legal innovation with affirmative actions, public policies that attempt to repair a socioeconomic disparity of certain society, is allowed.
SUMÁRIO: Resumo 1 Introdução 2 Da Guarda Compartilhada 2.1 Noções Fundamentais 2.2 Atributos da Guarda Compartilhada 2.2.1 Aspectos positivos e negativos 2.2.2 Aspectos psicológicos 2.3 A evolução histórica da Guarda Compartilhada 2.3.1 Antecedentes históricos 2.3.2 Evolução do instituto no Direito Brasileiro 3. Da Lei n° 13.058/14 e da aplicação compulsória da Guarda Compartilhada no Brasil 3.1 O contexto social brasileiro até a aprovação da Lei n° 13.058/14 3.2 Das peculiaridades da “Lei da Guarda Compartilhada” 4. A compulsoriedade da Guarda Compartilhada como reflexo da políticas públicas de ações afirmativas 5. Considerações finais.
Keywords: shared custody, affirmative action, public policy, social and psychological aspects.
Palavras-chaves: Guarda compartilhada, ações afirmativas, políticas públicas,aspectossociaise psicológicos.
1. INTRODUÇÃO
A aprovação da Lei Federal n° 13.058/2014, que estabeleceu a aplicação do modelo compartilhado de guarda como regra geral em todo o território brasileiro, é justificada pelo intuito de se exigir dos magistrados um posicionamento favorável à sua aplicação, o que não vinha acontecendo até então.
Isso porque, historicamente, nas dissoluções litigiosas que envolvessem a disputa de guarda de infantes, a Justiça brasileira demonstrou certa tendência a atribuir à mãe, como regra, maior capacidade para exercer o direito/dever de guarda da criança ou do adolescente.
Referido contexto gerou, progressivamente, um anseio de tutela estatal por parte dos pais não detentores da guarda de seus filhos, que, na busca de seus direitos, encontraram no instituto da guarda compartilhada uma saída viável para um problema enraizado na cultura brasileira, onde legalmente se assegura uma igualdade de direitos entre as partes, mas que, materialmente, referida igualdade não vinha ocorrendo.
Assim, serão analisados os fundamentos que buscam justificar a utilização compulsória da guarda compartilhada no Brasil, com a sanção da Lei Federal n° 13.058/2014, motivo pelo qual serão expostos tanto o contexto social quanto cultural anteriores à inovação legal que exigiram, em tese, a necessidade de tornar obrigatória a aplicação do modelo compartilhado de guarda no país.
O presente debate possui extrema importância para que haja uma sólida defesa à aplicação compulsória da guarda compartilhada no Brasil, já que, como será exposto, referido modelo de aplicação do instituto da guarda tende a melhor respeitar o princípio da supremacia do interesse da criança e do adolescente.
2. DA GUARDA COMPARTILHADA
2.1 NOÇÕES FUNDAMENTAIS
A guarda compartilhada, principal modalidade de exercício da guarda vigente no Brasil desde a sanção da Lei Federal n° 13.058/2014, consiste na atuação mútua e igualitária pelos pais acerca dos direitos e deveres referentes aos filhos, mesmo após a cisão da relação conjugal ou da união estável, que resultam em inúmeros efeitos jurídicos, inclusive em relação ao direito de exercer a guarda, implicando em uma similar responsabilização legal por decisões relevantes em relação a estes.
Importante ressaltar aqui a diferença entre o instituto da convivência, que diz respeito ao período que cada um dos pais terá com os filhos, e o instituto da guarda, que versa sobre a forma de gerenciar os interesses dos filhos.
No modelo compartilhado de guarda, a residência é atribuída a um dos pais ou responsáveis, e isso, além de não impedir que o período de convivência com o infante seja similar, é fundamental para que, em respeito ao princípio da continuidade, a criança tenha a referência de um lar.
Assim, a proposta desta proposta, para Angela Maria Soldá e Vitor Hugo Oltramari (2012, p. 78), é manter os laços de afetividade, buscando abrandar os efeitos que o fim da sociedade conjugal podem acarretar aos filhos, ao mesmo tempo em que tenta manter de forma igualitária a função parental, consagrando o direito da criança e dos pais.
Além disso, Fernanda Pederneiras e Diana Geara ressaltam que o melhor interesse da criança não poderá ser esquecido, eis que, para além dos preceitos constitucionais, a fixação da guarda deverá ocorrer em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.[1]
Destarte, a guarda compartilhada possui a finalidade de resgatar o modelo de exercício mútuo da responsabilidade parental em prol da melhor educação e formação de seus filhos, possibilitando minorar as consequências negativas decorrentes do rompimento matrimonial, onde quem mais tem a ganhar com isso certamente será o menor interessado.
2.2 ATRIBUTOS DA GUARDA COMPARTILHADA
2.2.1 Aspectos positivos e negativos
Antes de expor os fundamentos que justificam a guarda compartilhada ser hoje o modelo mais defendido pela doutrina e jurisprudência nacional na proteção de crianças e adolescentes, cabe uma sucinta análise da situação fática derivada do rompimento litigioso entre cônjuges e companheiros.
Por muitas vezes, esta desavença acaba por envolver de uma maneira muito desconfortável os filhos, que além de se tornarem objeto de disputa, podem vir a serem utilizados como instrumentos de vingança.
É notória a sujeição da criança a sofrer cruelmente quando os pais optam por inclui-la como parte da negociação na dissolução conjugal, e qualquer possibilidade de preservá-la deste trauma deve ser encarada livre de qualquer estigma ou preconceito para que, verificando com supremacia o interesse do infante, averigue-se a viabilidade de sua aplicação.
No caso da guarda compartilhada, existem relatos contrários à sua utilização, mas a grande parte não é devidamente fundamentada. Muito se fala que a troca de ambientes seria prejudicial à criança, mas esta atribuição é característica da guarda alternada, alvo de grande confusão com o conceito do modelo compartilhado do instituto, que busca tão somente o equilíbrio de responsabilidades dos pais no que diz respeito os cuidados com o filho. Não obstante isso, Evandro Luís Silva (2005, p. 24) rebate essa proposição de que a alternância de residências seja um prejudicial para o menor:
Não podemos sacrificar a convivência de pais e filhos sob o fraco argumento, desconstituído de qualquer fundamentação teórica ou observação prática rigorosa, de que duas casas podem trazer prejuízos emocionais para a criança, que não poderia criar vínculos com duas casas. Ora, as crianças, como já dito, possuem uma facilidade de adaptação e criação de vínculos, desde que se sintam seguras. Sentindo segurança nas relações com os pais, sentir-se-ão seguras nas casas deles. Tendo seu próprio espaço físico, sentirão cada casa como sua também, criando vínculos positivos com ambas.
Ainda para Evandro Luís Silva (2005, p. 25), crianças que são filhos de pais separados e que mantêm contatos frequentes com ambos os pais e tem duas casas possuem maior flexibilidade, adaptabilidade e amadurecem mais cedo.
É evidente que a guarda compartilhada não é a solução absoluta e indubitável acerca de como deverão seguir as relações familiares após a cisão do matrimônio, já que nem mesmo a família original está imune a complicações, a depender do caso. Algumas desvantagens podem ser elencadas, tais como a existência de maiores custos para os genitores e a necessidade de ambos obterem um emprego flexível. Para os filhos, os problemas seriam mais logísticos, importando em eventuais dificuldades para adaptação a duas moradias.
Ainda assim, é inegável que a guarda compartilhada tende a contribuir mais em prol dos interesses da criança e do adolescente. Primeiramente, é de suma importância que a maior preocupação do divórcio para os filhos, qual seja, o medo de perder contato com os pais, seja minorada por intermédio de todo o esforço necessário para que o vínculo afetivo seja mantido.
A guarda unilateral, modelo de determinação quase unânime pelo Poder Judiciário até a aprovação da Lei Federal n° 13.058/2014, é um trauma a parte, não só para o filho. Essa situação, que para a genialidade implacável de Sigmund Freud (1969, p. 30) corresponde a uma ruptura do escudo protetor contra os estímulos, pode resultar no início de uma série de desentendimentos entre os pais, onde quem mais perde, em meio a tamanho abandono, insegurança e agressões, é a criança.
A possibilidade de os infantes serem cuidados e amparados por ambos os pais é um direito destes e, por ajudar a diminuir os sentimentos de rejeição e proporcionar a convivência com os papéis masculino e feminino, livre de conflitos, e facilitando o processo de socialização e identificação, o compartilhamento da guarda demonstra ser uma opção capaz de minorar os efeitos negativos da separação para os filhos.
Ademais, esse dever mútuo de decidir acerca dos interesses dos infantes abrange ainda a possibilidade de se desenvolver uma melhor consideração pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro em seu papel de pai ou mãe, já que a necessária confiança que um terá de ter sobre o outro refletirá, ainda que separados, o exercício conjunto do familiar, diminuindo ainda mais os efeitos práticos da cisão.
2.2.3 Aspectos psicológicos
Sob a perspectiva da psicologia, observa-se que mesmo que haja o litígio entre os pais, a guarda compartilhada é indiscutivelmente uma solução melhor para os filhos, já que estes necessitam conhecer a cada um de seus genitores, para que possam formar suas próprias verdades sobre seus pais.
Uma pesquisa efetuada pela Escola de Profissionais de Psicologia da Califórnia, nos Estados Unidos, resultou na afirmação de que crianças cujas guardas são divididas entre os pais têm ego e superego mais fortes e maior autoestima do que as crianças que têm convívio frequente apenas com um dos pais.[2]
Alguns autores possibilitam demonstrar que a ausência de qualquer um que seja dos pais sempre é constatada em quadros psicóticos, em razão desta falta psíquica/afetiva.
O principal argumento psicológico para a dupla custodia é o de que a criança se beneficia na medida em que reconhece que tem dois pais envolvidos em sua criação e educação, para Judith Saretsky Waltterstein e Sandra Blakeslee (1991, p. 343). Já Françoise Dolto (1989, p. 77) afirma que para o inconsciente da criança, é necessário que haja um adulto que a impeça de ter uma intimidade total com seu genitor. Ainda, Joël Dor (1991, p. 27) ratifica a importância do pai biológico na formação da prole:
A demarcação da função simbólica do pai que diz respeito à existência contingente do Pai real determina uma das bases mais fundamentais da clínica psicanalítica. Não seria necessária outra prova mais convincente do que lembrar que a edificação do pai simbólico a partir do pai real constitui a própria dinâmica que regula o curso da dialética edipiana e, com ela, todas as consequências psíquicas que dela dependem.
Por fim, o modelo compartilhado de guarda tem se mostrado muito eficaz na prevenção e combate do fenômeno psicológico e jurídico da alienação parental. Este termo, que foi introduzido por Richard Gardner (1985, p. 29), possui, segundo o psiquiatra norte-americano, a seguinte definição
A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha demeritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável.
Positivada no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n° 12.318/2010, que, além de conceituar o instituto, tornando-o punível pela autoridade judiciária, apresenta um rol exemplificativo de ações e omissões que possam caracterizar a ocorrência do distúrbio, a alienação parental, com a determinação da compulsoriedade da guarda compartilhada, possui grandes chances de ocorrer com cada vez menos frequência, e quando não se evitar, ao menos poderá atenuar seus efeitos práticos para que abale o psicológico do infante o menos possível.
2.3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA GUARDA COMPARTILHADA
Com base nas profundas transformações culturais e sociais que ocorreram no século XX, o Direito de Família Contemporâneo se interligou aos direitos humanos, ao princípio da dignidade humana, e à ética como um todo - e o instituto da guarda não foge a esta regra. Para Eduardo de Oliveira Leite (1994, p. 4), a família é uma realidade sociológica que precede ao surgimento do Estado e é anterior ao próprio direito.
Desta forma, a possibilidade de aplicação da guarda compartilhada surgiu após a mudança de paradigma da postura adotada pela mulher a partir de segunda metade do século XX, com o surgimento do feminismo, movimento social, filosófico e político que idealiza a igualdade entre homens e mulheres através da busca de direitos das mulheres e de seus interesses.
O feminismo foi fundamental para afastar a premissa patriarcal de que a mulher haveria de se dedicar apenas aos cuidados domésticos, enquanto que ao homem caberia o papel de gerir lucros e sustentar a família. Para Maria Luiza Povoa Cruz (2009, p. 220-225), o discurso psicanalítico traz claramente as noções de que a paternidade e a maternidade não são propriamente um dado instintual, mas uma função exercida.
Assim, a fim de reforçar a visão de que o poder familiar compete igualmente aos pais, outras disciplinas, tais como a psicologia, filosofia e antropologia auxiliaram a sustentar o entendimento de que esse equilíbrio de funções seria amplamente em prol do melhor interesse do menor, e atenuaria as injustas consequências que o privilégio da guarda unilateral ocasiona. Desta forma, idealizou-se um modelo de guarda que refletisse um maior compartilhamento dos pais no amparo à prole, o que mesmo após o rompimento conjugal seria benéfico ao melhor interesse das crianças.
2.3.1. Antecedentes Históricos
O interesse de se ampliar no ordenamento o reconhecimento da proteção às crianças e adolescentes e equalizar a função parental entre ambos os genitores apareceu primeiramente na Declaração de Genebra, de 1924, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e na Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, mas foi a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 1989, a grande responsável para que o dispositivo da guarda compartilhada passasse a vigorar na maior parte dos países a partir da década de 90. Essa convenção foi fundamental para fortalecer o reconhecimento do direito de toda criança e de todo adolescente em crescer em um âmbito familiar que propicie seu amparo, seu sustento, e que garanta o direito deste de manter regularmente contato pessoal e direito com ambos os pais.
Com fulcro em todos os precedentes históricos mencionados, passou-se a considerar primeiramente o interesse da criança em todas as decisões judiciais que tangem acerca da disputa de guarda nas relações familiares, vinculando instituições públicas e privadas, tribunais, órgãos administrativos e legislativos a agirem neste sentido.
2.3.2. Evolução do Instituto no Direito Brasileiro
No Brasil, essa modalidade não era prevista até o ano de 2008, no entanto, o ordenamento não estipulava nenhuma vedação expressa a respeito, pelo contrário, nosso direito já favorecia sua utilização: a Constituição Federal em seu art. 226, § 5° e 7°, o Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 16, e o Código Civil no art. 1690 notadamente já davam indícios de que o modelo compartilhado de guarda não significaria afronta aos princípios que regem nosso ordenamento.
Na ampla biografia do direito de família, a guarda compartilhada de filhos não tem sido objeto de estudos específicos e, muito menos, de monografias exaustivas, mas na área da psicologia o debate acerca da guarda compartilhada já era suficientemente amplo.
No ano de 1986, o ex-juiz de direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Sérgio Gischkow Pereira, publicou o primeiro estudo acerca da possibilidade da guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro, atentando aos magistrados de que, ainda que não houvesse lei alguma a respeito, já naquela década o referido modelo era alvo de pesquisas “sob o prisma jurídico e psiquiátrico” por psicólogos, educadores, sociológicos, dentre outros.
Ademais, pode-se destacar o julgamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina referente ao Agravo de Instrumento n° 2001.012993-0, que possui com o seguinte teor:
Fundamental para um bom desenvolvimento social e psicológico que a criança possa conviver sem restrições com seus genitores, devendo a decisão a respeito da guarda de menores ficar atenta ao que melhor atenderá ao bem-estar dos filhos dos casais que estão a se separar. Assim, tendo as provas até o momento produzidas indicado que ambos os genitores possuem condições de ficar com o filho menor, tem-se que a melhor solução para o caso concreto é a aplicação da guarda compartilhada sem restrições.
Com o intuito de antecipar a previsível discussão que estava por vir sobre a possibilidade de a guarda compartilhada ser aplicada em território nacional, o Conselho de Justiça Federal, em 2002, firmou que a expressão “guarda de filhos”, constante no art. 1583, do Código Civil, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a guarda compartilhada, por atender ao princípio da supremacia do interesse da criança e do adolescente.
Foi nessa perspectiva de contrariar o egoísmo parental que foi aprovada, primeiramente, a Lei Federal n° 11.698/2008, responsável por positivar a possibilidade de ser adotada pelo Poder Judiciário o modelo compartilhado da guarda, sempre que possível.
Por fim, a Lei Federal n° 13.058/2014, "Lei da Guarda Compartilhada", na busca de respeitar os princípios assegurados pela Constituição de igualdade entre pais e mães, modificou dispositivos já existentes no Código Civil vigente com o intuito de definir como compulsória a utilização da guarda compartilhada no Brasil, favorecendo que as decisões relativas à vida dos filhos sejam feitas conjuntamente pelos genitores.
Desta forma, a histórica supremacia do interesse dos genitores, marco das disposições do Código Civil, foi substituída pelo privilégio do interesse da criança já dentro da doutrina da proteção integral, pela qual passou a se adotar a conduta de considerar a prole, não mais um objeto de proteção, mas sim um sujeito detentor de direitos que prevalecem sobre os demais em todas as esferas jurídicas e sociais.
3 DA LEI N° 13.058/14 E DA COMPULSORIEDADE DE APLICAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA
3.1 O CONTEXTO SOCIAL BRASILEIRO ATÉ A APROVAÇÃO DA LEI N° 13.058/2014
Após a aprovação da Lei Federal n° 11.698/2008, responsável pela definitiva inclusão da guarda compartilhada no ordenamento jurídico nacional, os profissionais da área se mostraram otimistas pela confirmação de sua efetividade, mas a realidade foi muito distinta e desigual daquela pretendida com a possibilidade legal deste instituto jurídico.
O principal equívoco do legislador nesta questão foi sua pretensão de se alterar § 2° do art. 1583, do Código Civil, a fim de que, pelo texto da lei, a guarda unilateral fosse atribuída ao genitor que revelasse melhores condições para exercê-la.
À luz da interpretação da lei, a grande maioria das decisões judiciais a respeito se mostraram a favor da preferência da guarda ser atribuída unilateralmente à genitora, pelo que a guarda compartilhada ficava à mercê de um bom diálogo entre as partes para que fosse optada pelo Poder Judiciário.
A par disso, a lei ainda deixou a desejar em outros aspectos, pelo qual se destaca a alteração prevista junto ao texto normativo do § 4º do art. 1584, que pretendia implicar que o descumprimento de determinações homologadas quanto à guarda, unilateral ou compartilhada, poderia implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.
Como se observa, a lei não delimitava o grau de complexidade que o descumprimento de suas obrigações poderia acarretar ao genitor, lacuna que resultou no entendimento de que o genitor detentor da guarda poderia por si só deliberar acerca de todas as decisões inerentes ao filho, o que violaria o direito de exercício do poder familiar do genitor não guardião.
Desta forma, a Justiça brasileira se curvou ao pensamento de que, sempre que se questionasse acerca de qual genitor teria maior capacidade para obter a guarda da criança ou do adolescente, a mãe, em regra, seria optada como melhor opção. Segundo pesquisa realizada em 2011 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 87,6% das mulheres assumiram legalmente a responsabilidade de seus filhos na época. A maior justificativa apresentada pelos magistrados era o de que a guarda compartilhada não poderia ser bem sucedida quando aplicada sem o consenso entre os pais.
Na posição de Ana Maria Milano Silva (2005. p. 161), era nítida e invariável a inclinação judicial para conceder a guarda dos filhos à mãe, por se entender implicitamente que a figura da mãe era imprescindível, enquanto a do pai seria dispensável. Ainda segundo a referida autora, a discriminação contra o homem, negando-lhe a igualdade com a mulher nos cuidados com os filhos, advém da consideração generalizada de ser o instituto maternal um mito, por intermédio do qual se depreendem outros mitos que tendem a anular a proximidade paternal.
Para a advogada Eliana Giusto (1999. p. 66-71), a situação pela qual se encontravam os pais não detentores da guarda fundamentava-se no preconceito dos magistrados em relação a estes na hora de decidir acerca das disputas de guarda litigiosas:
O preconceito ainda existente em relação ao homem que quer disputar a guarda dos filhos é tamanho que, quando consultam um advogado, logo são desestimulados. Enquanto a psicologia diz sim, o judiciário diz não. Este comportamento é reforçado porque os advogados que atuam na área de família sabem que para a guarda dos filhos seja deferida ao pai, supondo-se a condição de igualdade com a mãe, os anjos tem que descer do céu e explicar que o pai também pode cuidar e educar os seus filhos e que isto, hoje, não é tarefa exclusiva das mulheres.
Acerca disso, ressalta-se a análise de Rodrigo da Cunha Pereira (2011, p. 27) a respeito da atual situação social brasileira referente ao relacionamento dos pais genitores e seus filhos após a atribuição constante da guarda unilateral às mães:
(...) podemos falar hoje de uma crise de paternidade, diante das novas representações sociais da família, frente ao rompimento dos modelos e padrões tradicionais. Sua função básica (do pai) estruturadora e estruturante do filho como sujeito, está passando por um momento histórico de transição, de difícil compreensão, onde os varões não assumem ou reconhecem para si os direito/dever de participar da formação, convivência afetiva e desenvolvimento de seus filhos. Por exemplo: o pai solteiro, ou separado, que só é pai nos fins de semana, ou nem isso; o pai que não paga ou boicota a pensão e nem se preocupa ou deseja ocupar-se com isso; o pai que não reconhece seu filho e não lhe dá o seu sobrenome na certidão de nascimento. Enfim, a ausência do pai e dessa imagem paterna, em decorrência de um abandono material ou psíquico tem gerado graves consequências na estruturação psíquica dos filhos e que repercute, obviamente, nas relações sociais (...). O mais grave é o abandono psíquico e afetivo, a não presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurança e proteção.
Com o intuito de se exigir que as determinações judiciais fossem favoráveis à utilização do modelo compartilhado de guarda em relação aos genitores que ingressassem em litígio pela guarda de seus filhos, diversas organizações brasileiras que representam os interesses destes pais excluídos pressionaram as autoridades legislativas em busca de reparos desta afronta à igualdade do exercício da parentalidade.
Assim, no dia 22 de dezembro de 2014, foi sancionada pela ex-Presidente da República, Dilma Rousseff, o projeto de lei apresentado pelo então Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá e que determinava a utilização compulsória pelos magistrados da guarda compartilhada no Brasil.
3.2 DAS PECULIARIDADES DA “LEI DA GUARDA COMPARTILHADA”
Primeiramente, cabe esclarecer que a Lei Federal 13.058/2014 alterou dispositivos legais preexistentes no ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com a determinação presente na ementa da lei, a fim de se estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação, foram alterados os arts. 1583, 1584, 1585 e 1634, do Código Civil.
Não há como se olvidar que a maior alteração inaugurada pela inovação legal foi o estabelecimento do modelo compartilhado de guarda como regra geral, contradizendo com o consolidado argumento de que sua aplicação deveria ser restrita aos casos se separação consensual.
Agora, havendo desacordo entre os genitores, aplica-se a atual regra prevista no art. 1584, §2° do Código Civil, que dispõe que a guarda compartilhada só não será optada no caso de um dos genitores expressamente expor o desinteresse na guarda do infante. Flavio Tartuce expõe ainda a possibilidade de que o simples interesse do genitor possa não ser suficiente para afastar a compulsoriedade da guarda compartilhada
A obrigatoriedade fica clara pelo fato de que o afastamento da guarda compartilhada deve ser devidamente motivado pelo genitor, cabendo ao juiz da causa analisar a questão sempre sob a perspectiva do princípio do maior interesse da criança ou do adolescente. Sendo assim, mesmo havendo argumentos do genitor para declinar a suposta guarda compartilhada, o juiz pode entender pela sua implementação compulsória, de acordo com o regramento citado. [3]
Por outro lado, a vontade do genitor também poderá ser ineficaz quando demonstrar interesse pela guarda do menor, caso não haja aptidão por sua parte para exercer devidamente o poder familiar.
Além da compulsoriedade da guarda em si, a lei tratou de regular o exercício de alguns dos direitos e deveres inerentes ao poder familiar, caso dos direitos de convivência e fiscalização e dos deveres de prestar informações e alimentos, além de definir a base de moradia da prole.
Pela nova redação do Código Civil, em seu artigo 1583, §3º, base de moradia corresponde à custódia física da criança e do adolescente, deverá ser compartilhada entre os pais e corresponder àquela que melhor atenda aos interesses dos filhos, ainda que os genitores não residam no mesmo município.
Para o entendimento de Conrado Paulino da Rosa (2015, p. 77), ausente o consenso entre os pais, caberá ao juiz e ao promotor de justiça responsáveis a utilização de perícia social e psicológica para que, de forma efetiva, esse critério seja atendido.
Essa determinação reflete efetivamente no direito de convivência dos pais a fim de que haja um maior equilíbrio a respeito, impossibilitando a antiga fixação alternada de finais se semanas para cada um destes. Assim, as situações de litigiosidade entre ambos não poderão mais servir de fundamento para a supressão do compartilhamento da guarda.
Na doutrina, sobreleva a lição de Giselle Câmara Groeninga (2008, p. 171), que esclarece que a convivência que a guarda compartilhada busca contemplar atende à criança em sua necessidade em contar com o pai e a mãe, e também a uma legítima reivindicação dos homens que descobriram a realização em exercer a parentalidade.
Outra questão relevante consiste na maleabilidade no exercício desse direito, já que o direito de convivência, apesar de ser constitucionalmente garantido, não é um direito absoluto. A razão é simples: para que se garanta o amplo crescimento mental e físico da criança e do adolescente, qualquer elemento que ameace esse desenvolvimento deve ser inibido, ainda que seja o direito de convivência.
Assim, a dinamicidade do dia a dia e a especificidade de cada demanda poderão importar no reajustamento da rotina entre cada família. Contudo, faz-se necessário que tal planejamento exista com antecedência a fim de que não venha a prejudicar a prole.
Por outro lado, ainda que a inovação legal suprima a possibilidade de que magistrados restrinjam o tempo de convivência entre pai e filho, mantiveram-se algumas ocasiões que poderão resultar na redução de algumas das prerrogativas inerentes ao poder familiar. Com efeito, para Conrado Paulino da Rosa, embora a lei deixe de estabelecer quais seriam as reduções, jamais se deve permitir que o progenitor que descumpra alguma responsabilidade que lhe foi atribuída permaneça ileso.
Em última análise, verifica-se que, agora, no interesse da concretização do direito superior, que é o do filho, qualquer um dos genitores pode e deve pedir e reiterar medidas processuais no caso do descumprimento injustificado de suas atribuições inerentes ao poder familiar, já que pela guarda unilateral esta possibilidade muito se restringia ao guardião não detentor da guarda.
Em contrapartida a posicionamentos que surgiram a respeito, cabe ponderar que esse compartilhamento das responsabilidades não permite que haja eventual exoneração de um dos genitores quanto às despesas da prole. Esse entendimento, para Angela Gimenez (2015, p. 5-8), não passa de mera retórica daqueles que insistem em manter um sistema retrógrado e descolado da necessidade e dos anseios sociais, pois, por si só, a guarda compartilhada não implica alteração dos alimentos pagos.
Com base no trinômio da necessidade-possibilidade-proporcionalidade, cada um dos pais deverá contribuir proporcionalmente com a quota de seus recursos disponível para tal encargo, de acordo com o Código Civil, em seu art. 1703. Pelo mesmo ordenamento, o legislador possibilitou no art. 1701 que a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor.
Acerca disso, o Código Processual Civil determina que o débito objeto de execução neste caso poderá ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, desde que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos. Houve também a ampliação do exercício do dever de vigilância, característico do poder familiar, haja vista que a nova disposição do artigo 1584 do CC, §6º dispõe acerca da possibilidade de estabelecer multa a quem não preste informações.
Outra novidade foi a ampliação do exercício do dever de vigilância, característico do poder familiar, haja vista que a nova disposição do art. 1584, §6°, do Código Civil, dispõe acerca da possibilidade de estabelecer multa a quem não preste informações.
Esse poder/dever está diretamente relacionado com a obrigação de prestar contas. Obrigação não somente do genitor ora guardião, mas sim de toda e qualquer pessoa que esteja administrando bens ou interesses de terceiros, via relação jurídica contratual ou legal, o que, para Elpídio Donizetti (2012. p. 1216), fundamenta-se somente no esclarecimento de certas situações decorrentes da administração de bens alheios.
Sobre isso, a lei alterou o disposto no art. 1583, §5º do Código Civil, a fim de que o genitor que não detenha a guarda física da prole tenha o dever de vigiar os interesses dos filhos, sendo “parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”.
De modo geral, a nova lei foi fundamental para que fosse afastado todo e qualquer empecilho do dever de vigilância que pudesse ser imposto por que esteja na administração de tais bens ou interesses. Por isso, entende-se inclusive que o próprio infante possui a capacidade de exigir, via nomeação judicial de curador especial, essa prestação de contas de quem administre a pensão, já que, sendo o titular da quantia recebida a título de alimentos, certamente teria o interesse necessário para esse requerimento.
Por derradeiro, acrescenta-se que a Lei Federal n° 13.058/2014 incluiu os incisos IV e V ao art. 1634, do Código Civil, resultando na atribuição dos pais em conceder ou não autorização para viagem do menor junto ao exterior e para alterar a residência permanente do filho para outra cidade.
4. A COMPULSORIEDADE DA GUARDA COMO REFLEXO DA POLÍTICA PÚBLICA DE AÇÕES AFIRMATIVAS
Desde a redemocratização do estado brasileiro, inúmeras políticas públicas foram introduzidas com a intenção de diminuir as desigualdades sociais em todos os âmbitos possíveis. Essas medidas, que são baseadas na concepção de igualdade, são denominadas ações afirmativas, as quais, para Kabengele Munanga (1996, p. 79-111), têm sido formuladas independentemente do partido político e da ideologia adotada, sendo utilizada tanto por políticos de direita quanto de esquerda.
As ações afirmativas costumam ser confundidas como uma política compensatória redistributiva, o que estaria em contradição com o ideal republicano e o princípio constitucional de igualdade, mas as diferem na medida em que só são possíveis caso comprovada a relação entre a carência socioeconômica dos beneficiários e sua discriminação, seja ela decorrente de gênero, sexo, raça ou etnia. Até por isso, o que se busca com políticas de ações afirmativas é tão somente alcançar a tão pretendida igualdade de fato entre os indivíduos, e não apenas a igualdade fictícia presente nos moldes das revoluções liberais.
Na doutrina, obrigatória a menção ao parecer de Celso Antônio Bandeira de Mello (1995, p. 11-42) a respeito das características próprias das ações afirmativas em respeito ao princípio da isonomia:
Só o respeito a três aspectos garante o princípio da isonomia: a) qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações pode ser escolhido pela lei como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é no traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico; b) o segundo reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado, reforçando a necessidade de uma pertinência lógica, justificada, e não arbitrária, para a discriminação. O artigo 5° da Constituição, nesse sentido, apenas buscou esclarecer que o sexo, a raça, e o credo religioso não podem gerar, só por só, uma discriminação; c) não é qualquer diferença, conquanto real e logicamente explicável, que possui suficiência para discriminações legais. Requer-se, demais disso, que o vínculo demonstrável seja constitucionalmente pertinente. É dizer: as vantagens calçadas em alguma peculiaridade distintiva hão de ser conferidas prestigiando situações conotadas positivamente, ou, quando menos, compatíveis com os interesses acolhidos no sistema constitucional.
Assim, algumas imposições legais se destacam frente às políticas de ação afirmativa. Pela Constituição Federal, por exemplo, seu art. 7° estabelece como direito dos trabalhadores a proteção de mercado da mulher, e seu art. 37 estipula percentual mínimo dos cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência. Outro ponto relevante consiste na atual política de cotas sociais e raciais, regulada pela Lei Federal 12.711/2012, que funciona como uma reserva de vagas em instituições públicas ou privadas, seja em razão da situação socioeconômica do beneficiário, ou sua etnia.
Não se pode dizer que a Lei Federal n° 13.058/2014 trate de uma política de ação afirmativa, já que a compulsoriedade da guarda compartilhada não se refere a uma discriminação, e sim a uma imposição legal em prol de uma medida igualitária entre os genitores, mas os reflexos da política de ações afirmativas frente aos fundamentos que justificam a Lei da Guarda Compartilhada são visíveis e esclarecedores.
A citar, a maior justificava para definir a guarda compartilhada como regra no Brasil foi o respeito ao princípio do melhor interesse do menor, aliado à imensa quantidade de decisões judiciais que determinavam a guarda unilateral, normalmente para as mães, enquanto que quem não detinha a guarda da criança ficava à mercê de depender no genitor guardião para conviver com o infante. Assim dizendo, se resolvida essa situação, a compulsoriedade como um todo já não seria mais necessária.
E é essa a base das ações afirmativas, qual seja, seu caráter temporário: uma vez concluída esta reparação no contexto político, social ou econômico da sociedade, não haveria mais razões lógicas para que estas políticas públicas continuassem em vigência no ordenamento legal.
Isso não quer dizer, no entanto, que a Lei Federal n° 13.058/2014 está fadada a perder sua eficácia. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde a guarda compartilhada é regra até hoje em 30 (trinta) estados, entende-se que o melhor interesse do menor é mais respeitado quando há maior contato físico e psicológico do infante com ambos os genitores, mesmo após a separação ou divórcio.
Assim, ainda que com a inovação legal haja uma redução dessa disparidade, em razão da supremacia do interesse da criança e do adolescente, a guarda compartilhada só deixará de ser regra caso se constate que este possa ser mais prejudicial ao desenvolvimento da prole em relação aos outros modelos existentes de guarda.
O objetivo deste trabalho foi apresentar um estudo comparativo entre a opção pela utilização compulsória do modelo compartilhado de guarda, medida aplicada atualmente no Brasil com a sanção da Lei Federal n° 13.058/2014, em relação às políticas públicas de ação afirmativa.
Para isso, buscou-se, primeiramente, fazer uma breve exposição acerca da noção de guarda compartilhada, instituto jurídico que garante aos genitores o mútuo exercício de suas funções parentais. Previsto no ordenamento brasileiro pelo art. 1634, inciso II, do Código Civil, o direito de exercício da guarda originariamente se referia a um direito subjetivo pelo qual exclusivamente seria atribuída a um dos genitores, pelo que, ao genitor não guardião restaria o direito de visitas em relação aos filhos. Entendimento este que passou por revisões doutrinárias, principalmente com o advento Convenção Internacional dos Direitos da Criança, e atualmente o interesse maior da criança e do adolescente cada vez é realçado nas relações familiares.
O pareamento dos aspectos positivos e negativos da guarda compartilhada foi fundamental para concluir que, principalmente sob o olhar da psicologia contemporânea, este se refere ao modelo mais recomendado até então, em atenção ao princípio da supremacia do interesse da criança e do adolescente.
Já em relação à Lei Federal n° 13.058/2014, antes de qualquer argumentação a respeito, buscou-se compreender o contexto social presente até então, e que poderiam justificar a intenção do legislador por trás da inovação legal, e o que pode ser constatado é que havia presente uma evidente discrepância nas decisões judiciais a respeito das dissoluções litigiosas que envolviam disputa de guarda de filhos, onde, lamentavelmente, magistrados, em legítima afronta ao princípio da igualdade parental e do dever mútuo de assistência, se curvavam a destinar a guarda do infante à mãe sempre que se questionasse acerca de qual genitor teria maior capacidade para obter a guarda definitiva.
A compulsoriedade da guarda compartilhada, em razão da aprovação da Lei n° 13.058/2014, tem como fundamento a correção de equívocos e lacunas no ordenamento jurídico que possibilitavam ao magistrado evitar, sempre que possível, sua aplicação no âmbito nacional.
Desde modo, a aprovação da lei, ao buscar a reparação no contexto político, social ou econômico da sociedade, pode ser justificada como um reflexo à vasta quantidade de políticas públicas que são executadas em prol da igualdade social, de sexo, gênero ou raça.
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[1] PEDERNEIRAS, Fernanda; GEARA, Diana. Guarda compartilhada: apontamentos sobre a lei 13.058/14. Migalhas. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI224471,91041Guarda+compartilhada+apontamentos+sobre+a+lei+1305814. Acesso em 13 nov. 2015.> Acesso em 25/01/2016.
[2] Pesquisa recente da Escola de Profissionais de Psicologia da Califórnia. Revista Época, n.349, de 24 jan.2015.
[3] TARTUCE, Flávio. A lei da guarda compartilhada (ou alternada) obrigatória: Análise crítica da lei 13.058/14. Parte I. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI215990,51045A+Lei+da+Guarda+Compartilhada+ou+alternada+obrigatoria+Analise>
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Advogado inscrito na OAB/PR sob o n° 95.867 e membro consultor da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR, é graduado em Direito pelo UNICURITIBA e especialista em Direito de Família e Sucessões pela ABDConst. É, ainda, graduando em Ciências Sociais pela UFPR e pós-graduando em Direitos Humanos e Questão Social pela PUCPR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOCELIN, Matheus Amaral. A “Lei da Guarda Compartilhada” (Lei Federal n° 13.058/2014) como reflexo das políticas públicas de ação afirmativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 maio 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50040/a-lei-da-guarda-compartilhada-lei-federal-n-13-058-2014-como-reflexo-das-polticas-pblicas-de-ao-afirmativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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