RESUMO: Neste artigo, são analisadas as primeiras críticas de Ronald Dworkin a Hebert L.A. Hart. Em "Levando os Direitos a Sério", obra em que se encontram as bases teóricas de seu trabalho, Dworkin rejeita o positivismo de Hart e elabora um modelo de regras e princípios, que contrapõe a um modelo só de regras. Este artigo explora o clássico debate por meio do qual Dworkin descortinou as deficiências na abordagem da teoria do direito de então, defendendo a noção fundamental, hoje amplamente aceita, de princípios como integrantes do direito. Apesar de histórico, este debate entre o modelo de princípios e a teoria da discricionariedade forte remanesce atual em um momento em que o papel interpretativo das Cortes segue enfrentando obstáculos quando da análise dos chamados casos difíceis.
Palavras-chave: Teoria do Direito - Teoria Moral - Positivismo - Regra de Reconhecimento - Modelo de Regras - Discricionariedade Forte - Modelo de Regras e Princípios
Sumário: 1. Introdução; 2. O Modelo de Regras I; 2.1. As Críticas ao Positivismo; 2.2. Sobre Regras e Princípios; 2.3. A Posição dos Princípios em Relação ao Direito e a Doutrina do Poder Discricionário em Sentido Forte; 2.4. Defesa da Primeira Abordagem dos Princípios; 3. Conclusões Finais; 4. Referências Bibliográficas.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Modelo de Regras I; 2.1. As Críticas ao Positivismo; 2.2. Sobre Regras e Princípios; 2.3. A Posição dos Princípios em Relação ao “Direito” e a Doutrina do Poder Discricionário em Sentido Forte; 2.4. Defesa da Primeira Abordagem dos Princípios; 3. Conclusões Finais; 4. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O presente trabalho visa analisar as primeiras críticas de Ronald Dworkin a Herbert L.A. Hart, que compreendem a rejeição de Dworkin ao que identifica como o positivismo de Hart e seu modelo de regras.
Em Levando os direitos a sério, obra na qual se encontram as bases teóricas do trabalho de Dworkin[1], o autor se propõe elaborar uma teoria liberal do direito, sendo, não obstante, extremamente crítico à teoria de Hebert L.A. Hart, considerada liberal, a qual ele mesmo se refere como teoria dominante do direito, como a versão contemporânea mais influente do positivismo jurídico.
Identificando aquilo que aponta como uma falha na teoria de Hart, qual seja, a rejeição da idéia de que os indivíduos podem ter direitos[2] contra o Estado anteriores aos direitos criados através de legislação explicita[3], crítica esta até então não apontada na teoria dominante, o autor vai defender a noção de princípios como integrantes, juntamente com as regras, do direito.
No segundo capítulo da obra Levando os Direitos a Sério, defende um modelo de regras e princípios em oposição a um modelo só de regras, típico do positivismo predominante no contexto jurídico anglo-saxão, na década de 60. Este modelo é por ele denominado Modelo de Regras I e será o objeto de análise deste trabalho.
Com o intuito de chegar a uma teoria, em sua concepção, melhor que a de Hart, por dar conta da atividade dos juízes quando não há para o caso uma regra de direito clara disponível, ou seja, quando o que está em questão é um caso difícil, Dworkin previamente elabora seu modelo de regras e princípios[4] como forma de afastar a teoria da discricionariedade forte[5] defendida, segundo ele, pelo positivismo de então, para que, posteriormente, possa defender as idéias de uma solução correta para cada caso, ainda em Levando os Direitos a Sério e de melhor interpretação ou resposta fundada à luz da integridade, em um segundo momento[6], no seu livro O Império do Direito.[7]
Com a introdução da categoria dos princípios, em clara crítica ao modelo só de regras, serão os pressupostos positivistas da separação entre direito e moral e da necessidade de se identificar de alguma forma as normas pertencentes ao conjunto normativo[8], e daí a idéia de regra de reconhecimento[9] proposta por Hart, postos em cheque, e o que empreende de fato Dworkin, no Modelo de Regras I, é, justamente, uma tentativa de superação destes pressupostos e de invalidação da teoria de Hart, por sua insuficiência explicativa.
Dworkin visa, pois, demonstrar a insatisfação da regra de reconhecimento como critério de identidade do direito e, assim, pretende aproximar o direito da moral através dos princípios. Dworkin defende que a teoria de Hart ignora a importância dos princípios como fontes do direito[10] e, em superação, nesta primeira fase, apresenta o seu modelo, o “modelo das regras e dos princípios”.
No primeiro capítulo de Levando os Direitos a Sério, intitulado Teoria do Direito (Jurisprudence), Dworkin já introduz o que será objeto de suas preocupações no capítulo seguinte, por deixar claro que as questões que habitam o núcleo da teoria do direito são as relacionadas com princípios morais[11] e que para ser bem sucedida, a teoria do direito deve trazer à luz os problemas relativos a princípios morais e enfrentá-los como problemas de teoria moral[12], e não como problemas relativos à técnica jurídica[13]. São, pois, questões de ordem ética ou conceitual, questões sobre a equidade de uma lei ou falta de claridade de um conceito, por exemplo.
Desta forma, ao proceder à explicação e à crítica da abordagem dominante até então no campo da teoria do direito tanto na Inglaterra[14] quanto nos Estados Unidos[15], a qual identifica como abordagem profissional[16], Dworkin defende uma aproximação da teoria do direito e da teoria moral ao apontar que a ênfase na doutrina, nos fatos e na estratégia distorceu os problemas de teoria do direito por eliminar as questões relacionadas com princípios morais, que formam o seu núcleo.
“Assim, as diversas correntes da abordagem profissional da teoria do direito fracassaram pela mesma razão subjacente. Elas ignoraram o fato crucial de que os problemas de teoria do direito são, no fundo, problemas relativos a princípios morais e não a estratégias ou fatos jurídicos. Enterraram esses problemas ao insistir na abordagem jurídica convencional. Mas, para ser bem-sucedida, a teoria do direito deve trazer à luz esses problemas e enfrentá-los como problemas de teoria moral.”[17]
Estas deficiências na abordagem da teoria do direito de até então explicam, para Dworkin, o porquê de o problema central e foco de discussão entre os sociólogos e os instrumentalistas ser a questão de responder à indagação de se o juiz sempre segue regras, ainda que nos casos difíceis ou controversos, ou se, por vezes, ele cria novas regras e as aplica retroativamente. A razão de tal discussão estaria no simples fato de os juristas não compreenderem com clareza o significado real de seguir regras.[18]
2. O modelo de regras I
“Whatever else the Hart-Dworkin debate is about, it is at least about the validity of Hart’s version of legal positivism.”[19]
No Modelo de Regras I, o diálogo com a versão de positivismo jurídico de Hart é o ponto chave. O debate entre Hart e Dworkin tem início justamente com o modelo ora em análise, o Modelo de Regras I, que atribui a Hart quatro doutrinas: o direito consiste de regras; as regras jurídicas são identificadas através de uma regra de reconhecimento, um teste de pedigree e não de conteúdo; na ausência de regras jurídicas claras aplicáveis ao caso concreto, os juízes possuem poder discricionário e, nestes casos de discricionariedade, nenhuma das partes tem um direito pré-existente.[20]
Todas estas doutrinas atribuídas ao positivismo jurídico de Hart serão rechaçadas ao longo do capítulo segundo de Levando os Direitos a Sério, para que, ao fim, a versão de Hart possa ser apontada como insuficiente e, assim, o modelo de “regras e princípios” proposto por Dworkin prevaleça.
2.1. As críticas ao positivismo
Dworkin aponta três teses como sendo os compromissos essenciais do positivismo, ou seus preceitos chave[21]:
A. “O direito de uma comunidade é um conjunto de regras especiais utilizado direta ou indiretamente pela comunidade com o propósito de determinar qual comportamento será punido ou coagido pelo poder público. Essas regras especiais podem ser identificadas e distinguidas com o auxílio de critérios específicos de testes que não tem a ver com seu conteúdo, mas com o seu pedigree ou maneira pela qual foram adotadas ou formuladas.”[22]
B. “O conjunto dessas regras jurídicas é coextensivo com “o direito”, de modo que se o caso de alguma pessoa não estiver claramente coberto por uma regras dessas (...), então esse caso não pode ser decidido mediante “a aplicação do direito”. Ele deve ser decidido por alguma autoridade pública, como um juiz, “exercendo seu discernimento pessoal”, o que significa ir alem do direito na busca por algum outro tipo de padrão que o oriente na confecção de nova regra jurídica ou na complementação de uma regras já existente.” [23]
C. “Dizer que alguém tem uma “obrigação jurídica” é dizer que seu caso se enquadra em uma regra jurídica válida que exige que ele faça ou se abstenha de fazer alguma coisa. (...) Na ausência de uma tal regra jurídica válida não existe obrigação jurídica; segue-se que quando o juiz decide uma matéria controversa exercendo sua discrição, ele não está fazendo valer um direito jurídico correspondente a essa matéria.”[24]
Cada uma dessas teses pode ser identificada com as classificações que Scott J. Shapiro elaborou em seu trabalho sobre o debate de Hart e Dworkin. Segundo o autor, podemos classificar estas teses, respectivamente, como: the Pedigree Thesis; the Discretion Thesis; The Obligation Thesis.
Podemos definir a Pedigree Thesis como aquela cujo núcleo reside em duas proposições: a compreensão do direito de uma comunidade como sendo o conjunto de suas regras e a compreensão de que, em qualquer sistema legal, existe uma regra suprema que distingue o que é direito do que não o é. Esta tese é, portanto, uma tese de identificação daquilo que conta como direito em uma dada comunidade. É um critério de fonte social.
A regra suprema refere-se tão somente a fatos sociais, particularmente, se a regra tem o apropriado pedigree social ou não. O critério diz respeito, pois, apenas ao modo pelo qual a regra foi adotada ou formulada, não aduzindo a qualquer aspecto material, pelo que a regra de reconhecimento não refere-se ao conteúdo da norma, ficando a moralidade de fora da avaliação estritamente legal.
Podemos perceber, como o fez Scott J. Shapiro que a tese do pedigree social claramente visa englobar a doutrina de Hart acerca da regra de reconhecimento. Neste sentido, “Dworkin clearly intends the Pedigree Thesis to capture Hart’s doctrine of the rule of recognition”. [25]
A Discretion Thesis, que pode ser traduzida como tese da discricionariedade, afirma que o direito consiste tão somente em regras jurídicas e que, portanto, se um caso não se encontra previsto completamente por uma regra jurídica existente, ao julgador resta exercitar seu poder discricionário, criando uma nova regra.
Por fim, a Obligation Thesis, como terceira tese positivista atribuída por Dworkin a Hart, é, segundo Scott J. Shapiro, a contrapartida da tese da discricionariedade no que tange à obrigação jurídica. De acordo com tal teoria, somente regras jurídicas podem dar origem a obrigações jurídicas. E, portanto, na ausência de regras jurídicas claras aplicáveis ao caso concreto, o juiz ao agir discricionariamente cria novas regras e, com isto, novas obrigações, antes inexistentes, aplicando-as retroativamente.
Tais teses configuram apenas o esqueleto do positivismo jurídico, tal como o concebe Dworkin. Este esqueleto é, precisamente, o que é tomado, no Modelo de Regras I, como objeto de crítica central e, a partir destas críticas, emergirá a resposta de Dworkin para as insuficiências do modelo criticado.
2.2. Sobre regras e princípios
Um distinção fundamental nesta primeira fase da obra de Dworkin é aquela entre regras e princípios[26].
“Quero lançar um ataque geral contra o positivismo e usarei a versão de H.L.A Hart como alvo, quando um alvo específico se fizer necessário. Minha estratégia será organizada em torno do fato de que, quando os juristas raciocinam ou debatem a respeito de direitos e obrigações jurídicas, particularmente naqueles casos difíceis nos quais nossos problemas com esses conceitos parecem mais agudos, eles recorrem a padrões que não funcionam como regras, mas operam diferentemente, como princípios, políticas e outros tipos de padrões. Argumentarei que o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e que sua noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a ignorar os papéis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras.”[27]
A primeira observação importante pode ser inferida da citação acima e consiste em que se deixe claro que os princípios são padrões que não funcionam como regras. Nesta parte da análise, estes padrões serão diferenciados das regras, enquanto padrões com distinta lógica de funcionamento, e serão localizados como sendo parte do ordenamento jurídico e, portanto, tão obrigatórios quanto as regras e não, conforme afirmavam os positivistas, padrões extra-jurídicos não cogentes.
Por meio de dois exemplos, o caso Riggs contra Palmer[28] e o caso Henningsen contra Bloomfield Motos, Inc[29], a distinção entre regras e princípios é traçada. Concluindo que os padrões utilizados pelos julgadores em ambos os casos não foram do tipo regras jurídicas, mas princípios jurídicos, Dworkin aponta que a diferença entre ambos os padrões é de natureza lógica, pois de distinta natureza é a orientação que cada um oferece ao julgador.
As regras seriam padrões aplicados à maneira tudo-ou-nada, estando quaisquer exceções previstas pelo próprio enunciado da norma, quando correto, ou seja, completo. Já os princípios, por não visarem estabelecer condições que tornem sua aplicação necessária, enunciariam “uma razão que conduz o argumento em certa direção”[30].
Outra característica dos princípios é sua dimensão de peso ou importância, que, segundo Dworkin, estaria ausente nas regras[31]. Esta dimensão significa que os princípios não são razões conclusivas para as decisões, mas apenas funcionam como suporte justificativo a vários cursos de ação, e que, portanto, podem colidir uns com os outros sem se excluírem do ordenamento jurídico, prevalecendo no caso concreto ora um, ora outro, por conta de seu maior peso ou maior importância relativa.
Um princípio pode, pois, não prevalecer em um dado caso e ainda assim permanecer parte do sistema jurídico, por conta desta dimensão. Desta forma, no intercruzamento de princípios, o julgador deve levar em conta a força relativa de cada um[32], ou seja, a dimensão de peso ou importância de cada um dos princípios, em um primeiro momento, aplicáveis.
Além da distinção entre princípios e regras, a localização dos princípios, se dentro ou fora do “direito”, é de extrema relevância nesta análise inicial de Dworkin, e desempenha papel fundamental na crítica ao poder discricionário forte que Dworkin atribui à concepção positivista, por ser este advindo, principalmente, do entendimento do “direito” como um conjunto ou sistema de regras.
2.3. A Posição dos Princípios em Relação ao “Direito”. A Doutrina do Poder Discricionário em Sentido Forte
Ao tratar do conceito de direito, Dworkin aponta que uma análise do conceito de obrigação jurídica precisa levar em conta o papel fundamental dos princípios na formulação das decisões jurídicas específicas. [33] A partir desta constatação, duas abordagens acerca do tratamento dos princípios em relação ao ordenamento se apresentam possíveis:
A. Os princípios podem ser tratados da mesma forma que as regras jurídicas, pelo que alguns princípios possuem obrigatoriedade de lei e o “direito” nos Estados Unidos inclui tanto princípios como regras;
B. Pode ser negada a obrigatoriedade de lei aos princípios e o juiz, em casos difíceis, indo além das regras, vai além do próprio “direito”, utilizando-se de princípios extralegais os quais tem liberdade para aplicar.[34]
A escolha entre tais orientações implica em uma escolha entre dois conceitos de um princípio jurídico e entre dois conceitos de uma regra jurídica. [35] A primeira alternativa enxerga os princípios como padrões obrigatórios para os julgadores e a segunda, ao contrário, os vê como padrões habitualmente adotados pelos juízes quando estes se encontram em situações nas quais são compelidos a ir além dos padrões obrigatórios, as regras jurídicas. A primeira alternativa implica em que os juízes, ao se utilizarem de princípios como razão para a decisão, estejam atuando dentro e conforme o direito, aplicando direitos e obrigações jurídicas preexistentes, enquanto a segunda, resvala, inevitavelmente, para a discricionariedade do julgador, que cria direitos e obrigações novas, outrora inexistentes e os aplica retroativamente.[36]
Esta segunda abordagem acerca dos princípios, que os aloca fora do “direito”, e as conseqüências que advém de suas constatações, nos remete ao que atestou Scott J. Shapiro acerca da teoria de Dworkin em sua crítica ao positivismo: de acordo com o que denominou Discretion Thesis (segunda das três teses atribuídas por Dworkin ao que chamou o esqueleto do positivismo), o direito consiste tão somente em regras jurídicas, sendo inexistente tal categoria de princípios jurídicos, bem como, segundo a terceira tese imputada aos positivistas, a Obligation Thesis, as obrigações jurídicas nascem exclusivamente das regras jurídicas, pelo que, onde inexistem regras jurídicas aplicáveis, inexistem obrigações jurídicas e os julgadores devem olhar para além do direito para darem uma solução ao caso concreto. [37]
Desta maneira, pode-se perceber, à primeira vista, que há uma conexão entre a segunda tese positivista, que afirma a doutrina do poder discricionário do juiz, e a segunda abordagem dos princípios apresentada, a de que os princípios não representam padrões obrigatórios e que, portanto, encontram-se fora do direito. Para confirmar esta hipótese, o conceito de poder discricionário é examinado minuciosamente, para que Dworkin possa explicar a popularidade da doutrina do poder discricionário e rechaçar a sua versão forte. [38]
Segundo Dworkin, o conceito de poder discricionário (judicial discretion) apenas está à vontade no contexto no qual alguém encontra-se encarregado de decidir conforme padrões pré-estabelecidos por uma autoridade[39]. Através da metáfora de um espaço vazio no centro de uma rosca, o poder discricionário pode ser compreendido enquanto espaço vazio “circundado por uma faixa de restrições”. Este é, pois, um poder relativo, porque o poder será discricionário de acordo com certos padrões previamente postos.[40]
São relevantes para a análise três sentidos de poder discricionário:
A. Poder discricionário em sentido fraco, que compreende os padrões não são auto-aplicáveis, que exigem, por tal fato, que o funcionário encarregado de decidir exerça uma capacidade de julgar[41];
B. Poder discricionário em um segundo sentido fraco, que significa que algum funcionário tem a última palavra em uma dada questão, sendo, conseqüentemente, a sua decisão, em última instância, imune a revisões ou cancelamentos;
C. Poder discricionário em sentido forte, que ocorre quando, em certos assuntos, o funcionário não está limitado pelos padrões da autoridade.[42]
No que tange aos sentidos fracos de poder discricionário, Dworkin não os rechaça por serem inerentes à atividade de julgar. Contudo, no que diz respeito ao terceiro sentido apontado, o forte, Dworkin nega que os juízes precisem exercitá-lo. Os juízes não necessitariam recorrer ao poder discricionário em sentido forte porque não teriam que olhar para além do direito e aplicar padrões extra-jurídicos a fim de solucionar os casos aos quais nenhuma regra clara fosse aplicável, uma vez que se reconhecesse a existência dos princípios jurídicos e sua posição interna ao ordenamento jurídico.[43]
Dado que a doutrina positivista do poder discricionário do juiz argumenta que, na ausência de uma regra a reger o caso, o julgador deve decidir exercendo seu poder discricionário, criando regra nova e a aplicando retroativamente, o sentido de poder discricionário usado por tal doutrina é, neste caso, o sentido forte. Para esta doutrina , em seu uso forte do poder discricionário, os princípios são concebidos de acordo com a segunda abordagem, para a qual são padrões extra-jurídicos não obrigatórios. Assim, Dworkin aponta que quando os positivistas entendem a doutrina do poder discricionário em seu sentido forte, esta doutrina apresenta-se, na verdade, como uma reformulação da segunda abordagem acerca dos princípios.[44]
2.4. Defesa da primeira abordagem dos princípios
A fim de defender a primeira abordagem acerca dos princípios e a rejeição ao modelo positivista de Hart e, principalmente, à doutrina do poder discricionário em sentido forte, Dworkin apresenta três argumentos que um positivista pode utilizar justamente para sustentar a doutrina do poder discricionário em sentido forte e a segunda abordagem acerca dos princípios, para demonstrar a insuficiência destes. Os argumentos positivistas seriam:
A. Os princípios não podem ser vinculantes ou obrigatórios;
B. Os princípios, ainda que se os repute obrigatórios, não podem prescrever um resultado particular;
C. A autoridade e o peso dos princípios são intrinsecamente controversos.
Para Dworkin, a primeira afirmação é um erro, pois não há nada no caráter lógico de um princípio que o torne incapaz de obrigar uma autoridade jurídica. Segundo o autor, dizer que em um caso difícil o tribunal está obrigado apenas “moralmente”ou “institucionalmente”, deixa em aberto a questão de porque esse tipo de obrigação é diferente da obrigação imposta pelas regras e porque isso autorizaria concluir que princípios e políticas não são parte do direito, mas padrões extrajurídicos “tipicamente utilizados pelos tribunais”.
Quanto ao segundo possível argumento positivista, Dworkin admite que somente regras ditam resultados e que os princípios inclinam a decisão em uma direção, não conclusivamente, e que, portanto, a diferença entre ambos é apenas uma questão de lógica de funcionamento diversa, conforme, inclusive, já apontado quando da diferenciação levada a cabo no inicio deste trabalho.
Quanto ao terceiro argumento, ressalta que, apesar de não se poder demonstrar a autoridade ou peso dos princípios pelo recurso a um critério de fonte social, mas tão somente recorrendo-se a um amálgama de práticas e de outros princípios, nem por isso os juízes possuem poder discricionário em sentido forte. O juiz, neste sentido, teria obrigação de alcançar uma compreensão acerca do que o direito exige e guiar-se por esta compreensão.[45]
Por fim, contra todos os argumentos positivistas propostos, Dworkin apresenta um argumento forte em favor da primeira abordagem acerca dos princípios:
“A não ser que pelo menos alguns princípios sejam reconhecidos como obrigatórios pelos juízes e considerados, no seu conjunto, como necessários para chegar a certas decisões, nenhuma regra ou muito poucas regras poderão ser então consideradas como obrigatórias para eles. Na maior parte das jurisdições americanas, e atualmente também na Inglaterra, não é infreqüente a rejeição de regras estabelecidas (...) Se os tribunais tivessem o poder discricionário para modificar as regras estabelecidas, essas regras certamente não seriam obrigatórias para eles e, dessa forma, não haveria direito nos termos do modelo positivista. Portanto, o positivista deve argumentar que existem padrões, obrigatórios para os juízes, que estabelecem quando um juiz pode e quando ele não pode revogar ou mudar uma regra estabelecida. Quando, então, um juiz tem permissão para mudar uma regra de direito em vigor? Os princípios aparecem na resposta de duas maneiras distintas. Na primeira delas, é necessário, embora não suficiente, que o juiz considere que a mudança favorecerá algum princípio; dessa maneira o princípio justifica a modificação (...) Porém não é qualquer princípio que pode ser invocado para justificar a mudança; caso contrario, nenhuma regra estaria a salvo (...) Se fosse assim, não poderíamos afirmar a obrigatoriedade de regra alguma (...) Na segunda maneira de considerar o problema, um juiz que se propõe a modificar uma doutrina existente deve levar em consideração alguns padrões importantes que se opõe à doutrina estabelecida; esses padrões são, na sua maior parte, princípios. Esses padrões incluem a doutrina da “supremacia do Poder Legislativo”, um conjunto de princípios que exige que os tribunais mostrem uma deferência limitada pelos atos do Poder Legislativo. Eles incluem também a doutrina do precedente, outro conjunto de princípios que reflete a equidade e a eficiência que derivam da consistência. As doutrinas da supremacia do Poder Legislativo e do precedente inclinam em favor do status quo, cada uma delas na sua própria esfera, mas não o impõe. Os juízes, no entanto, não têm liberdade para escolher entre os princípios e as políticas que constituem essas doutrinas – também neste caso, se eles fossem livres, nenhuma regra poderia ser considerada obrigatória.”[46]
Dworkin explica a grande adesão à teoria dos positivistas a respeito do poder discricionário judicial pela tendência natural dos juristas de associarem leis e regras e de pensarem o direito como um conjunto ou sistema de regras e no fato da educação jurídica consistir no ensino e no exame das regras estabelecidas que formam a parte mais relevante do direito.[47] Por isso, segundo o autor, quando os juristas tratam os princípios e as políticas, eles os vêem como regras manquées, como se fossem padrões tentando ser regras.[48]
3. Conclusões Finais
Após explorar a segunda interpretação apresentada para os princípios jurídicos e sua ligação com a doutrina positivista do poder discricionário, Dworkin retoma a discussão em torno da regra de reconhecimento para falsear aquilo que Scott J. Shapiro chamou de Pedigree Thesis e afirmar que tanto a doutrina do poder discricionário (Discretion Thesis) quanto a da regra de reconhecimento[49] (Pedigree Thesis) deveriam ser abandonadas em face da adoção da primeira interpretação apresentada para os princípios.
Dworkin nega a possibilidade de haver uma regra única que funcione como teste de pedigree para os princípios baseada em seu apoio institucional (regras promulgadas por instituições jurídicas particulares), porque mesmo que os princípios encontrem apoio em atos oficiais de instituições jurídicas, eles não têm uma conexão tão simples ou direta com tais atos a ponto de se poder enquadrar tal conexão em termos de critérios de uma regra de reconhecimento. Logo, restaria afastada a possibilidade de se adaptar a teoria da regra de reconhecimento de Hart para que esta pudesse englobar também os princípios jurídicos.[50]
Acrescente-se que, para Hart, a regra suprema poderia designar como direito também regras estabelecidas pelos costumes[51]. Isto, para Dworkin, representaria em si uma exceção à primeira tese positivista, qual seja, a noção de que o direito é um conjunto de regras identificáveis por um critério de fontes sociais, pelo que o direito e a moral apresentam-se como radicalmente separados. Se a regra de reconhecimento apenas afirma que quaisquer outras regras aceitas pela sociedade como juridicamente obrigatórias são juridicamente obrigatórias, então ela não forneceria um verdadeiro teste de identificação pelo pedigree social.
A partir desta constatação, para Dworkin, a regra suprema, nesses casos, tornar-se-ia uma não-regra de reconhecimento e o tratamento dado ao costume por Hart poderia ser representado como uma confissão de que existem pelo menos algumas regras de direito que não são obrigatórias pelo fato de terem sua validade estabelecida de acordo com os padrões de uma regra suprema, mas porque são aceitas como obrigatórias pela comunidade. Como conseqüência, não se poderia mais afirmar que apenas a regra de reconhecimento seria obrigatória em razão de sua aceitação e que todas as outras seriam válidas nos termos daquela.[52]
Através deste percurso, Dworkin concluiu pela impossibilidade de se adaptar a versão do positivismo de Hart com a modificação de sua regra de reconhecimento para incluir princípios, ou seja, pela impossibilidade de um teste de pedigree que conectasse princípios a atos institucionais específicos ou ao costume. Com isto, Dworkin sugeriu o abandono integral da Pedigree Thesis[53] e a adoção do seu “modelo de regras e princípios”. [54]
4. Referências Bibliográficas
DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 19a ed. Cambridge: Harvard University Press, 2002. 371p.
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 568 p.
HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 5a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. 348 p.
LEITER, Brian. Beyond the Hart/Dworkin Debate: The Methodology Problem in Jurisprudence. Disponível em: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract=312781 . Acesso em 25 de maio de 2010.
SGARBI, Adrian. Clássicos da Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. 238p.
SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide For the Perplexed. Disponível em: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract=968657. Acesso em 25 de maio de 2010.
[1] “Sucessor e ex-aluno de Hebert Hart na Universidade de Oxford, Ronald Dworkin é atualmente um dos principais representantes da teoria jurídica anglo-saxônica. Critico, sobretudo das idéias de Hart e de Bentahm, Dworkin tem sido tão admirado quanto rejeitado. É comum ler-se referências a seu respeito como “pensador original”, “critico do positivismo”, “jusnaturalista” e “enaltecedor do sistema americano”, além de outras adjetivações. Com ampla ressonância internacional, o livro Levando os Direitos a Sério (1977) funda as bases Teóricas que serão desenvolvidas e retocadas em obras posteriores de Dworkin, dentre as quais destaca-se fortemente O império do Direito (1986). SGARBI, Adrian. Clássicos da Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 147.
[2] Dworkin explica que a natureza dos direitos anteriores ao direito positivo que defende não corresponde àquela defendida pelas antigas teorias do direito natural, por não possuir um caráter metafísico, neste sentido, in verbis: “Much of the ruling theory’s opposition to natural rights is the consequence of an Idea Bentham promoted: that natural rights can have no place in a respectably empirical metaphysics. Liberals are suspicious of ontological luxury. They believe that it a cardinal weakness in various forms of collectivism that these rely on ghostly entities like collective wills or national spirits, and they are therefore hostile to any theory of natural rights that seems to rely on equally suspicious entities. But the idea of individual rights that these essays defend does not presuppose any ghostly forms; that Idea is, in fact, of no different metaphysical character from the main ideas of the ruling theory itself. It is, in fact, parasitic on the dominant Idea of utilitarianism, which is the Idea of a collective goal of the community as a whole. Individual rights are political trumps held by individuals. Individuals have rights when, for some reason, a collective goal is not a sufficient justification for denying them what they wish, as individuals, to have or to do, or not sufficient justification for imposing some loss or injury upon them. That characterization of a right is, of course, formal in the sense that it does not indicate what rights people have or guarantee, indeed, that they have any. But it does not suppose that rights have some special metaphysical character, and the theory defended in these essays therefore departs from older theories of rights that do rely on that supposition.” DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 19a ed. Cambridge: Harvard University Press, 2002. p. xi.
[3] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.XIII. “Os segmentos construtivos enfatizam uma idéia que também faz parte da tradição liberal, mas que está ausente tanto do positivismo jurídico, como do utilitarismo. Trata-se da velha idéia dos direitos humanos individuais. Bentham referia-se a essa idéia como o “contra-senso em pernas de pau”. Ibid. p. VIII. Em inglês: “nonsense on stilts”.
[4] “Na primeira fase de Dworkin, seu ponto forte é a compreensão de o positivismo jurídico se equivocar ao pensar o direito como fatos objetivos, ou seja, como elementos passiveis de identificação por um critério de pedigree. Porque pensar dessa forma é excluir um dos elementos capitais para a compreensão dos direitos, os princípios (...) Neste sentido, toda sua construção gravita entorno da idéia distintiva entre princípios e regras (...) Afirma Dworkin que, dada a cegueira das teorias antecessoras de não verem os princípios, a eles passa sem ser notado o papel de os princípios oferecerem uma resposta certa aos casos difíceis. Assim, os positivistas chegam à conclusão equivocada de haver caráter discricionário forte nos casos difíceis, demais de atividade criativa e decisão retroativa.” SGARBI, Adrian. Clássicos da Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 192-193.
[5] Assim, a versão do positivismo oferecida por Hart é mais complexa do que a de Austin e o seu teste para verificar a validade das regras de direito é mais sofisticado. Em um aspecto, porém, os dois modelos são muito similares. Hart, como Austin, reconhece que as regras jurídicas possuem limites imprecisos (ele se refere a elas como tendo “uma textura aberta”) e, ainda como Austin, explica os casos problemáticos afirmando que os juízes têm e exercitam seu poder discricionário para decidir esses casos por meio de nova legislação. (Tentarei mostrar, mais adiante, por que aquele que pensa sobre o direito como um conjunto especial de regras é quase inevitavelmente levado a explicar casos difíceis em termos de um exercício de poder discricionário por parte de alguém)”. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 35.
[6] “Na segunda fase de Dworkin, fase em que aproveita e desenvolve esforços empreendidos em inúmeros artigos convertidos em livros, traz a teoria da integridade como veio explicativo não autônomo de uma teoria com melhor acabamento. Sua afirmação é a de constituir o direito uma pratica social interpretativa estabelecida em ambiente cujo foco principal é o de justificar o uso da força.” Ibid. p. 193.
[7] “Conforme diz o próprio Dworkin, a proposta que assume é a de “defender uma teoria melhor”, em termos explicativos, do que as construções precedentes vêm oferecendo como resposta à situação da atividade dos juízes quando a ação judicial não pode ser submetida a uma regra de direito clara (“casos difíceis”). Sua tese é a de que, “mesmo quando nenhuma regra regula o caso, uma das partes pode, ainda assim, ter o direito de ganhar a causa”, pois também nos “casos difíceis”, o juiz tem o dever de descobrir quais são os direitos das partes sem inventar novos direitos aos quais aplica retroativamente. Dessa forma, desaprova qualquer corrente que questiona a possibilidade de se alcançar uma solução correta para cada caso.” SGARBI, Adrian. Clássicos da Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 147-148.
[8] “O modelo de Hart, como foi analisado em lugar apropriado, é herdeiro de uma tradição que pode ser reconduzida à Jeremy Bentham e cujo desenvolvimento encontrou em Austin seguidor de expressão. Entretanto, não decorre de sua posição algum tipo de assimilação sem contestações ou reparos, como se pôde observar na construção teórica do direito a partir de um modelo calcado na leitura de normas primárias e secundárias, De todo modo, os aspectos da separação entre direito e moral (apesar do “direito natural mínimo”) e a necessidade de se identificar de alguma forma as normas pertencentes ao conjunto normativo (em que pese ajustes, sobretudo na noção de “soberano” como técnica para se dizer o que é e do que não é direito) se mantiveram no trabalho de Hart. De fato, exatamente esses dois pontos serão atacados por Dworkin. E o ataque encontra na idéia de regra de reconhecimento o alvo, pois, demonstrada a insatisfação da regra de reconhecimento como critério de identidade do Direito, Dworkin pontua a aproximação do direito e da moral através dos princípios.” SGARBI, Adrian. Clássicos da Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 149. “Contudo, como será visto, essa abordagem de Dworkin sofrerá um amadurecimento com a publicação do livro O império do Direito. Neste, o direito deixa de ser um conjunto de normas para ser fortemente marcado pela prática social de decisões judiciais mantidas na órbita de valores norteados pela idéia de “integridade”. Ibid. p. 149.
[9] Vale recordar que a regra de reconhecimento (rule of recognition) é parte das regras secundárias que, segundo Hart, formam juntamente com as regras primárias (regras de obrigação, de tipo básico) o lugar central do direito (o direito como união de regras primárias e secundárias). As regras secundárias se dividem em regras de reconhecimento, de alteração e de julgamento, cada uma delas trazida por Hart como remédio aos três defeitos que o autor diagnostica no que chama a estrutura social simples das regras primárias (incerteza, caráter estático e ineficácia da pressão social difusa). Sobre a regra de reconhecimento especificamente: “A forma mais simples de remédio para a incerteza do regime das regras primárias é a introdução daquilo a que chamaremos uma “regra de reconhecimento”. Esta especificará algum aspecto ou aspectos cuja existência em uma dada regra é tomada como uma indicação afirmativa e concludente de que é uma regra do grupo que deve ser apoiada pela pressão social que ela exerce.(...) Ao conferir uma marca dotada de autoridade, introduz, embora numa forma embrionária, a idéia de sistema jurídico: porque as regras não são agora apenas um conjunto discreto e desconexo, mas estão, de um modo simples, unificadas. Acresce que, na simples operação de identificação de uma dada regra como possuindo o aspecto exigido de se tratar de um elemento da lista de regras dotada de autoridade, temos o germe da idéia de validade jurídica.” HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 104-105.
[10] “Dworkin assinala que o positivismo jurídico tradicional simplifica o direito descrevendo-o como um conjunto de regras que são válidas ou inválidas com respeito a um critério de pertencimento ou pedigree formal a partir do qual essa validade ou invalidade é mensurada. Pontua, assim, que o direito não opera dessa maneira, pois existem referencias diferentes das regras, tais como os princípios e as políticas que escapam a essa medida.” SGARBI, Adrian. Clássicos da Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 151.
[11] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 8.
[12] Ibid. p. 12.
[13] “Os juristas, quando argumentam em favor de uma causa, aconselham seus clientes ou redigem projetos de lei para atender objetivos sociais específicos, vêem-se diante de problemas técnicos, no sentido de que há um acordo geral entre os membros de sua profissão quanto ao tipo de argumento ou prova que é relevante. Às vezes, porém, os juristas lidam com problemas que não são técnicos nesse sentido e sobre os quais não há consenso geral quanto ao modo de proceder. Um exemplo é o problema ético que se apresenta quando um jurista se pergunta não se uma lei particular tem eficácia, mas se é equânime. Um outro exemplo são as perplexidades conceituais que surgem quando os juristas tentam descrever a lei por meio de conceitos que não são claros. Um jurista pode querer dizer, por exemplo, que a lei das responsabilidades civis considera os homens responsáveis tão-somente por danos causados por suas infrações legais (faults). Outro advogado pode contestar essa afirmação, e a controvérsia entre eles pode ser um desacordo não sobre fato ou doutrina, mas a respeito do que significa transgressão legal. Ou dois juristas podem discordar se em 1954, na questão da segregação, a Corte Suprema estava seguindo princípios já estabelecidos ou criando nova lei; e a controvérsia entre eles pode redundar na discussão sobre o que são princípios e o que significa aplicá-los. Não há clareza quanto ao modo de resolver controvérsias conceituais como essas; elas certamente extrapolam as técnicas costumeiras dos juristas na prática do direito.” Ibid. p. 2.
[14] Na Inglaterra, os juristas procuravam enfrentar a dificuldade das questões que não são passíveis de serem examinadas através de técnicas jurídicas comuns selecionando os aspectos que o podiam ser e ignorando o resto, deixando, pois, intocadas as questões de princípios. Dworkin afirma que foi o uso moral do conceito que a abordagem doutrinária da teoria do direito inglesa ignorou. Ibid. p. 6. “Os manuais ingleses enfrentaram esses conceitos não através da elucidação de seu significado na linguagem ordinária, mas utilizando métodos doutrinários convencionais para demonstrar seu significado especificamente jurídico, tal como revelado na jurisprudência e nas leis escritas (...) Contudo, se perguntarmos por que os juristas debatem a respeito desses conceitos, poderemos ver pó que essa ênfase na doutrina parece irrelevante. Um jurista preocupa-se com o conceito de infração legal não porque ele não tenha consciência de como os tribunais empregam o termo, ou quais são as regras para determinar quais são as infrações legais, mas porque ele usa o conceito não-jurídico de infração para justificar ou criticar as leis. Ele acredita – por hábito ou convicção – que é moralmente errado punir alguém por infração que não cometeu; ele deseja saber se a lei ofende esse princípio moral ao considerar um empregador responsável por aquilo que seu empregado faz, ou ao considerar um motorista negligente responsável pela morte de um homem que atropelou, se a lesão causada foi leve mas a vitima era um hemofílico. Ele conhece muito bem esses fatos da doutrina jurídica, mas não sabe ao certo se os fatos colidem com o princípio (...) Essas perguntas pedem uma análise do conceito moral de infração e não do conceito legal que o jurista já compreende; mas é justamente o uso moral do conceito que a abordagem doutrinária da teria do direito inglesa ignorou.” Ibid. p. 5-6.
[15] Nos Estados Unidos, Dworkin aponta que a teoria do direito se dedicou em grande parte à questão de como os tribunais decidem as ações judiciais difíceis ou controversas, ensina ainda que a linha principal da teoria do direito norte-americano seguiu o realismo, evitando a abordagem doutrinária inglesa e se subdividiu em “teoria sociológica do direito” (ênfase nos fatos) e uma abordagem instrumental do direito (ênfase nas táticas). “Nossos tribunais desempenharam um papel mais amplo que os tribunais ingleses na reformatação do direito do século XIX à necessidades da industrialização, e a nossa Constituição transformou em questões legais problemas que na Inglaterra eram apenas políticos (...) Portanto, os juristas norte-americanos foram mais duramente pressionados a fornecer uma descrição exata das decisões que os tribunais tomavam e justificá-las, se Possível; a exigência era mais urgente quando os tribunais pareciam estar criando direito novo e politicamente controverso, em lugar de simplesmente aplicar o direito antigo, conforme exigia a teoria jurídica ortodoxa.” Ibid. p. 6.
[16] Ibid. p. 3. Ao se referir ao que chamou abordagem profissional, Dworkin ensinou: “Quando os juízes lidam com as questões técnicas que mencionei, eles utilizam uma combinação de três habilitações específicas. Os juristas são treinados para analisar leis escritas e decisões judiciais de modo que extraem uma doutrina jurídica dessas fontes oficiais. Eles são treinados para analisar situações factuais complexas com o objetivo de resumir, de forma precisa, os fatos essenciais. E são trinados para pensar em termos táticos, para conceber leis e instituições jurídicas que produzirão mudanças sociais específicas, anteriormente decididas.” Ibid. p. 4. A partir dessa explicação, observa: “A linha principal da teoria do direito norte-americano seguiu essa exigência de realismo e evitou a abordagem doutrinária dos textos ingleses. Ela enfatizou as duas outras habilitações profissionais – a capacidade dos juristas de reunir e organizar fatos e de elaborar táticas para a mudança social.”Ibid. p. 7.
[17] Ibid. p. 12. Dworkin aponta que o sucesso de H.L.A Hart reside em seu instinto para problemas de princípio, mesmo por ser um filósofo moral. Expõe diversas questões relativas ao direito penal (como a questão acerca das defesas com base no estado mental) e processual penal nas quais Hart ao tratá-las conectou a doutrina jurídica a um “amplo espectro de tradições morais”, especialmente ao princípio de que “o governo deve tratar seus cidadão com o respeito e a dignidade que os membros adultos da comunidade reivindicam uns em relação aos outros. O governo deve coibir um homem para o seu próprio bem ou para o bem geral, mas só pode fazê-lo com base no seu comportamento. Deve esforçar-se para julgar esse comportamento de acordo com o mesmo ponto de vista segundo o qual o seu autor julga a si mesmo, isto é, do ponto de vista de suas intenções, motivos e capacidades (...) O direito penal poderia ser mais eficiente se desconsiderasse essa distinção problemática e encarcerasse homens ou os forçasse a aceitar tratamento sempre que isso parecesse ter probabilidade de reduzir crimes no futuro. Mas isso, como sugere o princípio de Hart, significaria cruzar a linha que separa tratar alguém como um ser humano e como nosso próximo e tratá-lo como um recurso para o benefício de outros. Para as convenções e práticas da nossa comunidade, não pode haver insulto mais profundo que esse.” Ibid. p. 18. Portanto, para Hart, segundo Dworkin, há princípios morais que agem como constrangimentos sobre o direito. Ibid. p. 21.
[18] Ibid. p. 8. “Os críticos do direito aceitam, mais uma vez por hábito ou convicção, o princípio de que uma decisão judicial é mais equânime quando ela representa a aplicação de padrões estabelecidos, em vez da imposição de novos padrões. Mas eles não têm certeza a respeito do que conta como uma aplicação dos padrões estabelecidos e expressam essa incerteza perguntando se, pelo menos em algum sentido, os juízes estão realmente seguindo regras, mesmo nos casos inusitados. A teoria do direito deveria responder a essa preocupação explorando a natureza da argumentação moral, tentando esclarecer o princípio de equidade que os críticos têm em mente, para ver se a prática judicial satisfaz realmente esse princípio.” Ibid. p. 9.
[19] LEITER, Brian. Beyond the Hart/Dworkin Debate: The Methodology Problem in Jurisprudence. In: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract id=312781. p. 4. A dificuldade em se delimitar o objeto do debate pode ser melhor percebida por esta passagem de Scott J. Shapiro: ““In this essay, I will not take sides in this controversy over Hart’s reply to Dworkin. I will be interested, rather, in a more preliminary matter, namely, in attempting to set out the basic subject matter of the debate. My chief concern, therefore, will be to identify the core issue around which the Hart-Dworkin debate is organized. Is the debate, for example, about whether the law contains principles as well as rules? Or does it concern whether judges have discretion in hard cases? Is it about the proper way to interpret legal texts in the American legal system? Or is it about the very possibility of conceptual jurisprudence?” SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide For the Perplexed. In: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract _id=968657. p. 2.
[20] “The Hart/Dworkin debate begins with Dworkin’s 1967 paper “The Model of Rules,” which attributes to Hart four doctrines, all of which Dworkin rejects: that law consists of “rules” (understood as legal standards that differ from what Dworkin calls “principles”); that legal rules are identified via a “rule of recognition”, that is, “by tests having to do not with their content but with their pedigree”; that where a rule does not control a case, judges have discretion; and that in those cases where judges have discretion, neither party has a pre-existing legal right to prevail.”[20] LEITER, Brian. Beyond the Hart/Dworkin Debate: The Methodology Problem in Jurisprudence. In: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract id=312781. p. 4.
[21] Vale observar que Scott J. Shapiro aponta a versão de Dworkin sobre a teoria de Hart como sendo de certa forma idiossincrática. Ibid. p. 7.
[22] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 27-28. “Dworkin assinala que o positivismo jurídico tradicional simplifica o direito descrevendo-o como um conjunto de regras que são válidas ou inválidas com respeito a um critério de pertencimento ou pedigree formal a partir do qual essa validade ou invalidade é mensurada.” SGARBI, Adrian. Clássicos da Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 151.
[23] Ibid. p. 28. Reproduzo aqui a versão em língua inglesa por ser mais elucidativa, inclusive para enfatizar a terminologia do autor: “The set of these valid legal rules is exhaustive of ‘the law’, so that if someone‘s case is not clearly covered by such rule (...) then that case cannot be decided by ‘applying the law’. It must be decided by some official, like a judge, ‘exercising his discretion’, which means reaching beyond the law for some other sort of standard to guide him in manufacturing a fresh legal rule or supplementing an old one.” DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 19a ed. Cambridge: Harvard University Press, 2002. p. 1-45.
[24] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 27-28.
[25] SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide For the Perplexed. In: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract _id=968657. p. 8.
[26] Dworkin deixa claro que utiliza o termo “princípio” ora de maneira mais genérica para indicar todo o conjunto de padrões que não são regras, ora de forma mais precisa, distinguindo princípios de políticas. Diz, ademais, chamar “política” ao tipo de padrão que estabelece objetivos a serem alcançados e “princípios”, neste sentido mais rigoroso, como um padrão cuja observância se dá por exigência de justiça e equidade, ou outra dimensão da moralidade. Ibid. p. 36.
[27] Ibid. p. 36
[28] Dworkin transcreve a parte relevante da decisão nos seguintes termos: “Todas as leis e os contratos podem ser limitados na sua execução e seu efeito por máximas gerais e fundamentais do direito costumeiro. A ninguém será permitido lucrar com sua própria fraude, beneficiar-se com seus próprios atos ilícitos, basear qualquer reivindicação na sua própria iniqüidade ou adquirir bens em decorrência de seu próprio crime”. Ibid. p.37.
[29] Ressaltou Dworkin acerca da decisão do tribunal: “A liberdade de contratar não é uma doutrina tão imutável a ponto de não admitir nenhuma ressalva na área que nos concerne (...) Em uma sociedade como a nossa, na qual o automóvel é um acessório comum e necessário à vida cotidiana e na qual o seu uso é tão cheio de perigos para o motorista, os passageiros e o público, o fabricante tem uma obrigação especial no que diz respeito à fabricação, promoção e venda de seus carros. Conseqüentemente, os tribunais devem examinar minuciosamente os contratos de compra para ver se os interesses do consumidor e do público estão sendo tratados com equidade (...) Existe algum princípio que seja mais familiar ou mais firmemente inscrito na história do direito anglo-americano do que a doutrina basilar de que os tribunais não se permitirão ser usados como instrumentos de iniqüidade e injustiça?” Ibid. p. 38-39.
[30] Ibid. 41. “In Dworkin’s Terminology, rules are “all or nothing” standards. When a valid rule applies in a given case, it is conclusive or, as a lawyer would say, “dispositive”. Because valid rules are conclusive reasons for action, they cannot conflict. If two rules conflict, then one of them cannot be a valid rule. By contrast, principles do not dispose of the cases to which they apply. They lend justificatory support to various courses of actions, but they are not necessarily conclusive. Valid principles, therefore, may conflict and typically do. Moreover, in contrast to rules, principles have “weight”. When valid principles conflict, the proper method for resolving the conflict is to select the position that is supported by the principles that have the greatest aggregate weight.” SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide For the Perplexed. In: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract _id=968657. p. 9.
[31] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 42.
[32] Ibid. p. 42.
[33] Ibid. p. 46.
[34] Ibid. p. 47.
[35] “Hart, Austin e outros positivistas certamente insistiram nessa última abordagem das regras jurídicas; não ficaram de modo algum satisfeitos com a abordagem do tipo “adotar esse comportamento como regra”. Qual a abordagem certa? – esta não é uma questão verbal. A questão é saber qual das duas presta contas de uma modo mais preciso da situação social. A abordagem que escolhemos tem impacto sobre outros problemas importantes. Por exemplo, se os juízes simplesmente “adotam a regra” de não reconhecer como válidos certos contratos, então não podemos dizer, antes da decisão ocorrer, que alguém “tem direito” a esse resultado. Neste caso, essa proposição não pode fazer parte de nenhuma justificação que possamos oferecer para tal decisão.” Ibid. p. 48.
[36] “A primeira alternativa trata os princípios como obrigatórios para os juízes, de tal modo que eles incorrem em erro ao não aplicá-los quando pertinente. A segunda alternativa trata os princípios como resumos daquilo que os juízes, na sua maioria, “adotam como princípio” de ação, quando forçados a ir além dos padrões aos quais estão vinculados. A escolha entre essas duas abordagens afetará, e talvez chegue mesmo a determinar, a resposta que podemos dar à questão de saber se, em casos difíceis como Riggs ou Henningsen, o juiz está tentando aplicar direitos e obrigações jurídicas preexistentes. No primeiro caso, ainda temos a liberdade de argumentar que, como esses juízes estão aplicando padrões jurídicos obrigatórios, estão também aplicando direitos e obrigações jurídicas. Porém, se partirmos da segunda alternativa, teremos abandonado a esfera dos tribunais no tocante a esse ponto e teremos que reconhecer que a família do assassino no caso Riggs e o fabricante , no caso, Henningsen, foram privados de seus bens por um ato de poder discricionário do juiz, aplicado ex post facto.” Ibid. p. 49. [37] SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide For the Perplexed. In: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract _id=968657. p. 10.
[38] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 50.
[39] “Faz sentido falar do poder discricionário de um sargento que deve submeter-se às ordens de sues superiores ou do poder discricionário de uma autoridade esportiva ou de um juiz de competição que são governados por um regulamento ou pelos termos da competição.” Ibid. p. 50.
[40] Ibid. p. 51.
[41] “Para fins de esclarecimento, faria perfeitamente sentido acrescentar que o tenente ordenara ao sargento que levasse em patrulha seus cinco homens mais experientes, mas fora difícil determinar quais eram os mais experientes.” Ibid. p. 51.
[42] “Neste sentido, podemos dizer que um sargento tem um poder discricionário quando lhe for dito para escolher quaisquer cinco homens para uma patrulha (...) Se o sargento recebe uma ordem para escolher os cinco homens mais experientes, ele não possui o poder discricionário nesse sentido forte, pois a ordem pretende dirigir a sua decisão.” Ibid. p. 52. Dworkin observa, ainda: “O poder discricionário de um funcionário não significa que ele esteja livre para decidir sem recorrer a padrões de bom senso e equidade, mas apenas que sua decisão não é controlada por um padrão formulado pela autoridade particular que temos em mente quando colocamos a questão do poder discricionário.” Ibid. p. 53.
[43] “Dworkin is careful to point out that there are several “weak” senses in which judges must exercise discretion even in hard cases. Judges must exercise discretion in the sense that they are required to use their judgment in reasoning from legal principles to legal conclusion. At least sometimes as well, they have discretion in the sense that they have the final say in a particular case. Dworkin denies, however, that judges must exercise what he calls “strong” discretion, namely, the idea that they must look beyond the Law and apply extralegal Standards to resolve the case at hand. Once one recognizes the existence of legal principles, Dworkin claims, it becomes clear that judges are bound by legal Standards even in hard cases.” SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide For the Perplexed. In: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract _id=968657. p. 12.
[44] “É tautológica a proposição segundo a qual, quando não há regra clara disponível, deve-se usar o poder discricionário para julgar (...) Os positivistas falam como se sua doutrina do poder discricionário judicial fosse um insight e não uma tautologia; como se ela tivesse alguma incidência sobre a análise dos princípios. Hart, por exemplo, afirma que, quando o poder discricionário do juiz está em jogo, não podemos mais dizer que ele está vinculado a padrões, mas devemos, em vez disso, falar sobre os padrões que ele “tipicamente usa”. Hart pensa que, quando os juízes possuem poder discricionário, os princípios que eles citam devem ser tratados de acordo com a nossa segunda alternativa, como aquilo que os tribunais “têm por princípio” fazer (...) Portanto, parece que os positivistas, pelo menos algumas vezes, entendem a sua doutrina no terceiro sentido, o sentido forte de poder discricionário. Nesse sentido, ela têm relevância para a análise dos princípios; na verdade, nesse sentido, ela nada mais é do que uma reformulação da nossa segunda abordagem. É o mesmo que dizer que, quando um juiz esgota as regras à sua disposição, ele possui o poder discricionário, no sentido de que ele não está obrigado por quaisquer padrões derivados da autoridade da lei.” DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 55.
[45] “É verdade que, em geral, não podemos demonstrar a autoridade ou o peso de um princípio particular, da mesma maneira que às vezes podemos demonstrar a validade de uma regra reportando-a a um ato do Congresso ou ao voto de um tribunal autorizado. Em lugar disso argumentamos em favor de um princípio e seu peso apelando para um amálgama de práticas e outros princípios, nos quais as implicações da história legislativa e judiciária aparecem juntamente com apelos às práticas e formas de compreensão partilhadas pela comunidade (...) Uma vez mais, porém, isso não diferencia um juiz de outros funcionários públicos que não possuem poder discricionário. O sargento não tem papel de tornassol para experiência; o arbitro não tem nenhum para agressividade. Nenhum dos dois possui poder discricionário, pois eles têm a obrigação de chegar a uma compreensão, controversa ou não, a respeito do que suas ordens ou as regras exigem e agir com base nessa compreensão. Esse é, também, o dever do juiz.” Ibid. p. 58.
[46] Ibid. p. 59.
[47] Ibid. p. 62. “De qualquer modo, se um jurista pensa o direito como um sistema de regras e ainda assim reconhece, como deve, que os juízes mudam regras antigas e introduzem novas, ele chegará naturalmente à teoria do poder discricionário judicial no sentido forte do termo. Nos outros sistemas de regras nos quais ele tem experiência (como os jogos), as regras são a única autoridade importante a reger as decisões oficias, de tal maneira que se um árbitro puder modificar uma regras, ele terá poder discricionário com respeito ao conteúdo dessa regra. Quaisquer princípios que os árbitros possam mencionar ao modificar uma regra representam apenas as suas preferências “típicas”. Os positivistas tratam o direito como se ele fosse essa versão revisada do beisebol.” Ibid. p. 62.
[48] Ibid. p. 62-63. “Quando um positivista ouve alguém tentando argumentar que princípios jurídicos são parte do direito, ele compreende isso como um argumento em favor do que ele denomina teoria do “direito de nível superior”, segundo a qual esse princípios são regras de uma lei acerca do direito. Ele refuta essa teoria salientando que algumas vezes essas “regras”são aplicadas, outras não e que, para cada “regra” do tipo “nenhum homem pode beneficiar-se de seus próprios delitos”, existe uma “regra”contrária, do tipo “a lei favorece a garantia de direitos”. Portanto, não há maneira de testar a validade de “regras” como essas. O positivista conclui que esses princípios e políticas não são regras válidas de uma lei acima do direito – o que é verdade – porque certamente não são regras. Ele conclui ainda que são padrões extrajurídicos que cada juiz seleciona de acordo com suas próprias luzes, no exercício do seu poder discricionário – o que é falso. É como se um zoólogo tivesse provado que os peixes não são mamíferos e então concluído que na verdade eles não passam de plantas.” Ibid. p. 63.
[49] “Segundo Hart, a maioria das regras de direito são válidas porque alguma instituição competente as promulgou (...) Mas esse teste de pedigree não funciona para os princípios dos casos Riggs e Henningsen. A origem desses princípios enquanto princípios jurídicos não se encontra na decisão particular de um poder legislativo ou tribunal, mas na compreensão do que é apropriado, desenvolvida pelos membros da profissão e pelo público ao longo do tempo (...) Ainda assim, não seríamos capazes de conceber uma fórmula qualquer para testar quanto e que tipo de apoio institucional é necessário para transformar um princípio em princípio jurídico. Argumentamos em favor de um princípio debatendo-nos com todo um conjunto de padrões – eles próprios princípios e não regras – que estão em transformação, desenvolvimento e mutua interação. Esses padrões dizem respeito à responsabilidade institucional, à interpretação das leis, à força persuasiva dos diferentes tipos de precedente, à relação de todos esses fatores com as práticas morais contemporâneas e com um grande numero de outros padrões do mesmo tipo. Não poderíamos aglutiná-los todos em uma única “regra”, por mais complexa que fosse.” Ibid. p. 65.
[50] According to Dworkin, the pervasiveness of legal principles not only falsifies the Discretion Thesis, it also discredits the Pedigree Thesis. This is so because the legality of principles depends, at least sometimes, simply on their content (...) Insofar as positivism requires legality to be purely a function of pedigree, it cannot account for the existence of principles such as those operative in Henningsen, whose legal recognition is conditioned on the moral perception that, for example, it is “fair to place special burdens upon oligopolies that manufacture potentially dangerous machines. Dworkin does not, of course, claim that pedigree is legally irrelevant. He concedes that legal principles usually have institutional support and that having such support is normally crucial to their legality (...) Dworkin does, however, deny that a positivistic master rule could be constructed that would test a principle based on its institutional support (...) Dworkin’s argument appears to be this: the legal impact of a principle’s institutional support on its legality and weight is itself determined by principles, namely, those relating to institutions and their authority. For example, whether a judge should recognize the principles in Henningsen and, if so, how much weight to attribute to them depends on a whole constellation of principles relating to the institutional authority of common law courts, their relations to legislatures, and to ordinary moral practices. These institutional principles, in turn, are supported by very broad principles of political morality. Dworkin believes that no rule could be fashioned that accurately reflects the verdicts of all these political principles, presumably because the possibilities that would have to be considered and codified are infinite in number. Moreover, these principles and their weights fluctuate over time, based on their own degree of institutional support, and hence any resulting master rule would fail to be stable.”[50]
[51] Ibid. p 69.
[52] “A regra suprema, diz ele, pode estipular que algum costume conte como direito, antes mesmo que os tribunais o reconheçam. Mas Hart não enfrenta a dificuldade que isso coloca para sua teoria geral, pois ele não tenta apresentar os critérios que a regra suprema tenta empregar com esse propósito. Ela não pode utilizar, como único critério, a cláusula de que a comunidade considera tal pratica moralmente obrigatória, pois isso não permite distinguir regras jurídicas costumeiras de regras morais costumeiras (...) se a regra suprema simplesmente afirma que quaisquer outras regras aceitas pela sociedade como juridicamente obrigatórias são juridicamente obrigatórias, então ela de modo nenhum fornece um teste, além do teste que deveríamos aplicar caso não houvesse regra suprema. A regra suprema torna-se (para esses casos) uma não-regra de reconhecimento (...) o tratamento dado por Hart ao costume equivale a uma confissão de que existem pelo menos algumas regras de direito que não são obrigatórias pelo fato de terem sua validade estabelecida de acordo com os padrões de uma regra suprema – mas que são obrigatórias, tal como a regra suprema – porque são aceitas como obrigatórias pela comunidade. Isso reduz a fragmentos a elegante arquitetura piramidal que admiramos na teoria de Hart: não podemos mais afirmar que apenas a regra suprema é obrigatória em razão de sua aceitação e que todas as demais regras são válidas nos termos da regra suprema.” Ibid. p. 68.
[53] “According to Dworkin, therefore, the Pedigree Thesis must be rejected for two reasons. First, legal principles are sometimes binding on judges simply because of their intrinsic moral properties and not because of their pedigree. Second, even when these principles are binding in virtue of their pedigree, it is not possible to formulate a stable rule that picks out a principle based on its degree of institutional support. Having previously disposed of the Discretion Thesis, Dworkin concludes that legal positivism must be rejected as an adequate theory of law.” SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide For the Perplexed. In: HTTP://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract _id=968657. p. 14.
[54] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 71. “Tudo considerado, a suma dos pontos destacados é a seguinte: Dworkin está atento aos estudos de Hart. Conforme sua exposição, Hart por uma lado, entende haver casos fáceis cuja solução é de subsunção de uma regra geral; e, por outro, afirma existirem casos difíceis (atinentes à zona de penumbra) em que os juízes devem exercer o que ele, Dworkin, designa de discricionariedade “forte”. Conforme afiança, Hart erra porque os juízes sempre aplicam o direito preexistente. Para Dworkin, o erro de Hart deve-se ao fato de ele pouco valorizar o papel dos princípios jurídicos, porque, quando um caso concreto não puder ser solucionado a partir das regras, os juízes devem sopesar os princípios que competem e decidir a favor da parte a qual determinado principio pesa mais no caso. Ou seja, Dworkin está atacando a posição defendida pelo positivismo hartiano de não haver uma resposta única, sobretudo nos “casos difíceis”em razão da discricionariedade que este vislumbra. Dada a “cegueira”de Hart, conclui dever o modelo explicativo que representa ser abandonado.” SGARBI, Adrian. Clássicos da Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 161.
Mestre em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Master of Laws (LL.M.) pela Georgetown University Law Center. Advogada da União na Procuradoria-Geral da União, Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Taiz Marrão Batista da. O modelo de regras e princípios em contraposição à teoria da discricionariedade forte Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50392/o-modelo-de-regras-e-principios-em-contraposicao-a-teoria-da-discricionariedade-forte. Acesso em: 23 dez 2024.
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