Resumo: O objetivo do presente estudo é indicar os principais dispositivos legais sobre o Compromisso de Ajustamento de Conduta e a legitimidade dos seus tomadores. Para tanto, mostraremos o histórico da inclusão do Compromisso de Ajustamento de Conduta na legislação brasileira e apontaremos quais entes podem tomá-lo.
Palavras-chave: Compromisso de Ajustamento de Conduta, ação civil pública.
Abstract: The objective of this study is to indicate the main rules of the Conduct Adjustment Agreement and the legitimacy of their signers. For that we will show the history of its inclusion in the Brazilian legislation and indicate the entities that can sign it.
Key words: Conduct Adjustment Agreement, class action.
SUMÁRIO: 1.Introdução 2.Escorço Histórico 3.Previsão Legal 4.Tomadores Legitimados 4.1.Legitimidade para ajuizar Ação Civil Pública 4.2.Legitimados a Tomar o Compromisso 4.3.Teoria do Órgão 4.4.Entes da Administração Pública Direta 4.5.Entes que não podem tomar o compromisso 4.6.Entes da Administração Pública Indireta 5.Considerações Finais BIBLIOGRAFIA
Tendo em vista que as relações do mundo atual são de massas e que diariamente um sem-número de pessoas são atingidas, em razão de danos aos interesses metaindividuais[1], tem-se que o Compromisso de Ajuste de Conduta é um dos principais instrumentos para a tutela dos referidos interesses, mostrando-se como a forma mais rápida e eficaz para a recomposição do dano ou como forma de tutela acautelatória dos direitos transindividuais.
Nesse passo, urge o estudo deste importante instrumento de defesa dos interesses metaindividuais. Sendo assim, buscaremos apontar o arcabouço legislativo do instituto e levantar os questionamentos existentes acerca da legitimidade de seus tomadores. Para tanto, elaboraremos um escorço do histórico da inclusão do Compromisso de Ajustamento de Conduta na legislação pátria, desde o seu ingresso efetivo no sistema jurídico pátrio com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Apontaremos que o ordenamento infraconstitucional contém diversos dispositivos para a proteção dos interesses metaindividuais que tratam do Compromisso de Ajustamento de Conduta.
No tocante à legitimação, definiremos quais são os entes que podem celebrar o Compromisso de Ajuste e trataremos da interpretação que deve ser conferida ao termo “órgãos públicos”, de modo a verificar a possibilidade de outras pessoas jurídicas, não inseridas no conceito tradicional da doutrina sobre órgão público, de tomar o compromisso. Isso porque o §6º do artigo 5º da Lei nº. 7.347/85 preconiza: “§6°. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Assim, a interpretação literal e restritiva do dispositivo legal afastaria a possibilidade das pessoas jurídicas que não se enquadram no conceito de Administração Pública Direta – autarquias, fundações públicas, empresas públicas etc. – tomarem o compromisso de ajustamento.
Por derradeiro, abordaremos eventuais soluções às questões enfrentadas, no sentido da mais ampla proteção dos interesses transindividuais por meio do ajustamento de conduta.
O Compromisso de Ajuste, como ensina Nélson Nery Jr., é:
fruto da experiência da revogada Lei de Pequenas Causas (Lei nº. 7.244, de 7.11.84), que conferia ao acordo extrajudicial, celebrado entre as partes e referendado pelo órgão do Ministério Público, natureza de título executivo extrajudicial (art. 55, parágrafo único). Tal sistema foi mantido pelo art. 57, parágrafo único, da Lei dos Juizados Especiais (LJE – Lei nº. 9.099/95), que revogou e substituiu a Lei de Pequenas Causas. [2]
O instituto ingressou no sistema jurídico pátrio com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente[3], permitindo aos órgãos públicos a celebração do Termo de Compromisso na proteção dos interesses transindividuais tutelados pelo ECA. Pouco tempo depois, o Código de Defesa do Consumidor, por força do art. 113, acrescentou o §6º ao art. 5º da Lei nº. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública, ampliando a possibilidade da tomada de ajuste em relação aos demais interesses metaindividuais[4], inclusive em matéria consumerista[5], isto porque houve a criação do microssistema[6] do processo coletivo com a interação do CDC e da LACP.
Entretanto, impende ressaltar, que o Poder Executivo intentava vetar o sobredito dispositivo, tendo em vista que as razões do veto ao §3º do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, que igualmente previa a possibilidade de celebração do compromisso em matéria consumerista metaindividual, expressamente buscava o veto tanto ao sobredito parágrafo quanto ao art. 113. Contudo, a Lei nº. 8.078/90 foi promulgada com o art. 113 em sua íntegra, ainda que por falha do gabinete da Presidência da República[7].
Tanto assim que parte da doutrina defende a extensão do veto ao art. 113 e, por conseguinte, ao §6º do art. 5º da LACP, como se posicionam, v.g., Theotônio Negrão[8] e Manoel Antônio Teixeira Filho[9] sustentando este que o dispositivo "foi vetado pelo Sr. Presidente da República (conforme consta do DOU, edição de 12 de setembro de 1990, suplemento, pág. 11), ainda que esse veto, por inadvertência da Imprensa Oficial, não tenha constado da publicação do texto daquela norma legal".
Porém, seguindo os suficientes argumentos de Hugo Nigro Mazzilli[10], coadunados às decisões do Colendo Superior Tribunal de Justiça[11], o veto foi ineficaz, de forma a ser válida a norma que permite a efetiva solução extrajudicial do conflito, por meio do Compromisso de Ajustamento de Conduta em matéria de interesse transindividual, inclusive em relação ao consumidor[12].
O ordenamento infraconstitucional contém inúmeros dispositivos de natureza material e processual para a tutela dos interesses metaindividuais, sendo assim, transcreveremos os principais preceitos atinentes ao Compromisso de Ajustamento de Conduta.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA o art. 211 permitiu o Ajustamento de Conduta em matéria de interesses ligados à proteção às crianças e aos adolescentes, dispondo: “Art. 211. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial”.
O art. 876 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, com a redação que lhe deu a Lei nº. 9.958/00, permitiu a celebração de Termos de Ajuste de Conduta firmados pelo Ministério Público do Trabalho, conferindo-lhes o efeito de ensejar execução, estabelecendo: “Art. 876 - As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executada pela forma estabelecida neste Capítulo”.
Em caso de dano ao meio ambiente, a Medida Provisória nº. 2.163-41/01 acrescentou o art. 79-A à Lei nº. 9.605/98, permitindo que órgãos ambientais celebrem Termos de Compromisso com pessoas físicas ou jurídicas, assegurada a força de títulos executivos extrajudiciais, prevendo:
Art. 79-A. Para o cumprimento do disposto nesta Lei, os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA, responsáveis pela execução de programas e projetos e pelo controle e fiscalização dos estabelecimentos e das atividades suscetíveis de degradarem a qualidade ambiental, ficam autorizados a celebrar, com força de título executivo extrajudicial, termo de compromisso com pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pela construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores.
O principal dispositivo legal, acrescido pelo Código de Defesa do Consumidor à Lei da Ação Civil Pública, é o §6º do art. 5º da LACP, que dispõe, com os mesmos termos do art. 211 do ECA: “§6°. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.
Por seu turno, a Lei nº. 12.529/2011, que dispõe sobre a estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, contempla a figura do Termo de Compromisso de Cessação pelo Cade em seu artigo 85, in verbis:
Art. 85. Nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos I, II e III do art. 48 desta Lei, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, devidamente fundamentado, entender que atende aos interesses protegidos por lei.
Por seu turno, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução CNMP nº. 23, de 17 setembro de 2007, que dispõe normas gerais sobre o inquérito civil e prevê o compromisso de ajustamento no artigo 14, nestes termos:
Art. 14. O Ministério Público poderá firmar compromisso de ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados.
Como é cediço, a legitimidade para propor Ação Civil Pública ou Coletiva e para celebrar o Compromisso de Ajuste é concorrente e disjuntiva.
Concorrente porque o art. 5º da LACP e o art. 82 do CDC formam um rol de colegitimados capazes de propor ações na defesa de interesses coletivos lato sensu, e conferem legitimidade aos órgãos públicos com vistas a celebrar o Compromisso de Ajustamento de Conduta, sem que exclua a possibilidade do substituído propor ação própria.
Disjuntiva em razão da desnecessidade atuação em litisconsórcio dos colegitimados, que podem, desta maneira, atuar isoladamente.
Ainda, o entendimento de um colegitimado não obsta a atuação do outro. Desse modo, se o Ministério Público arquivar um Inquérito Civil, nada impede que outro colegitimado ajuíze a ação que julgar necessária, entretanto o Parquet atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.
Ademais, quando tomado o compromisso, tido como garantia mínima, por um colegitimado, pode outro ajuizar ação civil pública, desde que haja interesse processual, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - LEIS N. 8.625/93 E N. 7.347/83 - DANO AMBIENTAL - CERAMISTAS - EXTRAÇÃO DE BARRO - ALVARÁ - LICENCIAMENTO - PROJETO DE RECUPERAÇÃO HOMOLOGADO NO IBAMA - INTERESSE DO MP NO PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE DISCUTE DANO AMBIENTAL E SUA EXTENSÃO - POSSIBILIDADE.
1 - É o Ministério Público parte legítima para propor ação civil pública na defesa do patrimônio público, aí entendido os patrimônios histórico, paisagístico, cultural, urbanístico, ambiental etc., conceito amplo de interesse social que legitima a atuação do parquet.
2 - A referida legitimidade do Ministério Público para ajuizar tais ações é prevista in satus assertionis, ou seja, conforme a narrativa feita pelo demandante na inicial ("teoria da asserção").
3 - Ainda que exista acordo realizado no âmbito administrativo (IBAMA) com as empresas demandadas, resta o interesse de agir do Ministério Público na busca da comprovação da exata extensão dos danos e na reparação. Instâncias administrativa e judicial que não se confundem, de modo a não gerar obstáculo algum para o exercício da jurisdição.
4 - Não viola o art. 535 do CPC, acórdão que adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, ainda que conclua contrariamente ao interesse do recorrente.
Recurso especial provido em parte, para reconhecer a legitimidade do Ministério Público do Estado de Minas Gerais e o interesse de agir na ação civil pública. Determino a devolução dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais para que prossiga no julgamento, enfrentando o mérito da questão como entender de direito. (REsp 265.300/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2006, DJ 02/10/2006, p. 247)
Os colegitimados à propositura da Ação Coletiva ou Civil Pública, como assinalado alhures, estão arrolados no art. 5º da LACP e no art. 82 do Codex Consumerista, que trasladamos:
A) na Lei nº. 7.347/85:
Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
B) no Código de Defesa do Consumidor:
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público;
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
Cumpre relembrar que ambos dispositivos são aplicáveis à tutela de todos os interesses transindividuais, face ao microssistema do processo coletivo CDC/LACP, criado por força do art. 90 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública.
Em relação ao Compromisso de Ajustamento de Conduta, conforme estabelece o §6º do art. 5º da LACP os órgãos públicos legitimados[13] à propositura de ação civil pública ou coletiva podem o celebrar.
Destarte, vamos verificar a interpretação que devemos conferir à expressão “órgãos públicos” para fixarmos quais colegitimados à propositura de ação civil pública podem figurar como tomadores do compromisso de ajustamento.
Define-se órgão público, na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[14], “como uma unidade que congrega atribuições exercidas pelos agentes públicos que o integram com o objetivo de expressar a vontade do Estado”.
Ainda, prevê o art. 1º, §2º, inciso I da Lei nº. 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, in verbis:
§ 2o Para os fins desta Lei, consideram-se:
I - órgão - a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta.
Também conceitua Hely Lopes Meirelles que órgãos públicos:
São centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem. São unidades de ação com atribuições específicas na organização estatal. Cada órgão, como centro de competência governamental ou administrativa, tem necessariamente funções, cargos e agentes, mas é distinto desses elementos, que podem ser modificados, substituídos ou retirados sem supressão da unidade orgânica[15] (destaques do autor).
O conceito atual de órgão público é lastreado na teoria do órgão, que assim ensina Hely Lopes Meirelles:
A teoria do órgão veio substituir as superadas teoria do mandato e da representação, pelas quais se pretendeu explicar como se atribuiriam ao Estado e às demais pessoas jurídicas públicas os atos das pessoas humanas que agissem em seu nome. Pela teoria do mandato considerava-se o agente como representante da pessoa, à semelhança do tutor e do curador dos incapazes. Mas como se pode conceber que o incapaz outorgue validamente a sua própria representação? Diante da imprestabilidade dessas suas concepções doutrinárias, Gierke formulou a teoria do órgão, segundo a qual as pessoas jurídicas expressam sua vontade através de seus próprios órgãos, titularizados por seus agentes (pessoas humanas), na forma de sua organização interna. O órgão – sustentou Gierke – é parte do corpo da entidade e, assim, todas as suas manifestações de vontade são consideradas como da própria entidade (Otto Gierke, Die Genosssenschaftstheorie in die deustsche Rechtsprechnung, Berlim, 1887).
A teoria do órgão, aqui formulada com base na doutrina citada em edições anteriores, parece-nos a mais condizente com a realidade nacional e que, em linhas gerais, coincide com a dos autores pátrios que cuidaram especificamente do assunto[16] (destaques do autor).
Continua o ilustre professor:
Os órgãos integram a estrutura do Estado e das demais pessoas jurídicas como partes desses corpos vivos, dotados de vontade e capazes de exercer direitos e contrair obrigações para a consecução de seus fins institucionais. Por isso mesmo, os órgãos não têm personalidade jurídica nem vontade própria, que são atributos do corpo e não das partes, mas na área de suas atribuições e nos limites de sua competência funcional expressam a vontade da entidade a que pertencem e a vinculam por seus atos, manifestados através de seus agentes (pessoas físicas). Como parte das entidades que integram, os órgãos são meros instrumentos de ação dessas pessoas jurídicas, preordenados ao desempenho das funções que lhes forem atribuídas pelas normas de sua constituição e funcionamento. Para a eficiente realização de suas funções cada órgão é investido de determinada competência, redistribuída entre seus cargos, com a correspondente parcela de poder necessária ao exercício funcional de seus agentes[17].
Desse modo, mesmo que não possua personalidade jurídica própria, pode o órgão público celebrar o Termo de Ajuste, pois presenta a pessoa jurídica como parte integrante desta, manifestando a sua vontade.
Todavia, se interpretarmos restritivamente os dispositivos legais algures transcritos apenas os entes da Administração Pública Direta poderiam figurar como tomadores do compromisso, tendo em vista que as fundações e empresas públicas, autarquias e sociedades de economia mista não se enquadram no conceito doutrinário de órgão público.
Nesse sentido, afirma Gianpaolo Poggio Smanio que: “Apenas os órgãos públicos estão legitimados a transacionar. As associações civis, fundações, empresas públicas ou de economia mista não podem transacionar” [18].
Ainda, Antônio Herman V. Benjamin, Cláudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa, sem aprofundar o tema, asseveram: “Entre os diversos legitimados para o ajuizamento de ações coletivas, o dispositivo é claro no sentido de que apenas os órgãos públicos poderão realizar termos de ajustamento de conduta” [19].
Compartilha da mesma interpretação restritiva Luís Paulo Sirvinskas ao asseverar que:
Além do Ministério Público, podem realizar o termo de ajustamento os órgãos públicos legitimados (União, Estados e Municípios). Portanto, não podem realizar o termo de ajustamento as associações civis, sociedades de economia mista, fundações ou empresas públicas[20].
No entanto, Hugo Nigro Mazzilli[21] sustenta relevante posição divergente que, com propriedade, estabelece quais colegitimados à propositura de Ação Civil Pública podem tomar o Compromisso de Ajuste.
Assim, seguindo os ensinamentos do festejado Jurista, dividimos os colegitimados do art. 5º da LACP e art. 82 do CDC em três categorias: a) dos que indiscutivelmente podem celebrar o TAC (Administração Pública Direta); b) os que não podem realizá-lo; e, c) daqueles em que há discussão doutrinária a respeito desta possibilidade (Administração Pública Indireta).
Os entes integrantes da Administração Pública Direta, compreendidos no conceito jurídico de “órgãos públicos”, que é o Estado em sentido amplo, indiscutivelmente podem tomar o compromisso. Inserem-se nesta categoria as pessoas jurídicas de direito interno ou de seus órgãos imediatos, quais sejam: a União, Estados, Municípios, Distrito Federal, Ministério Público, Defensoria Pública e órgãos públicos, com ou sem personalidade jurídica, com destinação à defesa de interesses metaindividuais, v.g., o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.
A doutrina amplamente majoritária exclui as pessoas jurídicas de direito privado não pertencentes à Administração Pública, p.ex. associações, sindicatos e fundações privadas, dos entes legitimados a tomarem o compromisso, tendo em vista que não se subsomem ao conceito de órgãos públicos.
Contudo, devemos indicar a posição de Fernando Grella Vieira[22] que sustenta a legitimidade das entidades associativas, quando houver pertinência temática, devendo a legitimidade ser verificada no caso concreto. Cumpre ressaltar que o doutrinador também sustenta ser indispensável a intervenção do Ministério Público na tomada do compromisso de ajustamento por outros entes colegitimados, sob pena de nulidade, em razão do dever constitucional do Parquet zelar pelos interesses sociais e individuais indisponíveis[23]. Assim, aplicar-se-ia analogicamente o art. 5º, §§1º e 6º da LACP c/c art. 84 do CPC, nos compromissos tomados por associações em que o Ministério Público participaria obrigatoriamente.
Os entes pertencentes à Administração Pública Indireta[24] – autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista, empresas públicas e consórcios públicos[25] – merecem maiores explanações acerca da sua legitimidade.
Nesta categoria propõe Hugo Nigro Mazzilli a seguinte solução:
a) Quando se trate de órgãos pelos quais o Estado administra o interesse público, ainda que integrem a chamada administração indireta (como autarquias, fundações públicas ou empresas públicas), nada obsta a que tomem compromisso de ajustamento quando ajam na qualidade de entes estatais. Desta forma, p.ex., quando as empresas estatais ajam como prestadoras ou exploradoras de serviço público, em tese é aceitável também tomar compromissos de ajustamento;
b) Contudo, quando os órgãos estatais ajam na qualidade de exploradores da atividade econômica, não se admite possam tomar compromisso de ajustamento. Com efeito, a esses órgãos e empresas dos quais o Estado participa, quando concorram na atividade econômica em condições empresariais, não se lhes pode conceder a prerrogativa de tomar compromissos de ajustamento de conduta, sob pena de estimular desigualdades afrontosas à ordem jurídica, como é o caso das sociedades de economia mista ou das empresas públicas, quando ajam em condições de empresas de mercado[26].
Por seu turno, Édis Milaré[27], seguindo o entendimento de José Emmanuel Burle Filho e Wallace Paiva Martins Júnior, também sustenta que a expressão “órgãos públicos” utilizada pela lei carece da melhor técnica legislativa, devendo, portanto, ser interpretada extensivamente de modo a abarcar todas as entidades inseridas na Administração Pública direta, indireta e fundacional, desde que desenvolvam atividades de interesse público. Contudo, as empresas públicas e as sociedades de economia mista devem ter previsão estatutária para tomarem compromissos de ajustamento afetos aos seus objetivos legais.
Nesse sentido, Ana Luiza de Andrade Nery preconiza:
Parece-nos que, para determinar os legitimados para a celebração do ajustamento, o legislador deu ênfase à característica de direito público dos órgãos, o que nos remete ao entendimento de que, somente às entidades dotadas de caráter público seria dada autorização legal para firmar o ajustamento com o interessado.
Assim, em nosso entender, os órgãos que atuem na qualidade de entes estatais, buscando o interesse público, ainda que da chamada administração indireta, poderão entabular compromissos de ajustamento de conduta[28].
Ainda, seguem este posicionamento favorável às autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas que não exercem atividade econômica Fernando Reverendo Vidal Akaoui[29], Eurico Ferraresi[30], Motauri Ciocchetti de Souza[31] e Geisa de Assis Rodrigues[32], sendo que esta última reviu sua posição anterior, acrescendo ainda que as organizações sociais[33], regidas pela Lei nº. 9.637/98, também não são legitimadas à celebração do Ajuste, em razão da sua natureza privada e duvidosa constitucionalidade da norma legal; bem como sustenta a possibilidade dos Conselhos Profissionais poderem tomar o Compromisso, tendo em vista que a Lei nº. 9.649/98, que os qualificou como pessoas jurídicas de direito privado, teve sua eficácia suspensa por liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Há de se destacar que existem empresas públicas e sociedades de economia mista que exercem poder de polícia, por exemplo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB, sociedade de economia mista, responsável pela expedição de licenças ambientais, conforme artigo 1º, do Decreto estadual nº. 47.400/2002, alterado pelo Decreto nº. 55.149/2009[34].
Vale apontar o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho[35] favorável à possibilidade de pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Pública Indireta, exercerem o poder de polícia na modalidade fiscalizatória, desde que a competência tenha sido delegada por lei e se restrinja a atos de natureza fiscalizatória, sendo, portanto, função executória e não inovadora/legiferante.
Impende ressaltar que a legitimidade da CETESB, como tomadora do compromisso, fora confirmada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme acórdão proferido na Apelação nº. 0002943-45.2010.8.26.0129, que transcrevemos a ementa:
ATERRO SANITÁRIO. Obrigação de fazer e não fazer. Resíduos sólidos. Adequação e encerramento de aterro sanitário irregular. Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta - TCAC. Execução. 1. Legitimidade ativa. A CETESB é parte legítima para executar as obrigações assumidas em TCAC por ela firmado. A CETESB é sociedade de economia mista controlada pelo Estado, com personalidade jurídica, patrimônio próprio e aptidão para litigar em juízo. Preliminar afastada. 2. Cerceamento de defesa. Ao juiz compete indeferir as provas inúteis, protelatórias e desnecessárias a teor do art. 130 do CPC. As partes concordaram com o julgamento antecipado da lide, não havendo falar em cerceamento de defesa. Preliminar rejeitada. 3. Falta de interesse processual. A cessação das atividades no aterro sanitário antigo não exime o município de cumprir as demais obrigações assumidas no TCAC. Não há falar em perda de objeto da execução. Preliminar afastada. 4. Solidariedade. Estado. A solidariedade decorre da lei ou do contrato. O Estado não firmou o termo de ajuste e não há lei que o obrigue a pagar as despesas de disposição dos resíduos sólidos do município, ou a arcar com a formação e manutenção do aterro sanitário. Alegação repelida. 5. Obrigação de fazer e não fazer. O município cumpriu apenas uma das obrigações assumidas no termo de ajustamento de conduta (proposta de solução definitiva para a destinação final dos resíduos sólidos domésticos e resíduos de serviços de saúde gerados no município). As demais obrigações que compõem a cláusula 2.1.1 do TCAC não foram cumpridas. Improcedência dos embargos. Recurso do Município desprovido. (Ap. 0002943-45.2010.8.26.0129, Rel. Des. Torres de Carvalho, Órgão Julgador: Câmara Reservada ao Meio Ambiente, j. 29/03/2012)
O Compromisso de Ajustamento de Conduta revela-se um importante instrumento de proteção de interesses transindividuais, vez que constitui de forma rápida e eficaz título executivo extrajudicial, por meio da autocomposição da lide, evitando demorados processos judicias de conhecimento.
A legislação pátria permite a ampla utilização do instrumento previsto no art. 5º, §6º, na defesa dos interesses metaindividuais, porquanto a Lei nº. 7.347/85 tutela qualquer interesse difuso ou coletivo (art. 1º, inciso IV), além dos individuais homogêneos (art. 21 c/c art. 90 do CDC).
Em relação à legitimidade dos tomadores, entendemos que a expressão “órgãos públicos” merece ser interpretada de forma ampla, de modo a contemplar como tomadores todos os colegitimados à propositura de ação civil pública, pertencentes à Administração Pública Direta e Indireta, que não explorem atividade de econômica.
Desta feita, as autarquias (IBAMA) e fundações públicas (Fundação PROCON do Estado de São Paulo), bem como as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público e/ou que exerçam poder de polícia (CETESB) podem figurar como tomadoras de compromisso de ajustamento de conduta.
Entretanto, diante das divergências apresentadas, deve o legislador, quando realizar modificações no processo civil coletivo[36], substituir a expressão “órgãos públicos” para evidenciar a legitimidade dos entes da Administração Pública Indireta ou, eventualmente, ampliar a legitimidade aos entes associativos, podendo, neste caso, obrigar a intervenção do Ministério Público ou condicionar a eficácia do título executivo extrajudicial à apreciação do Parquet ou da Administração Pública, sem olvidar da necessária publicidade que se deve conferir ao compromisso de ajustamento.
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(*) Procurador do Estado de São Paulo. Mestre e Doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP. Especialista em Direito Constitucional pela PUCSP/COGEAE.
[1] Interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
[2] in Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. pp. 1020-1022
[3] “Art. 211. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial.”
[4] Com a edição do CDC também se acrescentou ao art. 1º da LACP o inciso IV, ampliando o cabimento da ação civil pública “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.
[5] Posto que o art. 82, §3º do CDC, que previa o Ajustamento para interesses transindividuais do consumidor fora vetado, mas em razão da criação do microssistema CDC/LACP este veto tornou-se ineficaz.
[6] Confira-se art. 90 do CDC e art. 21 da LACP, que determinam a aplicação conjunta da parte processual de ambos os diplomas.
[7] Confira-se Hugo Nigro Mazzilli, A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19.ed., p.360.
[8] Advertindo que “O §6º foi acrescido pelo art. 113 do CDC. Este §6º, bem como o §5º, foram vetados (v. DOU 12.9.90, supl., p.11), mas, por engano, a publicação oficial do CDC não os suprimiu.
Ora, projeto de lei, vetado, não é lei; e o art. 585-VII do CPC é expresso em declarar que só é título executivo extrajudicial aquele “a que, por disposição expressa, a lei atribui força executiva”. Logo, como não existe lei, porque a disposição do §6º foi vetada, também não é possível falar, neste caso, em título executivo”. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 36 ed., p. 1071, nota art. 5º: 9.
[9] Apud André Luiz Batista Neves, Compromisso de ajustamento de conduta ante o Ministério Público do Trabalho, Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998.
[10] “O veto presidencial entendeu ‘juridicamente imprópria a equiparação de compromisso administrativo a título executivo extrajudicial. É que, no caso, o objetivo do compromisso é a cessação ou a prática de determinada conduta, e não a entrega de coisa certa ou pagamento de quantia fixada’.
O argumento usado no veto foi fraco: nada teria impedido que a lei erigisse a título executivo extrajudicial um ato administrativo, como o faz com a certidão de dívida ativa da Fazenda, nem teria impedido que, a partir de um ato negocial, criasse títulos extrajudiciais de obrigação de fazer. Poderia, sim, ter sido objetada na época a possível inconveniência de tornar título executivo mero compromisso de ajustamento de conduta fundado em obrigação extrajudicial de fazer, ilíquida por essência.
Mas não foi essa a objeção lançada no veto, e sim a de que seria impróprio equiparar um compromisso de administrativo a título executivo extrajudicial. Ora, se a Administração pode criar títulos executivos extrajudiciais não consensuais (como a certidão de dívida ativa), com maior razão poderia fazê-lo sob forma consensual, por meio de um compromisso de ajustamento de conduta.
Nada impedia, tecnicamente, que um compromisso de ajustamento de conduta fosse erigido pela lei à condição de titulo executivo extrajudicial, pois: a) pouco antes da sanção do CDC, o art. 211, do ECA, que vige sem qualquer contestação há mais de uma década, permitiu o ajustamento de conduta em matéria de interesses ligados à proteção às crianças e aos adolescentes, tendo esse dispositivo sido sancionado pelo mesmo Presidente da República que lançou veto a dispositivo idêntico do CDC; b) apenas alguns anos depois do advento do CDC, a Lei n. 8.953/94 veio a alterar todo o sistema do Cód. de Processo Civil, justamente para também viabilizar a execução de obrigação de fazer fundada em título executivo extrajudicial; c) por sua vez, o art. 585, II, do Cód. de Processo Civil, com a redação que lhe deu a Lei n. 8.953/94, conferiu a qualidade de título executivo extrajudicial ao instrumento de transação referendado pelo Ministério Público (que, como órgão público legitimado à ação civil pública ou coletiva, está relacionado pela lei entre aqueles que podem tomar compromisso de ajustamento de conduta); d) o art. 876, da CLT, com a redação que lhe deu a Lei n. 9.958/00, permitiu a celebração de termos de ajuste de conduta firmados pelo Ministério Público do Trabalho, conferindo-lhes o efeito de ensejar execução; e) em caso de dano ao meio ambiente, a Med. Prov. n. 2.163-41/01 acrescentou o art. 79-A à Lei n. 9.605/98, permitindo que órgãos ambientais celebrem termos de compromisso de ajustamento de conduta com pessoas físicas ou jurídicas, assegurada a força de títulos executivos extrajudiciais.” Op. Cit., pp. 360-361.
[11] “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. VIGÊNCIA DO ARTIGO 5º, §6º, DA LEI N. 7.347/1985.
1. Encontra-se em plena vigência o § 6º do art. 5º da Lei n.7.347/1985, de forma que o descumprimento de compromisso de ajustamento de conduta celebrado com o Ministério Público viabiliza a execução da multa nele prevista.
2. A Mensagem n. 664/90, do Presidente da República – a qual vetou parcialmente o Código de Defesa do Consumidor –, ao tratar do veto aos arts. 82, § 3º, e 92, parágrafo único, fez referência ao art. 113, mas não o vetou, razão por que esse dispositivo é aplicável à tutela dos interesses e direitos do consumidor.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (REsp 443407 / SP, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, T2, Data do Julgamento 16/03/2006, Data da Publicação/Fonte DJ 25.04.2006); no mesmo sentido, veja-se REsp 440205 / SP, REsp 222582 / MG e REsp 213947 / MG.
[12] Como ensina Kazuo Watanabe, Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 8ª ed., p.833: “O veto ao §3º do art. 82 é de todo incompreensível. O que dispunha o texto vetado é que o compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, ‘mediante cominações’, que seriam com maior freqüência sob a forma de pagamento em dinheiro, configuraria um título executivo extrajudicial. O Código é uma lei federal, do mesmo nível que o estatuto processual, de sorte que poderia muito bem criar um novo tipo de título executivo extrajudicial além dos elencados no art. 585 do Código de Processo Civil. E o compromisso de pagar certa quantia em dinheiro, a título de cominação, nada tem de incompatível com o título executivo extrajudicial.
Demais, o veto é de todo inócuo pelas mesmas razões alinhadas no item anterior. É que o art. 113, das ‘Disposições Finais’ do Código, acrescentou o §6º ao art. 5º da Lei nº 7.347/85, que tem a mesma redação do texto vetado (...). E esse dispositivo não foi vetado! Assim, pela perfeita interação entre o Código e a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85), nos termos dos arts. 90, 110, 111 e 117 daquele diploma legal, também o referido §6º do art. 5º da Lei nº. 7.347/85 é aplicável na tutela dos interesses e direitos dos consumidores.”
[13] Pelo art. 5º da LACP e art. 82 do CDC..
[14] Direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 648.
[15] in Direito administrativo brasileiro, 33. ed., p. 67
[16]Ibidem.
[17] Op.cit., p.68.
[18] Interesses difusos e coletivos: conceito de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ação civil publica, inquérito civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, consumidor, meio ambiente, improbidade administrativa. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 38.
[19] Manual de direito do consumidor. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 460.
[20] Manual de direito ambiental. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 655.
[21] Interesses..., pp. 363-365.
[22] A Transação na Esfera da Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos:Compromisso de Ajustamento de Conduta. Ação Civil Pública: lei 7.347/1985 – 15 anos. MILARÉ, Édis (Coord.). 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 271.
[23] Ob. Cit., p. 290.
[24] Ver art. 4º, inciso II, do Decreto-lei nº. 200/1967.
[25] Ver art. 6º, I e II e §1º, da lei nº. 11.107/2005.
[26] Op.cit., p.365.
[27] Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pp. 1383-1384.
[28] Compromisso de ajustamento de conduta: teoria e análise de casos práticos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 177-178.
[29] Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp, 71-74.
[30] Inquérito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pp. 79-80.
[31] Ação civil pública e inquérito civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 70.
[32] Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.162-176.
[33] Na acepção de Maria Sylvia Zanella Di Pietro organizações sociais “são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de contrato de gestão”, Direito Administrativo, 13. ed., p.410. Para uma abordagem mais profunda a respeito das organizações sociais, veja-se Sílvio Luís Ferreira da Rocha, Terceiro Setor, pp. 95-192.
[34] Artigo 1º - A CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo expedirá as seguintes modalidades de licenças ambientais:
I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;
III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas para a operação.
[35] Manual de direito administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 86-87.
[36] Destacamos que o art. 48 do arquivado Projeto de Lei nº. 5.139/09, que pretendia substituir a lei de ação civil pública, utilizava a expressão “órgãos públicos”, mantendo as discussões ora expostas.
Procurador do Estado de São Paulo. Mestre e Doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP. Especialista em Direito Constitucional pela PUCSP/COGEAE.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Fábio André Uema. Compromisso de Ajustamento de Conduta: Previsão legal e Tomadores Legitimados. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50050/compromisso-de-ajustamento-de-conduta-previsao-legal-e-tomadores-legitimados. Acesso em: 23 dez 2024.
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