Resumo: O objetivo do presente estudo é analisar o direito de preferência do ente da Administração Pública que realizou o tombamento na aquisição de bens tombados. Abordaremos o tratamento legal do instituto, com destaque às modificações levadas a efeito pelo Novo Código Civil – Lei nº 13.105/2015. Ainda indicaremos outros instrumentos jurídicos que podem ser utilizados na aquisição dos aludidos bens pela Administração Pública.
Palavras-chave: Tombamento. Administração Pública. Direito de Preferência.
Sumário: Introdução; 1. Direito de Preferência ; 2. Aquisição direta com dispensa de licitação; 3. Direito de Preempção – Estatuto da Cidade; 4. Desapropriação de Bens Culturais pela Administração Pública; 5. Considerações Finais; Bibliografia.
O tombamento é instrumento especial de intervenção do Estado na propriedade, que pode recair sobre bens públicos ou particulares, protegendo e conservando o patrimônio cultural lato sensu, mediante um regime especial de uso, gozo, disposição e destruição, lastreado na função socioambiental da propriedade, em prol das presentes e, especialmente, das futuras gerações[1].
Com o tombamento exsurgem diversos efeitos quanto à possibilidade de alienação, deslocamento, transformação, conservação, fiscalização e atinge, também, os imóveis vizinhos. Desta feita, cria para o proprietário obrigações de fazer, não fazer e de suportar, aos proprietários de imóveis vizinhos resulta em obrigações negativas e à Administração Pública obrigações positivas[2].
O proprietário do bem tombado é obrigado a fazer as obras de conservação voltadas à preservação do bem tombado. Ainda, nega-se a possibilidade de destruir, demolir, ou mutilar o bem tombado e impossibilita-se a reparação ou restauração sem a prévia autorização do órgão de defesa do patrimônio cultural competente; o proprietário não pode retirar do país os bens móveis tombados, salvo por breve período para intercâmbio cultural e com prévia autorização. Demais disso, o proprietário tem a obrigação de suportar a fiscalização da Administração Pública não podendo impedir ações de vigilância, constitucionalmente previstas. Como veremos, ele era obrigado a notificar os entes federativos que realizaram o tombamento quando for alienar o bem para assegurar-lhes o direito de preferência na aquisição, sob pena de nulidade do ato, sequestro do bem e imposição de multa (art. 22, do Decreto-lei nº 25/1937).
Os proprietários de imóveis inseridos na área envoltória do bem tombado ficam impedidos de, a critério do órgão de defesa do patrimônio cultural, edificar seus terrenos de modo a impedir ou reduzir a visibilidade do bem protegido, ou realizar atividades que comprometam a qualidade ambiental da área e do bem tutelado.
Ao Poder Público o tombamento impõe que exerça a fiscalização dos bens tutelados, determine a execução de obras de conservação ou as realize, quando o proprietário não tiver condições, e deve, ainda, averbar no Registro de Imóveis a realização do tombamento de bens imóveis particulares. Cumpre, também, realizar obras emergenciais para impedir a destruição de bem tombado em perigo, podendo ser ressarcido pelo responsável por sua preservação.
Neste ensaio, analisaremos as alterações no direito de preferência levadas a efeito pelo Novo Código Civil, bem como alguns instrumentos jurídicos que permitem a aquisição de bens tombamentos pela Administração Pública.
O direito de preferência previsto no artigo 22 do Decreto-lei n 25/1937, que regulamenta o tombamento, foi expressamente revogado pelo artigo 1.072, inciso I, da Lei nº 13.105/2015 – Novo Código de Processo Civil, que restringiu a sua aplicação e trouxe nova regulamentação nos artigos 889, inciso VIII, e 892, §3º da Lei Adjetiva vigente. Vejamos as disposições legais em comento.
O artigo 22, do Decreto-lei nº 25/1937, dispunha:
Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessôas naturais ou a pessôas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)
§ 1º Tal alienação não será permitida, sem que prèviamente sejam os bens oferecidos, pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem. O proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perdê-lo. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)
§ 2º É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a sequestrar a coisa e a impôr a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que conceder o sequestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)
§ 3º O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)
§ 4º Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que, prèviamente, os titulares do direito de preferência sejam disso notificados judicialmente, não podendo os editais de praça ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)
§ 5º Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se dela não lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até a sentença de adjudicação, as pessôas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)
§ 6º O direito de remissão por parte da União, bem como do Estado e do município em que os bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura do auto do arrematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extraír a carta, enquanto não se esgotar êste prazo, salvo se o arrematante ou o adjudicante for qualquer dos titulares do direito de preferência. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)
Por sua vez, o Código de Processo Civil, em seus artigos 889, inciso VIII, e 892, §3º, preveem, in verbis:
Art. 889. Serão cientificados da alienação judicial, com pelo menos 5 (cinco) dias de antecedência:
VIII - a União, o Estado e o Município, no caso de alienação de bem tombado.
Art. 892. Salvo pronunciamento judicial em sentido diverso, o pagamento deverá ser realizado de imediato pelo arrematante, por depósito judicial ou por meio eletrônico.
§ 3o No caso de leilão de bem tombado, a União, os Estados e os Municípios terão, nessa ordem, o direito de preferência na arrematação, em igualdade de oferta.
Eis o dispositivo revogador:
Art. 1.072. Revogam-se:
I - o art. 22 do Decreto-Lei no 25, de 30 de novembro de 1937;
Desta feita, a Lei federal nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), em seu artigo 1072, inciso I, revogou expressamente o artigo 22 do Decreto-lei nº 25/1937, que tratava do direito de preferência quando da alienação de bens tombados pertencentes a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado e, tacitamente, o artigo 4º, inciso XVII, da Lei nº 11.906/2009[3], que criou o Instituto Brasileiro de Museus - IBRAM. Estabelecia o artigo 22, caput, que União, os Estados e os municípios tinham, nesta ordem, preferência na aquisição. Assim, o proprietário que desejasse alienar onerosamente a coisa devia oferecê-la, pelo mesmo preço, aos titulares do direito de preferência para em 30 (trinta) dias se manifestarem se fariam uso do instituto. O §2º previa que a alienação que não respeitasse o aludido procedimento seria nula e permitiria aos titulares do direito sequestrar a coisa e impor multa aos contratantes de vinte por cento do valor da alienação, que seriam solidariamente responsáveis pelo seu pagamento. Ainda, o direito de preferência não impedia que o bem tombado fosse gravado com penhor, anticrese ou hipoteca (§3º). É importante salientar que os titulares do direito de preferência normalmente deixavam o prazo transcorrer in albis, porque a Administração Pública poderia – e pode – a qualquer momento desapropriar a coisa, se presentes os requisitos legais.
O direito de preferência em toda e qualquer alienação onerosa do bem tombado, foi revogado pelo Novo Código de Processo Civil. Entretanto, o Código dispõe no artigo 892, §3º, que no leilão judicial de bem tombado a União, os Estados[4] e os Municípios terão, nessa ordem, o direito de preferência na arrematação, em igualdade de oferta. Nesse passo, na alienação judicial de bem tombado penhorado, subsiste o direito de preferência. Os titulares deste direito devem ser cientificados[5] com cinco dias de antecedência ao leilão judicial[6], sob pena de invalidação da arrematação (art. 889, VIII, c.c. 903, §1º, I, do NCPC[7]).
Houve, portanto, ampla limitação da preferência, que antes podia ser exercida em todas as alienações onerosas de bens móveis ou imóveis tombados privados, restringindo-se, atualmente, aos leilões judiciais quando o bem tombado for penhorado.
Cumpre ressaltar que a lei adjetiva não prevê o referido direito nas outras formas de expropriação da coisa penhorada. Assim, na adjudicação pelo exequente (art. 876[8]) e na alienação por iniciativa particular (art. 880[9]), que precedem o leilão judicial (art. 881[10]), não existe de forma expressa o direito de preferência aos entes políticos. Entretanto, existe posicionamento favorável à extensão do direito de preferência também às hipóteses de adjudicação e alienação por iniciativa particular[11].
Ademais, se não houver o exercício do direito de preferência, havendo a imposição prévia de multa em relação ao bem tombado objeto da alienação, os titulares do aludido direito têm privilégio especial sobre o valor arrematado (v. art. 29, do Decreto-lei nº 25/1937).
Importa salientar que o Novo Código de Processo Civil não mencionou a revogação do direito de preferência estabelecido pelo artigo 63 do Estatuto dos Museus (Lei nº 11.904/2009) para aquisição de bens culturais[12], nestes termos:
Art. 63. Os museus integrados ao Sistema Brasileiro de Museus gozam do direito de preferência em caso de venda judicial ou leilão de bens culturais, respeitada a legislação em vigor.
§ 1o O prazo para o exercício do direito de preferência é de quinze dias, e, em caso de concorrência entre os museus do Sistema, cabe ao Comitê Gestor determinar qual o museu a que se dará primazia.
§ 2o A preferência só poderá ser exercida se o bem cultural objeto da preferência se integrar na política de aquisições dos museus, sob pena de nulidade do ato.
Integram obrigatoriamente o Sistema Brasileiro de Museus – SBM os do Poder Executivo federal e faculta-se o ingresso de museus vinculados aos demais Poderes da União, de âmbito estadual, distrital e municipal, privados, inclusive aqueles dos quais o Poder Público participe, comunitários e ecomuseus. O artigo 20 do Decreto nº 8.124/2013[13] regulamentou o aludido direito de preferência.
Observamos que este direito não foi revogado tacitamente pelo Novo Código de Processo Civil, pois são normas de idêntica hierarquia (leis ordinárias), as disposições não são incompatíveis e lei geral posterior não revoga lei especial anterior (art. 2º, §§1º e 2º, da LINDB).
Uma vez indicado o panorama atual do ordenamento jurídico a respeito do direito de preferência para aquisição de bens tombados, analisemos algumas outras possibilidades de aquisição à disposição da Administração Pública.
A lei federal nº 8.666/1993 em seu artigo 24, inciso XV, prevê:
Art. 24. É dispensável a licitação:
XV - para a aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade.
Nesse passo, a lei excepciona a regra restringível insculpida no artigo 37, XXI, da Constituição Federal, que determina que as compras, alienações, obras e serviços sejam contratados mediante licitação.
A Administração Pública deve justificar o interesse estatal na aquisição do bem e a autenticidade da obra necessita de comprovação. A lição de Hely Lopes Meirelles, atualizada por Eurico Azevedo, Délcio Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, destaca que: “justifica-se a dispensa por se tratar de objetos certos e determinados, valiosos por sua originalidade e, por isso mesmo, não sujeitos a substituição por cópias ou similares”[14].
Apesar da possibilidade de aquisição direta estar inserida no rol de “dispensa”, conforme aduz Marçal Justen Filho, secundado em vários autores, “a hipótese se enquadra, teoricamente, como impossibilidade de competição e seria mais apropriado reconhecer a ocorrência de inexigibilidade de licitação (...). Aliás, isso está implicitamente reconhecido no próprio art. 13, VII, que trata da restauração de obras de arte como serviço técnico profissional especializado”[15].
Ainda, a Administração Pública pode adquirir diretamente imóveis tombados, desde que presentes as condições de dispensa ou inexigibilidade de licitação (arts. 24, X e 25, da Lei federal n
º 8.666/1993). Na dispensa o imóvel deve ser destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, devendo o preço ser compatível com o valor de mercado, conforme avaliação prévia. Por sua vez, na inexigibilidade inexiste possibilidade de competição sendo aquele o único bem capaz de satisfazer as necessidades da Administração. A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação, de modo que a lei faculta a dispensa, inserida, portanto, na competência discricionária da Administração, enquanto na inexigibilidade a competição é inviável porque existe somente um objeto que atenda às necessidades da Administração[16].
O Estatuto da Cidade (Lei federal nº 10.257/2001) prevê, dentre seus instrumentos que objetivam preservar o patrimônio cultural, o direito de preempção. O artigo 2º do Estatuto da Cidade estabelece as diretrizes gerais da política urbana, que objetivam ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, dentre elas se encontram a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico (inciso XII).
O artigo 4º da Lei nº 10.257/2001 arrola, exemplificativamente, instrumentos que devem ser empregados na consecução dos objetivos do Estatuto, incluindo o tombamento, e, o direito de preempção, também denominado de direito de preferência ou de prelação[17], que confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares, se necessitar de áreas para a proteção de interesse histórico, cultural ou paisagístico (arts. 25 e 26, do Estatuto)[18]. Para tanto, lei municipal deve delimitar as áreas de incidência do direito de preempção com prazo de vigência não superior a cinco anos, que pode ser renovado (art. 25, §1º).
Assim, se determinado imóvel estiver inserido nas referidas áreas, o proprietário deve notificar o Município, juntando proposta de aquisição por terceiro, para que este manifeste, em no máximo trinta dias, seu interesse em comprar o bem (art. 27). Caso a alienação do bem ocorra em desconformidade com as condições da proposta anexada à notificação, v.g., por preço inferior, ela é considerada nula de pleno direito e permite à municipalidade adquirir o bem pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta, quando inferior àquele (art. 27, §§ 1º, 5º e 6º).
Cumpre ressaltar que o Estatuto da Cidade não exige que o imóvel seja tombado para incidir o direito de preempção da municipalidade. Assim, imóveis com valor cultural inseridos na área especificada em lei municipal podem ser adquiridos mediante o direito de prelação. Ainda, sobreleva destacar que, se o bem for oferecido a título de doação ao Poder Público, existe posicionamento de que o Município não poderá recusar o recebimento do imóvel, porquanto reconhecido em lei a necessidade do imóvel para fins de conservação[19].
Ainda que o direito de preferência tenha sido restringido, com a revogação do artigo 22 do Decreto-lei nº 25/1937, o ordenamento jurídico permite a desapropriação do bem ou a aquisição com dispensa de licitação, em certos casos, para a proteção do patrimônio cultural.
A desapropriação está prevista como instrumento de proteção ao patrimônio cultural no art. 216 da Lei Fundamental. Maria Sylvia Zanella Di Pietro a conceitua como:
O procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização[20].
A desapropriação deve ocorrer de forma excepcional, quando for realmente indispensável, ou seja, se absolutamente inviáveis ou insuficientes outras formas legais de acautelamento e preservação[21]. Isso porque a desapropriação é a mais grave forma de intervenção estatal na propriedade – excepcionando o confisco (art. 243, da CF) –, privando o particular de um direito fundamental mediante procedimento estabelecido em lei, com pagamento de prévia, em regra, e justa indenização.
Na tutela do patrimônio cultural, a desapropriação pode objetivar a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, a adoção de medidas voltadas a manutenção e realce dos aspectos mais valiosos ou característicos, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza ou a preservação e conservação de documentos, arquivos, imóveis e móveis de valor histórico ou artístico (Decreto-lei nº 3.365/1941). Sandra Cureau classifica essas hipóteses de desapropriação como tombamento indireto, pois, após a transferência do bem para a Administração Pública, a coisa desapropriada será obrigatoriamente tombada[22].
Ainda, a Lei nº 3.924/1961, que dispõe sobre a preservação do patrimônio arqueológico, prevê a possibilidade de se efetuar a desapropriação por utilidade pública (art. 15) e o Decreto-lei nº 25/1937 fixa que o Poder Público poderá desapropriar o bem tombado quando o proprietário não dispuser de recursos para realizar as obras de conservação (art. 19, §1º).
O Código de Processo Civil, ao revogar expressamente o artigo 22, do Decreto-lei nº 25/1937 e tacitamente o artigo 4º, inciso XVII, da Lei nº 11.906/2009, restringiu substancialmente o direito de preferência da Administração Pública na aquisição de bens tombados, que antes, em todas as alienações onerosas, o proprietário devia notificar o Poder Público para em 30 dias exercer seu direito de preferência. A lei adjetiva manteve o direito para na alienação judicial de bem tombado penhorado. Os titulares deste direito devem ser cientificados com cinco dias de antecedência ao leilão judicial, sob pena de invalidação da arrematação. Ainda, apesar de na adjudicação pelo exequente e na alienação por iniciativa particular, que precedem o leilão judicial, não existir de forma expressa no Código o direito de preferência aos entes políticos, mostra-se possível a extensão do direito de preferência também a essas hipóteses.
Além do direito de preferência, num contexto de Política Pública que pressupõe que o Estado tem melhores condições de preservar o patrimônio cultural que o particular, a Administração Pública conta com outros instrumentos para a aquisição de bens protegidos, em que se destacam o Direito de Preempção do Estatuto da Cidade, contratação direta, com dispensa ou inexigibilidade de licitação, e a desapropriação.
Em apertada síntese, esses são os principais instrumentos jurídicos à disposição do Estado para adquirir bens protegidos, que devam ser incorporados aos bens públicos, com a finalidade de se garantir a sua preservação para as presentes e, especialmente, futuras gerações.
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[1] OLIVEIRA, Fábio André Uema. Tombamento e instrumentos jurídicos de restauração de bens imóveis protegidos. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2014, pp. 67-68
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, pp.150-153.
[3] “Art. 4o Compete ao Ibram:
XVII – exercer, em nome da União, o direito de preferência na aquisição de bens culturais móveis, prevista no art. 22 do Decreto-Lei no 25, de 30 de novembro de 1937, respeitada a precedência pelo órgão federal de preservação do patrimônio histórico e artístico.”
[4] Apesar da omissão, o Distrito Federal também goza do direito de preferência. O artigo 1º da Constituição Federal declara que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, este contempla, ainda, as competências legislativas dos Estados e Municípios (art. 32, §1º, da CF) e tem, assim como os demais entes federados, o dever de preservar o patrimônio cultural (art. 23, III, IV, V e VI, da CF). Destarte, inexiste razão para excluir o Distrito Federal do direito de preferência.
[5] Deve ser lida como sinônimo de intimação, conforme art. 269 do NCPC, sendo efetivada sempre que possível por meio eletrônico (art. 270, do NCPC), conforme WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1263.
[6] Contados em dias úteis, por se tratar de prazo processual (art. 219, NCPC).
[7] “Art. 889. Serão cientificados da alienação judicial, com pelo menos 5 (cinco) dias de antecedência:
(...)
VIII - a União, o Estado e o Município, no caso de alienação de bem tombado.”
“Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4o deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.
§ 1o Ressalvadas outras situações previstas neste Código, a arrematação poderá, no entanto, ser:
I - invalidada, quando realizada por preço vil ou com outro vício;”
[8] Art. 876. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer que lhe sejam adjudicados os bens penhorados.
[9] Art. 880. Não efetivada a adjudicação, o exequente poderá requerer a alienação por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor ou leiloeiro público credenciado perante o órgão judiciário.
[10] Art. 881. A alienação far-se-á em leilão judicial se não efetivada a adjudicação ou a alienação por iniciativa particular.
[11] Aduzem que “levando-se em conta que a ratio dessa regra é a de preservar o direito de preferência, deve ser estendida, segundo pensamos, às hipóteses de adjudicação e alienação por iniciativa particular” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Ob. Cit., p. 1263.
[12] Bens culturais passíveis de musealização são os bens móveis e imóveis, de interesse público, de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, portadores de referência ao ambiente natural, à identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (art. 5º, §1º da Lei nº 11.904/2009 e art. 2º, inciso III, do Decreto nº 8.124/2013).
[13] “Art. 20. Os museus integrados ao SBM gozam de direito de preferência em caso de venda judicial ou leilão de bens culturais, nos termos do art. 63 da Lei no 11.904, de 2009.
1º Para possibilitar o exercício do direito de preferência previsto no caput, o responsável pelo leilão ou venda judicial de bens culturais deverá notificar o IBRAM sobre o leilão com antecedência de, no mínimo, trinta dias, e caberá à autarquia estabelecer requisitos mínimos para notificação.
§ 2º Recebida a notificação referida no § 1º, o IBRAM consultará os museus integrantes do SBM para que, no prazo de dez dias, informem interesse na aquisição dos bens objeto da venda judicial ou leilão.
§ 3º Caso um museu integrante do SBM informe interesse, o IBRAM notificará o responsável pelo leilão ou venda judicial com antecedência de, no mínimo, quinze dias à data da alienação do bem.
§ 4º Em caso de concorrência entre os museus do SBM, caberá ao Comitê Gestor, no prazo de cinco dias, determinar que museu terá a preferência, na ausência de sua manifestação, caberá ao seu Presidente a definição.
§ 5º Em se tratando de bem cultural declarado de interesse público, terá preferência museu do IBRAM, caso a autarquia informe interesse na aquisição.
§ 6º O direito de preferência será válido somente se o bem cultural se enquadrar na política de aquisições e descartes de bens culturais do museu, elaborada nos termos do art. 24.
§ 7º O representante legal do museu que pretender exercer o direito de preferência deverá se fazer presente no ato do leilão ou venda judicial, sob pena de preclusão do direito de preferência.”
[14] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 283.
[15] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14 ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 332
[16] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito..., 2015, p. 429
[17] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 168.
[18] O artigo 26 do Estatuto da Cidade lista as seguintes finalidades para as áreas do direito de preempção: “Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para: I – regularização fundiária; II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; III – constituição de reserva fundiária; IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;”
[19] GASPARINI, Audrey. Tombamento e transferência do direito de construir: dois institutos que se complementam. In FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (coord.). Revisitando o instituto do tombamento. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 151.
[20] DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 166.
[21] MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do patrimônio cultural brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.159.
[22] CUREAU, Sandra. O patrimônio cultural brasileiro e seus instrumentos de proteção. In MARQUES, Cláudia Lima; MEDAUAR, Odete; SILVA, Solange Teles da. (coord.). O novo direito administrativo, ambiental e urbanístico: estudos em homenagem à Jacqueline Morand-Deviller. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 173.
Procurador do Estado de São Paulo. Mestre e Doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP. Especialista em Direito Constitucional pela PUCSP/COGEAE.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Fábio André Uema. Direito de preferência da Administração Pública na aquisição de bens tombados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50341/direito-de-preferencia-da-administracao-publica-na-aquisicao-de-bens-tombados. Acesso em: 23 dez 2024.
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