RESUMO: Pretende-se, aqui, expor os principais fundamentos para a alteração, pela segunda vez, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no que tange à possibilidade de execução provisória da pena, no Habeas Corpus 126.292/SP, no qual foi relator o Ministro Teori Zavascki. A par disso, a finalidade é analisar se as razões invocadas estão revestidas de constitucionalidade, através do apertado estudo dos princípios da presunção da inocência e da não culpabilidade. Cumpre esclarecer ainda que, embora a referida decisão em HC não tivesse efeito vinculante, representou o pontapé inicial para que a admissão da execução provisória da pena, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ganhasse status de repercussão geral na análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 964.246. Da mesma forma confirmada, pela maioria, nas Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44. Por fim, foi possível entrever que a discussão está a longos passos de findar-se.
Palavras-chaves: execução provisória da pena; constitucionalidade.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 1.1 – Considerações iniciais. 2. Os princípios da presunção da inocência e da não-culpabilidade – 3. Os principais fundamentos invocados no julgamento do HC 126.292/SP – 4. Conclusão – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Conforme será visto, o objetivo com este artigo é destrinchar, embora sem esgotar todas as nuances, os fundamentos utilizados pelos Ministros vencedores, em 17/02/2016, no julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, no qual ficou estabelecida a seguinte tese:
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.
1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado.
A referida ementa causou uma importante reviravolta na jurisprudência dominante da Suprema Corte e traz impactos diretamente sobre o processo penal, mormente porque, à uma primeira e superficial impressão, desobedece um princípio constitucional caro. Por isso, é importante debruçar-se sobre a ratio decidenci dos Ministros vencedores.
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, prevaleceu o entendimento de que era possível a pena ser executada de forma antecipada, ou seja, após a condenação do acusado por um Tribunal de 2º grau, mormente pelo fato de que o Código de Processo Penal não confere efeito suspensivo aos recursos extraordinários, no seu artigo 637, segundo o qual “o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”.
Nesse diapasão, tem-se que, já no ano de 1991, no Supremo Tribunal Federal prevalecia referido entendimento (HC 68.726, Relatora: Min. Néri da Silveira), assentando-se que a ordem de prisão antes de sentença penal condenatória transitada em julgada não conflitava com o princípio da presunção da inocência. Assim reverberou até o ano de 2007, em que, mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal foi firme no sentido da possibilidade da execução provisória da pena privativa de liberdade, nos casos em que os recursos pendentes de julgamento não tivessem efeito suspensivo (STF, 1ª Turma, HC 91.675/PR).
Portanto, defendia-se a legitimidade da execução da pena como efeito de decisão condenatório recorrível. Até que, em 2009, todavia, através do Pleno do Supremo Tribunal Federal, declarando a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena, tendo em vista o inciso LVII, artigo 5º, da CRFB/88, cujo conteúdo dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Do mesmo modo, justificou-se a referida alteração em respeito à Lei de Execução Penal, a qual condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, bem como em razão do desequilíbrio entre a pretensão estatal punitiva e os direitos do acusado, fundamentos que se sobrepõem ao disposto no Código de Processo Penal.
Com isso, aos acusados em geral foi assegurada a garantia de somente cumprir pena depois de esgotadas todas as instâncias recursais com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória em obediência direta ao princípio da presunção da inocência.
O cenário novamente se inverteu, entretanto, em 17 de fevereiro de 2016, quando então a Ministra Rosa Weber, juntamente aos Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandovski foram vencidos no julgamento do HC 126.292/SP, sob relatoria do saudoso Ministro Teori Zavascki, ficando estabelecido na Suprema Corte o entendimento referente à possibilidade da execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, aduzindo que não há o comprometimento do princípio constitucional da presunção de inocência.
Notadamente, a referida decisão em HC não estava revestida de efeito vinculante, todavia representou o pontapé inicial para que a admissão da execução provisória da pena, antes do trânsito em julgado de acórdão condenatório, ganhasse status de repercussão geral na análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 964.246, onde foi reafirmada a “nova” tese dominante, consolidando-se a jurisprudência da Suprema Corte.
Outrossim, perdeu o objeto as Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44, propostas respectivamente pelo Partido Ecológico Nacional e pelo Conselho Federal da OAB, as quais pretendiam o reconhecimento da legitimidade constitucional da nova redação do art. 283 do Código de Processo Penal, segundo o qual "ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva."
2. OS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA E DA NÃO CULPABILIDADE
Na Convenção Americana de Direitos Humanos está previsto o princípio da presunção de inocência no art. 8º, § 2º, que diz “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
A Constituição da República Federativa Brasileira, por sua vez, traz em seu bojo o chamado princípio da não culpabilidade, no art. 5º, inc. LVII, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Embora esses princípios sejam naturalmente referidos como idênticos, há uma visível distinção entre eles. Na Convenção Americana de Direitos Humanos, o limite temporal da presunção de inocência é o momento em que fica legalmente comprovada a culpa do acusado, que, segundo uma leitura sistemática do tratado, é o momento em que é exercido o direito ao duplo grau de jurisdição.
Quer dizer que, no devido processo legal, é garantido ao acusado a presunção de inocência até que exerça o duplo grau de jurisdição, no caso de ser considerado culpado por um Tribunal.
Enquanto isso, o limite temporal estampado na Carta Magna, de forma expressa, é o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Feitas essas considerações, é possível defender que, a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado não é uma aberração jurídica. A uma, porque por muitos anos prevaleceu essa possibilidade. A duas, porquanto um tratado internacional de direitos humanos não exige a condição temporal do trânsito em julgado.
Além disso, calha mencionar que a presunção da inocência é um direito fundamental processual de âmbito negativo. É um princípio, não uma regra. Portanto, perfeitamente passível de ser enxugado em detrimento de outros princípios a partir de um sopesamento. Nesse sentido, os ensinamentos do professor Marcelo Novelino, ao analisar a definição de Robert Alexy sobre os princípios (2015, p. 130):
Os princípios fornecem apenas razões provisórias (prima facie) para as decisões, ou seja, razões aceitas em um primeiro momento, mas que dependem de verificações subsequentes, em face de outras razões fornecidas por princípios opostos, para serem acolhidas de forma definitiva.
É justamente essa linha de raciocínio que os Ministros adotaram em seus votos no HC 126.292/SP, o que analisaremos a seguir.
3. OS PRINCIPAIS FUNDAMENTOS INVOCADOS NO JULGAMENTO DO HC 126.292/SP
No julgamento, foram a favor da mudança de entendimento os Ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Gilmar Mendes e a Ministra Cármem Lúcia. Tiveram, portanto, os votos vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Lewandovski e a Ministra Rosa Weber.
O relator, Teori Zavascki, em seu voto, asseverou para o fato de que resta superada a presunção de inocência após a revisão da matéria pelo Tribunal de segundo grau. Neste, os fatos e provas da causa são submetidos, definitivamente, a exame. Consequentemente, é na concretização do duplo grau de jurisdição que se fixa a responsabilidade criminal do acusado, havendo uma espécie de preclusão da matéria fática e probatória da ação penal. Trouxe à discussão, ainda, a observação da Min. Ellen Gracie de que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema”.
Zavascki, de forma decidida e bem fundamentada, atentou para o fato de que “os julgamentos realizados pelos Tribunais Superiores não se vocacionam a permear a discussão acerca da culpa, e, por isso, apenas excepcionalmente teriam, sob o aspecto fático, aptidão para modificar a situação do sentenciado” e que a extensa gama de recursos protelatórios que são levados às instâncias superiores “ao invés de constituírem um instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado, acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição penal”.
Corroborando, o Ministro Edson Fachin atentou para a necessidade de não se dar à regra constitucional da presunção de inocência um caráter absoluto, tendo em vista que, se assim o fosse, “teríamos de admitir, no limite, que a execução da pena privativa de liberdade só poderia operar-se quando o réu se conformasse com sua sorte e deixasse de opor novos embargos declaratórios. Isso significa dizer que a execução da pena privativa de liberdade estaria condicionada a concordância do apenado”.
Cabe mencionar dois momentos em que Fachin brilhantemente defender a possibilidade da execução provisória da pena:
“se afirmarmos que a presunção de inocência não cede nem mesmo depois de um Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um acusado, com a subsequente confirmação por parte de experientes julgadores de segundo grau, soberanos na avaliação dos fatos e integrantes de instância à qual se opõem limites à devolutividade recursal, reflexamente estaríamos a afirmar que a Constituição erigiu uma presunção absoluta de desconfiança às decisões provenientes das instâncias ordinárias (...) há instrumentos processuais eficazes, tais como as medidas cautelares para conferir efeito suspensivo a recursos especiais e extraordinários, bem como o habeas corpus”
Para acrescentar, o Ministro Barroso defendeu, de forma digna de se refletir, dentre outros motivos, que a execução provisória da pena possibilita um grau de seletividade republicado e igualitário, bem como reduz os incentivos aos crimes de colarinho branco, decorrente do mínimo risco de cumprimento efetivo da pena e, ainda, promove a quebra do paradigma da impunidade.
Asseverou para o fato de que a prevalência da vedação ao cumprimento de pena ainda depois de um acórdão confirmatório condenatório, trouxe consequências negativas, como o poderoso incentivo à infindável interposição de recursos protelatórios; reforçou a seletividade do sistema penal, na medida em que os mais riscos são quem têm condições de contratar advogados para defendê-los em sucessivos recursos. Contribuiu significativamente para agravar o descrédito do sistema de justiça penal junto à sociedade, justificando a releitura.
Agarrou-se à defesa de que a possibilidade de execução provisória da pena após decisão de segundo grau confirmatória, trata-se de uma mutação constitucional, em que a alteração na compreensão da realidade social altera o próprio significado do Direito.
Pois bem. Para não tornar a discussão enfadonha com a transcrição de dos votos, é preciso ressaltar os pontos mais fortes da motivação dos Ministros. O mais relevante deles é a reflexão acerca do alcance do princípio da presunção da inocência e até que ponto ele pode ser colocado em um pedestal em detrimento da efetividade da função jurisdicional penal, que, segundo Zavascki, “deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intrincado e complexo sistema de justiça criminal”.
Por fim, vale anotar que, depois de esgotado o duplo grau de jurisdição, segundo Barroso, em seu voto:
“os recursos extraordinário e especial não se prestam a rever as condenações, mas apenas a tutelar a higidez do ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional. Por isso, nos termos da Constituição, a interposição desses recursos pressupõe que a causa esteja decidida. É o que preveem os artigos 102, III, e 105, III, que atribuem competência ao STF e ao STJ para julgar, respectivamente, mediante recurso extraordinário e especial, “as causas decididas em única ou última instância”. Ademais, tais recursos excepcionais não possuem efeito suspensivo (v. art. 637 do CPP e art. 1.029, § 5º, CPC/2015, aplicável subsidiariamente ao processo penal, por força do art. 3º, do CPP)”
Pelo exposto, é possível entrever uma tendência a se prestigiar a prestação jurisdicional, sobretudo porque a sociedade vive há muitos anos uma irreparável sensação de impunidade. Necessário afirmar, ainda, que a Constituição não condiciona a prisão ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas sim a culpabilidade do acusado, devendo-se permitir a execução provisória da pena.
4. CONCLUSÃO
Contentes ou não, certo é que a mudança de entendimento da Suprema Corte possui agora efeito vinculante, devendo ser aplicada nos processos das demais instâncias.
Acerca da (in)constitucionalidade da execução provisória da pena, ficou mais do que demonstrada a sua legitimidade, tanto por motivos jurídicos legais quanto pelas razões pragmáticas.
Ao buscar compreender os motivos da mudança de posicionamento, forçoso reconhecer a necessidade da aplicação da execução provisória das penas a fim de atender à necessidade de se obter a efetivação da prestação jurisdicional penal e da justiça criminal.
Desse modo, como ficou demonstrada, a execução provisória da pena não é uma ofensa ao princípio da presunção da inocência, menos ainda ao princípio da não culpabilidade, mas sim uma conclusão com fortes e caros fundamentos à sociedade.
Entretanto, por ser uma decisão ainda muito controvertida, algumas mudanças ainda podem surgir. Nesse sentido, é possível citar a recente decisão do Ministro Marco Aurélio, em uma decisão no exame de liminares nos Habeas Corpus 138.086, 138.088 e 138.092 referentes a um mesmo processo, porém com diferentes acusados. Nela, o Ministro afastou a execução provisória da pena, tendo em vista que a execução da pena após condenação por Tribunal em segundo grau somente se aplica aos casos em que o acórdão confirma integralmente a sentença. Se houver qualquer reforma ou adição, não é impositiva a execução provisória da pena.
Diante disso, embora defendida de forma consistente, à execução provisória da pena ainda estão reservados muitos debates e decisões, restando a todos atenção para os novos imbróglios.
5. REFERÊNCIAS
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único – 4. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. 1.824 p.
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional - 10. ed. rev., amp. E atual – Salvador: Ed. JusPodivm, 2015.
“ARE 964246 - recurso extraordinário com agravo”. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=964246&classe=ARE&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>
“HC 126292/SP”. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=126292&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal. Advogado e Professor. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENDES, João Paulo Ferreira. Execução provisória da pena Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50246/execucao-provisoria-da-pena. Acesso em: 23 dez 2024.
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