RESUMO: Este trabalho busca analisar a responsabilidade civil do Estado por atos omissivos, discorrendo sobre qual a modalidade adotada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Foi utilizada como metodologia uma revisão doutrinária e jurisprudencial sobre o tema. Buscou-se demonstrar a posição defendida pela doutrina quanto a modalidade subjetiva, objetiva e ainda uma terceira doutrina intermediária, a qual diferencia os casos de omissão genérica dos casos de omissão especifica. Ao final demonstrou-se a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Responsabilidade subjetiva. Responsabilidade Objetiva. Omissão Genérica. Omissão Específica.
1 INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil do Estado consiste na obrigação de indenizar os danos patrimoniais, morais ou estéticos que os agentes públicos, nesta qualidade, causarem a terceiro. Pode ser dividida entre responsabilidade contratual ou extracontratual. Ademais pode decorrer de condutas comissivas ou omissivas e de atos lícitos ou ilícitos.
No presente trabalho abordaremos a responsabilidade civil do Estado por atos omissivos. Nestes casos, o agente público não age (atuação negativa) e sua omissão, apesar de não causar diretamente o dano, possibilita a sua ocorrência.
Trataremos da modalidade da responsabilidade por atos omissivos, se objetiva ou subjetiva. Para caracterizar a obrigação de indenizar, nos casos de responsabilidade subjetiva, são necessários quatro elementos: a conduta, o dano, o nexo causal entre eles e o elemento subjetivo, o qual seria o dolo ou a culpa do agente.
Já a modalidade objetiva dispensa a demonstração do elemento subjetivo para configurar a responsabilidade pela indenização do dano, basta que sejam comprovados a conduta, o dano e o nexo causal entre um e outro.
Ao final do trabalho, será explicitada qual modalidade de responsabilidade civil do Estado por omissão vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal.
A responsabilidade civil do Estado é um tema de relevante interesse de estudo por sua aplicação prática. São inúmeras as demandas judiciais a respeito do tema, o que demanda uma análise mais aprofundada do assunto.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS OMISSIVOS
Ao longo da história, a responsabilidade civil do Estado evoluiu da irresponsabilidade total à responsabilidade objetiva baseada na teoria do risco administrativo.
O artigo 37, §6º da Constituição Federal consagra a responsabilidade civil objetiva do Estado no ordenamento brasileiro, vejamos:
Art. 37.
§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa
Em que pese existir certo consenso a respeito da teoria adotada quando se trata de responsabilidade por atos comissivos, o mesmo não ocorre em relação a responsabilização por atos omissivos.
Parte da doutrina, capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello, entende que a responsabilidade civil do Estado por atos omissivos é subjetiva baseada na teoria da culpa anônima ou da falta do serviço, senão vejamos:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo (MELLO, 2002, P. 854)
Da mesma forma defende José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:
A consequência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano. Resulta, por conseguinte, que, nas omissões estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre com as condutas comissivas. (CARVALHO FILHO, 2016, p. 597)
Corrente minoritária entende que após a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 não há mais falar em responsabilidade subjetiva do Estado. A Carta Magna e a lei civil consagraram a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, não distinguindo entre atos omissivos ou comissivos, onde o legislador não distinguiu não pode o interprete distinguir.
Além disso, adotando corrente intermediária, Sergio Cavalieri sustenta que se deve diferenciar os casos nos quais há uma omissão genérica do Estado daqueles nos quais a omissão é especifica, adotado-se a responsabilidade subjetiva para o primeiro e a responsabilidade objetiva no segundo, in litteris:
Por isso temos sustentado que, no caso de omissão estatal, é preciso distinguir a omissão específica da genérica, distinção essa hodiernamente reconhecida pela melhor e mais atualizada doutrina. A responsabilidade do Estado será subjetiva no caso de omissão genérica e objetiva, no caso de omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir. (CAVALIERI, 2011, p. 17)
Neste ponto, importante diferenciar o que seria omissão especifica ou genérica, a fim de bem delimitar a extensão da responsabilidade estatal.
Para Sergio Cavalieri, há omissão genérica em situações nas quais o Estado atua corriqueiramente, como no exercício do poder de polícia, existindo um dever legal de agir, mas que por sua omissão, acaba concorrendo para um evento danoso. Em suas palavras, são exemplos de omissão genérica do Estado, in litteris:
a omissão genérica tem lugar nas hipóteses em que não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando a Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por exemplo, do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua omissão concorre para o resultado, caso em que deve prevalecer o princípio da responsabilidade subjetiva. São exemplos de omissão genérica: negligência na segurança de balneário público – mergulho em lugar perigoso, consequente tetraplegia(...) queda de ciclista em bueiro há muito tempo aberto em péssimo estado de conservação, o que evidencia a culpa anônima pela falta do serviço (Ap. Civ. 4846/2008, TJRJ); estupro cometido por presidiário, fugitivo contumaz, não submetido à regressão de regime prisional como manda a lei – faute du service public caracterizada; a omissão do Estado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão (REsp. 409203/RS) (CAVALIERI, 2011, p. 18)
Por outro lado, quando se trata de omissão específica, o Estado coloca-se em posição de garante, criando uma conjuntura tendente a ocorrência do evento, tendo, assim, o dever de agir para evitá-lo. Pressupõe um dever específico do Estado, obrigando-o a impedir o resultado danoso, sob pena de restar responsabilizado pelo dano.
Temos como exemplos dessas circunstâncias que induzem o dever específico de cuidado pelo Estado as situações de custódia como presídios, escolas e hospitais públicos. Nestes casos, estando obrigado a agir em virtude de um vínculo jurídico especial e omitindo-se, a responsabilidade do Estado seria na modalidade objetiva, presidindo, portanto, da comprovação de dolo ou culpa.
Assim tem entendido o Supremo Tribunal Federal que, em sede repercussão geral, assentou a tese de que em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.
No voto condutor, o Ministro Luiz Fux aduziu, in verbis:
“Diante de tal indefinição, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem se orientando no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência – quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo – surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa, consoante os seguintes precedentes:
(…)
Deveras, é fundamental ressaltar que, não obstante o Estado responda de forma objetiva também pelas suas omissões, o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o Poder Público ostentar o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não se desincumbindo dessa obrigação legal. Entendimento em sentido contrário significaria a adoção da teoria do risco integral, repudiada pela Constituição Federal, como já mencionado acima.”
(...)
Note-se que não se está aqui a inovar na ordem jurídica, senão a sistematizar e concatenar ideias há muito já defendidas pela doutrina jurídica nacional. Ora, é corrente no meio jurídico a afirmação de que a Administração só responde pela omissão que é específica, ou seja, quando ela está obrigada a evitar o dano e permanece inerte.
(...)
Estabelecidas essas premissas até aqui sintetizadas, é possível assentar algumas conclusões que respondem as indagações colocadas acima: 1) não se aplica a teoria do risco integral no âmbito da responsabilidade civil do Estado; 2) o Estado responde de forma objetiva pelas suas omissões, desde que presente a obrigação legal específica de agir para impedir a ocorrência do resultado danoso, em sendo possível essa atuação. (RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, j. 30/03/2016, Repercussão geral, p. 17-26)
Conforme se depreende do excerto transcrito, o Supremo Tribunal Federal diferenciou os casos de omissão genérica daqueles casos de omissão específica. Adotou a responsabilidade objetiva apenas para os casos de omissão específica, já para os casos de omissão genérica permanece a doutrina tradicional da responsabilidade subjetiva baseada na culpa anônima.
3. CONCLUSÃO
Pelas razões expostas, concluímos que a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal, no que se refere a modalidade da responsabilidade civil do Estado por atos omissivos, divide as condutas omissivas em duas espécies: a omissão específica e a omissão genérica.
Nos casos de omissão genérica, o Supremo Tribunal Federal adota a modalidade subjetiva da responsabilidade civil do Estado, baseada na teoria da culpa anônima ou da falta do serviço.
Já para os casos de omissão específica, nos quais o Estado encontra-se em situação de garante, com especial fim de agir, o Supremo Tribunal Federal tem adotado a modalidade objetiva da responsabilidade civil do Estado por atos omissivos, baseada na teoria do risco administrativo, pela qual se dispensa a verificação do elemento subjetivo para a caracterização da obrigação de indenização pelo dano.
REFERÊNCIAS.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14 ed., refundida, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2002. Pg 854
Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30 ed. Ver. Atual. E ampl.- São Paulo: Atlas, 2016.
CAVALIERI FILHO, Sergio. A Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva do Estado. 2011. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista55/Revista55_10.pdf Acesso em 31/05/2017
JURISPRUDÊNCIA. RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016. Acesso em 31/05/17
Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil - Fernandópolis/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, Danielle Lira. A visão do Supremo Tribunal Federal sobre a responsabilidade civil do Estado por omissão: responsabilidade subjetiva ou objetiva? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50284/a-visao-do-supremo-tribunal-federal-sobre-a-responsabilidade-civil-do-estado-por-omissao-responsabilidade-subjetiva-ou-objetiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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