RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade desvendar a natureza jurídica da contratação pública direta – se inexigibilidade ou dispensa de licitação – para compra ou locação de imóvel visando o atendimento das finalidades precípuas da Administração, em que pese os fatores de localização e necessidade do imóvel enquanto condicionantes da escolha, segundo avaliação prévia. Para tanto, o estudo lança mão de pesquisa de cunho qualitativo, método de pensamento dedutivo, levantamento da legislação, da jurisprudência – notadamente a do TCU –, bem como da doutrina especializada. Inicialmente é traçado o conceito de licitação pública, a identificação do instituto na ordem jurídica e definidos os seus princípios. Em um segundo momento, passa-se a comentar as peculiaridades e as espécies positivadas de inexigibilidade, para logo após diferenciá-la da denominada dispensa de licitação. Por derradeiro, constata-se a contratação direta para compra ou locação de imóvel como hipótese de licitação “dispensável” na Lei n° 8.666/93, embora a evolução legislativa e os requisitos para a sua caracterização apontem o caso como de inexigibilidade, cabível a contratação direta apenas quando a competição é inviável.
Palavras-chave: Licitação Pública. Dispensa de Licitação. Inexigibilidade. Compra ou locação de imóvel.
ABSTRACT: This study aims to unravel the legal nature of direct public procurement – if waiver or waiver of bidding – to buy or lease of property in order to care of Its primary purposes of administration, despite the location and description of factors need as conditions of choice, according to preliminary assessment. Therefore, the study makes use of qualitative research, deductive thinking method, survey of the legislation, case law – notably the TCU – as well as the specialized doctrine. Initially is traced the concept of competitive bidding, the identification of the institute in the legal system and defined its principles. In a second step, is going to comment on the peculiarities and species positivadas of enforceability, to differentiate it after the so-called exemption from bidding. For last, there has been direct contracting to buy or lease of property hypothesized bidding "expendable" in Law No. 8.666/93, although legislative developments and the requirements for its characterization point the case as of unenforceability, applicable to direct contracting only when competition is unfeasible.
Keywords: Competitive. Bidding. Bid Required. Unenforceability. Purchase or Rental Property.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. LICITAÇÃO PÚBLICA. 2.1 ASPECTO CONCEITUAL E NATUREZA JURÍDICA. 2.2 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. 2.3 PRINCÍPIOS ENVOLVIDOS. 2.3.1 Formalismo. 2.3.2 Isonomia e Competitividade. 2.3.3 Publicidade. 2.3.4 Moralidade e Probidade. 2.3.5 Julgamento Objetivo. 2.3.6 Obrigatoriedade. 2.3.7 Sigilo na Apresentação das propostas. 2.3.8 Vinculação ao instrumento convocatório. 2.3.9 Adjudicação Obrigatória ao Vencedor. 3. INEXIGIBILIDADE E DISPENSA DE LICITAÇÃO SEGUNDO O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 3.1 NOÇÕES SOBRE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DIRETAS. 3.2 CRÍTICAS À FLEXIBILIZAÇÃO DA LICITAÇÃO. 3.3 INEXIGIBILIDADE. 3.3.1 Fornecedor Exclusivo. 3.3.2 Serviços Técnicos Profissionais Especializados. 3.3.3 Profissional do setor artístico. 3.4 DISPENSA . 3.4.1 Diferenciação entre Inexigibilidade, “Dispensável” e “Dispensada”. 3.4.2 O papel da discricionariedade . 3.4.3 Categorização das hipóteses. 4. HIPÓTESE DA COMPRA OU LOCAÇÃO DE IMÓVEL.. 4.1 IDENTIFICAÇÃO DA PREVISÃO LEGAL NA LEI N.º 8.666/93. 4.2 ANÁLISE DOS REQUISITOS PARA A SUA CARACTERIZAÇÃO. 4.2.1 Atendimento das finalidades precípuas da Administração. 4.2.2 Necessidade de instalação e localização condicionando a escolha. 4.2.3 Compatibilidade de preços e avaliação prévia. 4.3 NATUREZA JURÍDICA E A EVOLUÇÃO HISTÓRICO-NORMATIVA. 4.4 NATUREZA JURÍDICA SEGUNDO A DOUTRINA E A JURISPRUDÊNCIA. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
A Licitação Pública é o objeto de que dispõe a Administração para tratar com os particulares em busca de prestações de cunho patrimonial, tais como compras, serviços, obras e alienações.
A necessidade de utilização desse procedimento administrativo previamente à formalização dos contratos celebrados pelo Poder Público decorre da observância do princípio da isonomia e da busca pela proposta mais vantajosa para a Administração, além de evitar direcionamentos que favoreceriam toda sorte de gestores e particulares inescrupulosos. A previsão normativa de sua obrigatoriedade vem exposta no art. 37, XXI, da Constituição Federal, assegurando a todos que pretendem firmar avença com a Administração igualdade de condições, consubstanciando-se, ainda, como decorrência do Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, uma das pedra de toque do regime jurídico administrativo, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello.
Ocorre que, inobstante a regra geral da obrigatoriedade de licitar, o próprio regramento constitucional admite a previsão de hipóteses excepcionais de celebração de contratos administrativos sem a necessidade de licitação pública, o que se denomina contratação direta.
São os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, previstos na Lei n.º 8.666/93. Tais formas de contratação direta são medidas de exceção que, como ressaltado, retiram seu fundamento de validade do citado art. 37, XXI, da Constituição Federal, eis o próprio dispositivo constitucional prevê, em sua parte final, que ficam “ressalvados os casos especificados na legislação”.
Apesar de possuírem o mesmo escopo, cada uma das duas figuras possui peculiaridades. Segundo a precisa dicção de Maria Sylvia Zanella de Pietro, “a diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável”.[1]
Assim, o presente trabalho tem por finalidade analisar e delimitar a natureza jurídica de um dos permissivos legais de contratação direta, mais precisamente aquele que trata da compra ou locação de imóvel para o atendimento das finalidades precípuas da Administração, em que pese os aspectos de localização e necessidade do imóvel como condicionantes à escolha, segundo avaliação prévia, nos exatos termos do art. 24, X, do Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos.
Nessa esteira, pretende-se analisar esta hipótese de contratação direta com vistas a confirmar se de fato se enquadra como dispensa de licitação, levando em conta a evolução normativa do instituto, doutrina especializada e jurisprudência, mormente a do Tribunal de Contas da União (TCU).
Cumpre ressaltar, por oportuno, que se discutirá, em um segundo momento, sobre o delineamento da contratação direta na Administração Pública e o fenômeno da flexibilização da licitação, com as devidas críticas sobre o assunto. Ademais, as situações expressas de inexigibilidade de licitação são explicitadas, para após ser apresentada diferenciação com relação às licitações “dispensável” e “dispensada”. O papel da discricionariedade do gestor no tratamento de tais permissivos também é enfrentado, para logo ser exposta a categorização de vários casos de dispensa de licitação arrolados no art. 24 da Lei n.º 8.666/93.
Almeja-se, ainda, identificar a contratação a contratação direta para compra ou locação de imóvel na atual ordem jurídica. Demonstram-se também os requisitos para a sua caracterização, os quais, se não atendidos em sua plenitude, impõem a realização de licitação. Com efeito, as três condições podem ser assim resumidas: atendimento das finalidades precípuas da Administração, os fatores de localização e instalação condicionantes da escolhas, e, por fim, compatibilidade de preços e avaliação prévia. Por fim, pretende-se enquadrar a hipótese de contratação direta como dispensa ou inexigibilidade, a partir do atual Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos, legislação anterior e a proposta de lei que atualmente tramita no Congresso Nacional, a doutrina especializada e a jurisprudência atinente.
Impende salientar que o estudo em questão utilizou pesquisa qualitativa e método de pensamento dedutivo na obtenção das conclusões, porque visa evidenciar e estabelecer o liame entre duas situações, uma contida na outra, qual seja a mais ampla: a delimitação do modelo corrente da licitação pública segundo o espírito do ordenamento jurídico; bem como sua correlação frente ao tratamento geral dispensado para os casos de não utilização da licitação; para alcançar, especificamente, o permissivo de contratação direta supramencionada.
Assim, definidos o objeto, o problema e o método, deve ser ressaltado que a intenção do trabalho não é esgotar o tema, dada a sua complexidade, embora reconhecendo o seu valor como fonte de conhecimento para gestores públicos, seus assessores jurídicos e à comunidade jurídica em geral. São debatidas as nuances dos procedimentos que precedem a contratação administrativa e estabelecida uma diretriz segura para a compra ou locação de imóvel obedecendo à teleologia constitucional.
2. LICITAÇÃO PÚBLICA
A licitação é o instrumento do qual dispõe a Administração Pública quando vai se relacionar com terceiros em busca de determinada prestação: obras, serviços, compras ou alienações.
A utilização desse procedimento competitivo prévio à celebração de contrato administrativo visa obstar o direcionamento, a falta de competitividade, a onerosidade, além de conter o clientelismo arraigado na sociedade brasileira. À luz dessa visão consta, no art. 37, XXI, da Constituição Federal, a obrigatoriedade da utilização de licitação pública, com o fito de assegurar a todos, que pretendem firmar avença com a Administração, igualdade de condições. Trata-se de uma das decorrências do Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, inerente ao regime jurídico administrativo.
No entanto, essa regra comporta exceções ensejadoras de contratação direta, possibilitando o afastamento da exigência prévia. Elas dizem respeito às hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, previstas na Lei n° 8.666/93.
Apesar de ambas o mesmo escopo, as caracterizações da inexigibilidade e dispensa possuem peculiaridades, pois de um lado a licitação é viável e de outro não. Nesse contexto, o presente trabalho tem por finalidade delimitar a natureza jurídica de um dos permissivos legais de contratação direta, especificamente o que trata da compra ou locação de imóvel para o atendimento das finalidades precípuas da Administração, em que pese os aspectos de localização e necessidade do imóvel como condicionantes à escolha, segundo avaliação prévia; permissivo esse positivado pela Lei de Licitações no art. 24, X.
Destarte, pretende-se confirmar se de fato a hipótese é dispensa de licitação, isso levando em monta a evolução normativa do instituto, doutrina especializada e jurisprudência, notadamente a do Tribunal de Contas da União (TCU).
Diante o exposto e visando a melhor compreensão acerca do tema, a obra encontra-se dividida em três capítulos, de tal modo que o primeiro aborda a licitação pública, sua definição, legislação aplicável e alguns de seus princípios gerais e próprios: isonomia, competitividade, publicidade, moralidade, probidade, julgamento objetivo e obrigatoriedade.
Em um segundo momento, o estudo está centrado no delineamento da contratação direta na Administração Pública e o fenômeno da flexibilização da licitação, com as devidas críticas sobre o assunto. Além disso, as situações expressas de inexigibilidade de licitação são explicitadas, para após ser apresentada diferenciação com relação às licitações “dispensável” e “dispensada”. O papel da discricionariedade do gestor no tratamento de tais permissivos também é enfrentado, para logo ser exposta a categorização de vários dos casos de dispensa de licitação arrolados no art. 24 da Lei n° 8.666/93.
No terceiro capítulo a obra almeja identificar a contratação direta para compra ou locação de imóvel, na atual ordem jurídica. Demonstram-se também os requisitos para a sua caracterização, os quais não atendidos na plenitude impõem a realização de licitação. As três condições podem ser assim resumidas: atendimento das finalidades precípuas da Administração, os fatores de instalação e localização condicionamento a escolha, e, por fim, compatibilidade de preços e avaliação prévia. Em derradeiro, pretende-se enquadrar a hipótese de contratação direta como dispensa ou inexigibilidade, a partir do atual Estatuto de Licitações, legislação anterior e a proposta de lei que atualmente tramita no Congresso Nacional, a doutrina especializada e a jurisprudência atinente.
Cumpre asseverar que para o estudo em questão fora utilizada pesquisa qualitativa e método de pensamento dedutivo na obtenção das conclusões, porque visa evidenciar e estabelecer o liame entre duas situações, uma contida na outra, qual seja a mais ampla: a delimitação do modelo corrente da licitação pública segundo o espírito do ordenamento jurídico; bem como sua correlação frente ao tratamento geral dispendido para os casos de não utilização da licitação; para alcançar, especificamente, o permissivo de contratação direta supramencionada.
Enfim, definidos o objeto, o problema e o método, deve ser ressaltado que a intenção do trabalho não é esgotar o tema, dada a sua complexidade, embora reconhecendo o seu valor como fonte de conhecimento para gestores públicos, seus assessores jurídicos e à comunidade jurídica em geral. São debatidas as nuances dos procedimentos que precedem à contratação administrativa e estabelecida uma diretriz segura para a compra ou locação de imóvel obedecendo à teleologia constitucional
2.1 aspecto conceitual e natureza jurídica
A Administração Pública, no cumprimento do seu mister (fomento, polícia administrativa, intervenção na propriedade privada e prestação de serviços públicos), age perante as mais diversas áreas, atuação justificada pela concepção do Brasil enquanto Estado Social de Direito provedor das aspirações coletivas. Devido ao crescente aumento da complexidade nas relações humanas, o Poder Público se vê obrigado a estabelecer contratos com terceiros, visto que não é autossuficiente.
O instituto jurídico da licitação é caracterizado como o procedimento administrativo prévio à celebração de avença, conjunto de formalidades a ser observado pela Administração Pública quando necessita se relacionar com uma pessoa física ou outra pessoa jurídica.
Tal sequência encadeada de atos busca a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, dentre as variedades do mercado, e é assim definida por Carvalho Filho (2013, p. 236):
(...) procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela controlados selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração do contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico.
Pois bem, a licitação possui aplicabilidade no seio da função administrativa, matéria de estudo do Direito Administrativo, que detém o objetivo de buscar a satisfação do interesse público, denominado como a “dimensão pública de interesses individuais” por Bandeira de Mello (2010).
Visando o alcance da finalidade para a qual fora instituída, qual seja a satisfação do bem-comum da população, a ordem jurídica conferiu, ao Poder Público, prerrogativas ou poderes não presentes no Direito Privado, que evidenciam posição de superioridade frente ao indivíduo particular. Exemplo desse desequilíbrio em uma relação jurídica faz-se presente na celebração de contratos administrativos, com a presença de cláusulas exorbitantes (como a rescisão unilateral).
De forma diametralmente oposta, o gestor público está limitado, em alguns momentos, por uma série de sujeições ou condicionamentos mais rigorosos que os incidentes sobre o sujeito privado. A lógica em questão está assentada na concepção de que a função administrativa é vinculada à finalidade pública, não podendo desviar desta. Destarte, ao administrador não é facultado dispor livremente do interesse público, como maneja o aspecto individual, porquanto exerce a função de gerir interesses comuns nobres que sobrepõem ao aspecto particular.
Nesse sentido, observa-se a imposição da licitação como obrigatória no comando da Constituição Federal, a seguir:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifo nosso).
A licitação, por dedução, é uma aplicação dessas limitações ou condicionamentos, na medida em que possui caráter coercitivo; vista, por Niebuhr (2009), como o meio a fim de propiciar à Administração Pública o recebimento de utilidade produzida por terceiros, satisfazendo concretamente a coletividade, o que traduz no objetivo mediato do instituto. Já o objetivo imediato, nas palavras do eminente autor, é propiciar que o processo de escolha da proposta ocorra de forma legítima, ou seja, conforme reza a Constituição Federal e a legislação cabível.
Para tanto, insta a sucessão de uma série de atos, fases ou etapas qualificados com o escopo de eleger um particular para o cumprimento de prestação almejada pela Administração, delineada no instrumento convocatório do certame, levando em monta aspectos objetivos e obstando favoritismos onerosos aos recursos públicos.
2.2 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Com relação ao aspecto constitucional, junge informar que não havia previsão expressa acerca da licitação pública na Constituição Federal de 1967, causando certa confusão em seu enquadramento no seio jurídico, conforme assevera Di Pietro (2009, p. 326):
(...) não havia norma expressa definida e competência para legislar sobre licitação, o que deu margem à formação de duas correntes doutrinárias: uma entendendo que licitação é matéria de direito financeiro, a respeito da qual cabe à União estabelecer normas gerais e, aos Estados, as normas supletivas (art.8°, XVII, c e parágrafo único, da Constituição); e outra vendo a licitação como matéria de direito administrativo, de competência legislativa de cada uma das unidades da federação.
A celeuma fora superada com o advento do primeiro Estatuto de Licitações e Contratos, o Decreto-Lei n° 2.300/86. O diploma normativo estabeleceu o detalhamento do procedimento em si e, no art. 85, delimitou que suas normas gerais seriam obrigatoriamente aplicadas aos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, facultando aos entes federados disciplinar a matéria em seus respectivos âmbitos de competências, desde que respeitados as normas gerais ali estabelecidas.
Em seguida, com o estabelecimento de uma nova ordem jurídica pelo constituinte de 1988, o papel do instituto ganhou contornos pela lei suprema brasileira, provocando o seu revigoramento e a pertinência de um novo diploma legal. Além do art. 37, XXI, mencionado no tópico anterior, chama-se atenção para a previsão do art. 22, XXVII, que resolveu por outorgar à União a competência legislativa para tratar da matéria:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III. (grifo nosso).
Vale ressaltar, a partir da análise do disposto, que a competência em questão não se confunde com a denominada “concorrente” para a edição de normas gerais por parte União, previsão constante no art. 24 da Constituição. Segundo a competência concorrente, a outorga em favor da União para tratar de aspectos gerais não afasta a competência suplementar dos Estados, podendo esta chegar à plenitude na ausência de legislação federal.
De forma diversa, a normatização por parte dos Estados (excluídos Distrito Federal e Municípios), na área de licitações e contratos, possui âmbito mais restrito, uma vez que depende de autorização em Lei Complementar e é limitada a questões específicas da matéria (art. 22, parágrafo único). Esmiuçando o assunto, expõe Fernandes (2013, p. 29 e 30):
Nesse âmbito das questões específicas, a competência legislativa está contida até o advento da lei complementar referida. Até esse momento, as unidades da federação só possuem competência supletiva. Não concorrem, nem complementam o teto legal em condições de igualdade com a esfera federal.
Então, depreende-se que o intuito do legislador constituinte foi concentrar junto à esfera federal o tratamento dessa sensível matéria, situação distinta do disciplinamento conferido pela ordem jurídica anterior, pautada no Decreto-Lei n° 2.300/86.
Entretanto, tal pensamento não é unânime, à medida que diversos doutrinadores, como Carvalho Filho e Niebuhr, entendem enquanto flexível a edição de normas específicas sobre contratações públicas para Estados e Municípios, além de invocarem a inconstitucionalidade para vários artigos do atual Estatuto de Licitações, por configurarem normas “específicas” e irem de encontro à competência constitucional de editar tão somente regras gerais.
Com o escopo de regulamentar o art. 37, XXI, da CF, entrou em vigor, no dia 21 de junho de 1993, a Lei n° 8.666; cuja institui, entre outras providências, as normas para licitações e contratos da Administração Pública. Trata-se de lei com cento e vinte seis artigos que praticamente exaurem a disciplina da licitação e do contrato administrativo.
Segundo o parágrafo único do art. 1° do Estatuto das Licitações, subordinam-se à lei, os órgãos da administração direta, fundos especiais, entidades da Administração Indireta, quais sejam as autarquias, as fundações, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, e, por fim, as pessoas jurídicas controladas diretamente ou indiretamente pelo Poder Público. Portanto, esses sujeitos são os destinatários da Lei de Licitações.
De mais a mais, a temática vem sofrendo constantes alterações legislativas, simbolizadas, por exemplo, com a vigência da Lei n° 8.333/94 e da Lei n° 9.648/98. Merece destaque, outrossim, a Lei n° 10.520, de 17 de julho de 2002, que instituiu uma nova modalidade de licitação frente às previstas na lei geral, o pregão. A forma procedimental ganha aspectos peculiares, destaque para a inversão das etapas de propostas e habilitação, bem como a possibilidade aos licitantes de reduzir o preço inicialmente ofertado, em sessão pública.
2.3 princípios envolvidos
A base de sustentação de um sistema jurídico, independente da área do Direito, está assentada nos princípios. Representam os valores, fundamentos e diretrizes gerais que orientam a atuação, seja do julgador e do legislador, seja do agente administrativo na atuação funcional. Assim, os princípios fornecem subsídios à interpretação e à produção das leis. Os princípios expressos, incidentes sobre todas as áreas de estudo do Direito Administrativo (entre elas o procedimento licitatório), fazem-se presentes no art. 37, caput, da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O escopo dessa obra, apesar de enaltecer a importância desses princípios enquanto linhas mestras para a atuação da Administração Pública, é debruçar-se sobre a carga principiológica própria das licitações. Para tanto, cumpre reconhecer os princípios da isonomia e seleção da proposta mais vantajosa como os objetivos primaciais para o tema, segundo redige o art. 3° da Lei de Licitações e o TCU.
Ademais, esse dispositivo revela os seguintes princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo. Paralelo aos princípios taxativamente previstos na norma, coexistem os implícitos, resultantes de construção doutrinária e jurisprudencial.
Nesse contexto há diversos critérios de quantificação e qualificação dos princípios, cada uma das classificações trazidas pela doutrina merecendo os seus méritos. A seguir são tecidos comentários sobre os princípios que mais se coadunam com os objetivos do estudo.
2.3.1 Formalismo
O princípio do formalismo encontra-se enunciado no art. 4º, parágrafo único, do Estatuto de Licitações e Contratos: “O procedimento licitatório previsto nesta Lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração”.
Com efeito, a licitação consubstancia-se em um procedimento administrativo formal, mormente porque é imprescindível, regra geral, para a formalização de contratações públicas que implicarão dispêndio de recursos do Estado.
Este princípio resguarda a garantia da isonomia dos concorrentes, obrigando todos os agentes participantes do procedimento licitatório a observar as formalidades impostas pela Lei. Desse modo, a ausência ou formalização defeituosa do requisito procedimental acarreta prejuízo ao licitante e até mesmo a nulidade do procedimento administrativo.
Em que pese, contudo, sua previsão expressa na Lei de Licitações, é cediço que a forma, como regra geral nos atos administrativos, tem caráter instrumental, concluindo-se, pois, que a falha na formalidade do procedimento somente afeta o particular ou a validade da licitação com a comprovação de que trouxe dano considerável ao interesse público ou à igualdade de tratamento entre os licitantes.
2.3.2 Isonomia e Competitividade
O princípio possui dois sentidos: primeiramente, é instado aos eventuais licitantes, ou seja, àqueles que desejam participar da licitação, proibindo a adoção de critérios discriminatórios para a comprovação das condições de habilitação; numa segunda perspectiva, destina-se aos licitantes, vedando à Administração o estabelecimento de diferenciação no tratamento das propostas apresentadas. Portanto, uma das finalidades da isonomia ou igualdade é permitir a livre competição entre os interessados, premissa básica do procedimento licitatório, evitando o direcionamento do certame. O TCU já se manifestou da seguinte forma:
O princípio que refuta a restrição ao caráter competitivo não é absoluto, representando essencialmente a expressão sintetizada de uma orientação vista em caráter de generalidade, a admitir, por óbvio, excepcionalidades que sejam conduzidas por circunstâncias ensejadoras de determinada feição fora do comum.
Não se admite a discriminação arbitrária na seleção do contratante, sendo insuprimível o tratamento uniforme para situações uniformes, tendo em vista que, nos termos do art. 3º, caput, da Lei nº 8.666/1993, a licitação destina-se a garantir não só a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, e também a observância do princípio constitucional da isonomia. (grifo nosso).
Acórdão 1631/2007 Plenário (Sumário)
O estabelecimento de discriminações que restrinjam a competitividade entre os licitantes é causa, inclusive, de nulidade da licitação, devendo o gestor privilegiar, em caso de dúvida na interpretação da lei ou do instrumento convocatório, a ampliação da disputa entre os interessados, desde que não comprometa a finalidade e a segurança da contratação.
No entanto, o §2°, art. 3° da Lei n° 8.666/93 estatui tratamento diferenciado quando ocorre empate entre os concorrentes, estabelecendo a seguinte escala de preferências para os objetos: produzidos no país, produzidos ou prestados por empresas brasileiras, e produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia no país.
Além disso, cumpre asseverar o tratamento preferencial em favor das microempresas (ME) e das empresas de pequeno porte (EPP) – Lei Complementar n° 123/06, que determina a contratação dessas categorias de empresas em caso de empate e ainda prevê equiparação a empate nos casos de diferença de preço em até 10% (no pregão é 5%), frente às demais pessoas jurídicas. O cerne da questão é a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional.
Por conseguinte, o princípio da isonomia retrata bem a diferença entre a licitação privada e a pública. Nesta última existe a necessidade de observância de uma série de limitações e formalidades. Exemplo das manifestações de tal indisponibilidade é a impessoalidade no tratamento dispensado aos eventuais contratados. Em contrapartida, na licitação privada não há obrigação de respeito a esse princípio. Assim delineia Niebuhr (2008, p. 53):
Ele, o princípio da isonomia, é causa e parte conceitual da licitação pública. Ocorre que conceitualmente pode haver tanto licitação pública quanto privada. A privada é regida pela vontade do promotor do certame, que não tem dever de tratar todos os interessados com igualdade.
O comentário acima alberga a importância do tratamento igualitário, a ser conferido pela Administração, entre os postulantes a um contrato administrativo. A vedação da instituição de cláusulas de natureza discriminatória, com exigências absurdas e restritivas à disputa representa bem a aplicação do princípio. Aduz uma limitação à discricionariedade administrativa no estabelecimento das cláusulas do edital. Como corolário, urge o princípio da competitividade, que possui o fim de selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, o que nem sempre coincide com a de menor valor, a depender do tipo de licitação adotado (critério adotado para a seleção da proposta).
2.3.3 Publicidade
O princípio da publicidade possui referência explícita no parágrafo terceiro do art. 3° do estatuto: “A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura”. Outra incidência, a título de exemplo, está presente no art. 43, § 1°: “A abertura dos envelopes contendo a documentação para habilitação e as propostas será realizada sempre em ato público previamente designado, do qual se lavrará ata circunstanciada, assinada pelos licitantes presentes e pela Comissão”. Trata-se de valioso instrumento de controle social sobre a atividade estatal, na medida em que possibilita à população em geral acompanhar in loco a regularidade do andamento do certame.
Di Pietro (2009), por outro lado, relaciona a publicidade da licitação e a competição como grandezas diretamente proporcionais, ou seja, quanto mais locais e tempo de divulgação, maior será a disputa no procedimento licitatório e, portanto, de obtenção de uma contratação vantajosa para o Poder Público. Exemplo de máxima divulgação, segundo a autora, seria a modalidade “concorrência”; de outra sorte, com publicidade restrita, situa-se o “convite”.
2.3.4 Moralidade e Probidade
Moralidade e probidade aduzem princípios que carecem de precisão conceitual, revestindo-se um código de postura ao agente público bem intencionado, para que este atue pautado nos valores da honestidade, boa-fé e tendo a consciência do caráter nobre função que desempenha para o atendimento das demandas sociais.
Vale ressaltar que no caso de desobediência a esses valores é cabível a aplicação de sanções nas mais diversas searas, havendo inclusive lei específica para tratar da improbidade administrativa (Lei n° 8.429/92).
2.3.5 Julgamento Objetivo
Todos os critérios utilizados no processo seletivo devem estar previamente definidos no ato convocatório, não se admitindo a mudança das regras no “decorrer do jogo”, mesmo que em proveito da Administração. O julgamento objetivo também se refere à possibilidade de acesso às exigências da licitação por parte dos interessados. Percebe-se nesse último aspecto a grande proximidade com o princípio da publicidade.
Acerca da matéria, estatui o art. 45 da Lei n° 8.666/93, in verbis:
O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle. (grifo nosso).
O texto legal reproduz, em última análise, que qualquer aferição a respeito da documentação do licitante seja concretizada unicamente com os fatores estabelecidos no edital, fato que proporciona segurança e lisura ao andamento dos trabalhos e sugere a aparição de outro princípio reconhecido pela doutrina: vinculação ao instrumento convocatório.
Ademais, o julgamento objetivo diz respeito aos tipos de licitação, critérios estabelecidos para seleção do vencedor (conforme já mencionado no tópico que comenta o princípio da isonomia). A lei de licitações estabelece quatro tipos, a saber: menor preço, melhor técnica, técnica e preço, maior lance ou oferta. Segundo Barchet (2008), os tipos de licitação que melhor se coadunam ao julgamento objetivo são o menor preço e o maior lance, uma vez que pautados unicamente no aspecto quantitativo, ao contrário dos demais tipos que invariavelmente guardam certa dose de arbitrariedade.
No tocante ao caráter subjetivo nos tipos de licitação, já se manifestou o TCU:
Fixe com clareza e precisão as regras para o julgamento de propostas técnicas, a fim de que os licitantes tenham conhecimento prévio e completo de como serão avaliadas suas propostas. Faça constar em documento, de forma expressa, as razões e os critérios observados nos exames técnicos produzidos em apoio à aferição valorativa das propostas técnicas apresentadas em certame licitatório, de modo a evitar ou, ao menos minimizar, a avaliação de caráter subjetivo, em conformidade com o princípio da publicidade e do julgamento objetivo das propostas (...). (grifo nosso).
Acórdão 1488/2009 Plenário
Então, o estabelecimento de outros parâmetros além do preço requer o comportamento diligente, tanto de quem elabora o edital (fase interna da licitação), quanto de quem é responsável pela execução dos trabalhos perante os licitantes (comissão de licitação ou o pregoeiro e sua equipe).
2.3.6 Obrigatoriedade
Reflete a coercibilidade do procedimento administrativo antes da celebração de contratos com terceiros. Já foi chamado pelo TCU, no Acordão n° 146/2007, de “indispensabilidade da licitação”. Deriva diretamente do art. 37, XXI, da CF, que impõe, ressalvados os casos de dispensa e inexigibilidade, a necessidade de licitação nos casos de compras, obras, serviços e alienações efetuadas pelo Estado. Representa limitação à atuação do Poder Público, possuindo como causa a isonomia e buscando evitar favoritismos no processo de escolha.
Dessa feita, segundo a dicção constitucional, a regra é a adoção da licitação pública, ao tempo em que a exceção diz respeito às hipóteses de contratação direta, tratadas pelo legislador ordinário. Correlacionado, o doutor Niebuhr (2009, p. 213): “E essa relação apresenta-se ao legislador como espécie de norma programática, uma diretriz que ele deve seguir sob pena de inconstitucionalidade”. Assim, o autor entende que a Carta Magna atribuiu ao legislador a missão de tratar a obrigatoriedade da licitação como linha mestra, caso contrário, estará ele atentando contra o espírito da ordem jurídica. O princípio em epígrafe condiciona a criação, principalmente, de hipóteses de dispensa de licitação.
Paralelamente, o valor da obrigatoriedade é extensível aos agentes administrativos, responsáveis por conferir concretude aos comandos legais. Nessa seara, Niebuhr (2009) protesta pela interpretação restritiva nos casos de contratação direta, isto é, deve ser tomada em exceção.
2.3.7 Sigilo na apresentação das propostas
Este princípio encontra-se previsto no §3º, do art. 3º, da Lei n.º 8.666/93, que, ao enunciar a publicidade das licitações, dispõe serem “públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura”.
A violação do sigilo das propostas constitui crime, previsto no art. 94 da mesma Lei. Tal garantia de sigilo visa dar efetividade ao princípio da isonomia, eis que o conhecimento prévio da proposta apresentada pelo outro concorrente, colocaria o licitante conhecedor em posição indevida de privilégio.
2.3.8 Vinculação ao instrumento convocatório
Previsto no art. 41, caput, da Lei n.º 8.666/93, este princípio impede que a Administração descumpra os termos do instrumento convocatório da licitação. Com efeito, “a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada”.
Como forma de fiscalização dessa obrigatoriedade, a própria Lei prevê mecanismos de controle dessa vinculação, assegurando a qualquer cidadão o direito de impugnar o edital de licitação por motivo de ilegalidade, nos termos do art. 41, § 1º, do Estatuto.
Segundo o escólio de Hely Lopes Meirelles, o edital é “a lei interna da licitação”, ressaltando que o edital vincula aos seus termos tanto os licitantes quanto a Administração que o expediu.
2.3.9 Adjudicação obrigatória ao vencedor
No processo de licitação, a adjudicação significa a atribuição do objeto do certame ao seu vencedor, garantindo-lhe a expectativa do direito de contratar. É, pois, o ato final do procedimento licitatório.
Cumpre ressaltar, por oportuno, que a adjudicação não se confunde com a celebração do contrato administrativo. A adjudicação é a atribuição, por meio de ato declaratório, da qualidade de vencedor a um dos licitantes, garantindo a este, portanto, a preferência na celebração do eventual contrato administrativo.
Nesse particular, o art. 50 da Lei n.º 8.666/93 proíbe à Administração celebrar contrato com preterição da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob pena de nulidade.
Nos termos do art. 64, § 3º, do Estatuto, a Administração tem o prazo de 60 dias da data da entrega das propostas para convocar o licitante vencedor para a contratação. Expirado este prazo, fica o licitante vencedor liberado do compromisso assumido.
Por fim, se o convocado não assinar o contrato no prazo e nas condições estabelecidas, a Administração poderá convocar os demais classificados para contratação, desde que obedeçam às mesmas condições propostas pelo primeiro classificado.
3. INEXIGIBILIDADE E DISPENSA DE LICITAÇÃO
3.1 noções sobre contratações públicas diretas
Com relação à evolução legislativa sobre a contratação direta, o apanhado histórico, realizado por Motta (2005), esclarece que, desde o Código de Contabilidade de 1922 até a atualidade, a ordem jurídica brasileira possui a tendência de ampliação do rol das hipóteses de dispensa de licitação. Compara o autor, que, enquanto naquele dispositivo constavam apenas quatro permissivos de dispensa e inexigibilidade, a redação original do atual Estatuto das Licitações já detinha mais de vinte e três casos.
A licitação, antes de qualquer coisa, é princípio constitucional, vetor da ação da Administração Pública que garante aos administrados-licitantes a possibilidade de, em condições e tratamentos isonômicos, disputarem entre si a participação nas obras, serviços, compras, alienações, concessões, locações e demais negócios que os órgãos e entidades da Administração Pública pretendam efetuar. Ela representa a regra enquanto procedimento prévio à contratação pública.
Todavia, a referida imposição não possui caráter absoluto. Assim, em alguns casos previstos pelo legislador ordinário (arts. 17, 24 e 25 da Lei n° 8.666/93), o princípio da licitação cede espaço a outros valores: economicidade, segurança nacional ou interesse público maior. São os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação.
Tal ressalva com relação à obrigatoriedade de licitação se faz presente, inclusive, na Constituição, mais especificamente no primeiro trecho do inciso XXI, art. 37 ao declarar que “ressalvados os casos especificados na legislação...”.
Nessa esteira, é imprescindível o pleno enquadramento às possibilidades arroladas pela legislação, bem como a observância das formalidades legais necessárias a suprir a mitigação da transparência inerente ao certame licitatório. Em compensação aos princípios relativizados no caso de dispensa e inexigibilidade de licitação, a Lei n° 8.666/93 impôs, aos entes públicos, a publicação e uma série de formalidades consignadas no art. 26, a dizer:
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
III - justificativa do preço.
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados. (grifo nosso).
Fenandes (2013) afirma que a expressão “transparência” é um corolário do dever do gestor público de prestar constas à sociedade e que, caso não ocorrida a licitação, tal dever pode ser saneado parcialmente com a providência supramencionada. O objetivo do legislador é limitar a discricionariedade do gestor.
O tema merece ainda maior vênia no campo de atuação do hermeneuta administrativo, porquanto a “Seção III – Dos Crimes e das Penas” instituiu o crime “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou inexigibilidade” – art. 89, com pena de detenção de 03 (três) a 05 (cinco) anos e multa.
3.2 CRÍTICAS À FLEXIBILIZAÇÃO DA LICITAÇÃO
Conforme se sabe, a contratação direta é exceção, então, a premissa trazida por Niebuhr (2009), para esses casos, é no sentido de empregar interpretação restritiva à matéria.
Jacoby Fernandes realizou levantamento, exposto em sua obra que trata do assunto, evidenciando que na maior parte do período compreendido entre 2003 e 2008, prevaleceu, no âmbito do poder executivo federal, o aporte de recursos em contratações públicas não derivadas de licitações, o que implica o não atendimento pleno do mister constitucional. A situação se inverteu apenas a partir de 2006, com a disseminação da modalidade pregão no âmbito das repartições públicas brasileiras.
Entretanto, insta informar que o fato de licitar ou não é insuficiente, por si só, para avaliar a honestidade ou a qualidade da gestão. O que ocorre é a maior ocorrência de frustração ao atendimento dos princípios basilares do instituto, quais sejam a isonomia e a competitividade, no caso de sua desconsideração.
Como contraponto, a realização de procedimento licitatório pressupõe maior intervalo de tempo até o atendimento da demanda administrativa. Para não tornar inócuo o cumprimento da finalidade a que propõe, ou seja, a recepção da utilidade acarretada pela contratação; é imprescindível o fortalecimento do planejamento, responsável por mapear e antever as necessidades do órgão.
Por conceberem na licitação um conjunto de entraves à contratação, alguns estudiosos ministram pela flexibilização cada vez mais crescente dos procedimentos da Lei n° 8.666/93, sob a justificativa de atendimento ao princípio da eficiência.
Como providência que vai ao encontro desse anseio, destaca-se o Projeto de Lei do Senado n° 559/2013, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, o qual busca alterar diversos regramentos sobre licitações e contratações públicas e revogar as Leis n° 8.666/93, n° 10.520/02 (pregão) e a n° 12.362/11 (regime diferenciado de contratações públicas).
Entre as mudanças, merece atenção: inversão das fases de habilitação e julgamento das propostas, realização do certame preferencialmente na forma eletrônica (conforme já prevê a Lei n° 10.520/02), revisão das modalidades e tipos de licitação, aumento do rol de casos expressos de contratação direta por inexigibilidade, e etc. Cabe ressaltar, a título de informação, a intenção de enquadrar como inexigibilidade a compra ou locação de imóvel nos requisitos legais, situação atualmente tratada em dispensa de licitação (art. 24, X).
Registra-se que a legislação sobre licitações precisa sim de aperfeiçoamento, devendo-se afastar formalidades despropositadas e ofensivas à satisfação do interesse público. O caráter instrumental deve ser a tônica. No entanto, o caminho do aumento crescente das hipóteses de contratação deve ser visto com temperamentos, pois esse expediente pode aumentar o levantamento de suspeitas sobre corrupção e imoralidade, além de afronta ao comando constitucional estatuído no art. 37, XXI. Fernandas (2013) aponta, como medida legislativa, a modernização das modalidades de licitação e, na seara administrativa, a estruturação das unidades e treinamento para os servidores envolvidos nas compras da Administração, afora o aprimoramento da “cultura de controle” na relação custo/benefício.
3.3 INEXIGIBILIDADE
A matéria está contemplada no art. 25 da Lei de Licitações, que arrola três hipóteses de contratação direta com fulcro nessa modalidade. O caput do dispositivo redige que a inexigibilidade incide “quando houver inviabilidade de competição”; por fim, a apresentação das três hipóteses presentes é precedida da expressão “em especial”. A melhor interpretação para o comando legal, segundo Carvalho Filho (2013), é de que o rol arrolado em seguida é meramente exemplificativo, até porque seria inviável o legislador antever todos os casos em que não é possível estabelecer a disputa, inerente ao procedimento licitatório. Logo, não há óbice à contratação com fulcro tão somente no caput do art. 25.
Destarte, verificada a impossibilidade de estabelecer parâmetros objetivos para efetuar o julgamento das propostas, resta forçosa a contratação via inexigibilidade, pois a licitação não se desenvolveria regularmente. Outro prisma está no fato de apenas um terceiro possuir aptidão para atender ao objeto nas especificidades almejadas pelo Poder Público. Portanto, abrir mão da realização do certame não é uma faculdade e sim algo obrigatório.
O grande desafio estar em avaliar, no caso concreto, quais as situações denotam a incompatibilidade da licitação. A tarefa, uma vez que não atendida a contento pelo legislador, cabe à própria Administração Pública, conforme revela Niebuhr (2008, p. 246):
Noutro lado, quanto aos casos de inexigibilidade, minimiza-se a intervenção do legislador e maximiza-se, ainda mais, a atividade do agente administrativo e dos demais intérpretes para apurar a feição do interesse público, o que determina o objeto do contrato, e, por consequência, a pertinência ou não da inexigibilidade.
Ante o exposto, é imperiosa a exposição de motivos e documentos justificando a inviabilidade de competição, nos termos do art. 25 e 26 do estatuto.
3.3.1 Fornecedor Exclusivo
Assim prescreve o art. 25, I, da Lei de Licitações, in verbis:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes. (grifo nosso).
A lei ainda determina que a exclusividade deve ser comprovada por órgão de registro do comércio local (exemplo: Junta Comercial), sindicato, federação ou entidades equivalentes. Ampliando o grau de segurança dessas informações, faz-se imperioso o comportamento diligente do agente administrativo para confirmar a sua veracidade, conforme entendimento sumulado do TCU obtido na relação de Súmulas da jurisprudência dominante (2008), in verbis:
Súmula n.º 255
Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público, responsável pela contratação, a adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade.
De mais a mais, o dispositivo legal aplica-se às avenças celebradas com pessoas físicas ou jurídicas que detenham técnica própria, não extensiva aos outros integrantes do mercado. Os detalhes do objeto que são exclusivos dizem respeito aos significativos e não a meros detalhes periféricos do produto, até porque é próprio da economia de mercado a grande variedade de produtos para atender uma dada finalidade. Com base nisso reside a grande importância da definição do objeto pretendido com suas características essenciais, além da carta de exclusividade da praça comercial do ente público.
3.3.2 Serviços técnicos profissionais especializados
Paralelo à situação do fornecedor exclusivo, há no inciso II, do art. 25, o permissivo para a contratação dos serviços técnicos enumerados no art. 13 da lei, de natureza singular e com pessoas ou empresas de notória especialização, proibida, em qualquer caso, a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.
A seguir, o parágrafo 1° do mesmo artigo elucida quais aspectos devem ser considerados para enquadrar um profissional como de notória especialização: desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros aptos a constatar que o trabalho do profissional é essencial e sem dúvidas o mais adequado ao interesse público.
Aqui algumas considerações merecem vênia. A “notória especialização” e a “singularidade do objeto” são conceitos-chave e requisitos cumulativos para a configuração do preceito em tela. Tal visão já se encontra assentada em súmula do TCU extraída da relação de Súmulas de jurisprudência dominante (2008), in verbis:
Súmula n.º 252
A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei n.º 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado. (grifo nosso).
No entanto, trata-se de conceitos distintos e que merecem ser analisados em suas peculiaridades. A natureza singular do objeto diz respeito à pretensão administrativa, o objeto do futuro contrato, não se relacionando com o executor do serviço. Fernandes (2013) diz que a singularidade é um atributo diferenciador do objeto, tornando-o incomum na espécie, não se associando com a noção de preço, de dimensões ou localidade. Um exemplo utilizado pelo eminente autor: enquanto que apagar um incêndio é uma atividade ordinária de qualquer bombeiro, lidar com um incêndio em um poço de petróleo apresenta-se como singular.
A partir da demanda administrativa (definição do objeto do futuro contrato), materializada no projeto básico ou termo de referência, passe-se a cotejar o(s) profissional(is) aptos a atenderem ao interesse do Poder Público. Nessa análise devem ser sopesadas as características ditas do §1°, sendo inevitável, na visão de Mendes (2011), certa dose de pessoalidade, devido à mitigação do princípio do julgamento objetivo nos casos de inexigibilidade.
Importante é mencionar, por derradeiro, que a definição do objeto contrato como singular deve preceder à escolha do profissional considerando a notória especialização. A ocorrência desse último requisito por si só não torna a competição inviável. Fernandes (2013, p. 612) alerta que a desconsideração dessa ordem de apreciação pode levar ao seguinte resultado: “constituição de reservas de mercado para determinados profissionais, que invariavelmente ocorreria se possível fosse contratar notórias especialistas para qualquer serviço... e submeteria a Administração ao interesse de poucos”.
Carvalho Filho (2013) explicita o princípio da hermenêutica em que como qualquer contratação direta, aquela visando à obtenção de serviços técnicos especializados, deve ser vista como exceção e esta bem delineada. O autor lamenta o fato de alguns administradores públicos recorrerem ao expediente da inexigibilidade em afronta flagrante do princípio da obrigatoriedade de licitação: “cometendo flagrante desvio de finalidade e ofensa ao princípio da moralidade e, frequentemente, provocando graves prejuízos à Administração”.
3.3.3 Profissional do setor artístico
Assim dispõe o inciso III do art. 25, Lei n° 8.666/93, in verbis:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
(...)
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Como se conclui da exegese legal, o artista precisa ser de categoria profissional e, para tanto, deve o ente público verificar o cumprimento dos parâmetros e exigências estabelecidos na legislação específica da matéria. Mesmo assim, a carga de discricionariedade e subjetividade acaba ganhando destaque, limitada mais uma vez ao enquadramento dos ditames do art. 26, citado no tópico 2.3 dessa obra.
No tocante à forma de contratação, reputa-se imprescindível que a mesma ocorra diretamente junto ao profissional ou seu empresário exclusivo, afastando-se a monopolização de empresários na intermediação da contratação de artistas, o que poderia configurar a maior probabilidade do fator pessoalidade na celebração da avença.
Ademais, o artista deve ser consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública, requisito esse que possui semelhança com o prescrito no inciso anterior do art. 25. Assenta Fernandes: “a justificativa de escolha deve apontar as razões de convencimento do agente público, registrando-se, no processo de contratação, os motivos que o levaram à contratação direta”. Exemplos desses elementos de convencimento: premiações do artista, discografia, convites para apresentação em grandes eventos.
Para o aspecto da justificativa de preço, não é imprescindível a conferição entre as propostas de artistas distintos, até porque é bastante difícil a tarefa de quantificar as aptidões artísticas do ser humano que possuem individualidade entre si. Entretanto, de forma a não desobedecer ao comando do art. 26, o TCU já recomendou que, para a demonstração, uma boa prática é a comparação entre outros contratos do mesmo artista.
Por fim, urge que os agentes públicos tenham a sensibilidade para distinguir a consagração do artista pela crítica especializada ou pela opinião pública de mera qualificação profissional, porquanto não será suficiente a demonstração de que o artista se qualificou através de cursos na área ou a simples comprovação de experiência profissional. Para tais casos, poderá a Administração se valer da realização de um processo licitatório na modalidade “concurso”, prevista no art. 22, IV c/c § 4º da Lei nº 8.666/93, ou ainda, se for o caso, uma dispensa de licitação com base no baixo valor, nos termos do art. 24, II, da Lei de Licitações.
3.4 DISPENSA
3.4.1 Diferenciação entre Inexigibilidade, Licitação “Dispensável” e Licitação “Dispensada”
O instituto da dispensa de licitação é espécie do gênero contratação direta, ilustrando, ao lado da inexigibilidade, um dos casos de não obediência ao princípio da licitação pública. Porém, apesar de possuírem o mesmo efeito prático no mundo jurídico, o tratamento conferido pelo legislador foi apartado, isto é, a Lei n° 8.666/93 disciplinou em artigos distintos a dispensa (arts. 17 e 24) e a inexigibilidade (art.25).
A configuração da inexigibilidade depende da ocorrência do fator “inviabilidade de competição”, não cabendo ao legislador, por questões de incompatibilidade, antever todas as hipóteses de ocorrência do fenômeno. Assim, o rol exposto no art. 25 do Estatuto das Licitações é exemplificativo.
Paralelamente, a dispensa de licitação diz respeito aos casos em que a competição é viável, ou seja, é possível o estabelecimento de parâmetros para o julgamento objetivo entre os interessados, no entanto, a efetivação do certame imporia gravame ao interesse público. Diferentemente do que ocorre com a inexigibilidade, aqui é imprescindível o caso concreto encontrar guarida em previsão legal específica. Nessa esteira delimita Niebuhr (2008, p. 369):
O fato é que a análise das hipóteses de dispensa de licitação deve necessariamente ser empreendida em vista das hipóteses prescritas em lei e, ademais, nos estritos termos delas. Em sentido oposto ao da inexigibilidade, em que a lei é mero coadjuvante, agora, para apreender os casos de dispensa, a lei é alçada a referencial principal, até porque, fora dela, nem sequer cabe reconhecer a figura.
Encerrando essa distinção, menciona-se, como contraponto à inexigibilidade, que o rol de hipóteses de dispensa de licitação é taxativo, ou seja, o legislador exauriu todas as suas possibilidades de ocorrência.
Em seguida, cumpre salientar que a espécie de contratação direta chamada dispensa contempla, como subdivisão, a licitação “dispensada” e a “dispensável”. A diferença entre elas é que, nos casos de licitação dispensada (art. 17), o legislador já adotou a providência de afastar previamente a ocorrência da licitação, quer dizer, não há que se falar em competência discricionária do agente administrativo, devendo este apenas realizar o exame de subsunção legal. No que concerne à licitação dispensável (art. 24), o legislador outorgou ao servidor público a avaliação da oportunidade e conveniência da contratação direta, visto que é plenamente cabível a concretização do certame.
O art. 17, em suma, lista as hipóteses de dispensa para disposição do patrimônio público, seja bens imóveis ou móveis. Vale ressaltar que o enquadramento da licitação enquanto dispensada depende indubitavelmente da existência de interesse público formalmente justificado nos autos do processo administrativo e de avaliação prévia. Já no art. 24, o legislador elegeu diversas situações para o aplicador do direito aferir, caso a caso, a pertinência da licitação ponderando os mais diversos interesses envolvidos, o que implica necessariamente uma carga de subjetividade maior.
3.4.2 O papel da discricionariedade
O poder discricionário representa o espaço de atuação deixado pela lei para que o administrador público possa tomar uma decisão entre duas ou mais alternativas igualmente válidas. Representa uma dimensão da lei própria da função administrativa, caracterizando-se como algo peculiar dessa, também denominado mérito administrativo.
Porém, a liberdade de atuação encontra limites, barreiras estabelecidas pela lei, levada à categoria de princípio expresso no caput do art. 37 da Constituição Federal. De forma diversa ao que ocorre no Direito Privado, cujo é permitido ao particular tudo que a lei não proíbe ou condiciona, na Administração Pública só é possível ao gestor atuar conforme previsão legal.
Como matéria de direito público, o entendimento em questão se aplica perfeitamente à temática das contratações administrativas. Portanto, os permissivos legais de dispensa de licitação dependem de prévio estabelecimento legal.
Um questionamento que se afigura nesse escopo é descrever se há e qual o limite do legislador infraconstitucional ao tabular as dispensas de licitação, isso à luz da teleologia constitucional. Em comentários sobre o art. 37, XXI da CF e art. 3° da Lei n° 8.666/93, concluiu-se que os maiores valores, quando o assunto é o procedimento que resulta num contrato administrativo, são a isonomia enquanto causa mor e a escolha da proposta mais vantajosa enquanto finalidade.
A ordem jurídica permitiu ao legislador ordinário, excepcionalmente, a eleição de algumas situações atípicas em que os princípios da isonomia e competitividade cedem espaço a outros valores como a economicidade e o interesse público maior. No entanto, essa fuga à regra geral encontra barreiras: a licitação em si e seus princípios inerentes, resultando em limitação da discricionariedade legislativa na criação de hipóteses de dispensa de licitação, caso contrário, a discricionariedade se converteria em arbitrariedade.
Assim, o legislador não possui liberdade absoluta, estando vinculado ao programa estatuído na Constituição no estabelecimento das hipóteses de dispensa de licitação, sob pena de desvio de poder legislativo e até de inconstitucionalidade. O aumento do número de casos de contratação direta, conforme evolução histórica mencionada desde o Código de Contabilidade de 1922 até a redação original da Lei n° 8.666/93, pode representar sintoma de transgressão ao limite da razoabilidade no exercício da discricionariedade legislativa.
Outro ponto de vista do poder discricionário está presente no dia a dia do intérprete, agente administrativo. A interpretação dos enunciados legais nem sempre é unívoca, ou seja, usualmente se extrai dois ou mais sentidos de um dispositivo legal. O cerne da questão está em descobrir o fim almejado pela norma, qual o seu intuito; para tanto, a interpretação literal nem sempre é suficiente. Quando o assunto é dispensa de licitação, Niebuhr (2008) defende a utilização da técnica interpretação conforme a Constituição, resultando na extensão ou restrição do comando literal da norma.
O sistema jurídico impôs que a contratação direta é ressalva, destarte, o legislador deve levar em monta esse programa. Todavia, se o legislador faz pouco caso do limite à sua discricionariedade, cabe ao agente administrativo buscar a interpretação que atenda ao constituinte, buscando o sentido restrito quando surge possibilidade de enquadramento no art. 24 da Lei n° 8.666/93.
Nos casos de licitação dispensável é que a limitação da discricionariedade ganha destaque, visto que, em tese, o servidor público pode valer-se tanto da licitação quanto da dispensa. As especificidades do caso concreto é que dirão se há comprometimento do interesse público com a efetivação da licitação, sendo esse a maior imposição que o Poder Público sofre em sua liberdade de atuação.
3.4.3 Categorização das hipóteses
Diferente da ocorrência nos casos de inexigibilidade, escolhidos três casos a título de exemplificação pelo legislador, o rol para as dispensas de licitação previstas no art. 24 é extenso e exaure as possibilidades da Administração. Atualmente existem trinta e três permissivos legais de licitação dispensável. Vale ressaltar as recorrentes e a divisão delas em categorias de acordo com pontos em comum.
O critério com base no valor é primeiro que merece destaque. Constam nos incisos I e II, sendo livre ao gestor a contratação direta quando até 10% sobre os valores que limitam a contratação através da modalidade convite, ou seja, R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 8.000,00 (oito mil reais) para os demais casos.
Outro permissivo se faz presente nos casos de flagrante excepcionalidade decorrentes de guerra, grave perturbação da ordem ou calamidade pública, devendo haver uma rápida resposta do Poder Público para suprir as dificuldades resultadas desses eventos (inciso III). Hipóteses que guardam semelhança com o caráter de excepcionalidade e prazo curto para resposta da Administração são, segundo Carvalho Filho (2013), as presentes no inciso IX “possibilidade de comprometimento da segurança nacional” e no XXVIII “compra de suprimentos de embarcações ou unidades aéreas em localidades diferentes de suas sedes”. O caso da compra de gêneros perecíveis (inciso XII), como pão e hortifrutigranjeiros, enquanto tramita procedimento licitatório, também apresenta certo grau emergencial.
O desinteresse de eventuais licitantes também é causa de dispensa da licitação (inciso V). Essas ocorrências têm constituído o que se chama de licitação deserta e fracassada, que derivam ora do não aparecimento de interessados em certame já ocorrido ora da constatação de todos os licitantes com a documentação incompatível frente ao edital.
Às entidades com o objetivo social e fim não econômico também é outorgada dispensa de licitação, nos termos do art. 24, XIII. São as instituições brasileiras que tenham o objetivo estatutário de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional. Mais um permissivo com a mesma ideia é o constante no inciso XX, visando à contratação de associação idônea de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos. Também é possível a contratação direta com organizações sociais para atividades contempladas em contrato de gestão (inciso XXIV).
Ressalta-se também o permissivo no caso de disparidades das propostas apresentadas, em comparação com os preços praticados no mercado. A previsão legal ilustra a possibilidade de conluio entre licitantes para sobrepreço ou a apresentação de propostas inexequíveis. O inciso VII diz que será permitida a adjudicação direta quando “as propostas apresentadas consignarem preços manifestadamente superiores aos praticados no mercado nacional”.
Com o sucedâneo de complementar objeto, é possível a contratação direta quando ocorrer rescisão de contrato anterior, caso o objeto não tenha sido concluído (inciso XI). Para tanto, exige-se a observação da ordem da licitação e que o convocado aceite as mesmas condições do contrato não executado em sua plenitude.
Outra hipótese que merece destaque é a contratação de pessoas ligadas à Administração (inciso VIII). O contratado deve ser órgão ou entidade da Administração Pública, criado para esse fim específico e ter surgido antes do advento da Lei n° 8.666/93.
É dispensável, de acordo com inciso XVII, a compra de componentes ou peça, nacionais ou estrangeiros, para a manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica. Carvalho Filho (2013) informa que o permissivo em questão deve ser vista com cuidados para que não configure ofensa ao princípio da livre concorrência, previsto no art. 170, IV, da Constituição.
Em seguida e ressaltando que a explanação aqui proferida possui caráter pontual, isto é, mencionou apenas alguns dos mais de trinta permissivos para a licitação dispensável, chama-se a atenção para o art. 24, X, aplicável quando o Poder Público pretende adquirir ou alugar imóvel destinado ao atendimento de suas finalidades precípuas. Aqui, as necessidades de instalação e localização devem condicionam a escolha e o preço ser compatível com o mercado.
4. HIPÓTESE DA COMPRA OU LOCAÇÃO DE IMÓVEL
4.1 IDENTIFICAÇÃO DA PREVISÃO LEGAL NA LEI N.º 8.666/93
Inobstante a regra geral de obrigatoriedade de licitação pública para as contratações do Estado junto a terceiros, sobressai o permissivo legal de desnecessidade desse procedimento administrativo prévio, in verbis:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
X – para comprar ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;
O caso em tela evidencia, portanto, a dispensa de licitação do tipo “dispensável”. Em situações dessa estirpe, a competição é viável e o legislador não afastou de plano a ocorrência de licitação. Nelas, o administrador possui o poder discricionário de realizar a licitação ou desconsidera-la, posto que lhe é facultado. Contudo, conforme mencionado no tópico 2.4.2, a discricionariedade do gestor é balizada pela regra geral de licitação, seus princípios próprios e o interesse público.
Portanto, segundo o Estatuto das Licitações, a contratação direta objetivando a ocupação de imóvel não ilustra caso de inexigibilidade, o que implicaria necessariamente a presença do fator de inviabilidade de competição e possuir arrimo no art. 25. Além disso, o legislador não conferiu o tratamento de licitação “dispensada” para a hipótese em abstrato, qual seria a impossibilidade de realização de licitação por imposição do art. 17 da lei.
4.2 ANÁLISE DOS REQUISITOS PARA A SUA CARACTERIZAÇÃO
A partir da leitura do inciso X, art. 24 e da divisão didática apresentada pela doutrina especializada, sintetiza-se a imprescindibilidade de observância a três seguintes requisitos cumulativos, a fim de configurar o permissivo legal de dispensa de licitação.
4.2.1 Atendimento das finalidades precípuas da Administração
A Administração pode localizar vários imóveis destinados à realização de suas atividades, contudo, para um que possa adquirido ou alugado mediante contratação direta, deve atender suas finalidades “precípuas”, extraídas o sentido do vocábulo, segundo qualquer dicionário de língua portuguesa, como aquelas principais ou essenciais. Fernandes (2013) apresenta como sugestão, para a classificação dos imóveis ocupados com esse intuito, a utilização de critério relacionado às atividades realizadas no espaço físico, atividades-meio ou atividades-fim. No caso dessas últimas é possível a contratação direta.
Ainda com fulcro na exigência, aspectos como volúpia e ostentação não devem ser prioridade, uma vez que não condizem com os princípios da Administração, a exemplo da eficiência e economicidade, além de serem incompatíveis com a realidade do Brasil, suas desigualdades sociais e a marginalização de boa parte da população carente de serviços públicos básicos.
Vendo por outro prisma, Niebuhr (2008) entende que a previsão legal de destinação do imóvel à busca das finalidades precípuas da Administração é redundante, porque, em sentido oposto, o Poder Público não poderia contratar de forma alguma, mesmo que através de licitação, haja vista estaria incorrendo em desvio de poder.
4.2.2 Necessidade de instalação e localização condicionando a escolha
Os motivos justificadores da seleção do imóvel a ser ocupado são as necessidades de instalação e localização. Fernandes (2013) afirma que esta exigência deve ser vista com cautela, porquanto a indicação da Administração não pode denotar qualidades exclusivas que levantariam suspeitas de pessoalidade no processo de escolha. Assim, é de bom alvitre a definição prévia das características e requisitos do imóvel demandado, trazendo à baila as demandas administrativas e combatendo o subjetivismo.
Explica-se, o estabelecimento de um Programa de Necessidades prévio ao cotejo com eventuais particulares obsta o direcionamento na celebração de futuro contrato administrativo. Além dessa providência apta a dar plenitude ao princípio da impessoalidade, pertinente é conferir publicidade à demanda da Administração através de chamamento público em diário oficial ou jornal de grande circulação. O TCU entende, inclusive, que a publicação é formalidade essencial e não deve ser relativizada, a exemplo dos termos presentes no Acordão n° 992/2006: “providencie a formalização adequada dos atos referentes às aquisições de imóveis destinados às suas atividades precípuas, inclusive a publicação na imprensa oficial, conforme estabelecido no art. 26 da Lei n° 8.666/1993”. Por conseguinte, a transparência deve ser adequada ao fim proposto, qual seja a procura por imóvel com as características estabelecidas e averiguar as opções disponíveis no mercado.
No momento do aparecimento de eventuais interessados, deve a Administração justificar a escolha do fornecedor, deixando expressos os motivos da recusa dos imóveis apresentados, mas não selecionados, de forma que restem evidentes os aspectos distintivos daquele outro escolhido. Essa é a recomendação constante no Parecer n° 01/2013 da Advocacia Geral da União, nos autos Processo n° 00407.001847/2013-61.
Visando a atender a esse desiderato, faz-se necessário atribuir ao planejamento de médio prazo, formalizado juntamente às equipes de engenharia e arquitetura, papel de destaque, de modo a estabelecer, preliminarmente, um padrão arquitetônico e de localização de eventuais imóveis que atendam ao interesse público, assegurando julgamentos objetivos.
No que concerne ao planejamento, ressalta-se a presença do Decreto n° 7.689/2012 na esfera federal, mencionando parâmetros a serem seguidos pelos órgãos e entes da sua esfera nos contratos de compra e locação de imóveis, conforme o art. 3°, in verbis:
Art. 3o Nos contratos para aquisição, locação, nova construção ou ampliação de imóvel, deverá ser observada a área média de até nove metros quadrados de área útil para o trabalho individual, a ser utilizada por servidor, empregado, militar ou terceirizado que exerça suas atividades no imóvel.
§ 1o No caso em que o imóvel for utilizado por mais de um órgão ou entidade, para fins de cálculo da relação de área média por servidor, empregado, militar ou terceirizado, deverão ser considerados todos os servidores, os militares ou terceirizados que desempenhem suas atividades no imóvel.
§ 2o Para a aquisição ou locação de imóvel devem ser consideradas todas as opções disponíveis no mercado, vedada restrição a qualquer bairro ou região, salvo quando houver atendimento ao público, caso em que poderá ser privilegiada a localização do imóvel em razão da facilidade de acesso do público alvo.
§ 3o O ministro de Estado respectivo poderá autorizar contratações que excedam o limite fixado no caput, desde que haja justificativa técnica, vedada a delegação de competência.
A importância do planejamento para os casos de compra ou locação de imóvel é realçada com o estabelecimento dessas diretrizes básicas que devem estabelecer um mínimo de uniformidade nas contratações públicas. Observando o parágrafo 2°, o que se percebe é uma espécie de reiteração ao pedido para ocupação de imóvel que atenda às finalidades precípuas da Administração, pois a prescrição legal é no sentido de privilegiar as áreas de fácil acesso, o que nem sempre coincide com as áreas nobres da cidade, almejadas pela ânsia pessoal de alguns gestores.
Encerrando as tratativas acerca do requisito, insta informar que significativa parcela da doutrina e da jurisprudência (TCU) manifesta-se pela possibilidade de contratação direta para compra ou locação de imóvel somente quando apenas determinado imóvel específico possua as características de instalação e localização aptas a atender o interesse da Administração. Quer dizer, surgindo mais de um imóvel compatível com o Programa de Necessidades, não seria permitida a dispensa de licitação.
4.2.3 Compatibilidade de preços segundo avaliação prévia
O art. 26 estatuiu uma série de formalidades aplicáveis ao ente público que não efetiva a licitação, como forma de compensação parcial aos princípios deixados em segundo plano nos casos de contratação direta por inexigibilidade, dispensa previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17, e dispensável no inciso III e seguintes do art. 24. Dentre dessas imposições, vale destacar a obrigação da presença, nos autos do processo administrativo, de justificativa de preço, consoante o parágrafo único do inciso III.
Logo, não há tanto ineditismo nesse requisito de compatibilidade de preços, posto que o inciso X do art. 24 está entre aqueles em que é imprescindível a tomada das providências do art. 26. Nessa temática, diz Niebuhr (2008, p. 492) que: “A Administração, antes de comprar ou locar imóvel, deve avalia-lo, justamente para evitar que se pague por ele valor acima do praticado no mercado”. Dessa forma, a avaliação prévia possui o escopo de garantir que o Poder Público não firme contratos administrativos superfaturados, resguardando o erário.
A dúvida surgida é a definição de qual é o agente competente para proceder à avaliação. Fernandes (2013) entende que, no caso específico de imóveis, a competência é de engenheiro. O eminente autor registra ainda que a avaliação deve necessariamente anteceder a compra ou a locação, e o não atendimento ao dispositivo pode desencadear penalidades a serem aplicadas pelos Tribunais de Contas. A Corte de Contas do Mato Grosso do Sul já editou súmula nesse sentido, in verbis:
(TCE/MS. Súmula n. 29)
A ausência de avaliação prévia do preço de locação do imóvel destinado ao serviço público, visando a verificação de sua compatibilidade com o valor vigente no mercado, enseja a declaração da ilegalidade e irregularidade do contrato e aplicação de multa ao responsável. (grifo nosso).
A seriedade que a situação reclama não pode ser olvidada pelos responsáveis em expedir parecer ou outro instrumento congênere para avaliação de imóvel. No entanto, corriqueiramente se observa na mídia a presença de contratos superfaturados celebrados por parte do Poder Público, para a compra ou locação de imóvel, sem cumpridas as formalidades de avaliação prévia e/ou pesquisa de preços, afrontando de forma direta o comando legal.
4.3 NATUREZA JURÍDICA E A EVOLUÇÃO HISTÓRICO-NORMATIVA
A ordem jurídica vigente atribuiu tratamento de licitação dispensável para a contratação objetivando a compra ou locação de imóvel para atender às finalidades precípuas da Administração; precisamente no art. 24, X, da Lei n° 8.666/93.
Todavia, com a realização de um apanhado histórico do instituto jurídico, relacionando, de um lado o dispositivo legal imediatamente anterior sobre a temática das Licitações Públicas (Decreto-Lei n° 2.300/86), e por outro ângulo a Proposta de Lei do Senado n° 559/2013, constata-se a mudança de tratamento legal para o caso de contratação direta em questão.
Simbolizando essa diferenciação, o Decreto-Lei n° 2.300/86, ab-rogado pela Lei n° 8.666/93, mencionava-se o seguinte no art. 23, in verbis:
Art. 23. É inexigível a licitação, quando houve inviabilidade de competição, em especial:
(...)
IV – para a compra ou locação de imóvel destinado ao serviço público, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha; (grifo nosso).
Cabem duas considerações. Em primeiro lugar, a legislação anterior mencionava expressamente o instituto da contratação direta para compra ou locação de imóvel como um dos exemplos de inexigibilidade de licitação. De outra sorte, não havia a previsão expressa do requisito “preço compatível com o mercado segundo avaliação prévia”; ademais, observa-se a redação do termo “serviço público” em vez de “finalidades precípuas da Administração”, esse último previsto na atual ordem jurídica.
Como é sabido, a inexigibilidade de licitação encontra guarida nos casos de inviabilidade competição, ou seja, o processo de seleção não pode se desenvolver regularmente. Há impossibilidade de estabelecimento de parâmetros objetivos para efetuar o julgamento entre as propostas, visto que o objeto perseguido pelo Poder Público é singular ou apenas um terceiro pode fornecê-lo a contento. Portanto, a inexigibilidade evidencia as limitações da licitação pública, demarcando a linha extrema de seus préstimos, restando ao Poder Público forçosamente afastá-la
Devido à sua natureza, o rol de casos de inexigibilidade é numerus apertus, isto é, seja no decreto revogado seja no estatuto vigente, o legislador não anteviu todas as situações de inviabilidade de licitação, o que depende das circunstâncias do caso concreto e a postura do agente administrativo perante elas.
Ao eleger, a compra ou locação de imóvel destinado ao serviço público quando as necessidades de instalação e localização condicionam a escolha, como hipótese de inexigibilidade, o legislador do Decreto-Lei n° 2.300/86 buscou permitir a contratação direta somente quando presente um único imóvel para atender a demanda estatal. Caso contrário, a licitação seria obrigatória, conforme assevera a regra geral e os princípios da isonomia e competitividade, não sendo facultado à Administração, portanto, decidir se realiza ou não certame público com bases em critérios de conveniência ou oportunidade. Em outras palavras, não havia que se falar em licitação dispensável.
Em direção diversa, o atual estatuto das licitações enquadrou a hipótese em tela como licitação dispensável, cabendo ao agente administrativo, assim, proceder ou não a licitação de acordo com o seu poder discricionário. Apesar disso, o requisito das necessidades de instalação e localização condicionando a escolha permaneceu no vigente instrumento, aspectos esses restritivos da competição segundo a finalidade do legislador do decreto revogado.
Paralelamente aos dispositivos supracitados, junge informar a tendência de aumento dos exemplos de inexigibilidade de licitação expressos, considerando o Projeto de Lei do Senado n° 559/2013, atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Afora os três casos que atualmente figuram na Lei n° 8.666/93 e descritos nessa obra (fornecedor exclusivo, serviços técnicos profissionais especializados e profissional do setor artístico), sobressai no art. 56 do projeto a “aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e localização tornem necessária a sua escolha”.
Ante o exposto, identifica-se uma tendência de tratamento normativo de inexigibilidade de licitação para a contratação direta buscando a compra ou locação de imóvel quando presentes os fatores condicionantes ou singulares de sua escolha (instalação e localização). O viés reviveria o primeiro dispositivo legal que conferiu tratamento explícito à matéria, o Decreto-Lei n° 2.300/86, e desconsideraria a natureza jurídica dada na legislação ora vigente. Pelo que parece, o legislador ordinário estaria “mudando de ideia” e almeja não permitir a contratação direta quando identificado mais de um interessado apto por Programa de Necessidades; privilegiando a isonomia e a competividade – princípios basilares da licitação pública.
4.4 NATUREZA JURÍDICA SEGUNDO A DOUTRINA E A JURISPRUDÊNCIA
Realizado levantamento doutrinário sobre a natureza jurídica do instituto, se dispensa ou inexigibilidade, obteve-se a seguinte conclusão de Fernandes (2013, p. 378), in verbis:
Trata-se, em verdade, de hipótese de inexigibilidade de licitação, visto que, uma vez existindo apenas um imóvel que satisfaça ao interesse da Administração, estará caracterizada a inviabilidade jurídica de competição. Nesse caso, se tão-somente um imóvel é que atende às necessidades, não haverá licitação, tendo o legislador preferido colocar a hipótese entre os casos de dispensa, embora isto seja doutrinariamente condenável. (grifo nosso).
Corroborando com a visão do eminente jurista, aduz Justen Filho (2012, p. 252), in verbis:
A ausência de licitação deriva da impossibilidade de o interesse público ser satisfeito através de outro imóvel, que não aquele selecionado. (...) Ou a Administração localiza o imóvel que se presta a atender seus interesses ou não o encontra. Na primeira hipótese, cabe-lhe adquirir (ou locar) o imóvel localizado; na segunda, é impossível a locação ou aquisição. A aquisição ou locação de imóvel destinado a utilização específica ou em localização determinada acarreta inviabilidade de competição. Trata-se de hipótese de inexigibilidade de competição e o caso sujeita-se ao disposto no art. 25. (grifo nosso).
Outro autor que possui entendimento idêntico, ressaltando ser inevitável proceder à licitação pública se existir mais de um imóvel apto ao interesse administrativo, e defendendo a contratação direta na situação posta sob a forma jurídica de inexigibilidade, Niebuhr (2008, p. 490), in verbis:
A contratação direta encontra lugar nas situações em que houver somente um imóvel cujas características atendam aos interesses da Administração, pelo que, a rigor jurídico, está-se diante da hipótese já prevista no inciso I do artigo 25 da Lei n° 8.666/93, relativa à inexigibilidade provocada pela exclusividade do bem. (grifo nosso).
Os argumentos dos autores, resumidamente, encontram respaldo na própria conceituação dos requisitos da contratação, notadamente o condicionamento de localização e instalação, os quais obstaculizariam a competição, encontrando arrimo, assim, na inexigibilidade. Não seria o caso de dispensa de licitação, pois neste o processo seletivo é possível e facultado.
De outra sorte, há quem ministre pela natureza jurídica de dispensa, ressaltando, outrossim, que apenas um imóvel pode atender realmente aos anseios administrativos. A doutrina é autorizada por Carvalho Filho (2013). Permissa vênia, cabe discordar do autor nesse aspecto, uma vez que a restrição de qualquer possibilidade de competição possui incompatibilidade com o regime de dispensa de licitação.
O TCU já se manifestou sobre o assunto várias vezes, materializado com a edição dos seguintes acórdãos:
Utilize, ao proceder à compra ou à locação de imóvel, o art. 24, inciso X, da Lei 8.666/93, somente quando identificar um imóvel específico cujas instalações e localização evidenciem que ele é o único que atende o interesse da administração, fato que deverá estar devidamente demonstrado no respectivo processo administrativo.
Acórdão 444/2008 Plenário
9.6. alertar a [...] que, doravante, caso haja a necessidade da locação de imóvel destinado a acomodar os profissionais de saúde que prestam serviços ao município, realize procedimento licitatório ou, em caso de dispensa prevista no art. 24, inciso X, da Lei nº 8.666/1993, autue processo correspondente, em que fique bem definida a situação de excepcionalidade e característica única do imóvel e a impossibilidade de competição.
Acórdão nº 5281/2010 – 1ª Câmara
Em jurisprudência recente, datada do segundo semestre de 2014, o TCU optou por permanecer com o entendimento ora firmado, o que ilustra pacificidade da temática no âmbito da Corte de Contas federal:
Na aquisição de imóvel mediante dispensa de licitação (art. 24, inciso X, da Lei 8.666/93) faz-se necessária a conjugação de três requisitos: (i) comprovação de que o imóvel se destina ao atendimento das finalidades precípuas da Administração; (ii) escolha condicionada a necessidades de instalação e de localização; e (iii) compatibilidade do preço com o valor de mercado, aferida em avaliação prévia. É inaplicável a contratação direta se há mais de um imóvel que atende o interesse da Administração. (...) Como destacado pela unidade instrutiva, “o próprio recorrente (...) confirma a existência de quatro imóveis selecionados pela Comissão ‘por atenderem aos requisitos exigidos pelo Conselho’, o que corrobora a tese exposta de que havia possibilidade de competição, o que torna inaplicável a contratação direta”. (...) Nesses termos, o Colegiado, acolhendo a proposta do relator, negou provimento aos recursos. Acórdão 5948/2014 – 2ª Câmara, TC 000.218/2011-1
A conclusão levada a cabo, segundo depreende-se da doutrina e jurisprudência, é no sentido de a contratação direta para a compra ou locação de imóvel estar enquadrada no regime jurídico de inexigibilidade, embora positivada pelo legislador enquanto dispensa de licitação.
Como consequência, autores como Niebuhr (2008) contestam a constitucionalidade do art. 24, X, alegando desvio do poder legislativo. Vale ressaltar, nessa seara, que o intuito dessa obra não é apontar o dispositivo como inconstitucional, tarefa conferida ao Supremo Tribunal Federal.
O eminente doutrinador aponta como alternativa a utilização da técnica de interpretação conforme a Constituição, para o efeito de aplicar o art. 24, X, da Lei n° 8.666/93 apenas nos casos em que o imóvel visado pela Administração desfrute de características que o singularizem. Destarte, o hermeneuta deve aplicar o dispositivo nos mesmos padrões de um caso de inexigibilidade, e, uma vez apresentado mais de um imóvel que atenda ao delineado no Programa de Necessidades, deve proceder à licitação pública, porquanto a sua relativização não imporia prejuízo ou gravame ao interesse público.
Por derradeiro, considerando a plena aplicabilidade do dispositivo enquanto não sobrevenha outro que o revogue ou haja declaração de inconstitucionalidade, apresenta-se roteiro para a contratação direta seguindo a orientação do TCU, adaptado do modelo exposto no Manual de Licitações e Contratos (2010, p. 634 e 635):
1. Solicitação do bem, com descrição clara do objeto (planejamento – Programa de Necessidades);
2. Justificativa da necessidade do objeto;
3. Caracterização da singularidade do objeto, evidenciando os aspectos de localização e instalação;
4. Chamamento público para averiguar a disponibilidade do mercado;
5. Aferição, pela unidade demandante, da compatibilidade das propostas apresentadas. Constatação de apenas um imóvel que atenda às finalidades precípuas da Administração, segundo as necessidades de localização e instalação, baseado em relatório técnico;
6. Avaliação do preço do imóvel pelo setor de engenharia, prévia à compra ou locação, para evitar o superfaturamento;
7. Indicação dos recursos para a cobertura da despesa;
8. Juntada aos autos do original da(s) proposta(s);
9. Juntada aos autos do original ou copia autenticada ou conferida com o original dos documentos de habilitação exigidos;
10. Justificativa da situação de dispensa licitação, segundo exige o art. 26;
11. Parecer Jurídico;
12. Inclusão de quaisquer outros documentos necessários à caracterização da contratação direta;
13. Autorização do ordenador de despesa;
14. Comunicação à autoridade superior, no prazo de três dias, da dispensa da licitação;
15. Ratificação e publicação da dispensa de licitação na imprensa oficial, no prazo de cinco dias, a contar do recebimento do processo pela autoridade superior;
16. Emissão da nota de empenho respectiva;
17. Assinatura do contrato administrativo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como meta desvendar a natureza jurídica da contratação direta visando à compra ou locação de imóvel observados os requisitos presentes no art. 24, X, da Lei n° 8.666/93; se dispensa ou inexigibilidade de licitação. Para tanto, fora constatado inicialmente o quão é importante a relação contratual do Poder Público com terceiros, porquanto este não consegue, por seus próprios meios, prover-se de todas as utilidades que necessita no cumprimento de sua finalidade. Entretanto, tal relação não está livre de amarras consoante ocorre quando os dois polos da relação jurídica não pertencem à Administração Pública.
O produto resultante das amarras ou formalidades é a licitação pública, que possui razão de existir e importância na denominada Indisponibilidade do Interesse Público, própria do regime jurídico-administrativo. Feitas essas considerações, o estudo buscou descrever os princípios que cercam a licitação, entre eles a isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa e a obrigatoriedade.
Tais valores revelam as minúcias do procedimento licitatório, sendo a isonomia vista como um resguardo ao caráter competitivo do certame, o que proporciona, em resultado, a seleção da proposta mais vantajosa à Administração. Logo, o agente administrativo, quando do exame interpretativo, deve levar consigo a igualdade de condições, pautada no estabelecimento tão somente de exigências objetivas e prévias, consoante estabelece o art. 37, XXI, da Constituição Federal e o art. 3° da Lei de Licitações.
Ademais, apresentou-se uma diretriz interpretativa, com base, sobretudo, nos ensinamentos de Niebuhr (2008), para a aplicação dos dispositivos do estatuto das licitações, considerando a teleologia constitucional de tratar o certame como regra e a sua desconsideração como exceção. Nesse contexto sobrevém o princípio da obrigatoriedade, que possui a dicção de propor tratamento restritivo tanto na criação legislativa quanto na interpretação das hipóteses de contratação direta.
Vencida a etapa, o estudo centrou-se nas contratações públicas diretas. O resultado foi a constatação do aumento crescente dos casos de desconsideração do certame. Concluiu-se também que o princípio da licitação não possui valor absoluto, quer dizer, em alguns momentos esse procedimento e seus princípios devem ceder espaço a outros valores como a economicidade e o interesse público maior, situações essas que devem ser elencadas prudentemente pelo legislador, sob pena de afronta ao comando constitucional. Observou-se também o estabelecimento de algumas exigências no art. 26 do estatuto, por exemplo, a justificativa de vantajosidade e de preço, como medidas de compensação parcial ao desprezo da licitação.
De mais a mais, passou-se a cotejar as espécies de contratações diretas sem licitação e suas peculiaridades. Porém, antes disso, foram tecidos alguns comentários acerca do fenômeno da flexibilização da licitação, que resulta na crescente aparição de hipóteses de contratação direta e na proposta de alguns estudiosos para a relativização de alguns licitatórios.
Neste momento, identificou-se um confronto entre a morosidade do procedimento além do suposto não atendimento do princípio da eficiência, frente aos princípios basilares da isonomia e competividade. A solução, ao que se constatou, não seria o mero aumento dos casos de contratação direta pelo legislador, e sim o fortalecimento do planejamento no seio das repartições públicas, de modo que o procedimento licitatório seja instaurado com antecedência. Além disso, a edição de um novo diploma legal fortalecendo o caráter instrumental, afastando formalidades despropositadas, bem como a aplicação de contínuo treinamento dos servidores que labutam na área, atenderia aos anseios sem desconsiderar a regra constitucional da licitação.
Em seguida, o estudo apresentou a inexigibilidade como modalidade de contratação direta derivada da incompatibilidade na realização da licitação, isto é, a inviabilidade de competição se faz presente, disputa necessária para a realização do processo seletivo das propostas. Devido a seu caráter, não é possível ao legislador antever todas as suas possibilidades de ocorrência; positivados no art. 25 da lei três casos a título de exemplificação: fornecedor exclusivo, serviços técnicos profissionais especializados e profissional do setor artístico.
Diferentemente da inexigibilidade de licitação, ora restringida a competição em virtude do objeto peculiar pretendido e a impossibilidade do estabelecimento de parâmetros objetivos de julgamento, ora oriunda da restrição do mercado; a dispensa de licitação simboliza escolhas do legislador para a não realização do certame, apesar da sua viabilidade para se desenvolver a contento. O papel da discricionariedade ganhou destaque na obra, cabível nas hipóteses de licitação “dispensável” constantes no art. 24 da Lei n° 8.666/93. Como se observou, o poder discricionário encontra-se limitado pelos extremos delineados na lei e no programa constitucional de tratar a contratação direta como ressalva, devendo essa razoabilidade cercar o hermeneuta quando da escolha entre a realização da licitação e a sua dispensa, porquanto lhe é facultado.
Enfrentando o terceiro capítulo da obra, identificou-se a contratação direta para ou locação imóvel como licitação dispensável, segundo a escolha da legislação ordinária vigente. Observou-se, contudo, que tal enquadramento vai de encontro com a ordem jurídica anterior (Decreto-Lei n° 2.300/86) e o Projeto de Lei n° 559/2013 atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Neles, a contratação direta em questão encontra-se contemplada expressamente como inexigibilidade de licitação.
A apreciação dos três requisitos cumulativos que afastam a realização de licitação, presentes no inciso X do art. 24, acabam por restringir sobremaneira e inviabilizam a competição e foram quase que totalmente reproduzidos da legislação anterior para a atual. É imprescindível que o imóvel atenda às finalidades precípuas da Administração, os aspectos da necessidade e instalação condicionem a escolha, bem como haja compatibilidade de preços e avaliação prévia. Após a explicitação de tais exigências, realçando a importância do planejamento, do Programa de Necessidades e sua publicidade para a verificação dos possíveis interessados na contratação, partiu-se para o tratamento da doutrina e jurisprudência.
Considerando principalmente o fator condicionante da necessidade /instalação do imóvel e a finalidade do decreto revogado que inaugurou a hipótese, boa parte da doutrina gabaritada apresenta a natureza jurídica de inexigibilidade. O Tribunal de Contas da União afirma que, para a caracterização da contratação direta, apenas um imóvel pode atender aos anseios da Administração, afastando também a possibilidade de competição.
Destarte, percebeu-se que a mentalidade adotada é a de realizar a licitação quando verificada o cotejo de propostas junto ao Programa de Necessidades, afastando-a, de outra forma, quando constatado que somente um imóvel atende ao interesse da Administração, ao encontro do que celebra a inexigibilidade.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
[1] Direito Administrativo. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 361.
Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - TCE/PI e Advogado inscrito nos quadros da OAB/PI sob n.º 12110, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI, possui Especialização em Direito Administrativo e Mestrado em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMORIM, André de Carvalho. Contratação pública direta para compra ou locação de imóvel e sua natureza jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50148/contratacao-publica-direta-para-compra-ou-locacao-de-imovel-e-sua-natureza-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
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Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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