RESUMO: O tema que nos propusemos a estudar, visa a inconstitucionalidade do artigo 1º, § 1º da Lei Complementar 116/2003. Este artigo permite a tributação de serviços prestados no exterior do país. Aquela lei, cria uma nova regra-matriz de incidência para o imposto sobre serviços de qualquer natureza que sejam prestados no exterior do país. Com a alteração da regra-matriz passa-se a tributar a mera contratação de serviços, e não mais a sua efetiva prestação. Além, alterou-se ainda a figura do contribuinte e o local de recolhimento do imposto. Somente não ocorreu a mudança da base de cálculo imposto, permanecendo a mesma que é aplicada no imposto sobre serviços de qualquer natureza, ou seja, criou-se um novo imposto, mas a base de cálculo foi mantida. Verificaremos que a Lei Complementar que regula a regra-matriz do imposto pode criar uma nova hipótese de incidência, mas para isso seria necessário que o novo imposto possuísse fato gerador e base de cálculo diferente das que já existam na Constituição Federal.
Palavras-chave: Imposto. Serviço . Importação. Inconstitucionalidade.
ABSTRACT: The theme we set out to study seeks the unconstitutionality of article 1 § 1 of the Supplementary Law 116/2003. This article allows the taxation of services rendered outside the country. That law creates a new rule array for the tax of any nature rendered services outside the country. With the change of rule array is going to tax the mere hiring of services, and not their actual performance. In addition, changed yet the figure of the taxpayer and the place of payment of the tax. Occurred not only change the basis for calculating tax remaining the same that is applied in the tax services of any nature, so, it created a new tax, but the basis for the calculation is maintained. Find that the Complementary Law governing rule array of tax can create a new case of incidence, but this, must require that the new tax will have triggering event calculation bases different from that already exist in the Federal Constitution.
Keywords: Tax. Service. Import. Unconstitutionality
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO CAPÍTULO I O IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA 1.1 – O ISS E A SUA PREVISÃO LEGAL 1.2 - CRITÉRIO MATERIAL DO ISS 1.3 – CRITÉRIO PESSOAL DO ISS 1.4 - CRITÉRIO QUANTITATIVO DO ISS 1.5 - CRITÉRIO TEMPORAL DO ISS 1.6 - CRITÉRIO ESPACIAL DO ISS 1.7 - PREMISSAS ESTABELECIDAS CAPÍTULO II O IMPOSTO SOBRE SERVIÇO E A SUA IMPORTAÇÃO 2.1 - A IMPORTAÇÃO DE SERVIÇOS E O ASPECTO ESPACIAL DO ISS 2.2 - A IMPORTAÇÃO DE SERVIÇOS E O ASPECTO PESSOAL DO ISS 2.3 - A IMPORTAÇÃO DE SERVIÇOS E O ASPECTO MATERIAL DO ISS CAPÍTULO III O ISS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE SERVIÇOS: UM NOVO IMPOSTO? 3.1 – NOVA REGRA-MATRIZ PARA A INCIDÊNCIA DO ISS: CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, ISSQN, tributo de competência municipal, que incide sobre os serviços prestados - exceto os de transporte interestadual e intermunicipal e os serviços de comunicação - tem sua previsão legal na Constituição Federal em seu artigo 156 inciso III e na Lei Complementar 116/03.
A Lei Complementar, que apresenta a regra-matriz do imposto, revogou diversos artigos do Decreto Lei 406/68 e ainda trouxe profundas alterações no imposto.
Uma das principais alterações que se pôde observar com a nova legislação foi quanto à tributação dos serviços provenientes do exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior, conforme o artigo 1º, § 1º da referida Lei Complementar.
O principal ponto desta questão e que deve ser analisada de forma pormenorizada é a possibilidade de a Lei Complementar ser declarada inconstitucional no que tange ao artigo 1º, §1º.
Isso se deve ao fato de a regra-matriz de incidência do tributo indicar, todos os seus componentes, e com a possibilidade de se tributar os serviços prestados no exterior alterou-se substancialmente a sua hipótese de incidência. Assim, resta dúvida se poderia ou não a Lei Complementar inovar e dessa forma criar um novo fato gerador do ISS.
Desta forma se questiona se a Lei Complementar está em sintonia com a Constituição Federal e, assim, se seria constitucional o artigo que declara que podem ser tributados os serviços provenientes do exterior do País.
A Constituição Federal do Brasil em seu artigo 156, III, prevê a possibilidade dos municípios instituírem a cobrança de imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), exceto sobre os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e os serviços de comunicação que são cobrados pelo imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) e são de competência dos Estados.
A Carta Magna permitiu que os Municípios tributassem a prestação de serviços, no entanto, como pôde ser observado do artigo supra mencionado é autorizada a instituição de impostos sobre serviços. A constituição é omissa quanto ao verbo prestar, assim necessário se faz analisar outros dispositivos da Magna Carta para que possamos definir que o fato gerador do ISS é realmente a prestação de serviços.
Assim sendo, temos o artigo 155, II, da Constituição Federal que definiu que os Estados são competentes para a cobrança de imposto sobre a circulação de mercadoria; prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, e de comunicação. Ou seja, a Constituição foi clara ao expressar que é tributada a prestação de serviços.
Já no artigo 156, III, a Magna Carta estabelece que todos os demais serviços, que não aqueles previstos no artigo anterior, podem ser tributados pelo ISS. Assim ao concluirmos que o fato gerador do imposto do artigo 155, II, b é a prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e comunicação analogicamente o fato gerador para todos os demais serviços estabelecidos no artigo 156, III, também será a prestação de serviços de qualquer natureza.
Muito bem explica essa analogia o renomado jurista José Eduardo de Soares Melo ao dizer que:
A circunstância de no âmbito estadual a CF haver estipulado “prestações e serviços de transporte interestadual e intermunicipal, e de comunicação” (art. 155, II – ICMS); e no âmbito municipal haver omitido o referido vocábulo (“prestações”) - só mencionando “serviços de qualquer natureza” (art. 156, III – ISS) – não significa que também não se estaria cogitando da necessidade de efetiva prestação.[1]
Explica, ainda, esta questão José Eduardo de Soares Melo ao dizer que
O cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em comento não se circunscreve a “serviço”, mas a uma “prestação de serviço”, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de “fazer”, de acordo com os postulados e diretrizes do direito privado.[2]
Desta forma, podemos estabelecer que, mesmo sem o verbo “prestar” estar presente no artigo constitucional que permite aos Municípios a cobrança do ISS, temos que o fato que gerará a tributação é a prestação do serviço.
Segundo Aires F. Barreto “serviço não se vende, serviço presta-se, faz-se”.[3]
Observando a Constituição Cidadã, ainda se fazia necessário a criação de uma lei complementar para definir os parâmetros de aplicação do imposto. Assim, em 31 de dezembro de 1968, foi publicado o decreto-lei 406 que estabelecia as hipóteses de incidência, o fato gerador e qual seria a base de cálculo do imposto para avalizar a cobrança do ISS pelos municípios brasileiros.
O decreto-lei vigeu até a edição da Lei Complementar 116/2003, que o revogou e estabeleceu novas normas de direito e desta forma, modificou substancialmente a antiga lei. Um dos principais pontos modificados foi o acréscimo de um artigo que prevê a tributação pelo ISS na importação de serviços.
Assim está disposto na Lei Complementar 116/2003, em seu artigo 1ª, § 1°:
Art. 1°. O imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes de lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
§1.° O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.
Com a nova Lei, os municípios foram autorizados a tributar os serviços provenientes do exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior, e, assim, estabeleceu-se nova hipótese de incidência para o imposto sobre serviços de qualquer natureza.
Trata-se de nova norma de incidência tributária, isso porque, no ordenamento jurídico passado, leia-se decreto-lei 406/68, a importação de serviços oriundos do exterior não sofria tributação por meio do ISS.
Para estudarmos esta nova hipótese de incidência, cobrança do ISS na importação de serviços, é necessária uma breve análise acerca dos critérios material, espacial e pessoal do imposto. Assim poderemos definir as premissas que serão de fundamental importância no decorrer do texto, e que, servirão de base para o estudo da inconstitucionalidade do § 1º, do artigo 1º da Lei Complementar 116/2003.
Para definirmos qual o aspecto material do ISS, primeiramente necessário se faz estabelecer o que vem a ser serviço. O Código Civil Brasileiro conceitua serviço em seu artigo 594, nestas palavras “toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratado mediante renumeração”.
O ilustre professor Aires F. Barreto, defini de maneira clara e objetiva, o que seria propriamente “serviço”:
É lícito afirmar, pois, que serviço é uma espécie de trabalho. É o esforço humano que se volta para outra pessoa; é fazer desenvolvido para outrem. O serviço é, assim, um tipo de trabalho que alguém desempenha para terceiros. Não é esforço desenvolvido em favor do próprio prestador, mas de terceiros. Conceitualmente, parece que são rigorosamente procedentes essas observações. O conceito de serviço supõe uma relação com outra pessoa, a quem a serve. Efetivamente, se é possível dizer-se que se fez um trabalho “para si mesmo”, não o é afirmar-se que se prestou serviço “a si próprio”. Em outras palavras, pode haver trabalho, sem que haja relação jurídica, mas só haverá serviço no bojo de uma relação jurídica.[4]
Analisando a questão em consonância com o Código Civil Brasileiro de 2002, pode se verificar que a prestação de serviço se constitui de uma obrigação de fazer, que se diferencia da obrigação de dar, uma vez que nesta se pretende a entrega de determinado bem, enquanto naquela se verifica que o objeto da prestação representa um fazer, um esforço humano em benefício de outrem.
Considerando as distinções existentes entre obrigação de dar e de fazer, e o conceito estabelecido no Código Civil, podemos chegar ao conceito de serviço como sendo a prestação de esforço humano a outrem, em caráter negocial, sob o regime de direito privado tendente à obtenção de um bem material ou imaterial.
Definido o conceito de serviço, passamos a análise do critério material do ISS.
A tributação do imposto somente pode se dar sobre a prestação do serviço e, não sobre o seu consumo, sobre a sua fruição, a utilidade ou a utilização, vez que, tais verbos e os seus complementos não se encaixam no modelo constitucional do imposto. Somente a prestação de serviços será tributada, isso porque o verdadeiro beneficiário do pagamento é o prestador de serviços, é ele quem recebe para prestar um benefício a terceiro.
Isso se dá porque a essência do aspecto material da hipótese de incidência do ISS não está no termo “serviço” isoladamente considerado, mas na atividade humana que dele decorre, vale dizer, prestar serviço. Essa síntese abriga um verbo e respectivo complemento, permitindo isolar o critério material dos demais.[5]
Não se pode considerar a incidência tributária restrita à figura de “serviços”, como uma atividade realizada, mas, certamente, sobre a “prestação do serviço”, porque esta é que tem a virtude de abranger os elementos imprescindíveis à sua configuração, ou seja, o prestador e o tomador, mediante a instauração de relação jurídica de direito privado, que irradia os naturais efeitos tributários.[6]
Portanto, para que se defina qual o fato gerador do ISS, não é necessário que se verifique a ocorrência de um serviço, mas sim da efetiva prestação de um serviço. Como dito alhures, a prestação de serviço representa um fazer, um esforço humano em benefício de outrem, e, nesta hipótese, consumir serviço, fruir serviço e utilizar serviço não se encaixariam como fatos geradores do imposto.
A própria lei complementar em seu artigo 1º enuncia que o fato gerador do imposto é a prestação de serviços e, ainda em seu artigo 5º que o contribuinte é o prestador de serviços. Ou seja, óbvio se torna que será tributado pelo ISS somente a prestação de serviços, e assim qualquer outra forma de cobrança do imposto, que não a prevista na legislação estará em desacordo com a constituição.
Sendo a síntese do critério material do ISS representada pelo verbo prestar e pelo respectivo complemento serviço, o correto é que o tributo atinja o produtor da ação “prestar serviço”, o agente dessa ação, que inexoravelmente é o prestador do serviço.[7]
Muito bem finaliza o jurista Miguel Hilú Neto, em seu artigo sobre a regra matriz de incidência do ISS, afirmando que o destinatário do ISS é o prestador, não o tomador e o local de recolhimento do tributo é aquele em que foi prestado o serviço, nunca onde consumido ou fruído.[8]
Não resta outra interpretação, senão aquela que, exclui da cobrança do ISS o consumo, a fruição, utilização e a utilidade de serviços, já que pela legislação vigente, a cobrança somente será devida quando da ocorrência do fato gerador, que no caso do ISS é a prestação de serviços, e não com a ocorrência de outro fato gerador que não aquele citado.
Antes de definirmos sobre quem recai a cobrança do imposto, necessário se faz estabelecermos o sujeito ativo do imposto, que são os Municípios e o Distrito Federal, pois a eles a Constituição Federal outorgou poderes para instituir e cobrar o imposto, conforme previsão do artigo 156, III.
Assim, os Municípios são dotados de privatividade para criar o ISS, o que, por via oblíqua, implica a exclusividade e consequente proibição de seu exercício por quem não tenha sido consagrado com esse direito. Trata-se de matéria de ordem pública, eivando-se de nulidade a instituição desse imposto por Município localizado em âmbito territorial distinto daquele em que ocorrera a efetiva prestação dos serviços.[9]
Será sujeito passivo, no sistema tributário brasileiro, a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência de um tributo como inferida da Constituição: ou “quem tenha relação pessoal e direta” - como diz o artigo 121, parágrafo único, I do Código Tributário Nacional - com essa materialidade.[10]
Assim, será contribuinte do imposto aquele que incorra no fato gerador do imposto, ou seja, no caso do ISS será contribuinte aquele que prestar serviços. E não é qualquer serviço que poderá ser tributado, mas, tão somente, aqueles que estão discriminados na lista de serviços anexa a Lei Complementar 116/2003.
Os Municípios não podem definir como contribuinte do imposto o tomador do serviço. Isso porque seu fato gerador é “prestar serviços” e não “tomar serviços”.
O mestre Aires F. Barreto, em seu livro ISS na Constituição e na Lei, concordando com essa linha de pensamento afirma ISS não é imposto sobre utilização do serviço, mas sim sobre a sua prestação.[11]
Clarividente então que, somente se configurará como contribuinte do imposto sobre serviços de qualquer natureza aqueles que prestarem serviços contidos na lista anexa da legislação complementar, ficando vedada, aos Municípios, a cobrança do imposto por qualquer outra atividade que não seja a prestação daqueles serviços.
O critério quantitativo do ISS é constituído pela alíquota e base de cálculo. Com estes elementos poderemos estabelecer o montante a ser recolhido aos cofres dos Municípios e do Distrito Federal.
No caso do ISS, a base de cálculo será o valor do serviço, preceito este que encontra estabelecido no artigo 7º da Lei Complementar 116/2003.
Se o critério material da hipótese de incidência tributária é “prestar serviço”, a grandeza que mensura economicamente esse fato é o preço do serviço. Por outro lado, o preço do serviço confirma o fato descrito na hipótese tributária, evidenciando se tratar de imposto.[12]
Aires F. Barreto didaticamente ensina que:
Resumindo: “a base de cálculo ISS (...) é o preço do serviço, vale dizer, a receita auferida pelo prestador como contrapartida pela prestação do serviço tributável pelo Município ou pelo Distrito Federal aos quais cabem os impostos municipais. Receita auferida pelo prestador que não corresponda à remuneração pela prestação de serviço de competência dos Municípios não poderá ser tomada como base de cálculo do ISS, pena de desfigurá-lo, no mais das vezes com invasão da competência alheia.
E, obviamente, onde não houver receita, jamais se poderá cogitar de exigência de ISS, pela singela razão de que, nessa hipótese, preço não há.”[13]
Quanto às alíquotas, cada Município aplicará uma específica para cada serviço. A Lei Complementar 116/2003 estabelece que a alíquota máxima será de 5% sobre o valor do serviço, que serve como base de cálculo.
Necessário saber que o Ato Constitucional das Disposições Transitórias estabeleceu em seu artigo 88, I, que a alíquota mínima será de 2% sobre o valor do serviço prestado.
Através dele estabeleceremos qual é o momento que é devido o imposto.
José Eduardo de Soares Mello, a respeito deste assunto, muito bem explica que somente com a efetiva realização do serviço que ocorre o respectivo fato gerador.[14]
Assim, chegamos à conclusão de que o momento para a cobrança do ISS é quando da efetiva prestação do serviço. A partir deste momento o Município poderá exigir o pagamento do imposto pelo serviço já prestado, ou seja, poderá ser cobrado depois de verificada a efetiva prestação do serviço.
Outro elemento a ser estudado na análise dos critérios que norteiam a regra-matriz para a incidência do ISS é o critério espacial do tributo, o qual demonstra onde é devido o imposto.
Anteriormente, durante a vigência do Decreto-Lei 406/68, considerava-se como competente para tributar a prestação de serviços o Município onde se situava o estabelecimento da empresa prestadora ou na falta deste, o domicílio do prestador.
Doutrinadores e jurisprudência são claros ao afirmar que o imposto é devido no local onde ocorreu o fato gerador, no caso do ISS, no local no qual se deu a prestação de serviços, e não no local onde estivesse estabelecido o prestador do serviço.
Roque Antônio Carrazza esclarece que:
“A matéria vem disciplinada no art. 12: considera-se local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador ou, na falta, o do domicílio do prestador. Esse artigo 12, creio eu, deve ser considerado com grandes cautelas justamente para que não se vulnere o princípio constitucional implícito que atribui ao Município competência para tributar as prestações ocorridas em seu território. Se o serviço é prestado no Município “A”, nele é que deverá ser tributado pelo ISS, ainda que o estabelecimento prestador esteja sediado no Município “B”. Do contrário estaríamos admitindo que a lei do Município “B” pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre o fato ocorrido no território do município onde ela não pode ter voga ... Sempre o ISS é devido no Município em cujo território a prestação de serviço se deu. Isso a despeito do que dispõe o artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, que não se sobrepõe a nenhuma norma constitucional.”[15]
O STJ, em reiteradas decisões afirmou que é o local da prestação do serviço que indica o sujeito ativo do ISS, bem como que esta lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade irradiando efeitos em outro município[16], quiçá poderá irradiar em outro País.
Desta forma, restou claro que o ente que poderia tributar o ISS seria aquele no qual se verificou a prestação do serviço e não no local do estabelecimento do prestador. Contudo, a Lei Complementar 116/2003 não observando os julgados dos Superiores Tribunais e a maioria da jurisprudência, definiu em seu artigo 3º que, o município competente para a tributação do ISS é aquele em que se situa o estabelecimento do prestador.
Diante do que foi demonstrado, a Lei Complementar 116/2003 continuou a estabelecer que o imposto fosse devido no local onde se situa a empresa prestadora do serviço, mantendo a mesma inconstitucionalidade, antes existente no artigo 12 do Decreto-Lei 406/68.
Outro ponto que deve ser observado para definirmos onde é devido o imposto sobre a prestação de serviços é a observância do princípio da territorialidade, ou seja, nenhum município pode tributar evento ocorrido fora do seu território.
No mesmo sentido do apresentado, explana o ilustre jurista Geraldo Ataliba aduzindo que só haverá obrigação se o fato ocorra no âmbito do município.[17]
Este mesmo entendimento é compartilhado pelo eminente José Eduardo Soares de Melo[18] e pelo ilustre Paulo de Barros Carvalho[19]
Neste diapasão, a competência para tributar serviço é do Município no qual se deu o fato imponível, isto é, o imposto será devido à municipalidade em que ocorrer a prestação do serviço e não ao ente em que estiver estabelecido o prestador do serviço.
Para ilustrar, exemplificamos: empresa nacional contrata empresa estrangeira para realizar serviço em determinado município brasileiro e, verificado que a efetiva prestação se deu em território nacional é possível a cobrança de ISS da empresa estrangeira pelo serviço prestado.
Desta forma, um serviço que se inicia no exterior, mas é efetivamente prestado em território brasileiro, pode ser tributado pelo município no qual se verificou a sua efetiva prestação.
Com isso resta claro que competente para tributar o ISS é o município no qual se verifica a ocorrência da prestação do serviço, ou seja, onde é realizado o serviço, e não no local em que está estabelecido o prestador do serviço.
Observa-se, também, que o princípio constitucional da territorialidade não foi respeitado pelo texto do Decreto-Lei 406/68 e tão pouco restou corrigido pela Lei Complementar 116/2003, uma vez que se manteve como ente capaz para tributar o ISS o município no qual está situado o estabelecimento do prestador de serviços, permanecendo em desacordo com a Constituição Federal.
Torna-se evidente que quem deverá ser competente para tributar o ISS é o município no qual ocorreu a efetiva prestação do serviço, naquele que se verifica a efetiva ocorrência do fato gerador e não naquele em que está estabelecido o prestador. Às vezes poderá coincidir o local da prestação com o do estabelecimento do prestador, no entanto quando isto não ocorrer o imposto deverá ser pago ao município no qual se verifica a prestação do serviço.
Após analisarmos os critérios material, pessoal e espacial do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, estabeleceremos algumas premissas que serão fundamentais para a análise da inconstitucionalidade da cobrança do ISS sobre os serviços provenientes do exterior, ou cuja prestação tenha se iniciado no exterior.
a) A primeira é a de que o aspecto material do imposto é prestar serviços, e por isso, somente incidirá o imposto sobre a prestação de serviços e nunca sobre o seu consumo, fruição, utilidade ou utilização.
b) Estabelecemos também que apenas será contribuinte aquele que presta serviços, não podendo ser sujeito passivo da cobrança o tomador ou consumidor do serviço. O imposto terá que recair sobre aquele que prestou o serviço.
c) Demonstramos que a base de cálculo para a fixação do valor devido a título de ISS será o preço do serviço
d) E, por último, fica estabelecido que, competente para tributar a prestação de serviços será o município no qual ocorreu a efetiva prestação do serviço, afastando, assim, a possibilidade do município onde se encontre situado o estabelecimento do prestador de cobrar o ISS.
Estabelecida a premissa de que competente para a tributação do ISS é o Município onde se verificou a ocorrência do fato gerador, ou seja, no local da efetiva prestação do serviço, passamos a verificar se o estabelecido no artigo 1º, §1º da Lei Complementar 116/2003 guarda conformidade com a premissa estabelecida.
O referido artigo da legislação complementar aduz que também será tributada a prestação de serviço proveniente do exterior, ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior.
Portanto autoriza a legislação que serviços prestados no exterior sejam tributados por Municípios brasileiros, desobedecendo assim, ao princípio da territorialidade. Assim o legislador complementar permite que as leis municipais tenham eficácia fora do seu território, mostrando-se em desacordo com a Constituição Federal.
Neste sentido chegamos ao conceito de territorialidade nas São lições de Alberto Xavier, de modo que significa que as leis de um Estado (leia-se: ente federativo) se aplicam no seu território alcançando ate mesmo não nacionais que ali estejam, bem como não alcançam fatos ocorridos fora de seu território.[20]
Portanto, na carência de autorização constitucional, o legislador complementar, ao editar a Lei Complementar 116/2003, conferiu eficácia extraterritorial às leis municipais brasileiras. Determinou que as prestações de serviços realizadas em território estrangeiro fossem tributadas pela ordem interna brasileira, a despeito da soberania dos Estados da ordem jurídica internacional.
Da perspectiva interna, a atuação do legislador complementar representa violação ao princípio da territorialidade das leis tributárias; da perspectiva internacional, representa desrespeito à soberania dos Estados de Direito que integram a ordem jurídica internacional.[21]
Desta feita, segundo o princípio da territorialidade, implícito na Constituição Federal, as leis só têm o condão de propagar efeitos nos limites territoriais do ente que as editou.
Logo, resta evidente que a tributação de serviços prestados no exterior é inconstitucional, pois extrapola os limites da competência tributária do município. Isto porque os municípios são autorizados a somente tributar os serviços prestados dentro do seu território. Qualquer fato que ocorra fora dos seus limites haverão de ser tributados pelos entes competentes.
No caso da importação de serviços, a prestação ocorre integralmente fora dos limites territoriais do Município. Nesta hipótese, de acordo com texto da lei, competente para a cobrança do imposto seria o Município no qual está estabelecido o tomador ou intermediário do serviço, em flagrante inconstitucionalidade.
Ao estabelecer desta forma, o legislador complementar incorreu em erro já que não há incidência de ISS sobre fatos jurídicos tributários realizados em território estrangeiro. E ainda, o ISS somente poderá ser exigido no local onde se verifica a efetiva prestação do serviço, e não no local onde está estabelecido o tomador ou intermediário do serviço.
Aires Barreto ensina que “serviços prestados no exterior do País não podem ser aqui devidos. Esse imposto incide no local da prestação e, no caso, essa concretização ocorre fora dos lindes nacionais”.[22]
Importante ressaltar que, para a tributação dos serviços pelo ISS, necessário se faz verificar o local em que se materializa o serviço do qual o tomador se utiliza, e não o local onde está estabelecido o tomador do serviço ou o local onde o contrato para a prestação do serviço ocorreu.
Pode-se dizer que o legislador complementar, ao determinar a tributação da prestação de serviços proveniente do exterior no local onde se localiza o tomador ou intermediário do serviço, violou duplamente o princípio da territorialidade das leis, amplamente resguardado pela Constituição Federal brasileira: (a) ao estabelecer a incidência do ISS sobre o fato jurídico tributário realizado em território estrangeiro e (b) ao estabelecer que o ISS é devido não no local da efetiva prestação do serviço, mas no local do estabelecimento ou domicílio do tomador ou intermediário do serviço.[23]
Resta, assim, evidente, com nosso estudo, que será competente para a cobrança do imposto o local no qual ocorreu a prestação do serviço e, no caso da importação de serviços, a prestação se deu inteiramente no exterior do País, portanto, o ente competente para a tributação seria o País estrangeiro e não o município brasileiro e, caso a municipalidade cobre o imposto estará alargando a sua competência e incorrerá em cobrança inconstitucional.
Neste sentido, em recentíssima decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, firmou-se que empresa que contrata outra empresa, situada nos Estados Unidos da América, mais especificamente na Flórida, para a confecção de projeto de campo de golfe não deve recolher ISS aos cofres do Município em que se situa a empresa contratante, conforme podemos observar no voto do desembargador [24]
De forma muito clara entendeu o Tribunal de que a prestação do serviço de natureza intelectual, confecção de projeto de campo de golfe, teve o seu fato gerador ocorrido no exterior e, assim, não seria possível a cobrança do imposto pelo Município.
Neste sentido, outros julgados acerca do mesmo tema utilizam a mesma linha de raciocínio. REsp n° 130.792 - CE [25], TJ/MG - EI n° 179.095-5/01 [26], STJ - RO em MS n° 17.156 - SE [27]
No mesmo sentido Sérgio Pinto Martins:
“Se o serviço já foi completado no exterior, não está sendo prestado no Brasil. A legislação municipal não pode alcançá-lo, diante da regra da territorialidade da lei brasileira, mesmo que haja importação de serviços o exportador está no exterior, não podendo sujeitar-se à lei tributária brasileira”.[28]
Conforme demonstrado, a doutrina e a jurisprudência têm se posicionado no sentido de que, quando o fato gerador ocorre em território estrangeiro, o Município brasileiro não terá competência para a cobrança do ISS.
Para completar o raciocínio, importante destacar que a Constituição Federal não institui tributos, ela apenas outorga competência aos seus entes tributantes para que estes possam criá-los. No entanto, o texto constitucional traça elementos que compõem a regra-matriz de incidência, de modo que uma lei ao complementar a Constituição Federal deverá observar estes elementos.
Essa disposição vale também para o ISS, já que a sua regra-matriz de incidência indica, dentre todos os seus componentes, o critério espacial como o local da efetiva prestação do serviço, ou seja, o limite territorial para o exercício da competência tributária é o território do Município onde ocorreu o fato que dá ensejo à incidência normativa.
Logo, concluímos que o Município do tomador ou consumidor do serviço não tem competência para tributar fato ocorrido em território estrangeiro, portanto o estabelecido na Lei Complementar 116/2003 está incorrendo em flagrante inconstitucionalidade.
Conforme estabelecido no capítulo anterior, será tributado pelo ISS a prestação de serviços e não o seu consumo, fruição, utilidade ou utilização. Portanto será o contribuinte aquele que presta o serviço e não aquele que consome o serviço.
No entanto no âmbito da importação de serviços, a Lei Complementar 116/2003, em seu texto, elegeu como contribuinte aquele que toma, consome ou utiliza o serviço contratado com empresa estrangeira, criando assim, a figura do responsável tributário no artigo 6º, §2º , inc. I.
Com este artigo, o legislador objetivou que o imposto fosse cobrado e recebido pelo Município brasileiro, mesmo que o serviço fosse efetivamente prestado em território estrangeiro.
Sem o artigo acima exposto, os Municípios e o Distrito Federal não poderiam cogitar da possibilidade do tomador do serviço recolher o ISS, visto que a Lei Complementar 116/2003, em seu artigo 5º, elege como contribuinte do imposto o prestador do serviço.
Demonstraremos que o artigo 6º da referida lei não merece prevalecer. Isso porque a Lei Complementar 116/2003 abdicou da figura do contribuinte em favor do responsável tributário, por uma razão muito simples, o prestador de serviços está situado no exterior, não podendo os seus atos serem tributados por lei brasileira.
Desta feita, foi criado o instituto da substituição tributária para o pagamento do ISS de serviços prestados no exterior, no qual se imputa a obrigação de recolher o tributo a uma terceira pessoa, alguém que não praticou o fato gerador, mas que tem vinculação indireta com o verdadeiro contribuinte, ou seja, tributa-se o tomador do serviço.
Ao explicar a substituição tributária no caso do ISS, brilhantemente ensina Aires Barreto que para que ocorra a referida substituição tributária é necessário rigoroso e extremo cuidado do legislador para que não se vulnerem os desígnios estabelecidos na Constituição para a sua criação, nem os diversos preceitos que, harmonicamente visam assegurar a eficácia dos princípios tributários, como o da capacidade contributiva e o da igualdade.
Explica também, Aires Barreto que relativamente ao ISS, não autorizam a superação de tais exigências constitucionais, nem a comodidade da arrecadação, nem a conveniência fiscal. Admitir-se que, por essas razões, seria lícito ao legislador estabelecer alterações arbitrárias na sujeição passiva desse imposto, implica abrir portas a absurdos e abusos inimagináveis. Impõe-se ao legislador rígida observância dos limites e condições constitucionais na implementação da substituição tributária, no caso do ISS.[29]
Ao estabelecer que no caso de prestação de serviços por pessoa não-residente no território brasileiro o tomador do serviço passaria a ser o real contribuinte do imposto, incorreu o legislador em mais um equívoco.
A relação jurídica administrativo-fiscal entre o Município e o substituto pressupõe relação jurídica de cunho tributário (em sentido estrito) entre o Município e o substituído. Contudo, na importação de serviços, esta relação jurídica tributária é inexistente, na medida em que o prestador de serviços localizado no exterior não possui vínculo algum com o Município brasileiro.
José Eduardo de Soares Melo ao analisar a questão preconiza que
“este preceito é questionável porque não retira efetivo fundamento de validade do ordenamento constitucional, uma vez que objetiva alcançar fatos ocorridos fora do território nacional, além de criar uma esdrúxula obrigação tributária (inexistência de contribuinte – prestador do serviço na legislação, e a exclusiva estipulação do responsável pelo imposto, na pessoa do respectivo tomador)”.[30]
Existem serviços que, para serem prestados, necessitam de uma série de etapas, que em tese poderiam ser consideradas isoladamente para efeitos de tributação, no entanto, são apenas atividades sem as quais não se poderia prestar o serviço contratado. São o que a doutrina considera como serviços complexos.
Para efeitos de recolhimento do ISS apenas as atividades-fim poderão sofrer a incidência do ISS, ficando excluída para tanto a tributação sobre a atividade-meio que apenas servirá de base para a concretização de um determinado serviço.
Aires F. Barreto esclarece muito bem esse situação ao ensinar que a tributação alvo do ISS é o serviço fim e não as etapas intermediárias, necessárias para se alcançar o serviço-fim, de modo que tributar estas etapas seria uma aberração jurídica e desconsideraria a hipótese de incidência deste imposto. [31] [32]
Resta claro que serão tributadas as atividades-fim da prestação de serviços, uma vez que as outras atividades são apenas meios para que o prestador do serviço atinja o seu objetivo, qual seja a atividade-fim.
Nesta senda, podemos observar que, com a adoção do critério espacial como sendo o local onde efetivamente ocorreu o fato gerador ‘prestar serviços’, é indispensável que o fato imponível, ou a atividade-fim, ocorra integralmente no território nacional. Caso isso não ocorra, o prestador do serviço, nacional ou estrangeiro, não poderá ser alcançado pela norma impositiva.
Caso algum município venha a cobrar o ISS sobre as atividades-meio realizadas em território nacional, estará a municipalidade incorrendo em nova hipótese de incidência, uma vez que as atividades-meio, conforme já explanado, servem de apoio para a obtenção de um fim, qual seja, prestar determinado serviço.
Além disso, partindo-se da premissa de que a atividade-fim é que deve ser levada em consideração para efeitos de tributação, resta evidente que o sujeito definido pela lei como contribuinte, qual seja, o prestador de serviço não-residente, não pode ser atingido pela legislação brasileira no seu país.
Ademais, conforme evidenciado no capítulo anterior, o conceito de serviço é o esforço humano que se volta para outra pessoa; é um fazer desenvolvido para outrem, ou seja, no caso das atividades-meio não ocorre a prestação de um serviço uma vez que o beneficiário da atividade é a mesma pessoa que realiza a atividade. Portanto não há que se falar em prestação de serviço e tão pouco em cobrança do ISS.
Faz-se, ainda, necessário demonstrar que o legislador complementar criou uma nova hipótese de incidência do ISS quando permitiu a cobrança do tributo na contratação de serviços provenientes do exterior. Isso porque, ao tributar o tomador do serviço, a legislação altera substancialmente o critério material do imposto sobre serviços, deixando de se tributar a prestação de serviços e passando a tributar a contratação de serviços.
No mesmo sentido afirma Simone Rodrigues Duarte Costa ao dizer que o legislador fez as vezes do constituinte, concedendo autorização para municípios e Distrito Federal instituírem tributo sobre utilização de serviço proveniente do exterior, chamando-o de ISS sem realmente o ser.[33]
Ora, a Constituição Federal não autoriza a instituição de novo imposto com o mesmo fato gerador ou base de cálculo já dispostos. Isso não foi respeitado pelo legislador complementar ao instituir o imposto sobre a utilização de serviços provenientes do exterior e manter como base de cálculo o preço do serviço.
Sendo assim, jamais um novo imposto – a exemplo da exação que grava a utilização de serviço proveniente do exterior – poderia ter como base de cálculo o preço do serviço, uma vez que esta grandeza, à luz da Constituição Federal, assume a mesma a mesma posição no critério quantitativo da regra-matriz da incidência do ISS.
Desta feita caso o legislador complementar quisesse criar imposto sobre a utilização de serviço proveniente do exterior poderia instituir tal imposto sem problema algum, mas para tanto deveria respeitar o disposto na Constituição Federal e utilizar como base de cálculo outra grandeza que não o valor do serviço.
Portanto, evidente que o legislador nos casos de importação de serviços não tributa a prestação de serviços, e sim, a sua fruição, utilização ou contratação, ou seja, não poderiam tais serviços serem tributados pelo ISS, uma vez que o tributo em questão tem como fato gerador a prestação de serviços.
Além do que, ao tributar a fruição, utilização ou contratação de serviços do exterior o legislador complementar instituiu novo fato imponível para o imposto, contudo, manteve a mesma base de cálculo para a cobrança do serviço.
Nos capítulos anteriores estabelecemos que a regra-matriz para a incidência do ISS teria como aspecto material a prestação do serviço, como aspecto espacial restou definido o local da efetiva prestação do serviço, como aspecto pessoal teríamos que o prestador do serviço é o agente que deverá ser tributado e que a base de cálculo é o preço do serviço.
Ficou demonstrado, ainda, que a partir da Lei Complementar 116/2003 foi possibilitada a cobrança de ISS nos serviços prestados no exterior do país.
Como também já visto anteriormente, a partir do momento em que foi possibilitada a cobrança de ISS quando o serviço é prestado em território estrangeiro, mudou-se totalmente a regra-matriz de incidência do tributo.
Passou-se a se ter como aspecto material não mais a prestação do serviço, e sim a sua utilização, fruição, consumo, ou seja, ocorreu a mudança do aspecto material do imposto.
Quanto ao aspecto pessoal a lei complementar definiu que na importação de serviços o contribuinte do imposto será o tomador de serviço, afastando o prestador de serviço do polo passivo da relação tributária.
Outra premissa que foi estabelecida no primeiro capítulo e que não foi respeitada pelo legislador foi quanto ao aspecto espacial do imposto. Demonstrou-se que toda a doutrina e jurisprudência firmaram o ponto de que o imposto deve ser recolhido aos cofres do município onde foi prestado o serviço. No entanto quando da importação de serviços o legislador optou por definir como competente para a tributação do ISS o município no qual está estabelecido o tomador do serviço.
Conforme demonstrado anteriormente, com a instituição destes novos aspectos para a cobrança do imposto, criou o legislador complementar um novo imposto, ou seja, com as novas hipóteses de incidência o legislador foi além do que era pretendido.
Com a instituição da cobrança do imposto sobre serviços prestados no exterior objetivou o legislador uma forma de recolher o imposto em serviços que anteriormente não eram tributados. No entanto não foi o que ocorreu uma vez que o legislador passou a tributar não mais a prestação de serviços, mas sim a sua utilização.
Portanto, como se pode observar, criou-se um novo imposto, e como dito no capítulo anterior, o legislador poderia sim criar um novo tributo por meio de Lei Complementar, uma vez que a Constituição Federal autoriza esta criação através do seu artigo 154, inc. I.
Ocorre que o legislador complementar não se atentou para a parte final do disposto na Constituição Federal, não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição, não respeitou mais especificamente a parte da base de cálculo. Isso porque quanto ao fato imponível não ocorreria problemas já que não existe nenhum imposto que tribute a utilização de serviço proveniente do exterior.
No que pese a base de cálculo do imposto podemos verificar que a utilização do serviço, nova hipótese criada pela Lei Complementar 116/2003, tem como critério quantitativo o mesmo que é aplicada no ISS, qual seja o preço do serviço.
Portanto evidente está que a lei complementar não respeitou o que dispõe o artigo 154, I da Constituição Federal, isso porque a Carta Magna deixou claro que para a criação de um novo imposto a legislação complementar deveria respeitar os fatos geradores e as bases de cálculos já existentes em outros impostos estabelecidos no Texto Constitucional.
No caso do ISS, compete à lei complementar, por determinação da Constituição Federal em seu artigo 156, § 3º, (1) fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; (2) excluir, do campo de incidência desse imposto, as exportações de serviços para o exterior; e (3) regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais que serão concedidos e revogados.
Portanto se verificarmos os artigos 154, I e o 156, § 3º, ambos da Constituição Federal veremos que o legislador constituinte permitiu ao legislador complementar, caso necessário, poderia instituir um novo imposto desde que não possuísse fato gerador e base de cálculo já estabelecidos anteriormente na Constituição.
Além disso, o legislador constituinte outorgou para o legislador complementar que em lei complementar fixasse as alíquotas máximas e mínimas do ISS, excluir da sua incidência do imposto as exportações e ainda regular as formas de isenções, benefícios e incentivos fiscais que serão concedidos.
Conforme estudamos anteriormente, não foi o que o legislador estabeleceu na Lei Complementar 116/03, uma vez que restou claro que ficou estabelecida uma nova hipótese de incidência logo em seu artigo 1º, § 1º, ao dispor que serão tributados os serviços provenientes do exterior.
Portanto evidente que o legislador criou uma nova espécie tributária, qual seja, a cobrança de imposto sobre a utilização, fruição, consumo de serviços. Criou até mesmo os seus critérios espacial e pessoal, uma vez que determinava que o imposto seria devido no local do estabelecimento do tomador do serviço e que o contribuinte seria o tomador do serviço.
Somente não observou o legislador que a base de cálculo do novo imposto permaneceu a mesma do ISS, o valor do serviço prestado, e assim não respeitou a Constituição Federal, mais especificamente o artigo 154, I.
Não bastasse este equívoco, incorreu o legislador complementar em outro, ao desrespeitar o estabelecido no artigo 156,§ 3º da Constituição Federal, pois legislou além do que lhe foi permitido pelo referido artigo constitucional.
Portanto podemos perceber que totalmente inconstitucional é a criação do imposto sobre a utilização de serviços que pretende instituir a Lei Complementar 116/2003.
Diante de todo o exposto no presente trabalho, devemos agora concluir de uma maneira sintetizada, coerente e harmônica, todo o raciocínio até aqui trilhado.
O ISS é imposto de competência municipal e que está estabelecido no artigo 156, III, da Constituição Federal. No texto constitucional está estabelecido que os municípios poderiam instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza.
Além da permissão constitucional para a criação do imposto também se fazia necessário a criação de uma Lei Complementar que regulasse a criação do imposto estabelecendo a sua regra-matriz.
O Decreto-Lei 406/68 que instituiu as hipóteses de incidência, o fato gerador e qual seria a base de cálculo do imposto para avalizar a cobrança do ISS pelos municípios brasileiros.
O decreto-lei estabelecia que o imposto incide sobre a prestação de serviços, no local e no momento da sua efetiva ocorrência. O sujeito ativo é o Município ou Distrito Federal onde o serviço for prestado, sendo contribuinte do imposto o prestador do serviço. A base de cálculo é o preço do serviço, devendo a alíquota respeitar o mínimo de 2% e o máximo de 5%.
O Decreto-Lei 406/68, no entanto, foi revogado pela Lei Complementar 116/2003, que alterou alguns aspectos da lei anterior.
A principal alteração ocorrida foi a possibilidade de cobrança de ISS sobre a prestação de serviços provenientes do exterior do país.
Conforme demonstrado a cobrança do ISS importação desrespeita o princípio da territorialidade, uma vez que a lei municipal somente poderá alcançar fatos ocorridos dentro do município onde ocorre o fato imponível.
Definimos que o aspecto material do imposto é a prestação de serviços e não o seu consumo, sobre a sua fruição, a utilidade ou a utilização. Somente a prestação de serviços será tributada, isso porque o verdadeiro beneficiário do pagamento é o prestador de serviços, é ele quem recebe para prestar um benefício a terceiro.
Porém a Lei Complementar definiu que na hipótese de importação de serviços, o imposto não mais seria incide sobre a prestação do serviço, mas sim sobre a contratação, utilização, fruição do serviço. Evidente que houve alteração no aspecto material da regra-matriz do ISS.
Quanto ao aspecto espacial do tributo, temos que, competente para a cobrança do imposto é o Município ou Distrito Federal onde ocorreu o fato gerador que enseja a cobrança do imposto. No que pese a importação de serviços, o legislador complementar passou a outorgar competência para a cobrança e recolhimento do imposto ao município no qual está situado o tomador do serviço.
Além disso, o legislador transferiu o aspecto pessoal da cobrança do imposto para aquele que toma, utiliza, usufrui do serviço em detrimento do prestador do serviço, que é o real contribuinte do imposto, conforme preceitua o artigo 5º da Lei Complementar 116/2003.
Com todas essas alterações o legislador complementar criou uma nova regra-matriz para a incidência do imposto quando ocorrer a importação de serviços, é assim composta, critério material contratar serviço; critério espacial local onde se der a contratação do serviço; critério pessoal sujeito ativo é o Município ou Distrito Federal em cujo território o serviço for contratado e sujeito passivo é o tomador ou intermediário do serviço.
Portanto demonstrado ficou que a legislação complementar criou um novo imposto, qual seja, o imposto sobre a contratação, fruição e utilização de serviços do exterior.
Somente um detalhe passou despercebido pelo legislador, a base de cálculo do imposto.
Isso porque a Constituição Federal diz que Lei Complementar poderá criar um novo tributo, somente não podendo que este novo imposto tenha o mesmo fato gerador e base de cálculo igual a de impostos já existentes.
Além disso, a Constituição Federal em seu artigo 156, § 3º preconiza que caberá a Lei Complementar somente fixar alíquotas máximas e mínimas; excluir da sua incidência exportações de serviços e regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
Por fim chegamos à conclusão de que o artigo 1º, § 1º da Lei Complementar é inconstitucional, seja por ferir o princípio da territorialidade, seja por desrespeita a Constituição Federal e criar um novo tributo com a mesma base de cálculo de um imposto já existente.
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[1] Melo, José Eduardo Soares de. ISS – Aspectos Teóricos e Práticos. 3ª ed., São Paulo: Dialética, p. 34.
2 Ibid. p. 33
[3] BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003. p. 239.
[4] BARRETO, Aires F, op. cit., p. 29.
[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª. ed.,São Paulo: Saraiva, 2004. p. 212.
6 Melo, José Eduardo Soares de, op. cit. p. 34.
[7] CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 254 e 350.
[8] Hilú Neto, Miguel. Importação e Exportação de serviços: uma análise a partir da Constituição. ISS LC 116/2003, São Paulo: Juruá, 2003,p. 362.
[9] Melo, José Eduardo Soares de, op. cit., p. 9.
[10] BARRETO, Aires F, op. cit., p. 289
[11] BARRETO, Aires F, op. cit.. p. 294.
[12] COSTA, Simone Rodrigues Duarte. O ISS e a importação de serviços. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005, p. 137-138.
[13] BARRETO, Aires F, op. cit., p. 298.
[14] Melo, José Eduardo Soares de, op. cit., p. 142.
[15] CARRAZZA, Roque Antônio.Curso de Direito Tributário Constitucional.19ª ed.,São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 210/211.
[16] STJ, 1ª TURMA, REsp nº 41.867-4/RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, julgamento de 04/04/1994. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=41867&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=6>. Acesso em 10 de janeiro de 2014.
[17] Ataliba, Geraldo. Hipóteses de Incidência Tributária. 6ª ed.,São Paulo: Malheiros., 2000, p. 104.
[18] Melo, José Eduardo Soares de, op. cit., p. 338.
[19] CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 162.
[20] XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed., São Paulo: Editora Forense., 2005, p. 23.
[21] COSTA, Simone Rodrigues Duarte, op. cit., p. 154.
[22] BARRETO, Aires F, op. cit., p. 322.
[23] COSTA, Simone Rodrigues Duarte, op. cit., p. 158.
[24] TJ/SP – Apelação Cível n.º 642.845-5/6-00 – Rel. Des. Flávio Silva. Julgado em 20/10/2008. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3336164>. Acesso em 10 janeiro 2014.
[25] STJ - REsp n° 130.792 - CE - Ia S - Rela p/o Ac. Mina Nancy Andrighi - DJU 12.06.2000. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=130792&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=25>. Acesso em 10 janeiro 2014.
[26] TJ/MG - EI n° 179.095-5/01 - 4a C. Cív - Rei. p/o Ac. Des. Hyparco Immesi - J. 21.03.2002. Disponível em Acesso em 10 janeiro 2014.
[27] STJ - RO em MS n° 17.156 - SE - 2a T - Rei Min. Castro Meira - J 10 08.2004 - DJ 20.09 2004. Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=17156&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4>. Acesso em 10 janeiro 2014.
[28] MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do Imposto Sobre Serviços. 7ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 66.
[29] BARRETO, Aires F, op. cit., p. 296.
[30] Melo, José Eduardo Soares de, op. cit., p. 158.
[31] BARRETO, Aires F. ISS – Atividade-meio e Serviço-fim. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 5, p. 83, 1996.
[32]BARRETO, Aires F, op. cit., p. 83.
[33] COSTA, Simone Rodrigues Duarte, op. cit., p. 167.
Formado em Direito pela Unicaldas, pós graduado em Direito Tributário pela Uni-anhanguera, ex- cadete da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VITOR HUGO MEDEIROS GALVãO, . O ISS na importação de serviços Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50357/o-iss-na-importacao-de-servicos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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