RESUMO: Como cediço, o devido processo legal ostenta índole de princípio-base do sistema processual brasileiro. Ademais, há vertentes do devido processo legal que vão para além do âmbito processual. Nesse sentido, estudar-se as suas facetas sob o viés de seu nascedouro e sua aplicação moderna.
Palavras-chave: Devido processo legal. Vertentes.
ABSTRACT: As a beggar, due process of law bears the basic principle nature of the Brazilian procedural system. In addition, there are aspects of due process that go beyond the procedural scope. In this sense, study its facets under the bias of its birth and its modern application.
Keywords: Due process legal. Vertentes.
1 DEVIDO PROCESSO LEGAL
Afigura-se de grande relevância o estudo dessa temática a partir da análise do princípio-base do sistema processual pátrio, em vista de sua importância singular dentro da propedêutica processualística, a par de ser a fonte de onde decorrem e deságuam vários outros princípios.
1.1 Origem e Evolução do Devido Processo Legal
À guisa de entrada, cumpre ressaltar que o nascedouro do devido processo legal – segundo maciça doutrina – a exemplo de Ricardo Maurício Freire Soares (2008:67), encontra-se na Inglaterra, mediante a Magna Carta (Magna Carta Libertatum) outorgada pelo então Rei João Sem Terra, no longínquo ano de 1215, a qual previa inúmeros direitos feudais alcançados pelos barões ingleses, consectário de suas intensas vindicações, inclusive da marcha sobre Londres em 24 de maio do mesmo ano, visto que, à época, imperava um forte descontentamento para com o soberano, tendo, ainda, substancial apoio dos demais munícipes londrinos.
De bom alvitre frisar que dita revolução aconteceu em virtude da habitualidade dos ingleses no que atina às leis que se mostravam durante longo tempo de aplicação amena em seu desfavor, além de apresentarem marcante índole consuetudinária (ou costumeira). De sorte que surgiu uma política de barganha, vertida no binômio – investimento financeiro versus reconhecimento de direitos –, à medida que João com o fito de sustentar suas campanhas bélicas majorava a carga tributária e, em contrapartida, os barões exigiam direitos positivados e não meras “garantias extralegais”, revelando-se uma clara troca de favores.
Ante esse cenário político, em data de 15 de junho daquele ano desenvolveu-se em Runnymede um encontro entre o soberano e os tais insurretos cidadãos londrinos, tendo naquele azo sido apresentado o documento Articles of the Barons (Artigos dos Barões), que posteriormente serviria de fundamento para a Carta Magna. Tal documento trazia em seu bojo a cláusula 39, tida como “coração da Magna Carta” e que tinha literalmente o seguinte teor: “nenhum homem livre será detido ou preso, nem privado de seus bens, banido ou exilado ou, de algum modo, prejudicado, nem agiremos ou mandaremos agir contra ele, senão mediante um juízo legal de seus pares ou segundo a lei da terra”.
Conquanto escrito a princípio em latim, o documento exaltou a famigerada expressão the law of the land (a lei da terra), que ulteriormente cambiaria para a célebre due process of law (devido processo legal), utilizada até os dias atuais. Sendo assim, surgiram como corolário da conquista dos barões ingleses diversos ordenamentos posteriores que preceituaram tal garantia como, v. g., o de Maryland, Pensilvânia e Massachussetts (Nery Júnior, 2004:62).
Nesse diapasão, em face de a Convenção da Filadélfia, a qual aprovou a Constituição Americana (1787) não ter contemplado a tutela aos direitos individuais, adveio a Emenda n.º 5 à Constituição Americana de 1791, incorporando ao seu texto o devido processo legal, litteris:
Ninguém será obrigado a responder por um crime capital ou infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um grande júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá ser constrangido a depor contra si mesmo em processo criminal, nem ser privado da vida, liberdade, ou de seus bens, sem o processo legal. Nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público sem justa indenização.
Tempos depois, corroborando o prestígio dos direitos individuais insertos nas Cartas Magnas dos países pelo mundo, a Constituição Estadunidense voltou a ser modificada por meio da Emenda n.º 14 fazendo referência ao trinômio vida-liberdade-propriedade protegendo-os contra os abusos e teratologias dos Estados, enaltecendo, assim, a aplicação do devido processo legal.
Assim, nota-se indubitavelmente a grande parcela de contribuição que tiveram os Estados Unidos para o fortalecimento do princípio sob enfoque e sua respectiva inserção nos ordenamentos de outras nações, consoante, outrossim, preleciona Carlos Roberto Siqueira Castro (2006: 11): “através do fenômeno da recepção, o direito norte-americano foi herdeiro direto dessa garantia constitucional, tendo tido o mérito de embalá-la, criá-la e fazê-la florescer com inexcedível criatividade”.
Doutra sorte, na realidade brasileira só fora inserido o princípio-garantia do devido processo legal na vigente Carta Política de 5 de outubro de 1988, com um largo retardo temporal de séculos, como se o direito pátrio fizesse tábula rasa para o evoluir da norma jurídica mundial.
Sua positivação em nossa Lex Mater encontra-se no art. 5.º, LIV, com a redação: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, redundando ainda no inciso LV do mesmo artigo: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
A respeito, é superabundar trazer a lume o entendimento de parte da doutrina que afirma ser uma redundância haver expressamente no texto constitucional os princípios decorrentes do devido processo legal (como o contraditório e a ampla defesa, p. ex.) dada a sua auto-significação. Entrementes, em nosso sentir, nada mais razoável a CF agregá-los ao seu texto, em vista do contexto histórico que ela foi redigida, isto é, sob uma atmosfera marcada pela reprochável e antidemocrática ditadura militar.
Assim sendo, em lapidar síntese, restou esposado acima o nascimento e a evolução do princípio alicerce da ciência processual, apresentado tanto num contexto nacional como internacional para fins de facilitar o seu entendimento dentro do enfoque dos direitos fundamentais do cidadão.
1.2 O Devido Processo Legal como Direito Fundamental
A expressão direitos fundamentais (“droits fondamentaux”), nasceu na França no ano de 1770, resultado do movimento que originou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta, a propósito, em seu art. XI já garantia a aplicabilidade do devido processo legal, senão vejamos:
Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido assegurada todas as garantias necessárias à sua defesa. (grifo nosso)
No contexto nacional, a CF/88 confere proteção especial aos direitos fundamentais, tanto ao afirmar que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5.º, § 1.º), quanto ao fato de inseri-los no cerne imutável da Constituição[1] hospedado no art. 60, § 4.º, salvaguardando-os não somente do legislador ordinário, mas também do poder constituinte reformador.
A propósito, pode-se dizer que há dois aspectos dos direitos fundamentais: um material e outro formal. O segundo enquadra-se naqueles encartados no Título II da CF, diga-se, na parte “Dos direitos e garantias fundamentais”. Sem embargo, a nossa Carta Política aceita a inserção de outros direitos fundamentais não elencados naquele Título, basta, para tanto, que guardem compatibilidade material com o regime e os princípios por ela adotados, a teor do cânone do art. 5º, § 2.º.
Mas, não é somente o fato de estar previsto no rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal ou com ela ser materialmente compatível que se atribui ao devido processo legal esse importante status de direito fundamental. Não se pode olvidar, conforme sobejamente abordado no item anterior, que desde os primórdios de nossa sociedade até bem pouco tempo atrás, reinavam os abusos dos governantes que ao terem o poder em suas mãos praticavam toda sorte de excessos, uma vez que os seus atos estavam acima da lei, não tendo que se submeter a nenhum tipo de regra ou norma, pois, a bem da verdade, a lei era simplesmente a vontade do soberano.
Diante disso, com o desiderato de sobrestar essas teratologias praticadas pelo Estado é que exsurgiu o Princípio da Legalidade, passando a Administração Pública a condicionar todos os seus atos à estrita observância da lei. Assim, firmou-se, paulatinamente, como supedâneo de todos os atos administrativos e como elemento disciplinador das relações patrimoniais e sociais em geral.
Tal princípio constitui a garantia fundamental da liberdade civil, que não é admitir fazer tudo que se deseje, porém somente o que a lei permitir. Destarte, a Legalidade, definida pela presença da lei tendente a regular todas as relações do Estado para com o indivíduo e a sociedade – dentro da ciência processualística –, manifesta-se por meio do princípio do devido processo legal, o que nos ensinamentos de Nelson Nery Júnior (2004:60), é “o gênero do qual são espécies todos os outros princípios constitucionais do processo”. Assim sendo, nota-se a importância singular do princípio em tela no âmbito dos direitos fundamentais.
1.3 Sentido Processual, Substantivo e Genérico do Devido Processo Legal
Na gênese, o devido processo legal foi elaborado tão somente como uma garantia processual, isto é, como um princípio que intencionava assegurar a regularidade do processo em todas as instâncias judiciais.
De modo que foi com esse caráter eminentemente processualista que o devido processo legal vigeu na antiga Inglaterra, através de sua inserção na Magna Carta, em seguida fazendo parte das Cartas Coloniais da América do Norte e, ulteriormente, fortalecido com a 5.ª e 14.ª Emendas à Constituição Estadunidense (cf. Nery Júnior, 2004:35).
A princípio, mostrava-se como pressuposto de validade no âmbito penal, e por elastério, empós passou para a seara civil, vindo, mais recentemente, a integrar os procedimentos administrativos.
O Supremo Tribunal Federal, a propósito, assim o define, ipsis litteris:
O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos judiciais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais. (STF – AI n.º 529.733, DJ 01.12.2006)
Dessarte, é no sentido processual que tal garantia se apresenta de forma mais explícita, tendo como desiderato o efetivo acesso à justiça, assegurando a manifestação da igualdade entre as partes, do direito de ação, de defesa e do contraditório.
Hodiernamente, tem-se o devido processo legal como a garantia de um processo e sentença justos. Para tanto, assegura-se toda uma gama de princípios e garantias tendentes a consecução da finalidade do processo que é dar direito a quem tem razão, chegando-se, assim, a tão almejada paz social.
A natureza da ação, seja ela civil ou penal, é que determinará o alcance de tal princípio no processo, uma vez que tanto o processo civil como o penal possuem uma sistemática própria para a incidência do devido processo legal.
Verifica-se, às escâncaras, a sua indiscutível índole processual, nada obstante, não é apenas nesse sentido que se apresenta o princípio ora em estudo. Há, ainda, como derivado do devido processo legal, os sentidos substancial e genérico.
No sentido substancial ou material (Nery Júnior, 2004:37), protegem-se os direitos materiais mediante um processo judicial ou administrativo, asseguradas todas as garantias de índole constitucional, além de impor limites ao poder de polícia da administração pública, de modo a controlar seus atos.
Daí porque surge a imposição ao Poder Legislativo de elaborar leis que visem ao interesse público, de sorte a conseguir a satisfação do Princípio da Razoabilidade das Leis, ou seja, toda lei deve ser sempre razoável sob pena de ser controlada pelo Judiciário. Neste sentido substancial, aliás, manifesta-se o Princípio da Legalidade, segundo o qual a administração só pode agir nos limites da lei, sendo-lhe proibido agir contra legem ou praeter legem.
Assim, com a evolução da sociedade e do direito, tanto a doutrina como a jurisprudência ampliaram a conceituação do sentido substantivo do devido processo legal, conferindo-lhe uma interpretação mais elástica, com vistas a dar maior garantia aos direitos dos cidadãos.
Por derradeiro, cumpre-nos falar sobre o sentido genérico do devido processo legal. Porém, válido ressaltar antes de tudo, que a nossa Corte Suprema entendeu que a CF apenas prevê os sentidos substancial e processual, senão vejamos: “Abrindo o debate deixo expresso que a Constituição de 1998 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV, do art. 5.º, respectivamente.”, conforme o precedente do STF na ADI (MC) n.º 1.511, voto do Min. Carlos Velloso (DJ 06.06.2003).
Não obstante a isso, posicionamo-nos ao lado da corrente que admite também o sentido genérico do devido processo legal, o qual, em linhas gerais, gira em torno do trinômio vida-liberdade-propriedade, tutelando os bens da vida no sentido mais amplo.
Ora, é justamente no sentido genérico que a nossa Carta Política faz menção ao devido processo legal ao prever em seu art. 5º, inciso LIV, a tutela da liberdade e dos bens do cidadão, aliás, com clara inspiração nas Emendas 5.ª e 14.ª da Constituição Estadunidense.
Em vista disso, é que somos pela inclusão do sentido genérico como derivação do devido processo legal.
1.4 Devido Processo Legal na Jurisdição Penal
Como já reportado em linhas transatas, o devido processo legal surgiu, a priori, como princípio condicionante do processo penal, composto por garantias “explícitas” e “implícitas”, dentro da sistemática de proteção à liberdade pela Constituição Estadunidense.
Deveras importante mencionar que entre tais garantias contidas na Carta Magna norte-americana havia a expressa proibição ao bill of attainder[2], além do direito de defesa e ao contraditório.
Entrementes, é induvidoso que a grande incidência do devido processo legal na jurisdição penal encontra-se intrinsecamente ligada aos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa, que somente se fizeram presentes no direito constitucional pátrio a partir da CF/88 (Grinover, 1985:6).
Portanto, tem-se em sede de dispositivo constitucional o caráter dialético e isonômico da relação processual, elemento vinculador da persecutio criminis, e que no entender de Ada Pellegrini Grinover (1985:7), é ao mesmo tempo garantia das partes, do processo e da jurisdição:
Garantias das partes e do próprio processo: eis o enfoque completo e harmonioso do conteúdo da cláusula do “devido processo legal”, que não se limite ao perfil subjetivo da ação e da defesa como direitos, mas que acentue, também e especialmente, seu perfil objetivo. Garantias, não apenas das partes, mas sobretudo da jurisdição: porque se, de um lado, é interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem suas razões, de produzirem suas provas, de influírem concretamente sobre a formação do convencimento do juiz, do outro lado essa efetiva e plena possibilidade constitui a própria garantia da regularidade do processo, da imparcialidade do juiz, da justiça das decisões.
Demais disso, para que haja a regularidade da instrução criminal, faz-se mister que as provas produzidas tenham lídimo caráter de idoneidade, pois que malfere o Princípio da Justiça nas relações processuais o manuseio de meios de prova obtidos ilicitamente.
A respeito, é sobranceiro em nossa Carta Magna o Princípio da Proibição de Provas Oriundas de Atos Ilícitos, constante, pois, do art. 5.º, LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Conseguintemente, infere-se que o devido processo legal no âmbito da jurisdição criminal informa-se pelo conjunto de garantias referentes ao contraditório, tendo o condão de invalidar qualquer ato (ou omissão) que resulte em prejuízo para a defesa, inclusive com entendimento sumulado pelo STF (Súmula 523): “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
1.5 O Devido Processo Legal na Jurisdição Civil
No que tange ao processo civil, este se revela de forma clara e induvidosa terreno fértil para a aplicação do devido processo legal, em que pese à pretérita Constituição brasileira ter-lhe olvidado, tão somente assegurando o contraditório e a ampla defesa relativamente ao processo criminal, deixando-o à míngua de tais princípios processualístico-constitucionais.
Às avessas disso, registrem-se, por oportuno, as sábias e abalizadas palavras do mestre Cândido Rangel Dinamarco (1986:62) que, por elastério, entendia serem totalmente aplicáveis tais garantias ao processo civil e aos procedimentos administrativos, mesmo diante da referida omissão da antiga Constituição, o que, diga-se de passo, vai ao encontro de nosso posicionamento.
Superado esse imensurável disparate do Constituinte de 1967, a nossa atual Carta Magna prescreveu em seu art. 5.º, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Em virtude da aludida omissão por parte da Lei Maior revogada, entendia-se que ditas garantias quedavam-se implícitas no Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário. Válido ressaltar, que esse princípio adentrou formalmente ao Ordenamento Jurídico brasileiro com a Constituição de 1946, denotando, pois, que o Poder Judiciário, levando-se em conta a separação tripartite dos poderes do Estado, incumbe-se de decidir sobre o direito objetivo, isto quer dizer: pôr fim aos litígios.
Por isso, no exercício da jurisdição, id est, na composição dos conflitos, a tutela jurisdicional, acima de tudo, tem de ser prestada pelo Estado com justeza e ética superiores para fins de solucionar os litígios segundo o direito, de modo a (r)estabelecer a paz social.
Nessa esteira, revela-se de acentuada imperiosidade a lição do professor Carlos Roberto Siqueira Castro (2005:303) ao enfrentar a matéria ora versada:
Na realidade, a garantia do contraditório e da ampla defesa significa o direito à tutela jurisdicional por parte do réu, ou seja, o direito público subjetivo do figurante no pólo passivo da relação processual a exigir do “Estado-juiz” que ouça suas razões de defesa ou de contra-ataque à pretensão ajuizada com a ação civil, conferindo-lhe, em regime de igualdade com o autor da demanda, oportunidade de produzir as provas a seu ver conducentes à improcedência do pedido. (grifo nosso)
À toda evidência, o devido processo legal liga-se à própria destinação do processo, que intenciona não a satisfação dos interesses pessoais do autor ou do réu, mas sim decidir o direito objetivo posto à sua cognição. Eis, então, o motivo do monopólio estatal que ao repudiar o exercício arbitrário das próprias razões, põe à disposição do jurisdicionado um processo pautado por procedimentos legais, tendentes a consecução de uma sentença justa e o consequente fim da contenda.
1.6 O Devido Processo Legal no Processo Administrativo
Ante as intrincadas relações entre a sociedade e a Administração Pública, o devido processo legal – no âmbito do Direito Administrativo – ganhou relevo em virtude do intervencionismo estatal fortemente presente na segunda metade do século XX.
Nessa esfera de incidência, o devido processo legal visa a resolver as celeumas entre o Poder Público e os indivíduos, garantindo a aplicação dos Princípios da Legalidade e da Moralidade, consonante preceituado pela Lei Maior.
De sorte que é imperativo da Administração a sua submissão aos direitos fundamentais colacionados na CF/88, ou seja, o Estado se autolimita, subordinando-se totalmente ao Princípio da Legalidade, inclusive com subserviência aos atos que ele próprio tenha editado (Siqueira Castro, 2005:307).
Diante disso, pode-se dizer que todos os atos administrativos, quando válidos, vinculam tanto a Administração Pública como também os administrados.
Faz-se mister ressaltar, no ensejo, que o princípio segundo o qual o Poder Público deve submeter-se aos atos que venha a editar sob o prisma da legalidade é sucedâneo inconteste do Estado de Direito, presente, outrossim, nos países que desenvolvem seus ordenamentos jurídicos mediante regimes democráticos.
Em arremate, dessume-se que a cláusula do devido processo legal na seara do Direito Administrativo, precipuamente, tem por escopo regular os entraves existentes entre o Poder Público e o administrado, mormente em face da posição de superioridade daquele perante este, de modo a evitar os abusos de poder e estabelecer, de certa forma e ao menos em tese, paridade entre os dois sujeitos dentro de uma relação processual.
Paridade, aliás, que é condição inarredável para se chegar a um resultado útil e justo dentro de um processo, quando os sujeitos contendores não têm igualdade de forças, haja vista que o particular frente ao Estado tem uma manifesta posição de hipossuficiência.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, cabe-nos realçar em sede de linhas conclusivas que, muito embora a notoriedade do devido processo legal sob o prisma processual, ganha relevo, modernamente, as suas vertentes material e genérica, conformando-se, portanto, o tripé de sustentação do devido processo legal. Para tanto, basta analisar os precisos termos constitucionais e os seus inarredáveis contextos históricos internacionais, para se pavimentar a conclusão ora defendida.
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[1] Há várias nomenclaturas para referir-se ao art. 60, § 4º da Constituição Federal; uns falam em cláusulas pétreas, outros, como Maria Helena Diniz, preferem “normas de eficácia absoluta”, pois são totalmente intangíveis.
[2] Tem-se por bill of atteinder como sendo o ato legislativo que considera alguém culpado pelo cometimento de infração penal sem preceder de um processo e julgamento regular, nos termos da lei, em que seja assegurado o contraditório e a ampola defesa. (cf. Black’s Law Dictionary, Ed. West Publishing Co., 1968, p. 162).
Advogado da União. Pós-graduado em Direito Constitucional e em Direito do Estado. Mestre em Políticas Anticorrupção pela Universidad de Salamanca (Espanha).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOSé DAVID PINHEIRO SILVéRIO, . Aspectos tradicionais e modernos do devido processo legal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50385/aspectos-tradicionais-e-modernos-do-devido-processo-legal. Acesso em: 22 dez 2024.
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