Resumo: Tendo em vista a multiplicidade de requisições de servidores sem a observância dos atos normativos que regem o instituto da requisição por parte da Justiça Eleitoral, especialmente no que diz respeito às sucessivas prorrogações, que acarretam grave repercussão na prestação dos serviços públicos dos órgãos requisitados, afigura-se, pois, premente a discussão sobre esse instituto no âmbito administrativo, a fim de se estabelecer seu alcance e limites.
Palavras-chaves: Direito administrativo. Requisição de servidores. Justiça Eleitoral. Requisições abusivas.
1. INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico pátrio ainda carece de ato normativo que discipline de forma minudente as requisições de servidores públicos, de modo que se estabeleça critérios objetivos a serem observados, uma vez que é de fácil constatação na prática administrativa casos de uso distorcido do referido instituto pela Justiça Eleitoral, de que são exemplos: servidores requisitados em desacordo com as normas vigentes, extrapolação do tempo de requisição e sucessivas prorrogações, excesso de requisição, requisições nominadas condutas que, além de desnaturar o instituto, tem causado graves prejuízos a prestação dos serviços públicos dos órgãos requisitados.
Como se sabe, o poder de requisição da Justiça Eleitoral foi outorgado pelo legislador em um tempo em que essa justiça não possuía quadro de pessoal próprio e suficiente para a realização de suas atividades. Atualmente, a despeito de permanecer o poder de requisição da Justiça Eleitoral, tal ato deve ser excepcional, limitado e instruído com as justificativas pertinentes, de modo a não prejudicar as atividades finalísticas dos órgãos requisitados. Umas das principais controvérsias jurídicas é precisamente sobre o alcance da limitação temporal imposta, a seguir examinada.
2. DAS REQUISIÇÕES ABUSIAVS PRO PARTE DA JUSTIÇA ELEITORAL
De início, cumpre asseverar que não se desconhece que a finalidade do instituto da requisição de servidores é auxiliar a Justiça Eleitoral em situações excepcionais para a realização de sua importante missão institucional, contribuindo para o aperfeiçoamento do processo eleitoral e dos valores informadores do regime democrático. Nesse contexto, o instituto da requisição deve ser tido como instrumento útil na implementação dos ideais democráticos e republicanos. No entanto, tal instituto deve ser harmonizado com os demais princípios que regem a atuação da Administração Pública, como o princípio da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da eficiente, dentre outros.
Como se sabe, a Justiça Eleitoral possui quadro de pessoal fixo, de modo que o instituto da requisição só deve ser utilizado para atendimento de específico interesse público pontual que deu ensejo a requisição, não podendo servir como subterfúgio para o preenchimento permanente dos quadros funcionais do órgão requisitante, uma vez que tais cargos devem ser providos por meio de concurso público, por expressa determinação constitucional. O poder de requisição da Justiça Eleitoral foi outorgado pelo legislador em um tempo em que essa justiça não possuía quadro de pessoal próprio e suficiente para a realização de suas atividades. No atual contexto, a despeito de permanecer o poder de requisição da Justiça Eleitoral, tal ato deve ser excepcional, limitado e instruído com as justificativas pertinentes, de modo a não prejudicar as atividades finalísticas dos órgãos requisitados.
As sucessivas prorrogações, feitas de forma ilimitada, desqualificam o instituto da requisição, que deve ser utilizado apenas para suprimento de necessidade episódica. A inobservância de um condicionamento temporal revela um patente desvio de finalidade, maculando o ato administrativo. A perenização da requisição desnatura o instituto, que deve ocorrer apenas no campo da excepcionalidade.
Deve ser posto em revelo, por primeiro, a Lei n° 6.999/1982, que disciplina a requisição de servidores pela Justiça Eleitoral, em especial aos seguintes dispositivos:
Art . 1º - O afastamento de servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios e das autarquias, para prestar serviços à Justiça Eleitoral, dar-se-á na forma estabelecias por esta Lei.
Art . 2º - As requisições para os Cartórios Eleitorais deverão recair em servidor lotado na área de jurisdição do respectivo Juízo Eleitoral, salvo em casos especiais, a critério do Tribunal Superior Eleitoral.
§ 1º - As requisições serão feitas pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável, e não excederão a 1 (um) servidor por 10.000 (dez mil) ou fração superior a 5.000 (cinco mil) eleitores inscritos na Zona Eleitoral.
§ 2º - Independentemente da proporção prevista no, parágrafo anterior, admitir-se-á a requisição de 1 (um) servidor.
Art . 3º - No caso de acúmulo ocasional de serviço na Zona Eleitoral e observado o disposto no art. 2º e seus parágrafos desta Lei, poderão ser requisitados outros servidores pelo prazo máximo e improrrogável de 6 (seis) meses.
§ 1º - Os limites estabelecidos nos parágrafos do artigo anterior só poderão ser excedidos em casos excepcionais, a juízo do Tribunal Superior Eleitoral.
§ 2º - Esgotado o prazo de 6 (seis) meses, o servidor será desligado automaticamente da Justiça Eleitoral, retomando a sua repartição de origem.
§ 3º - Na hipótese prevista neste artigo, somente após decorrido 1 (um) ano poderá haver nova requisição do mesmo servidor.
Art . 4º - Exceto no caso de nomeação para cargo em comissão, as requisições para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais, serão feitas por prazo certo, não excedente de 1 (um) ano.
Parágrafo único - Esgotado o prazo fixado neste artigo, proceder-se-á na forma dos §§ 2º e 3º do artigo anterior.
Art . 5º - Os servidores atualmente requisitados para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais poderão ter suas requisições renovadas anualmente.
Umas das principais controvérsias jurídicas é precisamente sobre o alcance da limitação temporal imposta. A requisição de servidor não pode ser entendida como prorrogável inúmeras vezes, a critério do órgão requisitante. Como já assetado, trata-se de medida de caráter excepcional, que visa suprir as deficiências temporárias da Justiça Eleitoral. Essa característica excepcional da requisição não se coaduna com uma interpretação ampla, que autorize prorrogações sucessivas e ilimitadas, de modo a manter indefinidamente o vínculo de servidores requisitados com Justiça Eleitoral. Ademais, deve ser observado o princípio basilar da hermenêutica jurídica que determina a interpretação restritiva das regras excecionais.
No entanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão competente para a expedição de normas relativas à organização e ao funcionamento da Justiça Eleitoral, consoante previsto na Constituição Federal e na Lei n° 4.737/1965, elaborou a Resolução n° 23.255/2010, sem limitar a quantidade de prorrogações, não se atentando, como ato regulamentar, para a Lei nº 6.999/82, que estabelece um tempo de duração fixo e limita a sua ampliação.
O Tribunal de Contas da União (TCU), ao examinar o tema da requisição de servidores pela Justiça Eleitoral, no bojo do Acórdão n° 199/2011, do Plenário, apontou que os procedimentos adotados pela Justiça Eleitoral estariam desvirtuando o instituto da requisição ao extrapolar os termos da Lei nº 6.999/1982 e determinou a adoção de medidas para que as requisições dos cartórios eleitorais sejam realizadas de forma temporária, com prazo previamente determinado e sem identificação nominal do servidor.
Como já consignado, a requisição exige aplicação parcimoniosa. Prorrogações ilimitadas distorcem o instituto e o propósito da Lei nº 6.999/82, com ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da eficiência e do acesso aos cargos públicos por meio de concurso público. Assim, apesar da prerrogativa de requisições e da incontestável importância da Justiça Eleitoral, a questão posta em exame deve ser discutida e melhor definida pelo legislador pátrio.
Tal normatização servirá, inclusive, para evitar a situação de permanência do vínculo do servidor com a justiça eleitoral, evitando, consequentemente, que ocorra o distanciamento excessivo do servidor das funções públicas do seu cargo.
Com o advento da Lei nº 13.328/16, a matéria tenderia a ganhar contornos mais claros para os órgãos e entidades envolvidos, já que foram prescritas regras objetivas no caso de requisição de servidores públicos federais, quais sejam: a requisição de servidor ou empregado público da administração pública federal direta, autárquica e fundacional passa a ser realizada pelo prazo de até 3 (três) anos, sendo possível a continuação da requisição, desde que com o dispêndio financeiro respectivo, como se se tratasse de operação de cessão no âmbito administrativo. Eis o que prevê o diploma legal em tela nos artigos 105 a 108, abaixo transcritos, in verbis:
CAPÍTULO XVII
DA REQUISIÇÃO DE SERVIDORES POR OUTROS PODERES
Art. 105. A requisição de servidor ou empregado público da administração pública federal direta, autárquica e fundacional será realizada pelo prazo de até 3 (três) anos para a:
I - Justiça Eleitoral;
II - Procuradoria-Geral Eleitoral;
III - Defensoria Pública da União.
Parágrafo único. O poder de requisição da Defensoria Pública da União observará o disposto no parágrafo único do art. 4o da Lei no 9.020, de 30 de março de 1995.
Art. 106. Após o prazo estabelecido no art. 105, é facultada a permanência do servidor ou empregado, por igual período, mediante manifestação formal de interesse do órgão requisitante e reembolso das parcelas de natureza permanente da remuneração ou salário já incorporadas, inclusive das vantagens pessoais, da gratificação de desempenho a que fizer jus no órgão ou entidade de origem e dos respectivos encargos sociais.
Art. 107. Quando o servidor ou empregado encontrar-se requisitado para órgão relacionado no art. 105 na data de publicação desta Lei, o órgão requisitante disporá de 6 (seis) meses para manifestar interesse na permanência do servidor, passando a efetuar o respectivo reembolso ao término desse prazo, contado:
I - da data de entrada em vigor desta Lei, quando requisitado por período igual ou superior a 3 (três) anos; ou
II - da data em que completar 3 (três) anos ininterruptos de requisição, observado o prazo de requisição, quando requisitado por período inferior a 3 (três) anos.
Art. 108. O não reembolso implica o retorno imediato do servidor ou empregado ao órgão ou entidade de origem, mediante notificação ao órgão requisitante.
Parágrafo único. Não atendida a notificação pelo órgão requisitante, o servidor será notificado, diretamente, para se apresentar ao órgão de origem no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de caracterização de ausência imotivada.
Ocorre que a referida lei cuida apenas da requisição de servidor e empregado público da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, além de que não trata sobre a questão das requisições inominadas, que devem ser combatidas.
Ora, não obstante a recente alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.328/16 quanto à requisição de servidor ou empregado público pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional, subsiste o problema da extrapolação do exercício da prerrogativa de requisição por parte da Justiça Eleitoral, no tocante às prorrogações excessivas, continuadas e à revelia dos órgãos requisitados. Além disso, permanece a preocupação com a eventual renovação das requisições dos mesmos servidores, por meio de novo procedimento administrativo, como forma de burla à necessidade de reembolso da remuneração daqueles cuja requisição já tenha completado 3 (três) anos, conduta que não pode ser admitida, uma vez o órgão eleitoral que assim agir estará desrespeitando a intenção do legislador ordinário de regularizar tal situação.
As requisições nominais, por meio das quais o requisitante escolhe o servidor que pretende requisitar, também devem ser combatidas. Nesse contexto, também não encontra guarida no ordenamento jurídico a recente Resolução nº 23.484, de 30 de junho de 2016, do Tribunal Superior Eleitoral, que prevê que "as requisições poderão ser nominais, mediante a indicação do juiz eleitoral ou do tribunal eleitoral" (art. 3º, parágrafo único), dispositivo que permite que a Justiça Eleitoral continue recorrendo ordinariamente a essa prática.
Como já dito, as requisições devem resguardar os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, bem como observar o entendimento do TCU a respeito do tema, de modo a conviver e harmonizar o instituto da requisição com as demais regras aplicáveis à gestão de servidores públicos. O órgão ou entidade que recebeu o pedido de requisição não está obrigado a disponibilizar servidor nominalmente identificado, ficando sob sua responsabilidade a escolha entre aqueles que detenham as qualidades técnicas necessárias para desempenhar as atividades pretendidas pelo requisitante.
Por fim, diante dessa realidade de requisições excessivas, com prorrogações ilimitadas e feitas, muitas das vezes, de forma nominal pela Justiça Eleitoral, subsiste a necessidade de disciplina uniforme do instituto no ordenamento jurídico nacional, para disciplinar as requisições de servidores públicos, ressaltando-se o caráter da excepcionalidade e temporariedade que regem o instituto, de modo a não se permitir que as situações jurídicas supra descritas continuem a acarretar desequilíbrio para os órgãos que possuem servidores requisitados.
3. CONCLUSÃO
Como aqui realçado, a requisição de servidores é medida excepcional, pois visa suprir as deficiências temporárias da Justiça Eleitoral. Essa característica excepcional da requisição não se coaduna com uma interpretação ampla, que autorize prorrogações sucessivas e ilimitadas, de modo a manter indefinidamente o vínculo de servidores requisitados com Justiça Eleitoral.
A requisição exige aplicação parcimoniosa. Prorrogações ilimitadas distorcem o instituto e o propósito da Lei nº 6.999/82, com ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da eficiência e do acesso aos cargos públicos por meio de concurso público. Assim, apesar da prerrogativa de requisições e da incontestável importância da Justiça Eleitoral, a questão posta em exame deve ser discutida e melhor delineada pelo legislador pátrio.
Não obstante a recente alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.328/16 quanto à requisição de servidor ou empregado público pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional, subsiste o problema da extrapolação do exercício da prerrogativa de requisição por parte da Justiça Eleitoral, no tocante às prorrogações excessivas, continuadas e à revelia dos órgãos requisitados, questões que ainda carecem de tratamento normativo.
4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 30ª edição. São Paulo: Atlas, 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 18ª edição. São Paulo: Atlas, 2005.
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP. Bacharel em Letras-Português pela Universidade de Brasília –UnB. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Foi escriturária do Banco do Brasil no período de 2010 a 2011. Foi técnica judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em 2013. Foi analista processual do Ministério Público da União no período de 2013 a 2017, ocasião em que atuou como analista processual na Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – PRT/MPT. Atualmente, é membro da Advocacia-Geral da União - AGU, instituição na qual atua como Advogada da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Erica Izabel da Rocha. Da necessidade de normatização detalhada sobre as regras para requisição de servidores pela Justiça Eleitoral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50294/da-necessidade-de-normatizacao-detalhada-sobre-as-regras-para-requisicao-de-servidores-pela-justica-eleitoral. Acesso em: 23 dez 2024.
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