RESUMO: O presente trabalho visa analisar como deve se dar a contratação direta dos serviços de fornecimento de energia elétrica, na hipótese da concessionária de serviços públicos de distribuição de energia elétrica ser detentora de monopólio natural no âmbito do Município, se por meio de inexigibilidade de licitação ou por meio de dispensa de licitação.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Análise da Contratação Direta do Serviço de Fornecimento de Energia Elétrica. 3. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho destina-se a analisar a contratação direta de empresa de fornecimento de energia elétrica, por meio de dispensa de licitação, analisando as peculiaridades que circundam o tema, notadamente diante das divergências quanto à natureza da respectiva contratação. Pretende-se realizar uma análise dos institutos da dispensa e inexigibilidade de licitação, de modo a demonstrar o correto enquadramento da contratação do serviço de fornecimento de energia elétrica em tais modalidades de contratação direta.
2. ANÁLISE DA CONTRATAÇÃO DIRETA DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
Comumente, a hipótese de dispensa de licitação preconizada no art. 24, XXII, da Lei nº 8.666/93, gera divergências quanto à natureza da respectiva contratação. De fato, tem-se objetado que a contratação de serviços com vista ao suprimento de energia elétrica não se amoldaria ao procedimento de dispensa de licitação, mas sim, ao de inexigibilidade ante a ausência de viabilidade de competição.
Analisando as hipóteses de inexigibilidade de licitação, Marçal Justen Filho[1] apregoa:
No caso do representante exclusivo, a Administração se depara
com estrutura organizacional privada, em que certo fornecedor
atribui a um certo agente econômico o direito privativo de
intermediar neg6cios em certa região. No Brasil, existem diversos
diplomas que regulam cláusulas de exclusividade. Podem
lembrar-se os casos da Lei n° 4.886/65 (representação
comercial),nº 6.729/79 (concessão de veículos automotores) e nº
8.955/94 (franquia empresarial). Isso significa admitir, desde logo,
que a questão não envolve apenas representante comercial
exclusivo, mas qualquer espécie de agente econômico titular de
cláusula de exclusividade.
Com efeito, argumenta-se que a distribuição de energia elétrica, vez que prestado sob o regime de monopólio por empresas concessionárias de serviço público, afastariam a possibilidade de competição, dando azo, assim, à hipótese de inexigibilidade de licitação preconizada no art. 25 da LLCA.
Todavia, um exame mais acurado quanto à estrutura do setor elétrico nacional justifica a opção do legislador em arrolar a contratação de energia elétrica como hipótese de dispensa de licitação, nos termos do art. 24, XXII, da Lei nº 8.666/93, in verbis:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
XXII – na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica. (grifou-se)
Atualmente, o modelo do setor elétrico nacional estrutura-se de tal modo que os consumidores de energia elétrica, observado os critérios técnicos estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL[2] podem adquiri-la, grosso modo, (i) no ambiente de contratação regulada (consumidores cativos), mediante a celebração de contratos de suprimento de energia elétrica junto a empresas concessionárias de distribuição, ou (ii) num ambiente de competitividade, por meio de contratos de compra e venda de energia elétrica (consumidores livres) junto à comercializadores ou geradores de energia elétrica, inclusive produtores independentes e autoprodutores de energia elétrica[3].
Na primeira hipótese, diz-se que o fornecimento estará a cargo de concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, remuneradas mediante a cobrança de tarifa regulada pelo Poder Concedente, enquanto que a contratação no ambiente competitivo dar-se-á pela livre negociação junto aos geradores concessionários de serviço público e autorizados produtores independentes e autoprodutores (nesse caso, inexiste imposição de tarifa).
Destarte, do que se expôs, muito embora o serviço de distribuição de energia elétrica configure-se monopólio natural, parece clara a intenção do legislador em inserir a contratação de fornecimento de energia elétrica como hipótese de dispensa e não de inexigibilidade de licitação na medida em que a estrutura do setor elétrico nacional pode conduzir à viabilidade de competição entre os agentes que atuam no setor, ainda que restrita aos consumidores livres que podem optar pela contratação de energia elétrica junto a outro fornecedor que não a concessionária de distribuição local.
Aqui, não é caso de se aplicar o art. 25, inciso I, da Lei 8.666/93, em razão da vedação legal contida no artigo 23, § 1º, da lei nº 9.427/96, lei que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, quando disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências, in verbis:
Art. 23 (...)
§1º Nas licitações destinadas a contratar concessões e permissões de serviço público e uso de bem público é vedada a declaração de inexigibilidade prevista no art. 25 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993;
Ultrapassada a questão do enquadramento legal, passaremos a analisar o atendimento às formalidades do procedimento propriamente dito.
Nesta entoada, vejamos acórdão do TCU extraído do Vade-Mécum de Licitações e Contratos, editora Fórum, 3ª edição revista, atualizada e ampliada, Belo Horizonte, da lavra do Dr. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, página 516:
... Instrua todos os processos de dispensa e inexigibilidade de licitação com os elementos exigidos pelo art. 26 da lei nº 8.666/93, especialmente quanto à razão da escolha do fornecedor e detalhada justificativa do preço;...
Fonte: TCU. Processo nº 009.147/2001-1. Acórdão nº 862/2003 – 2ª Câmara.
Nessa linha de raciocínio, prescreve o art. 26 da LLCA:
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.
Constatada a necessidade de demonstração do atendimento de todos os itens do procedimento de dispensa ou inexigibilidade, transcrevemos para conhecimento, interessante apanhado realizado pelo Dr. J. U. Jacoby Fernandes[4], no qual o autor lista as fases deste procedimento:
A) Abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado e a autorização respectiva para a compra ou contratação da obra ou serviço, conforme art. 38, caput;
B) Perfeita indicação do objeto pretendido pela Administração, conforme art. 14 e, em se tratando de obras e qualquer serviço, - não apenas os de engenharia, projeto básico, de acordo com o art. 7º, § 2º c/c o § 9º;
C) Elaboração da minuta do contrato a ser firmado;
D) Elaboração de parecer técnico ou jurídico, emitidos na oportunidade, examinando;
D.1) Justificativa da dispensa ou inexigibilidade conforme art. 26, caput;
D.2) Razão de escolha do fornecedor, conforme art. 26, inc. II;
D.3) Justificativa do preço, conforme art. 26, inc. III;
E) Decisão sobre licitar ou não, que poderá ter singela motivação se acolher o parecer antes referido e este estiver bem fundamentado;
F) Comunicação à autoridade superior, conforme art. 26, caput;
G) Ratificação da dispensa ou inexigibilidade, conforme art. 26, caput;
H) Publicação da decisão ratificadora, conforme art. 26, caput;
I) assinatura do termo do contrato ou retirada do instrumento equivalente, conforme art. 38, inc. X;
J) Execução do contrato, com rigoroso acompanhamento do respectivo gestor do contrato, conforme art. 67 e parágrafos;
K) Recebimento do objeto, com observância das formalidades previstas nos arts. 73 e 15, § 8º;
L) Pagamento das faturas com observância do que prescreve o art. 5º, §3º e 40, inciso XIV, alínea “a”, entre outras normas.
M) Ressalte-se que a lei 9.784/99, que trata do processo Administrativo na Administração Federal, estabelece prazos para a emissão de pareceres e responsabiliza aqueles que se omitirem do dever funcional. (Cf. art. 42, §§ 1º e 2º)
A Administração deve buscar, em todas as suas contratações, mesmo naquelas não precedidas de certame licitatório, como se dá no caso em tela, a condição mais vantajosa para o Poder Público.
Registre-se que, quando o serviço prestado assim o é por empresa monopolista, estas considerações devem ser conformadas às suas particularidades.
Ora, tratando-se de preço fixado de maneira indistinta para todos aqueles que vierem a contratar com a concessionária de serviço público, não há que se falar em sujeição da Administração ao alvedrio de contratante particular exclusivo, motivo pelo qual temos que a simples demonstração de que o contrato irá utilizar os preços praticados usualmente pela concessionária no mercado, comprovação que deve ser demonstrada no processo, já estará atendida a necessidade de justificativa de preço imposta pelo art. 26, inciso III da lei nº 8.666/93.
Evidentemente, desse modo, faz-se necessário trazer aos autos do processo de contratação direta comprovação da existência de dotação orçamentária, em atenção ao disposto no art. 7º, § 2º, III da lei 8.666/93.
Quanto à necessidade de instrumento contratual para a contratação de empresa prestadora do serviço de fornecimento de energia elétrica, há quem defenda a exigência do instrumento para o caso em comento, de forma a respeitar o disposto no artigo 62, § 3º, II, da Lei de Licitações. Ocorre que o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 da Lei nº 8.666/93 e demais normas gerais são aplicadas apenas no que couber aos contratos dessa natureza (contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público).
É que, por se tratar de contrato de adesão e de consumo, as regras são predominantemente privadas, em que o Poder Público fica em condição de igualdade como qualquer usuário do serviço público concedido. Nesse sentido, o máximo que caberia à Administração seria exigir o envio do contrato padrão da concessionária do serviço público ou o local onde esse contrato está disponível, não cabendo à Administração alterar cláusulas, como deseja. Tal entendimento se corrobora pela Decisão 537/1999 – Plenário do TCU, a qual analisa a possibilidade de aplicação de multa de mora contra entes da Administração Pública. Em seu bojo, a decisão dá a interpretação correta ao artigo 62, § 3º, II, da Lei de Licitações. Tal decisão foi reiterada pela Decisão 686/1999 – Plenário.
Por outro lado, se pararmos para analisar o disposto no art. 62, §3º, II da Lei nº 8.666/93, ainda que seu art. 57 possa servir de parâmetro para caracterizar este contrato como serviço continuado, fato é que sequer se aplica o art. 57 a este contrato, por força do próprio art. 62. Vejamos a redação do art. 62, §3º, II da Lei nº 8.666/93:
Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.
(...)
§ 3o Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:
(...)
II - aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público.
Como se pode observar, o artigo 57 é deliberadamente excluído pelo legislador das normas previstas na Lei nº 8.666/93 aplicáveis aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público.
Nesse sentido, a conclusão a que podemos chegar é que, por serem contratos em que a Administração é parte como usuária de serviço público essencial e prestado por um único fornecedor, de qualquer forma esses contratos não teriam de ter sua duração adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, nem suas prorrogações ficariam limitadas à 60 (sessenta) meses, independente de ser o tratamento de esgoto, fornecimento de água e energia elétrica, serviços postais, etc. Acrescente-se a isso a não obrigatoriedade de se firmar instrumento contratual, pois imagine se a prestadora de serviços públicos fosse obrigada a firmar milhares ou milhões de contratos com todos os seus usuários. O contrato (de adesão) existe independente da assinatura de instrumento contratual.
Em verdade, a regulamentação do vínculo estabelecido entre o concessionário de serviço público monopolista e o usuário é determinada unilateralmente pelo primeiro, sem que este tenha campo de atuação na alteração de suas cláusulas.
Ciente destas nuances, a respeito da impossibilidade de modificação do contrato de adesão, e também pela possibilidade de assinatura do contrato pelo prazo inicial de 60 meses, forçoso é admitir que a entidade pública, ao contratar a prestação do serviço público, figurando na posição de usuário/consumidor, firma contrato predominantemente submetido ao regime de direito privado, situação na qual não poderá impor ao prestador/fornecedor modificações no contrato de adesão, de modo que, na posição de contratante, verificando irregularidade no contrato de adesão, deve comunicar o fato à Agência Reguladora, a quem competente adotar as medidas que julgar cabíveis.
Da leitura da resolução nº 414, de 9 de setembro de 2010, da ANEEL é possível verificar que a relação concessionário/usuário é marcada pela imposição unilateral das condições do fornecimento do serviço.
Tanto é assim que a referida resolução estabelece os termos do contrato a ser celebrado entre as empresas concessionárias de serviço público e os usuários, o que demonstra a impossibilidade de qualquer alteração nos seus termos.
Além da impossibilidade de alterar os termos do ajuste, também é possível verificar que inexiste possibilidade de escolha a respeito da sua contratação. É que o serviço público de energia elétrica é indispensável para a própria execução do serviço público ofertado pela Administração Pública, que dela depende para ligar computadores, dar aulas, dentre outras tantas atividades sob sua responsabilidade, bem como a concessionária não pode, salvo algumas hipóteses previstas em lei, interromper o fornecimento. Vejamos:
Lei 8078/90 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor (...)
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código. (grifos acrescidos)
Não é por outra razão que o Ministro do tribunal de Contas da União, Excelentíssimo Senhor Benjamin Zymler, em passagem de artigo doutrinário[5], defende tese que pode ser transposta para o presente caso sem perda de substância:
7 Prorrogação da vigência de contratos de adesão relativos a serviços contínuos (energia elétrica, água e esgoto)
Energia elétrica, água e esgoto são, sem dúvida, necessidades permanentes da Administração Pública. Sua caracterização como serviços contínuos não apresenta, a meu ver, maiores dificuldades. Entretanto, quando a Administração firma contratos na qualidade de usuária de serviço público acaba por se submeter, de forma predominante, às normas específicas relativas ao objeto do contrato. Assim, a aplicação da Lei nº 8.666/1993 ocorre tão-somente em caráter subsidiário. Nesse sentido, dispõe o art. 62 da Lei de Licitações:
Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.
(...)
§3° Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:
I - aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado;
II - aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público.
Nota-se que o artigo 57, à luz do texto anterior, não é aplicável aos contratos de adesão. Ademais, o fato de existir fornecedor exclusivo de água, energia elétrica e esgoto faz com que, em termos lógicos, seja inaplicável o artigo 57, inciso II. Se há um único fornecedor do serviço público e, portanto, há ausência de competição, seria de extremo formalismo falar em prorrogação contratual ou em assinatura de novo contrato de idêntico teor. O razoável, parece-me, é deixar o contrato de adesão fluir normalmente, nos moldes do que ocorre com os firmados com os particulares.
Ressaltamos que este posicionamento, conquanto nos pareça desprovida de laivos, encontra resistência em parcela da doutrina. Como demonstrativo desta divergência, reproduzimos trabalho da Lavra do Eminente Desembargador Jessé Torres Pereira Júnior[6]:
12.1 A Administração Pública como usuária de serviços públicos
O funcionamento e a operação de órgãos e entidades públicas também carecem da prestação de serviços públicos, sem os quais se tornam inviáveis a consecução de suas atividades e a preservação de seu patrimônio (energia elétrica, água e esgoto, coleta de lixo, telefonia, serviços postais).
A relação jurídica que se estabelece entre a prestadora de serviços públicos e a Administração Pública é de consumo, consubstanciada em contrato de adesão, cujos encargos se devem cumprir com regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade e generalidade (Lei nº 8.987/1995, art. 6º, § 1º), obrigando-se todos os usuários a contribuir para a manutenção e a continuidade da rede prestadora do serviço.
A participação da Administração Pública em um dos polos da relação contratual, na qualidade de usuária dos serviços, não a exonera de cumprir as normas legais pertinentes, tais como, entre outras, (a) a de formalizar todos os atos necessários à contratação, os quais integrarão o devido processo legal administrativo (art. 38, caput, e art. 26 da Lei nº 8.666/1993); (b) a publicação do ato de dispensa ou inexigibilidade da licitação, quando a contratação efetivar-se de forma direta, ou do resumo do termo de contrato quando proveniente de licitação (parágrafo único do art. 61).
Ao estabelecer que se aplica o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 da lei e demais normas gerais, no que couber, aos contratos em que a Administração Pública seja parte na qualidade de usuária de serviços públicos, está a Lei Geral de Licitações e Contratações Públicas respaldando a permanência, nessas contratações, das prerrogativas asseguradas àqueles que desempenham função pública; “não para que a pessoa administrativa prevaleça sobre o particular, mas para que o interesse público não se veja derrogado ou acuado pelo privado” (PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da Administração Pública. 7. ed. Renovar, 2007, p. 692).
Significa que à Administração Pública permanecem asseguradas as prerrogativas previstas no art. 58 da Lei nº 8.666/1993, cabíveis à espécie, como, ilustrativamente: (a) de modificar, unilateralmente, as condições inicialmente pactuadas para melhor ajustar a prestação contratada aos interesses do serviço, sem toldar os direitos do co-obrigado privado, garantindo-lhe o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato; (b) rescindir, unilateralmente, o contrato nas hipóteses previstas no art. 79, I, da Lei nº 8.666/1993; (c) aplicar sanções ante a comprovada inexecução total ou parcial do objeto pelo contratado, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa; (d) estabelecer a sede processual-administrativa do contrato; (e) conferir efeito retroativo à declaração de nulidade do contrato.
Pondere-se, entretanto, que o exercício dessas prerrogativas haverá de compor-se com as restrições que decorram das normas que regulamentam a prestação do serviço público, em cada área de atividade, posto que também editadas pelo Poder Público concedente, na premissa de que, ao obedecê-las, as concessionárias estarão a executar os serviços que lhe foram delegados, de modo a superiormente atender aos encargos da prestação. Ditas normas de regulamentação, sobre serem da competência do Poder Público (CR/1988, art. 175, parágrafo único), revestem-se de caráter técnico, de modo que também por essa razão não podem ser removidas unilateralmente, sob pena de comprometimento do adequado funcionamento dos serviços.
12.1.1 Vigência dos contratos em que a Administração seja parte na qualidade de usuária de serviços públicos
A Administração Pública (art. 6º, XI, da Lei nº 8.666/1993) pode estabelecer a vigência por prazo indeterminado nos contratos em que seja parte como usuária de serviços públicos, dadas a imprescindibilidade e a continuidade desses serviços, tanto para o desempenho de atividades públicas e privadas, como para a comunidade em geral. A interrupção da prestação de serviços públicos, como os de fornecimento de água e energia elétrica, por exemplo, pode acarretar prejuízos ao órgão ou entidade da Administração e, reflexamente, à comunidade que conte com os serviços administrativos lá realizados, alguns inadiáveis, como os desenvolvidos em escolas e hospitais públicos.
O fundamento para que se estabeleça prazo de vigência indeterminado reside no próprio texto do § 3º do art. 62 da Lei Geral, que, ao excluir a aplicabilidade do art. 57, afasta a incidência de seu inciso II, limitador da contratação de serviços contínuos a sessenta meses, o que viabiliza a contratação por prazo indeterminado, ordinariamente proibida pelo § 3º. A medida também encontra respaldo no princípio da economicidade, uma vez que a vigência por prazo indeterminado torna desnecessária a celebração de sucessivos termos aditivos de prorrogação, cuja publicação, por meio da imprensa oficial, é obrigatória (parágrafo único do art. 61), gerando custos para a Administração contratante, desnecessários em razão da peculiar natureza dos serviços públicos executados mediante delegação.
Apoia também a possibilidade de prazo de vigência indeterminado, nessas espécies de contrato, a ociosidade de comprovar-se a vantagem de cada prorrogação, acaso houvesse de ser aditada, tendo em vista que o preço do serviço público é uniforme para os usuários em geral, segundo a política tarifária que é da competência do poder concedente fixar.
Ser possível não significa que a contratação por prazo indeterminado possa ser decidida pela Administração usuária sem atenção aos riscos daí decorrentes, que cumpre gerenciar e precatar, daí advertir-se para os seguintes recomendáveis procedimentos, a serem lançados nos autos de processo administrativo regular e autorizados pela autoridade competente: (a) explicitação dos motivos que justificam a vantagem (técnica, financeira, administrativa) da adoção do prazo indeterminado; (b) previsão, em cláusula contratual, do direito à rescisão do contrato a qualquer tempo, desde que mediante prévia comunicação e tendo por parâmetros aqueles estabelecidos no art. 6º da Lei nº 8.987/1995, que trata das concessões e permissões de serviços públicos; (c) existência de previsão de recursos orçamentários para o cumprimento da obrigação em cada exercício financeiro, sendo de assinalar-se a jurisprudência dominante no sentido de que a Administração está igualmente obrigada ao pagamento do preço dos serviços prestados por concessionárias de serviços públicos, sob pena de interrupção do fornecimento; (d) verificação, a cada emissão de nota de empenho de despesa, de que a concessionária encontra-se regular com a Fazenda do ente federativo contratante, com o INSS e o FGTS; (e) verificação de que inexistem impedimentos a contratar com o Poder Público.
Sem embargo, intuitivo notar que ao mencionar prorrogações por períodos iguais e sucessivos, a legislação visou provocar a Administração no sentido de lhe compelir a examinar, periodicamente, os preços praticados no mercado pelo serviço contratado, e por conseqüência, no caso de contratações diretas, verificar se remanesce a condição de exclusividade da prestação do respectivo serviço.
Noutras palavras, a norma exibe caráter inspirado nitidamente pela cautela de modo que se garanta, por um lado, as necessidades permanentes da Administração a fim de se evitar solução de continuidade do serviço público, sem se descuidar, todavia, em louvor aos princípios que informam a licitação, da busca incessante do preço mais vantajoso, esmerado, pois, numa realidade de mercado caracterizado pelo dinamismo da atividade empresarial.
Com efeito, há que se notar que, diante de tal dinâmica de mercado, a Administração, por imperativo legal, a fim de ver prorrogado seus contratos, deverá cotejar os preços e condições praticadas no mercado com o fito de examinar a vantajosidade em se estender a vigência contratual originalmente pactuada, e por via reflexa, no que tange às hipóteses de contratação de prestador exclusivo de serviço, se tal exclusividade subsiste.
De fato, não seria inverossímil imaginar que determinado ramo empresarial, preenchido à época da contratação, por um único prestador de serviço, venha a ser disputado por outras empresas. Nesse caso, por óbvio, não subsistirá as razões que determinaram a contratação direta, notadamente, quando se considera que o ambiente concorrencial, por certo, impactará nos preços que a contratada, com a eclosão dessa nova realidade de mercado, passará a ofertar aos seus clientes.
3. CONCLUSÃO
Pelo exposto, no caso em espécie, conclui-se que a contratação direta dos serviços de fornecimento de energia elétrica, na hipótese da concessionária de serviços públicos de distribuição de energia elétrica ser detentora de monopólio natural no âmbito do Município, subsume-se à hipótese legal descrita no art. 24, XXII, da Lei nº 8.666/93, em razão do que se pugna, apesar de pontual divergência doutrinária, pela desnecessária assinatura de contrato para a prestação do serviço, por tratar-se de relação de consumo submetida a contrato de adesão, bem como, desde logo, a desnecessidade de assinatura de termo de prorrogação e ou acréscimo enquanto perdurar as características presentes quando da contratação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERNANDES , Jorge Ulisses Jacoby Vade-Mécum de Licitações e Contratos, editora Fórum, 3ª edição revista, atualizada e ampliada, Belo Horizonte, da lavra do Dr. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, página 516.
FERNANDES , Jorge Ulisses Jacoby, na obra Contratação Direta sem Licitação, editora Fórum, 7ª edição, Belo Horizonte, 2007, pág. 635.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 2000, p. 267.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Alterações do contrato administrativo: releitura das normas de regência à luz do gerenciamento de riscos, em gestão pública comprometida com resultados. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 88, abr. 2009.
ZYMLER, Benjamin. A Visão dos Tribunais de Contas sobre os Contratos Administrativos. Belo Horizonte, n. 30, ano 3 Junho 2004.
[1] Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 2000, p. 267.
[2]Resolução Normativa ANEEL nº 376/2009 estabelece as condições para Contratação de Energia Elétrica por Consumidores Livres.
[3] Art. 2º, IV, da Resolução ANEEL nº 456/00: Art. 2º Para fins e efeitos desta Resolução são adotadas as seguintes definições mais usuais: (...) IV – Consumidor livre: consumidor que pode optar pela compra de energia elétrica junto a qualquer fornecedor, conforme legislação e regulamentos específicos. (grifou-se)
[4] Contratação Direta sem Licitação, editora Fórum, 7ª edição, Belo Horizonte, 2007, pág. 635 e seguintes.
[5] A Visão dos Tribunais de Contas sobre os Contratos Administrativos. Belo Horizonte, n. 30, ano 3 Junho 2004.
[6] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Alterações do contrato administrativo: releitura das normas de regência à luz do gerenciamento de riscos, em gestão pública comprometida com resultados. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 88, abr. 2009.
: advogado, formado em Direito pela Universidade Tiradentes (2012), especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera (2015), e pós-graduando em Direito Público pelo Instituto Elpídio Donizetti (2017).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENESES, José Wilton Florêncio. Análise da contratação direta do serviço de fornecimento de energia elétrica por concessionária detentora de monopólio: dispensa ou inexigibilidade? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50209/analise-da-contratacao-direta-do-servico-de-fornecimento-de-energia-eletrica-por-concessionaria-detentora-de-monopolio-dispensa-ou-inexigibilidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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