RESUMO: O presente trabalho visa abordar a relação do concubinato, mais especificamente no que tange ao dever (ou não) de prestação alimentícia neste tipo de relação jurídica. Far-se-á tal análise levando em consideração dois sistemas de interpretação das normas jurídicas, quais sejam, o gramatical e o sistemático, para utilizando-os como pano de fundo demonstrar como o sistema jurídico e a jurisprudência vem tratando do tema proposto. Iniciaremos tratando do concubinato como entidade de fato e jurídica, em seguida analisar o instituto da prestação alimentícia, passando posteriormente a expor as duas formas de interpretação do sistema jurídico, para ao final demonstrar como cada um dos sistemas interpretativos trata o concubinato e o dever específico de prestação alimentícia.
PALAVRAS-CHAVE: Concubinato. Prestação alimentícia. Interpretação do Sistema Jurídico.
ABSTRACT: The present study will address the relationship of concubinage, more specifically regarding the duty (or not) of providing food in this type of legal relationship. Make such an analysis will be carried out taking into account two systems of interpretation of legal norms, that is, grammatical and systematic, to use as a background to demonstrate how the legal system and jurisprudence has dealt with the proposed theme. We will start by treating concubinage as a legal and the facto entity, then analyzing the food service institute, and then exposing the two forms of interpretation of the legal system, in order to demonstrate how each of the interpretive systems treats concubinage and the specific duty Provision.
KEYWORDS: Concubinage. Provision food. Interpretation of the Legal System.
1. DO CONCUBINATO
A etimologia da palavra, que vem do latim concubinatus, decorre da junção de concus(coito ou cópula carnal) e binatus(com alguém). Já para o dicionário o termo em sua acepção jurídica vem assim descrito:
“Condição do casal que vive junto em união estável, mas que não tem seu relacionamento reconhecido legalmente; estado da relação cujas pessoas envolvidas não estão casadas (uma com a outra).”
No mesmo dicionário diz-se também:
“Diz-se também de uma união livre e estável.”
O nosso Código Civil de 2002 conceitua explicitamente o concubinato como:
“Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”
O concubinato não é instituto recente na história da humanidade, muito pelo contrário, tem sua existência desde Egito, Grécia, Roma e outras civilizações antigas.
Porém, o modelo de tratamento jurídico emprestado ao tema é que diverge de acordo com o tempo e a sociedade em que era aplicado.
Em Roma, por exemplo, tratava-se de instituto reconhecido, porém não regulado pelo direito romano. Por isso mesmo era taxado como uma relação inferior, posto que não geravam direitos para a concubina nem mesmo aos filhos advindos desta relação.
Ainda em Roma, posteriormente a edição da Lex Julia Adulteriis, passou-se a prever o concubinato como instituto que gerava tanto direito quanto obrigações, galgando então status de instituto jurídico.
Igualmente a Roma, na Grécia o instituto também era tolerado, pois apesar da monogamia existente à época, aquele que tivesse condições econômicas de sustentar mais de uma mulher poderia fazê-lo. Essas novas “esposas” se denominavam concubinas e de forma nenhuma se equiparavam a primeira mulher com a qual o homem teria se casado.
Esses exemplos servem para perceber que apesar de renegado a um patamar inferior ao matrimônio, o concubinato já era um instituto de fato, entidade existente e tolerada pelas sociedades antigas.
Já no Brasil, pode-se dividir o concubinato em dois períodos: o primeiro deles anterior a Constituição de 1988 e o segundo posterior a promulgação da referida carta maior.
Anterior a Constituição de 1988 tudo que não se amoldava ao tradicional conceito de família vigente à época poderia ser chamado de concubinato. Essa situação fez com que se subdividisse o instituto em puro ou impuro. O concubinato puro era quando os conviventes se união por livre acordo e não tinham nenhum impedimento para tal, porém não casavam formalmente. Já o concubinato impuro era quando a união acontecia, porém um ou ambos os conviventes tinham impedimentos legais para contrair tal relação.
Após o advento da Constituição de 1988 no seu artigo 226, § 3o, o concubinato outrora denominado “puro” converteu-se no que conhecemos hoje por união estável, vejamos:
“Art. 226 (...)
(...)
§ 3o Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Já o concubinato impuro teve “conceito impróprio” regulado pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 1.727 transcrito alhures.
Percebe-se então que não se pode negar o fenômeno do concubinato. Primeiramente como entidade de fato, afinal nesse ponto ninguém discorda sobre sua existência desde as antigas sociedades. Posteriormente, e mais importante, pode-se perceber nítida tendência legal em regular tal instituto, sendo então impregnado de direitos e deveres inerentes a sua existência jurídica.
2. DA PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA
A prestação alimentícia deriva do postulado da dignidade da pessoa humana, princípio imanente do nosso ordenamento jurídico. Busca o instituto salvaguardar necessidades diversas de um indivíduo( a quem seja devido) por quem o presta(devedor).
É evidente que tal obrigação não é universal, nascendo sim de uma relação jurídica preexistente, como a de um pai em favor do filho, por exemplo. Interessante notar que o nosso ordenamento jurídico deixou de conceituar o instituto, mas o regulou nos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil de 2002.
Porém, a doutrina cuidou do conceito, como se pode notar nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, que diz:
“Assim, alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos assim traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar sua subsistência.”
Ou nos dizeres de Silvio Rodrigues:
“Alimentos, em direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra alimentos tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui trata-se não só do sustento, como também de vestuário, habitação, assistência médica, em caso de doença, enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução.”
Passando adiante, além da necessária obrigação legal preexistente entre o alimentante é o alimentado, também vislumbrasse o não menos importante binômio necessidade/possibilidade, relação que se verifica entre as necessidades básicas para quem se destina, porém também a possibilidade financeira de quem presta a obrigação. Tudo isso não passou despercebido pelo legislador que no artigo 1.694, § 1o do Código Civil de 2002 assim constou:
“Art. 1.694 (...)
§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”
Quanto às espécies de alimentos temos as mais variadas classificações, podendo citar quanto a sua origem, natureza, momento processual da concessão, dentre outras.
Quanto à origem temos os legítimos, que de acordo com o artigo 1.694 do Código Civil são os decorrentes de casamento, união estável ou parentesco. Os voluntários, sendo aqueles que alguém por livre e espontânea vontade e sem necessidade legal concede a outrem. E por fim os indenizatórios, normalmente decorrente de responsabilidade civil do condenado.
Inovação trazida pelo novo Código Civil de 2002 quanto à natureza se subdividem em civis e naturais. Os civis são os alimentos que abrangem, além da mantença básica do alimentando, como vestuário, moradia, alimentação e outros, incluem-se também outros componentes, como necessidades intelectuais, morais entre outras. Já os naturais são os que englobam somente as necessidades básicas do alimentando acima referidas.
Em relação ao momento processual temos os alimentos provisórios que são os concedidos pelo juiz liminarmente em sede de tutela antecipada no mesmo processo. Os provisionais são os requeridos por meio de medidas cautelares, preparatórias ou incidentais ao processo principal. E os definitivos são os decorrentes de sentença judicial transitada em julgado.
Então se verifica que tal instituto é de notória relevância, baseado na mútua cooperação familiar, princípio da dignidade da pessoa humana, dentre outros. Levando-se em consideração relações jurídicas preexistentes, pautando-se na necessidade do alimentado e na possibilidade material do alimentante para que as necessidades básicas daquele sejam supridas a contento.
3. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA OU GRAMATICAL DO ORDENAMENTO JURÍDICO
A hermenêutica jurídica é de importância impar no ramo do Direito, posto que além da criação da norma, a sua interpretação é por demais relevante para que se consiga chegar ao verdadeiro sentido da norma.
Desde as antigas Escolas que buscaram ao longo do tempo sistematizar os métodos interpretativos da norma, como a Escola da Exegese, a Histórica de Savigny, Finalista de Ihering até culminar com os sistemas da livre interpretação, todas contribuíram para chegarmos aos modelos utilizados hoje em dia pelos operadores do direito, sejam eles os criadores da norma ou interpretes.
A interpretação da norma pode ser primeiramente subdividida pelo agente que a interpreta, a natureza ou forma utilizada para a interpretação e por fim a extensão ou alcance a que se chega com a atividade interpretativa.
No que se refere ao agente que interpreta, subdividi-se em autêntica, judicial e doutrinária:
Autêntica: É realizada pelo próprio órgão que edita a norma. Realizada pelo legislador ou outro agente público responsável por inovar o ordenamento jurídico. Ocorre no momento em que se elabora o comando jurídico.
Judicial: Realizada pelos Tribunais e Magistrados no ato de julgar. Deve ser feita com cautela, pois não se pode inovar no ordenamento jurídico a partir deste tipo de interpretação.
Doutrinária: Realizada pelos mestres, professores, especialistas em direito, juristas. Encontradas normalmente em livros, trabalhos acadêmicos e outros do gênero.
Quanto à natureza da interpretação ela se subdivide em gramatical, teleológica, histórica e sistemática:
Gramatical: É aquela que tem como ponto de partida o exame do significado e alcance de cada uma das palavras do preceito legal, ou seja, o próprio significado das palavras. Esse tipo de interpretação leva em consideração o vernáculo, as palavras em seu sentido literal.
Teleológica: Leva em consideração os “fins a que se presta a Lei”. É feita numa avaliação da finalidade da norma, do que ela quer atingir, quais seriam seus fins.
Histórica: Realizada levando em conta o processo histórico que se encontrou a norma quando foi editada. Os momentos sociais, políticos, dentre outros. Os projetos de Lei, as discussões parlamentares em torno da norma, as emendas ao projeto de Lei, bem como exposição de motivos são formas de observar como o processo histórico se deu á época.
Sistemática: Procura extrair o conteúdo da norma jurídica por meio da análise sistemática do ordenamento jurídico. É verificado analisando todo o sistema normativo, para tentar compreender os motivos que se deram a edição de tal regra jurídica, porém tomando todo o ordenamento para essa compreensão ( Constituição, Códigos, Leis Extravagantes e etc.).
Quanto a Extensão temos a forma declarativa, extensiva e restritiva:
Declarativa: Na interpretação realizada verifica-se que a diz exatamente o que o legislador pretendia. Portanto, a interpretação chega ao resultado igual ao contido na Lei.
Extensiva: O interprete amplia o sentido da norma, pois entende que o legislador disse menos do que queria quando da edição da Lei. Importante ressaltar que aqui não há criação ou inovação legal, pois o sentido ampliativo está contido na norma.
Restritiva: Ao contrário da extensiva, aqui há uma restrição do sentido pelo interprete, pois entende que o legislador ampliou em demasia a norma. O mesmo ponto acima mencionado aqui pode ser invocado, portanto não há modificação legal, pois a restrição encontra-se licitamente permitida na própria norma.
Posteriormente aos conceitos é de suma importância destacar que nenhum método interpretativo é mais importante que outro, pois cada qual tem seu papel, atendo-se a um ponto em específico da norma. Mais ainda, temos que a utilização de um dos sistemas não invalida o uso de outro, ao contrário, complementa, sendo na verdade importante utilizar vários dos sistemas para se chegar ao verdadeiro sentido e alcance da norma.
4. DEVER DE PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA NO CONCUBINATO A LUZ DOS SISTEMAS DE INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL E SISTEMÁTICO
Logo de início se faz importante destacar que a Jurisprudência não é uníssona quanto ao tema, por vezes entendendo ser de direito o pleito alimentício em favor da concubina e outras vezes o rechaçando por completo.
Para a análise do caso iremos tratar a negativa do direto à luz do sistema de interpretação gramatical da norma, e a possibilidade do direito sobre o prisma da interpretação sistemática.
Antes de adentrar no cerne da questão uma indagação: será que podemos afirmar que de fato o concubinato pode ser considerado uma sociedade que merece a proteção do direito?
A resposta para a pergunta é positiva, bastando verificar a súmula 380 do STF que assim se refere:
“Comprovada à existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”
Além do mais, abonando a afirmativa do vínculo jurídico temos o fato do novo Código Civil conceituar o instituto, levando-nos a perceber que trata-se de entidade jurídica regulada no ordenamento.
Para espancar qualquer dúvida, passagens de nossa jurisprudência comprovando o vinculo:
TJ-DF - Apelação Cível : APL 186662120078070006 DF 0018666-21.2007.807.0006
“CONSTITUCIONAL. CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO C/ C PARTILHA DE BENS. RELACIONAMENTO AMOROSO. HOMEM CASADO. IMPEDIMENTO. CONCUBINATO IMPURO. CARACTERIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA MONOGAMIA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO. PARTILHA. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 380 DO STF. PASSIVO. INCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO. PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA INCÓLUME.”
STJ - RECURSO ESPECIAL : REsp 229069 SP 1999/0080154-7
“Ementa: CONCUBINATO. SOCIEDADE DE FATO. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES.
1. Segundo entendimento pretoriano, "a sociedade de fato entre concubinos é, para as conseqüências jurídicas que lhe decorram das relações obrigacionais, irrelevante o casamento de qualquer deles, sobretudo, porque a censurabilidade do adultério não pode justificar que se locuplete com o esforço alheio, exatamente aquele que o pratica."
Pois bem, como não mais resta dúvida quanto a relação jurídica advinda do concubinato, bem como a afirmativa pacífica que para ter direito a pleitear prestação alimentícia, além de outros requisitos, o alimentando deve comprovar que houve uma relação jurídica preexistente. Será que há direito da concubina requerer judicialmente tal instituto?
A luz da interpretação gramatical das normas jurídicas já expostas neste trabalho a resposta tende a ser negativa, se não vejamos:
Primeiramente a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, § 1º versa sobre o casamento, uma das formas de união afetiva entre pessoas, vejamos:
“Art. 226 (...)
§ 1º O casamento é civil e gratuito a celebração.”
No § 3o do mesmo artigo vemos a outra forma de união afetiva entre pessoas, a união estável:
“Art..226 (...)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Estas são as duas formas legítimas e tipificadas a luz da interpretação gramatical, afinal já se sabe que a jurisprudência considera o concubinato como sociedade de fato e não forma de união afetiva.
O modelo monogâmico não permite que o concubinato seja considerado lícito, sendo culturalmente rechaçado. Ainda mais, utilizando-se da interpretação gramatical não se pode abranger o concubinato como mais uma das formas lícitas de relacionamento, muito pelo contrário, pois o próprio Código Civil de 2002 em seu artigo 1.521 e incisos traz os impedimentos para contrair novo casamento ou mesmo viver em união estável, já que este último sim foi equiparado ao primeiro, vejamos:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Aliado a tudo isso não custa lembrar que o mesmo Código se utiliza do seu artigo 1.727 para conceituar concubinato dizendo justamente que:
“as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar”.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no RE 397.762-8 corrobora o acima exposto, vejamos:
Então, em detrimento do casamento havido até a data da morte do servidor, veio o Estado, na dicção do Tribunal de Justiça da Bahia, a placitar, com consequências jurídicas, certa relação que, iniludivelmente, não pode ser considerada como merecedora da proteção do Estado, porque a conflitar, a mais não poder, com o direito posto. (...)
Percebe-se que houve um envolvimento forte – de Valdemar do Amor Divino dos Santos e Joana da Paixão Luz-, projetado no tempo -37 anos-, dele surgindo prole numerosa – nove filhos- , mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegalidade, ante o fato de haver sido mantido o casamento com quem Valdemar contraíra núpcias e tivera onze filhos.
Abandonem a tentação de implementar o que poderia ser tida como uma justiça salomônica, porquanto a segurança jurídica pressupõe o respeito às balizas legais, a obediência irrestrita às balizas constitucionais.(...)
O concubinato não se iguala à união estável referida no texto constitucional, no que esta acaba fazendo as vezes, em termos de consequências, do casamento. Gera, quando muito, a denominada sociedade de fato. (grifou-se)
Portanto, não é razoável conceber a luz da interpretação gramatical a possibilidade de arvorar o concubinato a uma forma de família, já que na interpretação deve-se respeitar as palavras em seu sentido literal, os comandos deônticos na sua ótica simplesmente textual. A essa conclusão se chega facilmente com o conjunto legal disponível sobre o tema, onde o concubinato resta alheio ao direito de prestação de alimentos em qualquer de suas formas ou casos.
Não se pode, utilizando-se a interpretação gramatical, querer erigir o concubinato a união estável, pois nosso ordenamento jurídico não se presta a fazê-lo, portanto, os direitos equiparados no caso de união estável não são extensíveis ao concubinato, colocando dentre eles a prestação alimentícia.
A contrário sensu, quando se baseia a possibilidade da concubina ter direito a prestação alimentícia na interpretação sistemática, ou seja, levando em consideração todo o sistema normativo na interpretação das normas, resta evidente tal possibilidade, vejamos:
Como fundamento inicial que possibilita o direito alimentício a concubina temos que é necessário uma nova ótica sobre as normas civilistas, para com o auxílio da “interpretação conforme a constituição” e aliados aos postulados principiológicos da dignidade da pessoa humana fazer com que a deficiência na regulamentação ou mesmo ausência da mesma impulsionem os juristas a, fazendo uso da interpretação sistemática, expandam tal direito, que hoje ainda carece de regulamentação, como é o caso da prestação alimentícia nos casos de concubinato.
Sobre essa constitucionalização do direito civil, temos os lúcidos ensinamentos do professor Paulo Lôbo:
O conteúdo conceptual, a natureza, as finalidades dos institutos básicos do direito civil, nomeadamente a família, a propriedade e o contrato, não são mais os mesmos que vieram do individualismo jurídico e da ideologia liberal oitocentista, cujos traços marcantes persistem na legislação civil. (...)Quando a legislação civil for claramente incompatível com os princípios e regras constitucionais, deve ser considerada revogada, se anterior à Constituição, ou inconstitucional, se posterior à ela. Quando for possível o aproveitamento, observar-se-á a interpretação conforme a Constituição. Em nenhuma hipótese, deverá ser adotada a disfarçada resistência conservadora, na conduta freqüente de se ler a Constituição a partir do Código Civil.[1]
Mais ainda, dentro de uma moderna valoração do Direito já se percebe que a própria legalidade vem se aproximando da pluralidade no conceito de família. Percebe-se a aceitação da família monoparental, dos casais homoafetivos e demais possibilidades de conceituar-se família. Mais ainda a união estável concedida como instituto autônomo, versado inclusive na Constituição Federal de 1988, e com todos os direitos garantidos como se casamento o fosse também é um alerta para essa sistematização globalizada do que se pode considerar família.
Ademais, podemos aceitar o artigo 226 da nossa Carta Magna como meramente exemplificativo, devendo o interprete fazer uma ampliação dentro do sistema para abarcar a entidade do concubinato e seus direitos inerentes.
A jurisprudência também tem reconhecido a prestação de alimentos decorrentes de concubinato, como se verifica no Enunciado 265 da III Jornada de Direito Civil que versa:
“Art. 1.708: Na hipótese de concubinato, haverá necessidade de demonstração da assistência material prestada pelo concubino a quem o credor de alimentos se uniu”[2].
Além do mais julgados também vem retratando o avanço pretendido
“Temos um problema para resolver. É a situação social da ex-concubina, que, após muitos anos de concubinato, durante o qual não foi amealhado nenhum bem, encontra-se invencivelmente impossibilitada de prover ao seu sustento (...).Qual a solução mais viável? A mais viável seria reconhecer à ex-concubina o direito a alimentos. Admite-o nosso ordenamento jurídico? Parece-me que sim, à luz das rationes iuris da previsão do direito a alimentos. Ou seja, podemos reconhecê-lo dentro do sistema jurídico (...), a partir dos princípios que informam a disciplina legal dos alimentos. A ex-concubina encontra-se em situação fático-jurídica idêntica à de outros credores de alimentos.(...) O sistema jurídico, portanto, prevê uma obrigação de socorro à vida por parte de quem mantém relações de proximidade com a pessoa necessitada, com o credor de alimentos. É possível enxergar uma analogia entre essas situações jurídico-objetivas e a do concubinato? Parece-me fora de dúvida (...).Ora, sob a luz desse princípio da solidariedade e da experiência humana normada, suponho que se deva predicar à relação do concubinato o mesmo tratamento jurídico, agora no campo de alimentos, porque a relação afetiva, a relação de proximidade, que existe, ou existiu, entre os concubinos, é igual – e, às vezes, até mais autêntica - à que une marido e mulher.(...) Tais considerações é que me autorizam a submeter-lhes à reflexão esta ideia de que, em princípio, porque se aplicam ao concubinato as regras de Direito de Família, não apenas as de Direito matrimonial, a concubina e o concubino podem ter, em certas circunstâncias, direito a alimentos (...)”.[3]
APELACAO CÍVEL. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE CONCUBINATO IMPURO. PARTILHA DE BENS. AUSENCIA DE PROVA DE CONTRIBUIÇÃO PARA AQUISIÇÃO DO PATRIMÔNIO. ALIMENTOS. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA CONCUBINA DEMONSTRADA. INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS. IMPOSSIBILIDADE. Mesmo na relação de concubinato (Art. 1727 CC), faz jus à alimentos a mulher que, por mais de quarenta anos, foi sustentada pelo homem, tendo abdicado de sua profissão em razão do relacionamento. No concubinato ocorrem os efeitos patrimoniais de uma sociedade de fato, sendo imprescindível, para que haja partilha, a prova do esforço comum na aquisição do patrimônio . Em uma relação afetiva não há como se vislumbrar um caráter econômico, mensurando-se monetariamente os cuidados e dedicação que um destina ao outro, equiparando-os a ‘serviços prestados’. Não se trata de ‘serviços’, mas de troca de afeto, amor, dedicação, companheirismo. RECURSO DO RÉU IMPROVIDO. UNÂNIME. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA.” (Apelação Cível Nº 70026301937, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 16/10/2008).
Portanto, utilizando o modelo interpretativo sistemático podemos vislumbrar a total possibilidade da prestação alimentícia no concubinato, pois o direito hodierno não se contenta com o positivismo, devendo o ativismo judicial dar lugar as imprecisões legais ou mesmo lacunas encontradas em nosso ordenamento.
1. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como finalidade demonstrar se o instituto do concubinato tem ou não direito a prestação alimentícia.
A forma de abordagem teve como pano de fundo dois sistemas interpretativos das normas, quais sejam, o gramatical e o sistemático.
A escolha desses dois sistemas se baseou justamente na carência de normatização do tema abordado, o que leva a uma negativa de acolhimento do direito segundo o sistema gramatical, afinal o mesmo leva em consideração apenas a literalidade das palavras, sendo a falta delas o indeferimento implícito do direito requerido.
Bem como o modelo sistemático serviu para demonstrar a evolução jurisprudencial que vem se sedimentando no que tange ao acatamento do direito de prestação alimentícia ao concubinato, justamente por uma interpretação total do sistema jurídico brasileiro, o que de fato faz com que o concubinato saia da “marginalidade legal” para uma caracterização de entidade familiar.
Por fim, verificou-se justamente a polarização do entendimento judicial frente ao tema proposto a depender de qual sistema de interpretação se baseiam os julgadores para pacificarem a lide, sendo gramaticalmente negado, porém sistematicamente aceito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. v 6. 28 ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali, de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406/10-1-2002). São Paulo: Saraviva, 2004.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito: Direito de Família. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007. (Coleção direito civil; v. 6).
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20a ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Do concubinato ao casamento de fato. 2. ed. Belém: CEJUP, 1987.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL.
BRASILEIRO, Código Civil (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 2002.
https://www.dicio.com.br/concubinato/
[1] Disponível em:http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/453/r141-08.pdf?sequence=4
[2] Disponível em: http://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/jornada/article/viewFile/2619/2696
[3] STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO : RE 393944 SP. Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18276775/recurso-extraordinario-re-393944-sp-stf
Faculdades Integradas Barros Melo (AESO). Advogado. Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Bruno Freitas. Concubinato e o dever de prestação alimentícia: interpretação sistemática ou gramatical do ordenamento jurídico? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50182/concubinato-e-o-dever-de-prestacao-alimenticia-interpretacao-sistematica-ou-gramatical-do-ordenamento-juridico. Acesso em: 22 dez 2024.
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