Me. Ailton Nossa Mendonça
(orientador)
RESUMO: O Poder no âmbito do Direito Administrativo é confiado ao administrador público para ser utilizado dentro dos parâmetros legais, com fulcro nos princípios inerentes à administração pública. Ocorrerá abuso de poder, que é gênero, do qual podemos extrair as espécies (i) desvio de finalidade, que é um vício exercido pela autoridade competente que atua dentro dos limites de sua competência, porém pratica ato com intuito diverso do previsto em lei e (ii) excesso de poder, no qual o agente público extrapola sua competência legal. Uma vez que o agente público não observa tais princípios, utilizando-os de modo desproporcional ou conferindo-lhes finalidade diversa, estará caracterizado o abuso de poder por parte do Estado que atua por meio de seus agentes.
Palavras-chave: Direito Administrativo, Poder, desvio, administrador público.
ABSTRACT: The Power in the scope of Administrative Law is entrusted to the public administrator to be used within legal parameters, with a focus on the principles inherent in public administration. There will be abuse of power, which is gender, from which we can extract the species (i) misuse of purpose, which is a vice exercised by the competent authority that acts within the limits of its competence, but acts with intent other than that provided by law and (Ii) excess power, in which the public agent goes beyond its legal competence. Since the public agent does not observe these principles, using them in a disproportionate way or conferring them different purpose, it will characterize the abuse of power on the part of the State acting through its agents.
Keywords: Administrative Law - Power - deviation - public administrator.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Poder no Direito Administrativo.1.1. Conceito e Fundamento.1.2. Formas de Exercer o Poder. 1.2.1 Do Poder Vinculado.1.2.2 Do Poder Discricionário. 2. Abuso de Poder x Abuso de Autoridade. 2.1 Abuso de Autoridade e Violação do Princípio da Legalidade. 3. Modalidades de Abuso de Poder. 3.1. Do Excesso de Poder. 3.2. Do Desvio de Finalidade. 4. Das Sanções. 5. Do Projeto de Reforma da Lei de Abuso de Autoridade. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O poder administrativo é uma ferramenta utilizada pelos administradores públicos, que deve ser manuseada em benefício da coletividade, prezando pela credibilidade da instituição representada e pela inviolabilidade dos princípios administrativos. Quando o administrator competente para exercer determinado ato legal utiliza de atributos inerentes à administração com o escopo de obter vantagens pessoais ou benefícios individuas de terceiros, ocorrerá abuso de poder na modalidade desvio de finalidade.
Em um Estado em que se delegam as funções estatais a agentes públicos, deve a administração fiel observância aos preceitos legais em tudo que for realizar até mesmo quando são outorgadas manifestações revestidas de discricionariedade, vez que a própria lei determina o modo de execução, a finalidade e a competência para sua realização, permitindo-se apenas uma margem de liberdade moderada pela oportunidade e conveniência. Assim, a não observância dos preceitos legais supracitados (modo de execução, finalidade e competência) caracterizará abuso de autoridade, pois, embora lhe tenha sido conferido poder-dever, a autoridade não observou as limitações legais para a prática do ato, tornando-o abusivo. Trata-se de postura lesiva na medida em que fere o regular funcionamento legal da administração pública.
Deste modo, para que o Estado desempenhe propriamente sua função e para garantir a ausência de desvio de finalidade do ato administrativo, faz-se necessário analisar não só a ofensa de interesses imediatos violados como também a afronta aos princípios inerentes à administração, pois o Estado funciona por meio de seus agentes, o que torna inadmissível que o interesse particular se sobressaia ao interesse público, sendo medular impugnar toda manifestação diversa àquela almejada pelo Estado (na consecução do interesse primário), representante dos anseios sociais respaldados pelo interesse público contido nas leis, na oportunidade de sua realização.
1. PODER NO DIREITO ADMINISTRATIVO
1.1 CONCEITO E FUNDAMENTO
Poderes Administrativos também conhecidos como poderes da administração, são prerrogativa/elementos indispensáveis para persecução do interesse público. Classificados em quatro tipos de poderes: poder hierárquico, poder regulamentar, poder disciplinar e poder de policia. No qual tais prerrogativas permitem ao administrador público perseguir o interesse coletivo, com o fulcro na realização do bem comum.
1.2 FORMAS DE EXERCER O PODER
1.2.1 DO PODER VINCULADO
Poder Vinculado, também denominado de regrado, é aquele que a lei confere à Administração Pública para determinada prática de ato de sua competência, destacando os elementos e requisitos necessários à sua formalização. Nesses atos, a Administração Pública fica inteiramente "presa" aos ditames legais, inexistindo a discricionariedade do administrador, devendo esse agir rigorosamente com fulcro nos preceitos legais. “Hely Lopes Meirelles considera que, na prática, o agente público fica inteiramente preso ao enunciado da lei, em todas as suas especificações. Assim sendo, a liberdade de ação do administrador é mínima”.
O particular perante o poder vinculado possui direito subjetivo de pleitear a edição de determinado ato, da respectiva autoridade, quando atender todos os requisitos estipulados em lei. Exemplo clássico, utilizado na doutrina a expedição de licença para construir, quando o solicitante observa todos os requisitos legais.
1.2.2 DO PODER DISCRICIONÁRIO
Entende-se por poder discricionário o direito que é concedido à Administração Pública para a execução de atos administrativos, com a faculdade de optar de acordo com sua oportunidade, conveniência e conteúdo. Difere-se, no entanto, do poder vinculado devido a maior autonomia de ação a qual é dada ao administrador. A autoridade pública está submetida à lei em quaisquer dos elementos constitutivos para o exercício do Poder Vinculado, contrária está à autoridade pública para a execução de um ato discricionário, tendo a liberdade no campo em que a lei estabelece tal faculdade.
Hely Lopes Meirelles diz que discricionariedade é a liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo mencionam que conveniência e oportunidade formam o poder discricionário e esses elementos permitem que o administrador público eleja, entre as várias condutas previstas em lei, a que se traduzir mais propícia para o interesse público.
No mesmo sentido:
Maria Sylvia Zanella di Pietro define que “a atuação discricionária quando a administração diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma entre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito.”
A nomeação para cargo em comissão, na qual o administrador público detém uma liberdade de escolha, possuindo a autonomia de nomear pessoa de sua ampla confiança sem qualquer triagem, é um exemplo do exercício do Poder Discricionário.
São cinco os elementos do ato administrativo: objeto, competência, motivo, forma e finalidade. O ato discricionário não atenderá a todos os elementos, tendo em vista, que quanto a competência, à finalidade e à forma, sempre será o ato vinculado, já com referência aos elementos motivo e objeto, podem ser vinculados ou discricionários, consoante o ato examinado, de modo que a discricionariedade não atinge todos os elementos do ato administrativo, uma vez que em relação à forma, à competência e à finalidade do ato a autoridade subordina-se ao que a lei estabelece.
2. ABUSO DE PODER x ABUSO DE AUTORIDADE
Abuso de Poder é o fenômeno que se verifica sempre que uma autoridade ou um agente público embora competente para a prática de um ato ultrapassa os limites das suas atribuições ou se desvia suas finalidades anteriormente delimitadas.
Existem duas situações (modalidades): a) ultrapassa seus limites que equivale a excesso de poder e b) desvia a finalidade anteriormente prevista, equivalente a desvio de desvio de finalidade, sendo o que do abuso de poder nascem o excesso de poder ou desvio de finalidade ou de poder. Destarte, o abuso de poder revela-se através do excesso de poder, hipótese em que o agente público extrapola sua competência legal. Logo desvio de poder manifesta-se quando o agente público age com interesses distintos ao princípios inerentes a administração, contrariando assim a finalidade pública.
Na hipótese de abuso de autoridade, existe a tipificação de condutas abusivas de poder estipuladas como crimes (lei 4898/65) sendo correto dizer que o abuso de autoridade é o abuso de poder checado sob as normas penais.
Além do mais, o abuso de autoridade engloba o abuso de poder, de acordo com o disposto no artigo 4º, da lei nº 4.898/65, englobando os conceitos administrativos para tipificar condutas opostas à lei no âmbito disciplinar e penal, “Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder.”
Versam de formas arbitrárias de agir do agente público na esfera administrativa, na qual está submetido ao que estabelece a lei, pelo princípio da estrita legalidade.
No mais, abuso de poder não caracteriza, apenas infração administrativa, pois é empregado na esfera penal para descrever algumas condutas de abuso de autoridade, porém essas são muito mais abrangentes do que o simples abuso de poder, quer pelo desvio, quer pelo excesso, abrangendo outras condutas ilegais do agente público, levando-nos a conclusão de que o abuso de autoridade engloba o abuso de poder, e este por seu turno, divide-se em desvio e excesso de finalidade ou de poder.
Vale salientar também que, segundo a Lei n. 4898/65, artigo 5°, “considera autoridade quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”.
2.1 ABUSO DE AUTORIDADE E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade está calcado em diversos dispositivos legais, tais como, artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; e artigo 37, caput, do Texto Constitucional, ao dispor que “a Administração Pública Direta e Indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.
Ao conceituarmos legalidade é necessário analisar dois enfoques distintos: primeiramente, a legalidade no direito privado, no qual as relações são travadas em prol de interesses próprios (particulares); e a legalidade no âmbito do direito público no qual é necessário principal observância dos princípios da administração de modo que esse interesse estará sempre subordinado à lei, ou seja, ao mesmo tempo em que ao particular é permitido tudo o que não for vedado por lei, a Administração Pública, longe disso, somente pode fazer o que estiver expressamente autorizado pela lei. Assim, todas as atividades da Administração devem rigorosamente estar vinculadas à lei, não sendo possível aos agentes públicos efetuar atividades ou atos sem a competente previsão legal.
Essa imposição está intrinsecamente afeta ao princípio da indisponibilidade do interesse público primário, em que o administrador de maneira alguma pode agir como ele bem entender dentro da Administração.
Por este princípio, os serviços, bens e interesses coletivos tem que ser protegidos pelo administrador. No âmbito da Administração não se admite a “vontade do administrador”, devendo prevalecer unicamente a “vontade da norma”.
Em suma: o princípio da legalidade possui significado diversificado a depender do destinatário. No âmbito do Direito Civil, confere liberdade ao particular, podendo este executar tudo que a lei não proibir, ao passo que, no âmbito do Direito Administrativo, atribui limitação à atuação administrativa, visto que a atuação funcional da administração pública somente em havendo expressa previsão legal e nos limites fixados pela norma, conforme ensinamentos de Seabra Fagundes, para o qual “administrar é aplicar a lei de ofício”.
3. MODALIDADES DE ABUSO DE PODER
Abuso de Autoridade é crime (Lei n. 4.989/95), englobando as condutas abusivas de poder, que podem caracterizar (i) excesso de poder, caso em que o agente público atua além de sua competência legal; e (ii) desvio de poder, em que o agente público atua contrariamente ao interesse público primário, desviando-se da finalidade pública. Em resumo: ambas são formas arbitrárias de atuar (ação/omissão) do agente público no âmbito administrativo, em que está adstrito ao que determina a lei.
3.1 DO EXCESSO DE PODER
Há excesso de poder quando o gestor público atua fora dos limites de suas atribuições. Há violação da regra de competência, seja porque o agente público exerceu atribuições cometidas a outro agente, seja porque se apropriou de competência que a Administração ou ele próprio não dispunham.
Por oportuno, veja-se ensinamento doutrinário de Neto e Torres:
A tese do d'excês de pouvoir, de excesso de poder surgiu na França como um instrumento recursal específico que permitia a denúncia dos cidadãos no que concerne a graves irregularidades praticadas pela Administração e que viessem a atingir-lhes. Eduardo Garcia de Enterria, em sua obra "As Transformações da Justiça Administrativa - Da Sindicalidade restrita à Plenitude Jurisdicional. Uma Mudança de Paradigma?" exemplifica tais irregularidades com os vícios de competência, a invasão de funções próprias dos juízes civis e, posteriormente, a violação direta da lei, alertando, inclusive, que em um momento posterior, surgiu o "desvio de poder", que significa a utilização de um poder legal para fins distintos daqueles estimados pela lei.
Por conseguinte, o ato ou a atividade administrativa decorrente do excesso de poder, por qualificar-se abusivo, expõe-se à invalidade administrativa ou judicial.
3.2 DO DESVIO DE FINALIDADE
Há desvio de poder ou de finalidade quando o agente exerce a sua competência para atingir fim diverso daquele previsto em lei. Nesse caso, o gestor público dispõe de competência, contudo, atua em desconformidade com a finalidade previamente estabelecida pela norma.
Conforme Matheus Carvalho, o desvio de finalidade pode manifestar em duas formas distintas, in verbis:
a) O agente público pratica um ato visando interesses individuais, de caráter pessoal, sem atentar para o interesse público. Isso pode ser feito em beneficio próprio ou de um amigo ou até mesmo na intenção de causar transtornos a um desafeto sem ou de sua família.
Nesse caso, há clara violação ao princípio da impessoalidade.
b) A autoridade pública pratica o ato respeitando a busca pelo interesse público, mas não respeitando a finalidade especificada por lei para aquele determinado ato. Por exemplo, a exoneração é a perda do cargo de um servidor público sem finalidade punitiva, enquanto a demissão tem essa finalidade. Não é lícito ao administrador exonerar um servidor subordinado que cometeu infração, porque foi desrespeitada a finalidade legal para a prática do ato.
Assim, da mesma forma que o excesso de poder, o desvio de finalidade, em razão de se constituir um abuso de poder, também sujeita o ato ou atividade administrativa à invalidação administrativa ou judicial.
4. DAS SANÇÕES
São várias as leis que abordam as consequências do abuso de poder. Vejamos:
A Lei nº 8.666/93 delibera, em seu artigo 83, que a prática dos crimes nela descritos sujeitam o transgressor à perda do emprego, cargo, função ou mandato eletivo:
“Art. 83. Os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo”.
A Lei nº 8.112/90 dispõe sobre a responsabilidade civil, penal e administrativa do servidor pelo exercício irregular das atribuições por ato omissivo ou comissivo por ele praticado, conforme os artigos 121 (exercício irregular das atribuições), 124 (ato comissivo ou omissivo praticado pelo agente) e 132, inciso IV (demissão com fundamento na improbidade administrativa, que pode configurar abuso de poder):
Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições;
Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função.
Art. 132, IV A demissão será aplicada nos seguintes casos: IV - improbidade administrativa.
Por sua vez, a Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), em seu artigo 11, inciso I, prevê condutas que podem caracterizar o abuso de poder, como a prática de ato objetivando a fim proibido em lei ou regulamento (o que determina o desvio de poder) ou a prática de ato distinto daquele previsto na regra de competência (o que configura excesso de poder):
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
E, seu artigo 12 estabelece as penas de perda da função pública, e de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios como penalidades administrativas:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido.
Por fim, a Lei nº 4.898/65, em seu artigo 4º, “h”, dtermina que o abuso ou o desvio de poder caracteriza ato lesivo ao dispor que: “Constitui também abuso de autoridade: o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”.
Referida lei prevê sanções cíveis, penais e administrativas para os agentes que praticarem abuso de autoridade, estando as sanções administrativas previstas no artigo 6º, §1º:
Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.
§ 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em:
a) advertência;
b) repreensão;
c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens;
d) destituição de função;
e) demissão;
f) demissão, a bem do serviço público.
Consequentemente, entende se que as práticas abusivas não existem por si mesmas, pois são decorrentes da não observância as normas a ela vinculadas.
5. DO PROJETO DE REFORNA DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
O abuso de autoridade é uma questão delicada justamente por envolver certa margem de discricionariedade (mérito) do ato administrativo do agente público (conveniência e oportunidade). Tanto é que se discutem, atualmente, mudanças na Lei de Abuso de Autoridade, com vistas a especificar mais pormenorizadamente alguns crimes e, consequentemente, evitar condutas ilegais dos agentes públicos.
Recentemente, o Senado Federal aprovou, por 54 votos a 19, que, o projeto de reforma da Lei de Abuso de Autoridade, seguindo para o crivo da Câmara dos Deputados.
Retirou-se da proposta original a possibilidade de criminalizar a conduta de juiz que tivesse sua sentença reformada pela instância superior, sob pena de afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição, tornando-o inócuo e, consequentemente, ao princípio do devido processo legal e constitucional.
O texto aprovado é resultado de dois projetos (o PLS 280/2016, apresentado por Renan Calheiros, e o PLS 85/2017, apresentado pelo Procurador-Geral da República).
Veja-se que o PLS 85/2017 retirou a possibilidade de criminalizar eventual divergência de interpretação de lei (o chamado “crime de hermenêutica”), sob pena de inviabilizar a atuação dos membros do Ministério Público e da Magistratura, bem como retirou a possibilidade de punir juízes cujas sentenças fossem reformadas, mas o projeto aprovado prevê mais de trinta crimes de abuso de autoridade, por exemplo, “dar carteirada”, conduta esta que caracteriza abuso de poder, prevendo diversas sanções, como obrigação de indenizar, inabilitação para exercício de cargo público por até cinco anos e perda do cargo, tudo com vistas a permitir a concretização da atuação legítima dos agentes públicos em prol do interesse público primário.
CONCLUSÃO
A Administração Pública é regida por princípios que objetivam o interesse público e o bem comum dos cidadãos. Os Poderes citados têm sua atuação alicerçada nos princípios, proporcionando, na medida do possível, a satisfação da atividade pública.
Os Poderes discricionário, vinculado, disciplinar, hierárquico, regular e de polícia compõe a Administração Pública de maneira que eles constituem um conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica outorga aos agentes administrativos visando propiciar que o Estado alcance seus fins. Assim, para que o Estado desempenhe propriamente sua função e para garantir a ausência de desvio de finalidade do agente público ao praticar o ato administrativo, faz-se necessário analisar não só a ofensa de interesses imediatos violados como também a afronta aos princípios inerentes à administração, pois o Estado funciona por meio de seus agentes, o que torna inadmissível que o interesse particular se sobressaia ao interesse público primário, sendo medular impugnar toda manifestação diversa àquela almejada pelo Estado, representante dos anseios sociais respaldados pelo interesse público primário contido nas normas, na oportunidade de sua realização.
É no âmbito do poder discricionário que surgem as mais variadas possibilidades de abuso de autoridade, na modalidade desvio de poder. Prova disso é a proposta de modificação da Lei de Abuso de Autoridade, atualmente em trâmite perante a Câmara dos Deputados, na qual se discute a criminalização de condutas de agentes públicos, visando reduzir a margem de discricionariedade no exercício das funções/atribuições de tais agentes e, consequentemente, evitar condutas ilegais e arbitrárias, que não atinjam a finalidade almejada pelo Estado em prol do bem comum da sociedade.
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Acadêmica do 9° semestre do curso de Direito da Universidade Brasil- Fernandópolis-SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Aline Cristina. Direito Administrativo: abuso de poder do agente público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 maio 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50138/direito-administrativo-abuso-de-poder-do-agente-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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