Resumo: O presente trabalho abordará a responsabilidade civil dos pais pelos atos praticados pelos seus filhos no âmbito do Código Civil de 2002 trazendo o entendimento doutrinário e jurisprudencial mais recente do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.
Palavras – chave: Direito Civil. Responsabilidade Civil. Incapaz. Responsabilidade Objetiva. Superior Tribunal de Justiça.
Sumário: 1.Introdução. 2. A Responsabilidade dos Pais no Código Civil de 2002. 3. Abrangência dos termos “autoridade” e “companhia” à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.4. Conclusão 5. Referências Bibliográficas
1. Introdução
A responsabilidade civil tem como função principal restaurar o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Ou seja, restabelecer o status quo ante, buscando uma indenização, reparação (dano material) ou uma compensação (dano moral).
Por sua vez, a responsabilidade civil pode ser classificada em subjetiva e objetiva. A teoria da responsabilidade subjetiva trás como pressuposto subjetivo para que o agente seja responsabilizado a comprovação da sua conduta culposa, que abrange não apenas a culpa stricto sensu como também o dolo.
Assim, o dever de indenizar surgirá quando restar provado que o agente agiu com culpa ou dolo, que causou dano a outrem e que foi a sua conduta que gerou o resultado, ou seja, que o nexo causal está presente. Em não havendo culpa, não existirá responsabilidade.
O Código Civil adota como regra geral a responsabilidade civil subjetiva por conforme se extrai do seu artigo 927, caput, combinado com o art. 186 do mesmo diploma legal. Com efeito, só respondo pelo dano aquele que, em princípio houver lhe dado causa e desde que comprovada a conduta culposa/dolosa do agente.
Em sentido oposto, na responsabilidade objetiva a prova de culpa é totalmente irrelevante, bastando a demonstração do nexo causal entre a ação/omissão e o dano experimentado para que nasça o dever de indenizar.
Carlos Alberto Gonçalves (2014,p.48) leciona que a lei impõe, para certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa, nessas hipóteses, diz-se que a responsabilidade é legal ou objetiva, porque prescinde da culpa e se satisfaz somente com o dano e o nexo causal. Segundo o autor, esta teoria conhecida como objetiva, ou de risco, tem como postulado que todo dano é indenizável e deve ser prontamente reparado por quem a ele se liga por um simples nexo de causalidade, independentemente da comprovação da culpa.
2.A Responsabilidade dos Pais no Código Civil de 2002
O Código Civil além de disciplinar a responsabilidade decorrente de ato próprio (em regra, subjetiva) prevê também espécies de responsabilidade indireta e objetiva, tais como a responsabilidade pelo fato da coisa e do animal (arts. 936, 937 e 939)[1] e responsabilidade pelo fato de outrem (arts.932 e 933)[2].
Nas palavras do Professor Caio Mário da Silva Pereira (1990, p.93) “para que justiça se faça, é necessário levar mais longe a indagação, a saber se é possível desbordar da pessoa causadora do prejuízo e alcançar outra pessoa, à qual o agente esteja ligado por uma relação jurídica, e em consequência, possa ela ser convocada a responder. Aí situa – se a responsabilidade por fato de outrem ou pelo fato das coisas, ou responsabilidade indireta ou responsabilidade complexa, que Trabuchi explica, quando a lei chama alguém a responder pelas consequências de fato alheio, ou fato danoso provocado por terceiro”.
O art.932 do Código Civil[3] apresenta um rol taxativo de casos em que o sujeito será convocado a responder civilmente pelo fato de terceiro em virtude da existência de um vínculo jurídico o qual acarreta um dever de guarda, vigilância ou custódia.
Nesse sentido, destaca-se a doutrina de Cavalieri Filho (2014, p.39)
De regra, só se responde pelo fato aquele que lhe dá causa, por conduta própria. É a responsabilidade direta, por fato próprio cuja justificativa está no próprio princípio informador da teoria da informação. A lei, todavia, algumas vezes faz emergir a responsabilidade do fato de outrem ou de terceiro, a quem o responsável está ligado de algum modo, por um dever de guarda, vigilância e cuidado.
Com efeito, a responsabilidade dos pais pelos seus “filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia” é do tipo objetiva, decorre do dever de vigilância imposto e restará configurada mesmo que os genitores provem que não foram negligentes. Todavia, para que esses sejam responsabilizados é necessário provar a culpa dos seus filhos, vez que a responsabilidade formada entre esse (verdadeiro causador do dano) e o terceiro prejudicado é do tipo subjetiva.
Assim, existem duas responsabilidades: a do filho menor e a dos seus pais, encarregados de indenizar. É necessário que o primeiro tenham agido com culpa, pressuposto essencial para configuração da responsabilidade civil nas hipóteses de aplicação da teoria subjetivista, sendo dispensada tão somente a comprovação da culpa do responsável pelo causador do dano.
3. Abrangência dos termos “autoridade” e “companhia” à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
De acordo com o art. 932, inciso I, do Código Civil, autoridade e companhia são condições necessárias para o reconhecimento da responsabilidade civil dos genitores, vez que somente assim podem esses propiciar a efetiva vigilância da prole.
O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado (REsp 1.232.011-SC) [4], da Relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, noticiado no Informativo 575, decidiu o seguinte:
“DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO MENOR. INDENIZAÇÃO AOS PAIS DO MENOR FALECIDO. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. REVISÃO. ART. 932, I, DO CÓDIGO CIVIL. 1. A responsabilidade dos pais por filho menor - responsabilidade por ato ou fato de terceiro -, a partir do advento do Código Civil de 2002, passou a embasar-se na teoria do risco para efeitos de indenização, de forma que as pessoas elencadas no art. 932 do Código Civil respondem objetivamente, devendo-se comprovar apenas a culpa na prática do ato ilícito daquele pelo qual são os pais responsáveis legalmente.
Contudo, há uma exceção: a de que os pais respondem pelo filho incapaz que esteja sob sua autoridade e em sua companhia; assim, os pais, ou responsável, que não exercem autoridade de fato sobre o filho, embora ainda detenham o poder familiar, não respondem por ele, nos termos do inciso I do art. 932 do Código Civil.
2. Na hipótese de atropelamento seguido de morte por culpa do condutor do veículo, sendo a vítima menor e de família de baixa renda, é devida indenização por danos materiais consistente em pensionamento mensal aos genitores do menor falecido, ainda que este não exercesse atividade remunerada, visto que se presume haver ajuda mútua entre os integrantes dessas famílias.
3. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido também parcialmente.
(REsp 1232011/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 04/02/2016)”(grifei)
No caso analisado, os autores pretendiam receber indenização a título de danos morais e materiais por morte decorrente de atropelamento causado por veículo conduzido por menor de idade.
Ao apreciar a matéria o Relator destacou que “autoridade” não é sinônimo do “poder familiar” e que este é um instrumento para que se desenvolva, no seio familiar, a educação dos filhos, podendo os pais, titulares desse poder, tomar decisões às quais se submetem os filhos nesse desiderato, assim como que “autoridade” é expressão mais restrita que “poder familiar” e pressupõe uma ordenação, ou seja, que o pai ou a mãe tenha poderes para organizar de forma imediata a vida do filho menor.
Acrescentou, ainda, que “pressupondo que aquele que é titular do poder familiar tem autoridade, do inverso não se cogita, visto que autoridade também pode ser exercida por terceiros, tal como a escola. No momento em que o menor está na escola, os danos que vier a causar a outrem serão de responsabilidade dela, e não dos pais”.
Logo, para o Ministro Relator, todo pai que tem autoridade sobre o filho, possui também o poder familiar, mas o inverso não é verdadeiro, isto é, a existência do poder familiar sobre o filho não faz nascer, de forma automática, a autoridade sobre ele.
Na hipótese objeto da controvérsia, a menor vivia apenas em companhia do pai. Assim, muito embora a genitora detivesse o poder familiar, o fato de residir em outro Estado de maneira permanente, afasta a “autoridade” sobre a sua filha e, ato contínuo, a responsabilidade pelos ilícitos por ela consumados.
Contudo, imperioso registrar que o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes[5] mais antigos em sentido diverso, onde restou afirmado expressamente que o fato de o menor não residir com o genitor não configura, por si só, causa excludente de responsabilidade civil. Vejamos:
“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL INDIRETA DOS PAIS PELOS ATOS DOS FILHOS. EXCLUDENTES. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA.
1.- Os pais respondem civilmente, de forma objetiva, pelos atos dos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia (artigo 932, I, do Código Civil).
2.- O fato de o menor não residir com o(a) genitor(a) não configura, por si só, causa excludente de responsabilidade civil.
3.- Há que se investigar se persiste o poder familiar com todas os deveres/poderes de orientação e vigilância que lhe são inerentes.
Precedentes.
4.- No caso dos autos o Tribunal de origem não esclareceu se, a despeito de o menor não residir com o Recorrente, estaria também configurada a ausência de relações entre eles a evidenciar um esfacelamento do poder familiar. O exame da questão, tal como enfocada pela jurisprudência da Corte, demandaria a análise de fatos e provas, o que veda a Súmula 07/STJ.
5.- Agravo Regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 220.930/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 29/10/2012)”
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE DOS PAIS E DA AVÓ EM FACE DE ATO ILÍCITO PRATICADO POR MENOR. SEPARAÇÃO DOS PAIS. PODER FAMILIAR EXERCIDO POR AMBOS OS PAIS. DEVER DE VIGILÂNCIA DA AVÓ. REEXAME DE FATOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO.
1. O Tribunal a quo manifestou-se acerca de todas as questões relevantes para a solução da controvérsia, tal como lhe fora posta e submetida. Não cabe alegação de violação do artigo 535 do CPC, quando a Corte de origem aprecia a questão de maneira fundamentada, apenas não adotando a tese da recorrente. Precedentes.
2. Ação de reparação civil movida em face dos pais e da avó de menor que dirigiu veículo automotor, participando de "racha", ocasionando a morte de terceiro. A preliminar de ilegitimidade passiva dos réus, sob a alegação de que o condutor do veículo atingiu a maioridade quando da propositura da ação, encontra-se preclusa, pois os réus não interpuseram recurso em face da decisão que a afastou.
3. Quanto à alegada ilegitimidade passiva da mãe e da avó, verifica-se, de plano, que não existe qualquer norma que exclua expressamente a responsabilização das mesmas, motivo pelo qual, por si só, não há falar em violação aos arts. 932, I, e 933 do CC.
4. A mera separação dos pais não isenta o cônjuge, com o qual os filhos não residem, da responsabilidade em relação ao atos praticados pelos menores, pois permanece o dever de criação e orientação, especialmente se o poder familiar é exercido conjuntamente. Ademais, não pode ser acolhida a tese dos recorrentes quanto a exclusão da responsabilidade da mãe, ao argumento de que houve separação e, portanto, exercício unilateral do poder familiar pelo pai, pois tal implica o revolvimento do conjunto fático probatório, o que é defeso em sede de recurso especial. Incidência da súmula 7/STJ.
5. Em relação à avó, com quem o menor residia na época dos fatos, subsiste a obrigação de vigilância, caracterizada a delegação de guarda, ainda que de forma temporária. A insurgência quanto a exclusão da responsabilidade da avó, a quem, segundo os recorrentes, não poderia se imputar um dever de vigilância sobre o adolescente, também exigiria reapreciação do material fático-probatório dos autos. Incidência da súmula 7/STJ.
6. Considerando-se as peculiaridades do caso, bem como os padrões adotados por esta Corte na fixação do valor indenizatório a título de danos morais por morte, reduzo a indenização arbitrada pelo Tribunal de origem para o valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), acrescido de correção monetária a partir desta data (Súmula 362/STJ), e juros moratórios a partir da citação, conforme determinado na sentença (fl. 175), e confirmado pelo Tribunal de origem (fls. 245/246).
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido (REsp 1074937 MA 2008/0159400-7; Orgão Julgador T4 - QUARTA TURMA;Publicação: DJe 19/10/2009; Julgamento 1 de Outubro de 2009;Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO”.
Por fim, importante registrar a existência do Enunciado 450 da V Jornada de Direito Civil que vai ao encontro do último posicionamento apresentado ao estabelecer o seguinte: “Considerando que a responsabilidade dos pais pelos atos danosos praticados pelos filhos menores é objetiva, e não por culpa presumida, ambos os genitores, no exercício do poder familiar, são, em regra, solidariamente responsáveis por tais atos, ainda que estejam separados, ressalvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores”.
4. Conclusão
Verifica-se, portanto, que a responsabilidade civil pelo fato de outrem prevista no Código Civil de 2002 é do tipo objetiva. Tal responsabilidade está disciplinada no art. 932 do mencionado diploma legal e fundamenta o dever de reparação civil dos pais decorrente de atos ilícitos praticados pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia.
Para que os genitores sejam responsabilizados é necessário provar a culpa do incapaz, vez que a responsabilidade formada entre esse (verdadeiro causador do dano) e o terceiro prejudicado é do tipo subjetiva.
Outrossim, de acordo com o art. 932, inciso I, do Código Civil, autoridade e companhia são condições necessárias para o reconhecimento da responsabilidade civil dos genitores, vez que somente assim podem esses propiciar a efetiva vigilância da prole.
Ocorre que, a abrangência dos termos autoridade e companhia ainda não se encontra pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, existindo julgados antagônicos, de modo que a aplicação correta do art. 932, I, do Código Civil exige além do acompanhamento da jurisprudência da Corte Superior acerca da matéria, a análise atenta e minuciosa do caso concreto.
5. Referências Bibliográficas
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil.11ª ed. rev. ampl. e atual.São Paulo: Malheiros, 2014.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. vol. IV. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Responsabilidade Civil. 2ª edição : Forense, 1990.
[1]Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.
Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.
[2]Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; (...)
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
[3] Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
[4] Acesso em: 23/05/2017.
[5] Acesso em: 23/05/2017.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito do Estado pela Faculdade Guanambi.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HORA, Maria Tereza Targino. A Responsabilidade Civil dos Pais à luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50326/a-responsabilidade-civil-dos-pais-a-luz-da-jurisprudencia-do-superior-tribunal-de-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
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