RESUMO: O presente artigo irá abordar o tema: “Aplicação do princípio da insignificância em relação ao crime de porte de drogas para consumo pessoal previsto na Lei nº 11.343/06”. Tal discussão, de grande relevância doutrinaria e jurisprudencial, se justifica por se tratar de um tema que apresenta grande importância no cotidiano da sociedade e devido a sua rotineira aplicação pelos operadores do direito. Em relação ao tráfico de drogas, tanto o STF quanto o STJ, tem posicionamentos consolidado quanto a não aplicação, pois trata-se de delito de perigo abstrato praticado contra a saúde pública. Já em relação à aplicação do princípio da insignificância em relação ao artigo 28 da Lei nº 11.343/06 os tribunais superiores brasileiros, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, divergem quanto a aplicabilidade do referido princípio.
PALAVRAS CHAVES: Porte de drogas. Consumo pessoal. Princípio da insignificância. Saúde Pública. Jurisprudência.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 2.1 Conceito e Histórico. 2.2 Abordagem pelos Tribunais Superiores (STF e STJ). 3. DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL. 3.1 A lei de Drogas: mudança de política criminal. 3.2 Análise do artigo 28 da Lei de Drogas. 3.3 Aplicação da insignificância pela doutrina e tribunais superiores (STF e STJ) ao art. 28 da Lei de Drogas. 4 CONCLUSÃO. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
A principal novidade da Lei nº 11.343/06 foi a mudança de política criminal em relação ao usuário de drogas. A lei anterior que regulava o tema, nº 6.368/76, previa pena de detenção de 06 (seis) meses a dois anos e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa. Com o advento da Lei nº 11.343/06 a pena cominada ao usuário de drogas passa a ser de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Verifica-se uma alteração da política criminal em relação ao usuário de drogas. Com isso, jurisprudência e doutrina começam a discutir sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância em relação ao referido dispositivo.
O princípio da insignificância (bagatela própria) ganha cada vez mais relevância no campo do Direito Penal. Há uma tendência em abandonar o sistema penal meramente legalista. A tipicidade deixa de ser estudada apenas sob um ponto de vista formal. Ao se reconhecer a insignificância do fato (ausência de relevância da lesão ao bem jurídico tutelado), tem-se uma atipicidade material do delito. Ou seja, não há que se falar em crime. Cezar Roberto Bitencourt ensina que “a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico.” [1] Quando não se verificar tal ofensa, estaríamos diante de uma atipicidade material, aplicando-se o princípio da insignificância.
Em relação ao tráfico de drogas, tanto o STF quanto o STJ, tem posicionamentos consolidado quanto a não aplicação, pois trata-se de delito de perigo abstrato praticado contra a saúde pública.Já em relação à aplicação do princípio da insignificância em relação ao artigo 28 da Lei nº 11.343/06 os tribunais superiores brasileiros, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, divergem quanto a aplicabilidade do referido princípio.
Dessa forma, o presente artigo buscará discutir a aplicação do referido princípio em relação ao delito previsto no art. 28 da Lei 11.343/06. Será avaliada tal aplicação mediante um estudo com base em posicionamentos dos tribunais superiores. O objetivo consiste em avaliar se cabe ou não a aplicação do princípio supracitado em relação ao delito de porte de drogas para consumo pessoal.
2. DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
2.1 Conceito e Histórico
O princípio da insignificância tem sua origem remontada ao Direito Romano. O doutrinador José Henrique Guaracy Rabêlo afirma que “ a mencionada máxima jurídica anônima, da Idade Média, eventualmente usada na forma minimis non curat praetor, significa que um magistrado deve desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis” [2].
No entanto, somente com o Claus Roxin, grande expoente da teoria funcionalista, o princípio da insignificância foi introduzido no Direito Penal. O referido autor acredita que a função do Direito Penal é proteger os bens jurídicos, atuando de forma subsidiária. Ou seja, quando nenhum outro ramo do direito for capaz de resolver tal situação. De acordo com Claus Roxin, o Direito Penal tem a função de proteger bens jurídicos essenciais. Dessa forma, não cabe ao Direito Penal tutelar situações ínfimas. Nesse contexto, o referido autor desenvolve a Teoria do Funcionalismo Teleológico ou Moderado.
Odone Sanguin afirma que “o recente aspecto histórico do Princípio da Insignificância é inafastavelmente, devido a Claus Roxin, que, no ano de 1964, o formulou como base de validez geral para a determinação do injusto, a partir de considerações sobre a máxima latina mínima non curat praetor” [3].
Segundo Paulo Queiroz, "por meio do princípio da insignificância (ou bagatela), o juiz, à vista da desproporção entre ação (crime) areação (castigo), fará um juízo (valorativo) acera de atipicidade material da conduta, recusando curso a comportamentos que, embora formalmente típicos (criminalizados), não seja materialmente, da sua irrelevância".[4]
De acordo com Carlos Vico Manãs, “o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção da fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o que consagra o postulado da fragmentariedade do direito penal.” Para ele, tal princípio funda-se “na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal”. [5]
Para Maurício Antônio Ribeiro Lopes, “o juízo de tipicidade, para que tenha efetiva significância e não atinja fatos que devam ser estranhos ao Direito Penal, por sua aceitação pela sociedade ou dano social irrelevante, deve entender o tipo, na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob seu aspecto formal, de cunho eminentemente diretivo.Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o Direito penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade. É notável a síntese apresentada por Sanguiné sobre o conteúdo da tipicidade material ao dispor que a tipicidade não se esgota na concordância lógico-formal (subsunção) do fato no tipo. A ação descrita tipicamente há de ser geralmente ofensiva ou perigosa a um bem jurídico. O legislador toma em consideração modelos de vida que deseja castigar. Com essa finalidade, tenta compreender, conceitualmente, de maneira mais precisa, a situação vital típica. Embora visando alcançar um círculo limitado de situações, a tipificação falha ante a impossibilidade de regulação do caso concreto em face da infinita gama de possibilidades do acontecer humano. Por isso, a tipificação ocorre conceitualmente de forma absoluta para não restringir demasiadamente o âmbito da proibição, razão porque alcança também casos anormais. A imperfeição do trabalho legislativo não evita que sejam subsumíveis também nos casos que, em realidade, deveriam permanecer fora do âmbito de proibição estabelecido pelo tipo penal. A redação do tipo penal pretende, por certo, somente incluir prejuízos graves da ordem jurídica e social, porém não pode impedir que entrem em seu âmbito os casos leves. Para corrigir essa discrepância entre o abstrato e o concreto e para dirimir a divergência entre o conceito formal e o conceito material de delito, parece importante utilizar-se o princípio da insignificância".[6]
O princípio da insignificância, também denominado como crime de bagatela própria, corolário dos princípios da fragmentariedade e subsidiariedade, aplica-se quanto um indivíduo pratica uma conduta irrelevante, não causando lesão ou ameaça de lesão efetiva a determinado bem jurídico. Em que pese a conduta ser tipificada como crime, não há desvalor, não há relevância jurídica. Sua aplicação afasta a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime. O fato praticado torna-se atípico, dotado de uma atipicidade material. Para ser utilizado, conforme entendimento já consolidado no Supremo Tribunal Federal, faz-se necessária a presença de quatro requisitos: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada .
2.2 Abordagem pelos Tribunais Superiores (STF e STJ)
A jurisprudência pátria, de forma recorrente, utiliza o princípio da insignificância. Nos julgados abaixo relacionados podemos notar sua aplicação pelos tribunais superiores.
HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA.EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Não se revela a tipicidade material quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima.
2. No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento do paciente, que tentou subtrair um botijão de gás, avaliado em R$100,00 (cem reais), justificando-se nesse caso, a aplicação do princípio da insignificância.3. Ordem concedida .(STJ HC 165.523/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 30/06/2010, DJe 09/08/2010)
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRIVILÉGIO E A QUALIFICADORA DO CRIME DE FURTO: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. Precedentes. (STF HC 97051, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 13/10/2009, DJe-120 DIVULG 30-06-2010 PUBLIC 01-07-2010 EMENT VOL-02408-04 PP-01214)
PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. EXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM DENEGADA.
1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima. 2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico. 4. Ordem denegada. (STJ HC 157.199/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010).
No HC 84412-SP do Supremo Tribunal Federal foi fixado os requisitos para aplicação do princípio da insignificância. São quatro: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada:
E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.
(STF HC 84412, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 19/10/2004, DJ 19-11-2004 PP-00037 EMENT VOL-02173-02 PP-00229 RT v. 94, n. 834, 2005, p. 477-481 RTJ VOL-00192-03 PP-00963)
3. DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL
3.1 A lei de Drogas: Lei nº 11.343/06: mudança de política criminal.
A principal novidade da Lei nº 11.343/06 foi a mudança de política criminal em relação ao usuário de drogas. A lei anterior (6.368/76) previa pena de detenção de 06 (seis) meses a dois anos e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa. Com o advento da Lei nº 11.343/06 a pena cominada ao usuário de drogas passa a ser de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Percebe-se que a nova lei de drogas não aplica pena privativa de liberdade ao crime de porte de drogas para consumo pessoal. Acreditamos que o tratamento dado foi o correto. A prisão não oferece tratamento eficaz para a dependência química. Pelo contrário, considerando o atual cenário do sistema penitenciário brasileiro, o encarceramento do usuário de drogas somente o levaria ao convívio com agentes criminosos, incrementando ainda mais o tráfico de drogas.
Há grande discussão doutrinária em relação a referida mudança. Prevalece que a mudança consiste em uma despenalização, mantendo o status de crime. Há que se falar em descarcerizção, não havendo abolitio criminis. Portanto, continua sendo crime a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
3.2 Análise do artigo 28 da Lei de Drogas.
A maioria da doutrina considera o delito previsto no artigo 28 da Lei de Drogas como um crime de perigo abstrato, ou seja, presumido. Não é necessária a comprovação concreta do risco ao bem jurídico tutelado. Há presunção de que a prática da conduta descrita no artigo 28 representa um risco ao bem jurídico. Dessa forma, há uma periculosidade social da ação, o que afasta a aplicação da insignificância. Ora, o próprio legislador, com a mudança promovida com a atual lei de drogas, abandou a aplicação da pena privativa de liberdade, cominando apenas medidas de caráter educativo com o objetivo de buscar a reinserção social e prevenir o consumo de drogas. Portanto, resta claro que deve-se reconhecer a tipicidade material do delito de forma a viabilizar a reeducação do usuário e prejudicar o crescimento desse mercado ilegal.
Em relação aos crimes de perigo abstrato, o doutrinador Renato Brasileiro afirma que “conquanto parte da doutrina seja contrária aos crimes de perigo abstrato, por entender que, à luz do princípio da ofensividade (ou lesividade), só se justifica a punição de determinado crime se a conduta do agente produzir efetiva lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado, tais crimes são amplamente admitidos pela Jurisprudência pátria. Para o Supremo, a criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde, etc. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para efetiva proteção de terminado bem jurídico".[7]
Luiz Flávio Gomes observa que o bem jurídico imediato tutelado pelo delito de porte de substância entorpecente para consumo próprio é a saúde pública (ou uma sociedade sem drogas), que se expõe à vulnerabilidade pela perspectiva da ação de drogas – o uso dessas substâncias coloca os sujeitos em risco de tornarem-se viciados e de o vício das drogas tornar-se uma epidemia social. De forma mediata, o bem jurídico tutelado é a vida, a integridade, a saúde física e psíquica das pessoas. [8]
Os danos decorrentes da conduta do usuário de drogas não se limitam a sua pessoa. Toda a sociedade é afetada quando este viabiliza o tráfico de drogas. A movimentação desse mercado ilegal coloca em risco toda a coletividade. As “ondas de propagação” do delito são incontáveis. Juntamente com as drogas, surge um comércio ilegal de armas para sustentar esse sistema, policiais são corrompidos e crianças são levadas para integrar esse sistema. Enfim, o consumo de drogas é um perigo a toda sociedade e não somente ao usuário.
3.3 Aplicação da insignificância pela doutrina e tribunais superiores (STF e STJ) ao art. 28 da Lei de Drogas.
Os tribunais superiores brasileiros, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, divergem bastante em relação à aplicação do princípio da insignificância em relação ao artigo 28 da Lei nº 11.343/06.
No HC 102.940⁄ES de Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, não foi aplicado o princípio da insignificância em relação ao usuário de drogas, em que pese se tratar de ínfima quantidade. De acordo com o ministro há periculosidade social da ação, uma vez que o delito de porte de entorpecentes é crime de perigo presumido.
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 28 DA LEI 11.343⁄2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO. EXISTÊNCIA. CRIME DE PERIGOABSTRATO OU PRESUMIDO. PRECEDENTES. WRIT PREJUDICADO.
I - Com o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, não mais subsiste o alegado constrangimento ilegal suportado pelo paciente.
II – A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica.
III – No caso sob exame, não há falar em ausência de periculosidade social da ação, uma vez que o delito de porte de entorpecente é crime de perigo presumido.
IV – É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos relacionados a entorpecentes.
V – A Lei 11.343⁄2006, no que se refere ao usuário, optou por abrandar as penas e impor medidas de caráter educativo, tendo em vista os objetivos visados, quais sejam: a prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.
VI – Nesse contexto, mesmo que se trate de porte de quantidade ínfima de droga, convém que se reconheça a tipicidade material do delito para o fim de reeducar o usuário e evitar o incremento do uso indevido de substância entorpecente.
VII – Habeas corpus prejudicado.
(HC n. 102.940⁄ES, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1T, DJe 6.4.2011).
No Habeas Corpus nº 94.809 de relatoria do Ministro Celso de Melo, o STF deu uma decisão favorável, em que pese se tratar de delito envolvendo militar, à aplicação do referido princípio. Lê-se:
“Com efeito, esta Suprema Corte tem admitido a aplicabilidade, aos delitos militares, inclusive ao crime de posse de quantidade ínfima de substância entorpecente, para uso próprio, mesmo no interior de Organização Militar, do postulado da insignificância:"O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.Tal! postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: 'DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR'.- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social."(HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO). (...) Cumpre também acentuar, por relevante, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido, na matéria em questão, a inteira aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes militares (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU - HC 92.634/PE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - RHC 89.624/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA), mesmo que se cuide de delito de posse de quantidade ínfima de substância entorpecente, para uso próprio, e ainda que se trate de ilícito penal perpetrado no interior de Organização Militar (HC 93.822/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 94.085/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.)
O HC 110.475/SC de Relatoria do Ministro Dias Toffoli, julgado em 14/02/2012, reconheceu a incidência do princípio da insignificância em relação ao porte ilegal de substância entorpecente. Conforme se verifica no julgado abaixo relacionado, o Ministro Dias Toffoli considera que não há significativa lesividade na conduta.
PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. WRIT CONCEDIDO.
1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica.
2. O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circuntância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo,prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.3. Ordem concedida.
Recentemente, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negou Habeas Corpus interposto por um indivíduo condenado com base no artigo 28 da Lei de Drogas. O Recurso em Habeas Data Nº 35.920 –DF assim colocava:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECNTE PAR CONSUMO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFCÂNCIA. IMPOSIBLIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. Independentemente da quantidade de drogas aprendias, não se aplica o princípio da insignificância aos delitos de porte de substância entorpecente para consumo próprio de tráfico de drogas, sob pena de se ter a própria revogação, contra legem, da norma penal incriminadora. Precedentes.
2. O objeto jurídico tutelado pela norma do artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é saúde pública, então apenas do usuário, visto que sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas toda coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de entorpecentes.
3. Para caracterização do delito descrito no artigo 28 da Lei n.11.343/2006, não se faz necessária ocorrência de efetiva lesão abem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado. Isso porque, ao adquirir droga pra seu consumo, usuário realimenta o comércio nefasto, pondo em risco a saúde pública e sendo fator decisivo na difusão dos tóxicos.
4. A reduzida quantidade de drogas integra a própria essência do crime de porte de substância entorpecente par consumo próprio,visto que, do contrário, poder-se-ia estar diante das hipóteses do delito de tráfico de drogas, previsto no artigo 33 da Lei n.11.343/2006.
5. Recurso em habeas corpus não provido.
Para Rogério Schietti Cruz, relator do acórdão, a consumação do delito previsto no artigo 28 da Lei de Drogas não depende de ocorrência de lesão ao bem jurídico protegido, pois trata-se de presunção de perigo ao bem tutelado. O usuário de drogas movimenta todo um mercado ilegal, o que coloca em risco a saúde pública.
O julgado deixa claro que o objetivo da lei é a saúde pública “e não apenas a do usuário, visto que sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas toda a coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de entorpecentes”.
Percebe-se com os diversos julgados relacionados a grande divergência presente na jurisprudência acerca do tema. Tais decisões acarretam grande repercussão na prática e no dia-a-dia da sociedade.
4. CONCLUSÃO
O princípio da insignificância (bagatela própria) ganha cada vez mais relevância no campo do Direito Penal. Há uma tendência em abandonar o sistema penal meramente legalista. Vivenciamos hoje o crescimento das correntes defensoras do garantismo penal, direito penal mínimo e de um direito penal constitucional. A atual realidade da justiça criminal, marcada pela sobrecarga do Poder Judiciário e pelo descrédito em relação à função repressiva da sanção penal, demanda dos aplicadores do Direito um novo olhar.
O Direito Penal deve buscar tutelar apenas bens jurídicos relevantes, sempre salvaguardando as garantias fundamentais dos cidadãos. Nesse contexto, surge a aplicação do princípio da insignificância, corolário dos princípios da subsidiariedade e fragmentaridade, que demanda uma intervenção mínima do Estado. Deve-se analisar não apenas a tipicidade formal de uma conduta, mas também sua relevância material.
Verificou-se que o Supremo Tribunal Federal fixou os requisitos para aplicação do princípio da insignificância. São quatro: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Após análise do princípio da insignificância, o presente artigo buscou avaliar a viabilidade de sua aplicação em relação ao delito previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/06, porte de drogas para consumo pessoal. O presente artigo demonstrou o quão amplo é a discussão sobre o assunto. Há posições distintas nos Tribunais Superiores sobre este tema, ainda não consolidadas.
Conforme entendimento majoritário trata-se de um delito que afeta a saúde pública, caracterizado por ser um crime de perigo abstrato. Portanto, dispensa-se comprovação de dano efetivo. Além disso, resta claro que o legislador buscou, com o advento da lei nº 11.343/06, a descarcerização em relação ao usuário de drogas e não a descriminalização.
Em que pese ser um princípio extremamente válido e necessário para o Direito Penal, entendemos que o princípio da insignificância não deve ser aplicado ao porte de drogas para consumo pessoal.
Os prejuízos decorrentes da conduta do usuário de drogas não se limitam a sua pessoa. A movimentação desse mercado ilegal coloca em risco toda a coletividade. Juntamente com as drogas, surge um comércio ilegal de armas para sustentar esse sistema, policiais são corrompidos, roubos e homicídios são realizados, e crianças são levadas para integrar esse sistema. Enfim, o consumo de drogas é um perigo a toda sociedade e não somente ao usuário. A aplicação do princípio insignificância, e consequente atipicidade material da conduta, estimularia este comércio ilegal, fomentando a criminalidade.
Por fim, concluímos o presente artigo com entendimento semelhante ao doutrinador Guilherme de Souza Nucci: “em tese, seria viável, neste contexto, a aplicação do princípio da insignificância, afastando-se a tipicidade quando a quantidade da droga apreendida fosse mínima. Entretanto, pela atual disposição legal, não nos soa mais razoável que assim se faça. O delito de porte de drogas par consumo próprio adquire caráter de infração de mínimo potencial ofensivo, tanto que as penas são brandas, comportando, inclusive, mera advertência. Por isso, ideal é haver, pelo menos, aplicação de sanção amena, por menor que seja quantidade de tóxico. Evita-se, com isso, o crescimento da atividade do agente, podendo torna-se traficante ou viciado.” [9]
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal - Parte Geral - Ed. Revistas dos Tribunais - 4a ed.
REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey 2000.
SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1990.
QUEIROZ, Paulo. Direto Penal. Introdução crítica. São Paulo: Sariva, 2001.
MANÃS, Carlos Vico. O Princípio da Insignificância como Excludente da Tipicidade no Direito Penal, 1ª. ed., São Paulo: Saraiva.
LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal, 2ª. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.
LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 2ª Edição. Editora JusPodvim.
GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Nova Lei de Drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343⁄06 de 23.08.2006. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 4ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 209.
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal - Parte Geral - Ed. Revistas dos Tribunais - 4a ed., p. 45
[2] REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey 2000, p. 31..
[3] SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, ano 1990, v.3, n.1, p.39.
[4] QUEIROZ, Paulo .Direto Penal. Introdução crítica. São Paulo: Sariva, 201.
[5] MANÃS, Carlos Vico. O Princípio da Insignificância como Excludente da Tipicidade no Direito Penal, 1ª. ed., São Paulo: Saraiva, pp. 56 e 81
[6] LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal, 2ª. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, págs.. 117⁄118.
[7] LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 2ª Edição. Editora JusPodvim. Página 690.
[8] GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Nova Lei de Drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343⁄06 de 23.08.2006. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.121.
[9] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 4ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 209, p.35.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (2013). Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MATOS, Thiago Gontijo. Aplicação do princípio da insignificância em relação ao crime de porte de drogas para consumo próprio (Art. 28 da Lei n 11.343/06) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50230/aplicacao-do-principio-da-insignificancia-em-relacao-ao-crime-de-porte-de-drogas-para-consumo-proprio-art-28-da-lei-n-11-343-06. Acesso em: 23 dez 2024.
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