RESUMO: Em uma clássica citação, Martin Niemöller em 1933, como um símbolo de resistência aos nazistas, dissertava como a cada dia levaram um de seus vizinhos, até que um dia, quando vieram buscá-lo, não havia mais ninguém para reclamar. Este emblemático pensamento é a matriz chave que funda o pensamento de Luigi Ferrajoli, em seu Garantismo, que objetiva limitar o abuso estatal e difundir valores de respeito e liberdade através do ideário da democracia. O presente manuscrito se emoldurou em uma pesquisa básica, qualitativa, que teve como objetivo precípuo a abordagem, de maneira modesta, sobre alguns pressupostos que integravam o Garantismo de Ferrajoli tanto em uma ótica Penal quanto Constitucional. Ao findo, em seus resultados, a pesquisa demonstrou uma imbricada relação entre a mudança de paradigma do direito, sua vertente constitucional intimamente ligada à figura da democracia, com a ressignificação da doutrina penal, que deveria ser dotada de maior seguridade e garantias ao indivíduo ante a manifestação estatal. Destarte, o presente manuscrito ao passo de sua conclusão ratifica que o artigo em tela será fruto de pesquisa futuras sobre o temário em destaque.
Palavras- chave: Direito. Moral. Justiça. Filosofia.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Materiais e métodos – 3. Um novo paradigma do direito – 4. A tipologia dos direitos fundamentais – 5. Garantismo – 6. Constitucionalismo garantista – 7. Análise dos resultados; 7.1 O garantismo penal; 7.2 modelos de direito penal – 8. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo se firma na perspectiva de abordar, em especificidade, o Garantismo de Luigi Ferrajoli, mais precisamente alguns pressupostos de natureza penal e constitucional, que são amplamente difundidos como o âmago de seu trabalho.
Ferrajoli (2002) é um autor italiano que reverberou o mundo com a sua teoria do Garantismo, que em princípio produzia vigorosas intervenções no modelo do Direito Penal, reinventando sua clássica aplicação em um sistema punitivo, agora, disposto em preservar a liberdade do indivíduo perante a atuação despótica do Estado, que há poucos anos era arraigado na herança absolutista.
Todavia, os escritos do autor não são concentrado apenas na seara penal, também possuindo um desdobramento imensurável na figura constitucional, o que evidentemente, não obsta que seja aplicado nas demais áreas do Direito a disposição de apreciação teórica do meio acadêmico-científico.
No constitucionalismo seu redesenho ganha vertentes de reconhecimento do aparato político, fundado na ideia de validade e legitimidade, defendendo que há de se produzir certo protagonismo do legislador na elaboração do desenho institucional do Estado, todavia, este estaria limitado a intervir somente em vertentes que não cerceassem, de maneira alguma, a liberdade do indivíduo (FERRAJOLI, 2002).
Essa condição é explanada em suas mais variadas obras, que versam dos mais variados temas. Além do fator primordial que é a existência de uma relação imbricada sobre o constitucionalismo contemporâneo e o ideal democrático (FERRAJOLI, 2014).
Este manuscrito objetivará, para tanto, a exposição de alguns pressupostos, organizados em temas de construção cronológica e temática, com o intento de se complementarem ao longo do trabalho, de modo a fomentar, conforme supratranscrito, uma compreensão satisfativa da abordagem aqui objetivada.
Todavia, é compreensível que o presente manuscrito não esgotará, sobremaneira, a temática posta em tela, uma vez que além de se tratar de um objeto de estudo complexo, a pesquisa tem como função precípua o resgate teórico dos fatores acima expostos de maneira a condicionar uma maior compreensão do autor e sua proposta conceitual.
A investigação disposta respeitará um processo de pesquisa eminentemente teórico e terá o intento de explorar bibliografias atinentes ao temário disposto, que, por se tratar de um artigo científico não esgotará ou satisfará a abordagem como um todo, mas terá como escopo um desenvolvimento continuado para pesquisas futuras.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Em um prisma conceitual, pode-se compreender pesquisa como um processo formal, que se perfaz em um modo sistemático, respeitando uma metodologia científica, tendo por observância precípua a produção de respostas diante a problemáticas constantes na realidade, utilizando para tanto um procedimento próprio (GIL, 1999).
Dentro do prisma da Pesquisa, é possível segmentá-la em eixos específicos que são modulados de acordo com o tratamento e observação do universo abordado. A pesquisa elencada no referente trabalho constitui um cunho básico, pois gera conhecimentos teóricos dirigidos a solução de problemas gerais, o que resvala sobre uma ótica regional ou global; é de cunho qualitativo, pois há fatores indutivos na construção do referente trabalho (Ander-Egg apud MARCONI, 1990).
O manuscrito foi produzido utilizando periódicos e obras que possuem grande relevância e sintonia com o objeto tratado, de forma a caracterizar e explorar com o máximo de potencial as questões tratadas na pesquisa.
3. UM NOVO PARADIGMA DO DIREITO
Na perspectiva de um parêntese histórico sobre o entendimento do direito como um todo, Luigi Ferrajoli redesenha as bases fundamentais da construção dialógica de um direito voltado em sinergia para um contexto de democracia. Imantado por vezes sobre a égide penalista, a vocação teórica de sua proposta é emoldurada sobre vieses que extrapolam em demasia as esferas específicas do direito, conforme se prelecionará a seguir.
Na renovada dimensão cívica e democrática dos estudos penalísticos, a ciência penal e filosofia jurídica existe sempre – ou melhor, deveria existir – uma relação essencial entre ambas. Porque no Direito Penal, o bem se cumpre com a exigência de dotar-se em um firmamento axiológico, e por um elo filosófico-político, que incorre em sistematizar em uma pura técnica de controle social e político (FERRAJOLI, 2004).
Do mesmo modo que pode ser constituída de forma inversa, sendo o bem na filosofia jurídica se compromete com os grandes temários da liberdade e fundamentação da crítica ética-política do direito e das instituições existentes, começando pelas instituições repressivas do Direito Penal e Processual (FERRAJOLI, 2004).
Foi justamente o Direito Penal que durante os séculos XVII e XVIII, na grande filosofia política do jusnaturalismo racionalista de Hobbes a Locke, de Thomasius e Pufendorf a Montesquieu e Voltaire, há Beccaria, Bentham, Filangieri e Romagnosi, constituíram suas batalhas contra o despotismo repressivo e inquisitório próprio do antigo regime, e foi definindo os valores da civilização jurídica moderna nas linhas mestras do Estado de Direito e o respeito da pessoa humana, nos valores da vida e da liberdade pessoal, sobre o nexo entre a legalidade e a liberdade, a liberdade de consciência e de expressão, na concepção de direito e do Estado como artifícios cuja legitimação depende do cumprimento de suas funções e tutela dos direitos dos cidadãos (FERRAJOLI, 2004).
Deste modo, na segunda metade do nosso século há uma troca de paradigmas no direito positivo nas democracias avançadas, que impõe uma revolução epistemológica nas ciências penais, em geral, a ciência jurídica e seu conjunto. Esta mudança de paradigma na estrutura do Direito positivo foi produzida na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, graças às garantias da rigidez das constituições introduzidas pela previsão de procedimentos especiais para sua revisão; ademais, o controle da legitimidade das leis era realizado por parte dos tribunais constitucionais (FERRAJOLI, 2004).
A produção é uma transformação radical no papel das constituições. Os primeiros textos constitucionais, começando pela Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, foram documentos essencialmente políticos, cuja natureza de leis positivas, incluso em resultado incerto, conforme crítica de Bentham, inveterado utilitarista (FERRAJOLI, 2004).
Neste diapasão, FERRAJOLI (2004), afirma que nem sempre somos bastante conscientes do alcance revolucionário causado pela mudança de paradigma do direito que, provavelmente, seja a maior conquista jurídica deste século. Essa revolução que altera, junto com a estrutura do direito, no papel da ciência jurídica e da jurisdição e na natureza política da mesma capilaridade que a democracia.
Em seu modelo epistemológico, a jurisdição, por caso, configura-se como aplicação da mecânica da lei, e da ciência jurídica como “dogmática”, vinculada unicamente aos dogmas da lei, qualquer que seja seu sentido. Por outro lado, há o princípio da onipotência da política e sua primazia sobre o direito; por ser a legislação competente e a política, correlativamente, vez que o legislador se habilita democratizado mediante as formas da representação parlamentar, como uma concepção puramente política, formal, e procedimental da democracia, identificada com a vontade soberana da maioria (FERRAJOLI, 2004).
É muito difundido, que o constitucionalismo em nossos dias marcaria uma revanche do jusnaturalismo contra o positivismo jurídico. Esta tese se emoldura em autores como Ronald Dworkin, Robert Alexy e Gustavo Zagrebelsky, que passa a conter certa “verdade”. O “positivismo jurídico” é entendido como um sinônimo de “formalismo jurídico”; é decidir sobre uma concepção e um modelo de direito que tem como critério de reconhecimento a existência da validade das leis, na forma de produção destas independentemente de seu conteúdo (FERRAJOLI, 2004).
Sendo, para tanto, o constitucionalismo jurídico sujeito a validade legiferante por uma “substância”, que perfilam os conteúdos, a forma das decisões, fundando em princípios constitucionais como critérios de justiça e não somente em regras procedimentais como requisitos para uma existência e validade formal, reintroduzindo o direito em uma racionalidade substancial. Racionalidade que era a própria tradição jusnaturalista e havia sido sacrificada ante as instâncias da racionalidade formal, como Max Weber, que se afirmava como o primeiro positivista jurídico (FERRAJOLI, 2004).
4. A TIPOLOGIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Ante a compreensão da morfologia do direito penal, a estrutura secular que perfilava o direito e suas tipicidades, cumpre elucidar sobre os direitos fundamentais a tipologia traçada por Ferrajoli, de forma a clarificar e tornar nítido sua pretensão teórica no que tange sua abordagem.
Ao viés de uma tipologia sobre os direitos fundamentais, a definição proposta, segue entre estes direitos subjetivos em que as normas de um determinado ordenamento jurídico atribuem universalmente a todos enquanto pessoas, cidadãos e/ou pessoas com capacidade de agir (qualquer expectativa de atos jurídicos)(FERRAJOLI, 2009).
FERRAJOLI (2009) propõe as cisões estruturais, com base nesta definição, distinguem a estes direitos de todos os demais, em três, todos sendo independentes das expectativas que tutelam, sendo:
a) A forma universal de sua importação, entendido em um sentido lógico valorativo de sua quantificação universal de uma classe de sujeitos que, como pessoas, cidadãos com capacidade de produzir atos jurídicos, são seus titulares;
b) Em seu estatuto de regras gerais e abstratas, deve dispor, o que nomina-se de normas hipotéticas, em oposição as normas “téticas” (tecnicistas), nas situações singulares dispostas pelos atos negociados, por exemplo, que prevêem hipóteses (vacância legal);
c) Seu caráter indisponível e inalienável, e tanto incubem de igual forma e medida em todos os seus titulares, por oposição aos direitos patrimoniais e nas restantes situações singulares que, em troca, pertencem a cada um com exclusão dos demais.
Graças à identificação destes três caracteres, um corolário do outro, esta definição puramente formal diz que em caso que se queira tutelar um direito como fundamental, é preciso protegê-lo, de um lado de todo o intercâmbio mercantil (perspectiva capitalista/monetizada do direito), conferindo igualdade mediante enunciação na forma de uma regra geral e, por outro, na arbitrariedade política do legislador ordinário mediante a estipulação de tal regra em uma norma constitucional colocada em cima do mesmo (FERRAJOLI, 2009).
5. GARANTISMO
Uma vez compreendendo a historicidade e abordagem teórico-hermenêutica, a mudança de paradigmas e a enunciação da morfologia dos direitos fundamentais, por fim, produz a ideia do Garantismo, o escopo primordial da intervenção de Ferrajoli na contemporaneidade, que será esposado em especificidade.
O garantismo nasce em um contexto de direito penal como resposta ao ceticismo por justiça que a esquerda (orientação ideológica popular) italiana possuía na metade de 1970, em oposição às medidas governamentais de emergência e as restrições de garantias deste processo, que a priori foram estabelecidas para combater a violência política e o terrorismo mafioso (JARAMILLO, 2016).
Na habitualidade do vocábulo, a terminologia “garantismo” ganhou potência nos mais demasiados léxicos gramaticais, reverberando dicionários e produzindo um vasto corpo teórico a ser explorado pela academia. Poder-se-ia perfilá-lo como o caráter próprio das constituições democrático-liberais mais evoluídas, o que consiste no fato de que essas estabelecem instrumentos jurídicos sempre mais seguros e eficientes – a exemplo o controle de constitucionalidade de leis ordinárias – com a precípua observância de dar seguridade de normas e ordenamentos por parte do poder político (IPPOLITO, 2011).
Por conseguinte, materializa-o na forma de uma doutrina político-constitucional que propõe uma sempre mais ampla elaboração e introdução de tais instrumentos (de controle e limitação do poder estatal). Em síntese, o garantismo emoldura-se em dimensão política do constitucionalismo rígido e teoria normativa do constitucionalismo rígido, o garantismo se torna então, o nome da teoria liberal do direito penal, ou seja, o paradigma normativo do “direito penal mínimo” (IPPOLITO, 2011).
Em minúcias, conceituamos o garantismo em uma posição política de virtude na qual o direito consagra os direitos de liberdade e sociais em um sistema de garantias, representadas por limites jurídicos a todos os poderes públicos e privados, que consistem em proibições e obrigações. Os limites e vínculos que as constituições contemporâneas estabelecem ao poder político constituem em um sistema de garantias para propagar a defesa dos direitos frente sua violação por parte do Estado ou de particulares (JARAMILLO, 2016).
Por sua vez, as garantias constitucionais são as proibições ou obrigações que correspondem a expectativas positivas ou negativas que se estabelecem normativamente, por regular-se, como direitos subjetivos. O garantismo, em um contexto de direito, significa que os ordenamentos jurídicos têm a vocação de garantir as proibições, como não ser lesado por outros, o direito de propriedade, e obrigações, como os direitos e prestações dos outros a pauta social (JARAMILLO, 2016).
Neste diapasão, os direitos fundamentais prevalecem, por tanto, sobre qualquer outra consideração política. Representa a faceta do constitucionalismo, que formula as técnicas idôneas de garantia para assegurar o máximo de efetividade aos direitos constitucionais. O Estado é um artifício instrumental criado para conseguir um único fim fundamental: garantir os direitos das pessoas. O pressuposto do garantismo é a ideia, presente em Montesquieu, quando sustentava que o poder deve dividir-se para que se possa preservar a liberdade de fato, conforme na qual o poder há de se desvirtuar em um potencial abuso, em caso de unidade (unilateralismo) (JARAMILLO, 2016).
Destarte, o garantismo, se configura como a teoria do sistema das garantias dos direitos fundamentais, que analisa, valoriza e elabora os dispositivos jurídicos necessários à tutela dos direitos civis, políticos, sociais e de liberdade sobre os quais se fundam as hodiernas democracias constitucionais, para as quais a vitalidade e o desenvolvimento dependem – majoritariamente – do empenho civil de cada um que compõe a sociedade (IPPOLITO, 2011).
6. CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA
Compreendendo a perspectiva do garantismo, bem como seu contexto histórico e epistêmico, seu viés de amparo aos direitos fundamentais, alçado em um constitucionalismo contemporâneo, cabe ser abordado em minúcias ao discorrer deste campo.
O Estado Constitucional se caracteriza por uma onipotência da política e do legislador; o primeiro, porque a política deve conceber-se como um instrumento para a realização e garantia do direito e, particularmente, dos direitos fundamentais; e no segundo, por que a validade – em especial – as legitimidades das leis transcendem o feito de sua vigência. Neste sentido se articulam as dimensões jurídicas e políticas na teoria unitária de Ferrajoli, onde o direito e democracia são dimensões, reciprocamente complementares, de um mesmo plano conceitual e de um mesmo projeto político (JARAMILLO, 2016).
O paradigma constitucional resultante da mudança estrutural do Estado de Direito pode ser descrito mediante quatro princípios postulados, que correspondem a garantias que se perfilam em primárias e secundárias. Sendo este Modelo Garantista (MG), um paradigma de caráter normativo que, apesar de ser um modelo teórico, é formal e formalizado (FERRAJOLI, 2014).
O primeiro postulado é o princípio da legalidade, é o produto da primeira e elemental articulação multinível do ordenamento jurídico, realizada com a distinção entre a produção legislativa do direito e sua aplicação jurisdicional e administrativa, a primeira supraordenada e a segunda edificada formalmente como solução legiferante. Sobre a égide do paradigma constitucional o princípio da legalidade assume uma nova complexidade, como princípio normativo e, ao mesmo tempo, como princípio lógico (FERRAJOLI, 2014).
O segundo postulado é o princípio da plenitude deôntica, em virtude da qual, onde quer que existam direitos, os interesses estabelecidos por normas primárias deverão ser introduzidos como garantias primárias dos poderes correspondentes, devendo, limitar o Estado em notada proibição ou obrigação perante os tutelados na observância de satisfazê-los, utilizando-se de prerrogativas institucionais primárias, por sua vez separadas de qualquer outro poder (FERRAJOLI, 2014).
Com efeito, não teria sentido falar em paradigma legislativo, onde a lei é a fonte suprema do ordenamento e, por tanto, não caberia dissertar sobre vínculos e obrigações ao legislar; do mesmo modo que, em tal paradigma, não teria sentido falar do princípio da estrita legalidade como princípio jurídico, e não somente político, e, pelo mesmo motivo, de eventuais limites e proibições de direito positivos impostos ao legislador (FERRAJOLI, 2014).
O terceiro postulado é o princípio da jurisdicionalidade, que impõe o fato de que onde existam normas e garantias primárias, deverão também existir, contra suas possíveis violações, normas secundárias, que predisponham uma intervenção de garantias secundárias aos jurisdicionáveis, por ação de funções específicas e instituições de garantia, também separadas de qualquer outro poder. Com efeito, somente será possível a predeterminação legal do objeto em júdice, uma vez fundado na jurisdição acerca da determinação preestabelecida pela constituição, segundo o princípio (hobbesiano) simétrico do veritas, non auctoritas facit iudicium (FERRAJOLI, 2014).
Por fim, o quarto e último postulado, é o princípio da acionabilidade, conforme a qual, onde exista uma jurisdição, esta deverá estar prevista como garantia secundária, sua ativação pelo titulares dos direitos e dos interesses lesionados e, com caráter complementar e subsidiário, por parte de um órgão público capaz de suprir as possíveis inércias e debilidades existentes (FERRAJOLI, 2014).
Por conseguinte, há a necessidade de assumir o princípio da acionabilidade como um princípio geral do modelo garantista, idôneo para assegurar a efetividade dos outros três princípios – jurisdicionalidade, legalidade e plenitude deôntica – mediante a integração da ação privada com a encomendada em um órgão público (FERRAJOLI, 2014).
7. ANÁLISE DOS RESULTADOS
A exposição do presente manuscrito objetivou uma linearidade teórica que pontuou desde a mudança de paradigma do direito e seus reflexos na modernidade, aos institutos que emolduram a doutrina de Ferrajoli, desde a perspectiva dos direitos fundamentais, ao garantismo e os movimentos constitucionalistas.
O autor produz uma intervenção dialógica com o constitucionalismo contemporâneo e o ideário democrático, reputando-se sempre ao Estado Democrático de Direito. Todavia, em sua tratativa, a seara penal sempre é abordada, por ser o Direito de maior relevância, a certo modo, por ser àquele responsável por chegar a restringir o maior direito de todos, a liberdade.
Deste modo, a fim de satisfazer de maneira mais profícua o conteúdo aqui abordado, será esmiuçado o Garantismo Penal de Ferrajoli, de modo a complementar e estruturar em firmamento mais vigoroso as vertentes abordadas até então.
7.1 O GARANTISMO PENAL
Com efeito, é sobre a base do direito penal que se manifesta e se define da maneira mais transparente e dramática, nas relações entre o Estado e o cidadão, entre a autoridade e a liberdade, entre a defesa social e as garantias individuais. E é a partir deste paradigma penal que os limites legais impostos através das garantias penais são processadas pelo sistema dos poderes públicos, que, por sua vez, manifestam seu valor garantista, no âmbito de sua legislação e sua jurisdição penal (FERRAJOLI, 2017).
A reflexão sobre as garantias penais e processuais apresentam uma extraordinária fecundidade para a elaboração de uma teoria do estado constitucional de direito e da democracia constitucional. Esse paradigma garantista elaborado a partir da teoria posta, com o percurso constitucional democrático posterior a segunda guerra mundial, suscitou uma capacidade em múltiplas direções: a garantia que os direitos de liberdade são também direitos sociais constitucionalmente estabelecidos; os sistemas de limites e vínculos impostos no solo aos poderes políticos públicos, também aos poderes econômicos privados; aos modelos normativos de funcionamento dos poderes para garantir os direitos fundamentais em plano dos ordenamentos internos e internacionais (FERRAJOLI, 2017).
Ao mesmo tempo, a análise da crítica e divergências que se suscitam no direito penal são entre Validade e Efetividade, entre Dever Ser e Ser, entre as intervenções punitivas e os modelos normativos e práticas efetivas, sendo, em vias de fato, suscetíveis de ser ampliadas a toda fenomenologia do direito. Deste modo, confere-se a ciência jurídica como alternativa tradicional ao método técnico-jurídico e a posição estéril entre o enfoque normativista e o enfoque realista, desempenhando um papel crítico e protetivo da (ilegitimidade) realidade efetiva e do funcionamento concreto dos sistemas jurídicos a luz do contraste com os modelos normativos (FERRAJOLI, 2017).
7.2 MODELOS DE DIREITO PENAL
Uma vez compreendendo de forma modesta a estrutura do garantismo penal, far-se-á imprescindível a breve menção de uma proposta que dispõe na envergadura de um modelo e, no comparativo, como seria um modelo contraposto a proposta garantista aludida no presente manuscrito.
O modelo garantista penal é composto por um plano epistemológico que, para além dos seus pressupostos filosóficos, perfilar-se-á na decidibilidade que assegura a verdade processual das hipóteses de delito formuláveis como pressupostos da pena. Ferrajoli, portanto, formula e separa os princípios fundamentais em sistemas ou modelos axiomáticos, que constituem uma morfologia complexa e única, sobre a égide de um novo paradigma (FERRAJOLI, 2002).
Estes axiomas, conforme supramencionados, não expressam proposições assertivas, mas proposições prescritivas; não enunciam as condições que um sistema penal em eficácia satisfativa, mas as que deva satisfazer em adesão aos seus princípios normativos internos e/ou a parâmetros de justificação externa. Tal característica possui um caráter deôntico, correspondente à matriz axiológica demandada, pressupondo uma opção ético-política a favor dos valores normativamente tutelados, justificando seu caráter normativo entre justiça, validade e efetividade penal (FERRAJOLI, 2002).
Conforme aludido anteriormente, um dos princípios basilares para emoldurar uma tipologia no sistema de garantismo foi o da legalidade, cumpre, à luz do garantismo penal, diferenciar a legalidade da legalidade estrita. Enquanto axioma, a mera legalidade limitar-se-á exigir a lei como condição necessária da pena e do delito (exemplo do brocardo “não há crime sem lei anterior que o defina”), outrossim, o princípio da legalidade estrita exige todas as demais garantias como condições necessárias da legalidade penal (FERRAJOLI, 2002).
Neste diapasão, no primeiro (mera legalidade), a lei é condicionante, pois determina sobre uma tutela de determinado objeto e o segundo (legalidade estrita), a lei é condicionada, pois deve ater-se a um conjunto de limitações e, conforme preleciona o autor, o cidadão deve ser amparado ante a qualquer arbitrariedade Estatal, tanto que funda-se o princípio correlato a uma norma metalegal dirigida ao legislador (condição limítrofe ao exercício legislativo) (FERRAJOLI, 2002).
Em uma perspectiva modal de um direito penal autoritário, perfilar-se-á garantias sumárias como a culpabilidade (vínculo fático e de dependência entre agente e fenômeno delituoso), materialidade (conduta externalizada), lesividade (dano provocado) e a retributividade (a perspectiva de “justiça”, ou satisfação/reparação da eventual perda produzida) (FERRAJOLI, 2002).
Já no contrassenso, em um comparativo a um modelo de matriz arcaica, esta projeta uma reflexão de ordenamentos penais primitivos, informados pela responsabilidade objetiva – coletiva, ou pelo fato alheio ou impessoal –, ligada por sua vez ao conhecimento e à vontade da ação e/ou do fato delituoso, ao critério elementar do talião. O que rechaça, de pronto intento, elementos como o ônus de verificação empírica dos nexos de causalidade e da imputação, que vinculam réu e delito (FERRAJOLI, 2002).
A presente sistemática pode ser caracterizada pela figura legal do delito, contra os princípios liberais do utilitarismo penal e da separação entre o direito e moral, são privadas de referências empíricas e são construídas predominantemente com referência à subjetividade desviada do réu. Deste modo, oportuniza-se comportamentos decisionistas, que confia a critérios discricionários de valoração da anormalidade ou perigosidade do réu, que inevitavelmente dissolvem o conjunto das garantias processuais (FERRAJOLI, 2002).
Edificando a perspectiva de um Direito Penal Mínimo e Garantista, este concebe o direito penal essencialmente como uma técnica de definição, comprovação e repressão dos desvios que provocam reações punitivas por parte do Estado. A existência desta ótica, como dado empírico, fundamenta o surgimento do problema e sua justificação externa, da casualidade de recorrer a razões e critérios extra-jurídicos, de índole moral, ética-política e de utilitarismo, sobre os quais podem construir modelos que expressem princípios básicos em fenômenos que possam ser fundamentados (AGUILERA, 2017).
Para firmar essa ideia, Ferrajoli apresenta em seu modelo garantista como uma reação alternativa frente aos modelos autoritários (contrapondo a exposição arcaica anterior), resultantes de invocar parâmetros utilitaristas, desde sua perspectiva “não revisada”, “não reformada”. O critério geral que parte da corrente do utilitarismo consiste em uma máxima utilidade para um maior número, em qual, translado a matéria penal, se traduz na afirmação de que em um fim único da pena para prevenir futuros delitos, tendo em mente à tutela e a proteção da maioria (doutrina da defesa social) (AGUILERA, 2017).
Em suma, o direito penal, na visão ferrajoliana, está orientado em tutelar os direitos fundamentais dos mais fragilizados frente à violência que pode recair sobre vítimas e indivíduos marginalizados, de parte ativa das próprias vítimas e, também, por parte do Estado. Sendo assim, não está justificado lesionar direitos com delitos e castigos arbitrários e desproporcionados (AGUILERA, 2017).
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente manuscrito teve como escopo a investigação teórica sobre o Garantismo de Luigi Ferrajoli, consubstanciado em pressupostos penais e constitucionais, de modo a expor de maneira sucinta e com abordagem perfilada por temários, a fim de buscar uma satisfação, ainda que superficial, do conteúdo abordado.
A compreensão de que toda a discussão na contemporaneidade foi firmada através do rompimento de paradigmas, mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial, quando o Direito reconhece que falhou e precisava ser reavaliado, no mosaico que demonstra a necessidade de valores democráticos para fundar as bases de qualquer Estado de Direito que objetivasse o respeito por uma coletividade.
Valores máximos como liberdade, respeito, dignidade, transformaram o cidadão em um sujeito de direitos capaz de, por intermédio das intervenções proibitivas e obrigativas do garantismo penal, em uma blindagem contra desmandes e arbitrariedades praticadas pelo ente estatal.
Nestes moldes o constitucionalismo contemporâneo ganhou corpo e pujança, sendo almejado em vigor por países que emergiam sobre o manto do pós-guerra e, por conseguinte, também a perspectiva do direito penal acabava por ser reinventada através da ótica garantista.
Ferrajoli é sem dúvida o percussor de uma das bases mais sólidas que hoje possibilitam discussões de um Estado Democrático de Direito e um Direito Penal maior que a necessidade de punir, de criminalizar, mas de produzir uma intervenção político-pedagógica de reinserção em vias de fato na sociedade, possibilitando discussões até mesmo sobre temas hodiernos, como a justiça restaurativa, entre outros.
Assim, perfila-se no trabalho em tela o resgate que o autor faz não somente em ideais que ensejam a democracia e os valores difusos de respeito e liberdade, desde direitos fundamentais ao sistema garantista, mas a necessidade de participação por integralidade do organismo social que, legitimamente, é o vetor primordial para pavimentar a mudança necessária a fim de estimular e desenvolver o progresso da humanidade.
A pesquisa ocupou-se de explicitar de forma sucinta, mas de maneira mais completa e abrangente possível seu objeto de investigação, de modo que ainda que não possa satisfazer plenamente as tratativas aqui dispostas, esta será uma base para produções futuras no que compreende o temário em tela.
REFERÊNCIAS
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________. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Editora Trotta. Madrid, 2009.
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IPPOLITO, Dario. O garantismo de Luigi Ferrajoli. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito - RECHTD. Vol. 3. Unisinos. janeiro-junho de 2011.
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Graduanda do curso de direito. Faculdade Guanambi (FG). <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MALHEIROS, Edriene Veiga. Pressupostos penais e constitucionais do garantismo de Luigi Ferrajoli Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50157/pressupostos-penais-e-constitucionais-do-garantismo-de-luigi-ferrajoli. Acesso em: 23 dez 2024.
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