RESUMO: O princípio do contraditório possui inegável correlação com o devido processo legal. É ressabido que, nos primórdios, sua finalidade era limitada ao dever de informar à parte a existência de um processo em seu desfavor. Entretanto, com a evolução do sistema processual, verificou-se que se afigurava de pouca valia a mera ciência, devendo-se garantir à parte o poder de influenciar do julgamento do magistrado. Nesse sentido, com a concatenação de ambas as facetas do contraditório, pode-se garantir uma paridade de armas entre os litigantes, bem assim a consecução de uma sentença justa e adequada.
Palavras-chave: Contraditório. Devido Processo Legal.
ABSTRACT: The principle of the adversary has undeniable correlation with due process of law. It is remarked that in the early days its purpose was limited to the duty to inform the party of the existence of a proceeding to its disadvantage. However, with the evolution of the procedural system, it was found that the mere science seemed to be of little value, and the influence of the magistrate's judgment should be guaranteed. In this sense, with the concatenation of both facets of the adversary, one can guarantee a parity of arms between the litigants, as well as the achievement of a just and adequate sentence.Keywords: Probative law. Ethical and procedural principles.
Keywords: Contradictory. Due Process Legal.
1 CONTRADITÓRIO
No presente trabalho enfrentaremos o Princípio do Contraditório como consectário lógico do devido processo legal e garantidor do direito à bilateralidade de audiência e do poder de influência no julgamento do juiz, analisando-se desde um ponto de vista genérico, passando pelos direitos fundamentais até chegarmos ao direito à prova.
1.1 Histórico do Contraditório
A origem do Princípio do Contraditório confunde-se com o surgimento do devido processo legal, tendo em conta que o primeiro nada mais é do que um sucedâneo do segundo (Nery Júnior, 2004:134). Nos primórdios, predominavam os estados totalitários e absolutistas, os quais não reconheciam praticamente nenhum direito individual.
De modo que os combates entre o poder absoluto e a liberdade foram travados durante séculos e séculos, até chegarmos à prevalência da autodeterminação individual. Vários são os ordenamentos que delimitaram a ação dos poderes estatais como, por exemplo, a Magna Charta (Carta Magna) na velha Inglaterra de 1215, a Constituição Estadunidense, chancelada pela Convenção da Filadélfia de 1787, sem deslembrar, a propósito, da famigerada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Nery Júnior, 2004: 34-35).
Empós, com o evoluir do princípio em análise chegou-se à ideia do direito de citação e de se aduzir defesa ao que fosse imputado.
Destarte, a partir da influência do direito na Inglaterra de marcante índole litigiosa, passou-se a noção de que o processado tinha o direito de ser tratado com boa-fé e lealdade no decorrer do processo, além de não poder chegar-se ao fim da demanda senão através de um processo regular, para somente assim distribuir a justiça.
No Brasil, as Constituições pretéritas somente fizeram menção ao contraditório na esfera penal, deixando-o de fora dos processos civil e administrativo, às avessas do que apregoava a doutrina majoritária pátria.
Porém, a hodierna Constituição Federal veio a corrigir tal absurdo com os termos da redação do art. 5.º, LV. Diante disso, a legislação infraconstitucional veio a corroborar o Princípio do Contraditório, notadamente a Lei do Processo Administrativo (Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999) ao dispor que o processo administrativo é formado, dentre outros princípios, pelo contraditório.
Verifica-se, com pesar, a insofismável resistência das Constituições anteriores em prever o contraditório em todos os ramos da ciência processual. Isto prova o considerável atraso brasileiro em relação ao direito alienígena na garantia dos direitos individuais do cidadão.
1.2 Contraditório como Direito de Informação-Reação no Processo
De acordo com o art. 8º da Convenção Americana de Direitos do homem (Pacto de São José da Costa Rica) e com o art. X da Declaração Universal dos Direitos do Homem, toda pessoa processada tem o direito de ser ouvida no processo.
Insta destacar que desde há muito a dialética[1] está inseparável ao processo, de modo que de um lado o autor expõe os seus argumentos, e de outro o réu ao ser informado de tais conteúdos tem a possibilidade de reagir contra-argumentando, perante um juiz imparcial, para, afinal, o Estado-Juiz proferir uma decisão justa e consentânea.
Ora, como é curial, o ato de decidir do juiz prescinde de mecanismos (necessariamente legais) para que ele tenha elementos capazes de conferir-lhe competência para impor às partes a submissão a regras procedimentais, inclusive podendo requerer unilateralmente a produção de determinadas provas, com vistas a dar-lhe maiores subsídios para chegar o mais perto possível da verdade e assim prolatar sua decisão.
Porém, tais procedimentos devem dar-se de forma democrática e com a participação paritária das partes, para que ambas tenham as mesmas possibilidades de influírem no julgamento do magistrado.
É nessa esteira que o contraditório coaduna tanto o conhecimento dos atos processuais pela partes como também a possibilidade delas se manifestarem a respeito, isto é o direito da informação-reação no processo.
1.3 Contraditório como Direito Fundamental de Primeira Geração ou Dimensão
Como introdução, é necessário levar a efeito um breve estudo sobre as gerações ou dimensões dos direitos fundamentais.
A questão dos direitos fundamentais tem inseparável evolução com o desenvolver da história. Tanto é assim, que as gerações ou dimensões são correlacionadas com a ordem cronológica do reconhecimento dos direitos fundamentais, os quais se afirmaram paulatinamente de acordo com as necessidades do ser humano, que foram cambiando com o passar dos tempos.
Aliás, é consabido que existe uma celeuma na doutrina acerca de qual dos termos é mais consentâneo: se geração ou dimensão. Há quem defenda que geração é mais cabível, porque cada gama de direitos fundamentais sucedeu o outro, ou seja, não nasceram juntos. Todavia, prevalece o entendimento daqueles que perfilham no sentido de que a expressão mais adequada é dimensão.
Nessa linha de pensamento, ergue-se a voz de Willis Santiago Guerra Filho (2001:39):
Que ao invés de ‘gerações’ é melhor se falar em ‘dimensões de direitos fundamentais’ (...), não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desapareceram com o surgimento das mais novas. Mais importante é que os direitos ‘gestados’ em uma geração, quando apareceram em uma ordem jurídica que já traz geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada – e, consequentemente, também para melhor realizá-los. Assim, por exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.
Em assim sendo, para a doutrina majoritária o contraditório é um princípio-garantia, ou, ainda, um princípio de status constitucional, pois se encontra positivado em nossa Carta Política. Certeiro é o escólio de José Afonso da Silva (2001:83) acerca da matéria:
Princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional decorrem de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos (ou princípio derivados) dos fundamentais, como o princípio da supremacia da Constituição e o conseqüente princípio da constitucionalidade, o princípio da legalidade, o princípio da isonomia, o princípio da autonomia individual, decorrente da declaração dos direitos, o da proteção da família, do ensino e da cultura, o da organização e representação partidária, e os chamados princípios-garantias (o do nullum crimem sine lege e da nulla poena sine lege, o do devido processo legal, o do juiz natural, o do contraditório entre outros, que figuram nos incisos XXXVIII a LX do art. 5.º). (grifo nosso)
Em confronto com o posicionamento supracitado, é o de parte da doutrina que entende ser o contraditório não como um princípio-garantia, mas sim a exteriorização de uma condensação de valores democráticos dentro do processo. Em bom vernáculo, seria o mesmo dizer que o contraditório é uma mera manifestação da democracia numa relação processual.
Não obstante a isso, somos prosélitos da doutrina (e da iterativa jurisprudência) que entende o contraditório como consectário do devido processo legal, sendo um princípio de status constitucional, além de um legítimo direito fundamental de primeira geração conforme a classificação de Paulo Bonavides (2000:141)[2].
A respeito, a palavra do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o contraditório é um princípio, cuja aplicabilidade estende-se a todos os processos, sejam judiciais ou administrativos, não se resumindo a um simplório direito de manifestação dentro de um processo.
Segundo a nossa Corte Suprema, o princípio do contraditório não está adstrito a manifestação ou comunicação dos atos do processo, mas também se refere ao direito da parte de ter os seus argumentos considerados no momento da decisão judicial. Por conseguinte, o exercício do contraditório não está cingido a falar no processo, mas tem o seu significado maior na possibilidade de influir no julgamento do órgão jurisdicional.
Nessa linha de pensamento, eis a jurisprudência do STF, ipsis verbis:
1. Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da doação por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação do processo. 4. Direito Constitucional comparado. Pretensão á tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os provimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5.º, LV). (STF, MS 24268/MG, Relatora Ministra Ellen Gracie Nothfleet, DJU 17.09.2004). (grifo nosso)
Conseguintemente, somos pelo entendimento de que o contraditório é, sem réstia de dúvida, um princípio-garantia oriundo da Constituição.
1.4 Alcance e Possíveis Ofensas ao Contraditório
Prefacialmente, impende acentuar que o princípio do contraditório é, à primeira vista, uma manifestação do Princípio do Estado de Direito, além de relacionar-se intimamente com o da igualdade das partes e o do direito de ação, porquanto a CF/88 no momento que assegura aos contendores o contraditório e a ampla defesa, quer dizer que o direito de ação e o direito de defesa fazem parte do Princípio do Contraditório (Nery Júnior, 2004:170).
O princípio ora debatido se estende na relação processual ao autor, réu, litisdenunciado, opoente, chamado ao processo, assistente simples, assistente litisconsorcial e ao Ministério Público, sendo ele parte, ou, ainda, atuando como fiscal da lei (custos legis).
Tal se justifica pelo fato de que o representante do Parquet – mesmo nos casos em que funciona como fiscal da lei – interfere no convencimento do órgão jurisdicional; por um lado, através de suas manifestações sobre os fatos ou sobre o direito, por outro, quando de suas solicitações para realização de diligências e/ou provas.
Ressalte-se, outrossim, que os auxiliares da justiça, testemunhas, informantes, peritos e assistentes técnicos não podem invocar ferimento ao Princípio do Contraditório, pois não possuem pretensão de direito material a ser dirimida em juízo, uma vez que tal garantia é assegurada estritamente aos litigantes, a teor da regra constitucional do art. 5.º, LV.
De mais a mais, o leitor menos avisado pode equivocar-se ao pensar que o Princípio do Contraditório não se estende às pessoas jurídicas ou aos entes despersonalizados (condomínios, massa falida, mesas diretoras das casas legislativas, por exemplo), restringindo-se apenas ao cidadão. Porém, em casos desse jaez invoca-se o Princípio da Isonomia, ocasião em que tais pessoas ou entes adquirem o agasalho do contraditório.
O contraditório num primeiro momento mostra-se como a necessidade de dar conhecimento da lide e dos atos processuais aos contendores. Empós disso, assume a faceta de uma ferramenta à disposição das partes para que elas tenham plenas capacidades de se manifestarem com vistas a persuadir o juiz a decidir a seu favor.
De sorte que é deferido aos litigantes a possibilidade de propor ações judiciais e suas respectivas defesas, de produzirem toda uma gama de provas tendentes à demonstração de seu direito e de serem ouvidos em pé de igualdade perante o órgão jurisdicional durante o processo. Contudo, não se pode requestar todo o tipo de produção de prova sob o color de atendimento ao contraditório e à ampla defesa.
O nosso colendo Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a decisão que indefere a produção de determinada prova que se mostre supérflua ou impertinente à matéria versada no processo, não malfere o Princípio do Contraditório (STF, Ag 141095-7, Rel. Min. Celso de Mello, j. 31.10.1994, DJU 14.11.1994, p. 30.860; STF – AI n.º 559.958 e RE n.º 345.580, rel. Min. Sepúlveda Pertence)
Para a intangibilidade do Princípio do Contraditório faz-se necessário que seja assegurada a obrigatória bilateralidade de audiência, e, a partir daí, que as partes recebam tratamento isonômico, com paridade de armas e amplas possibilidades de comprovarem suas alegações, sem deslembrar, no entanto, dos requisitos legais, da lealdade e boa-fé processuais.
No âmbito do processo civil e versando sobre direitos disponíveis, o réu pode deixar transcorrer in albis o prazo da contestação, sem com isso violar o Princípio do Contraditório. É necessária tão só a regularidade formal do procedimento citatório, é dizer, basta que o mandado de citação tenha sido confeccionado sob o manto dos requisitos legais a ele atrelados e que o réu seja devida e validamente citado, assim, tomando conhecimento das alegações contra si imputadas.
De tal modo, o réu ao ser citado tem a possibilidade (e não a obrigatoriedade) de manifestar-se no processo alegando o que de direito lhe convir, entretanto, caso não o faça no prazo legal a regra processual civil assevera que “preclui” o seu direito. Nesse caso meramente ilustrativo foi devidamente preservado o contraditório, conquanto não tenha sido utilizado pelo demandado.
Nessa linha, o julgamento antecipado da lide não suprime o Princípio do Contraditório, até porque a lei só lhe autoriza nos casos em que se operam os efeitos da revelia. Portanto, os princípios da celeridade e economia processual, a par do princípio da razoável duração do processo igualmente integrados ao nosso sistema constitucional são de participação harmoniosa com o julgamento antecipado da lide.
O egrégio Superior Tribunal de Justiça, nessa toada, decidiu, litteris:
Recurso Especial. Ação cautelar. Lei 8.429/92. Afastamento de Prefeitos e Servidores em Sede de Cautelar. Improbidade Administrativa (...) 1. O julgamento antecipado da lide (art. 330, I, do CPC) não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória, porquanto o instituto conspira a favor do princípio da celeridade. 2. Não constituindo a documentação nova a causa determinante da decisão impugnada, não há falar em nulidade por infringência ao art. 398 do Código de Processo Civil. 3. É lícito o Magistrado, à luz do princípio do convencimento racional (art. 131 do CPC), decidir a causa; motivando o porquê da sua fundamentação calcada nos fatos, provas, direito e jurisprudência que entendeu pertinentes. (...) 4. Restando os fatos e as provas relevantes in casu amplamente demonstrados na instância ordinária e desinfluentes para o desate da lide os documentos sobre os quais o recorrente aponta violação do contraditório, afasta-se o alegado malferimento da Lei federal invocada (art. 398 do CPC). A influência do documento pelo seu teor probatório não pode ser analisada pelo STJ por força da Súmula 07. Recurso Especial desprovido. (grifo nosso)
Doutra sorte, há casos em que o Estado-Juiz poderia aplicar de forma precipitada o julgamento antecipado da lide sob o pretexto de empregar mais celeridade aos processos, solucionando a demanda num prazo mais razoável. Porém, resta induvidoso que o julgador deve tratar referido instituto jurídico com a devida coerência e parcimônia para não causar lesão a direito de uma ou outra parte.
Ilustramos com o seguinte exemplo: digamos que numa ação que gira em torno de um direito disponível e que correu a revelia em desfavor do réu, mas que o autor não demonstrou cabalmente a certeza de ser detentor do direito pleiteado, gerando, pois, um juízo de incerta para o magistrado. Embora revel o demandado apresenta uma petição nos autos no dia seguinte ao término do prazo que dispunha para defender-se, requestando a produção de determinada prova, a qual teria o condão de provar que o direito discutido lhe pertenceria.
Em face do encimado caso hipotético que, diga-se de passo, é recorrente em nossos tribunais, entendemos que o juiz deve deferir a produção da prova requerida pelo réu ou, caso ache impertinente, que ordene a diligência que entender cabível e tendente a conferir-lhe um grau maior de certeza do direito posto à sua cognição.
Tal proceder é no sentido de aumentar o nível de exatidão das decisões judiciais, não fazendo do juiz um mero aplicador das formalidades previstas na lei, mas um verdadeiro solucionador de litígios e propagador da paz social, como, de fato, deve ser o seu ofício.
Em caso semelhante em que não foi oportunizada produção de prova relevante o Superior Tribunal de Justiça anulou um processo que foi julgado antecipadamente, com a fundamentação a seguir:
Processual Civil – Ação de Indenização Por Danos Morais e Processuais – Condenação em Somas Elevadas – Julgamento Antecipado da Lide – Inadmissibilidade. Fere o disposto no art. 330, I, do Código de Processo Civil julgamento antecipado da lide, em ação de indenização por danos materiais e morais, com condenação em somas elevadas, deixando de atribuir qualquer valor aos documentos apresentados pelo réu e suprimindo a oportunidade de produção de provas outras, com as quais se poderia, com maior segurança, avaliar os fatos e mensurar suas repercussões na vida social e profissional da vítima. Recurso especial provido. (STJ, 3.ª Turma, REsp 326153/PI, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJU 02.06.2003).
Por tais razões é que se deve aplicar o julgamento antecipado da lide com reservas para, ao mesmo tempo, atingir os mandamentos da lei e prestigiar o Princípio do Contraditório.
Outra questão controversa atinente ao contraditório é a sua aplicação ao processo de execução. Há autores como Liebman e Buzaid que entendem não haver contraditório no processo de execução; porém, doutra banda, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco defendem a tese contrária.
Em nosso juízo a segunda corrente é a mais acertada, assim, o processo executório comporta o Princípio do Contraditório, pois o executado pode opor embargos do devedor, que se traduz em verdadeiro processo de cognição em desfavor do credor.
Nessa tangente, o STJ vê a oposição de embargos do devedor como verdadeira manifestação do contraditório no âmbito da execução, senão vejamos:
FGTS. CORREÇÃO MONETÁRIA. PAGAMENTO. CONTA VINCULADA. CONTA-GARANTIA DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. DEPOSITAR NÃO É PAGAR. (...) 1. O depósito pela CEF em Conta-Garantia de Embargos revela animus de garantir para embargar e não de o pagar. (...) 2. Deveras, nas situações duvidosas, não é lícito cogitar-se de pagamento quando o suposto devedor entrega a quantia a título de depósito, máxime quando a interpretação da manifestação volitiva implica suprimir a oportunidade de oposição de embargos, violando a cláusula pétrea da “ampla defesa” aplicável ao processo judicial, e, a fortiori, ao processo de execução, no qual o contraditório é alcançado pelo devedor através do manejo dos embargos. (...). Recurso especial provido. (STJ, 1.ª Turma, REsp 478835/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 28.10.2003). (grifo nosso)
De igual maneira, no processo de execução o devedor pode apresentar exceção de pré-executividade arrimado em matérias de ordem pública e/ou inexistência de pressuposto(s) processual(is). É permitido alegar através da indigitada peça processual falta de citação, incompetência absoluta, suspeição ou impedimento do juiz, irregularidade formal do título executivo dentre outras várias matérias de ordem pública.
Destarte, é forçoso concluir que o Princípio do Contraditório incide nos três tipos de processo previstos no ordenamento civil pátrio, ou seja, de cognição ou conhecimento, de execução e o cautelar.
1.5 Contraditório e a Concessão de Liminares sem a Oitiva da Outra Parte
Em que pese ser o Princípio do Contraditório um direito fundamental de índole processual ele pode ser atenuado nas hipóteses em que o juiz defere tutelas liminares inaudita altera pars, ou seja, sem a ouvida da parte adversa, como nos casos de rito ordinário, ações possessórias, ação popular, ação coletiva, mandado de segurança, ação civil pública, ou, ainda, nas ações cautelares (Nery Júnior, 2004: 149).
Em casos dessa espécie, em tese, não há que se falar em ofensa ao Princípio do Contraditório, pois à parte ré é assegurada a possibilidade de apresentar contestação, formular pedido de reconsideração instando o juiz ao juízo de retratação, ou, ainda, interpor o recurso de agravo – retido ou de instrumento, conforme for o caso – dirigido à instância superior para vergastar a tutela judicial concedida em seu desfavor.
Tal se mostra plausível porquanto em certas situações a ouvida da parte adversa redundaria em significativa demora para a concessão da tutela pleiteada, o que, de fato, acarretaria total ineficácia do provimento jurisdicional. Em vista disso, conquanto seja controverso, entendemos que não há discricionariedade para o magistrado; portanto uma vez preenchidos os pressupostos legais autorizadores da medida liminar, esta deve ser deferida visando à efetividade do processo e o não-perecimento do direito autoral.
Diante de tais casos, o juiz no momento de analisar o requerimento liminar deve fazer uma ponderação, utilizando-se o Princípio da Proporcionalidade, entre o contraditório e o direito posto ao seu conhecimento em caráter de tutela de urgência. Portanto, surge um “choque” entre os Princípios do Contraditório e o da Efetividade da Tutela Jurisdicional. De modo que, face o caso concreto deve o juiz decidir pelo princípio que melhor soluciona o combate entre as partes, não anulando o outro, mas apenas afastando a sua incidência no caso.
Nada obstante, é imperativo do juiz motivar o seu posicionamento em prestigiar o direito hipoteticamente ofendido de uma parte em detrimento do contraditório, valendo-se do método de circunspecção afeto ao Princípio da Proporcionalidade, para que não haja a nulidade da decisão em virtude da falta de fundamentação, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal.
Isso posto, defendemos que não malfere o Princípio do Contraditório as antecipações de tutela e as medidas liminares, entretanto, é inarredável que haja uma ponderação de princípios para fins de deferimento de uma tutela mais justa.
1.6 Contraditório e a Colisão com Outros Direitos Fundamentais
Antes de tudo, é necessário que façamos as indispensáveis considerações sobre os direitos fundamentais para chegarmos a sua colisão com o contraditório, este tido como legítimo direito fundamental aplicável ao processo.
Em nosso Ordenamento Jurídico temos dois tipos de normas: princípios e regras. Os princípios são normas que impõem, na medida do possível, a sua realização com variados níveis de cumprimento relativamente a normas e princípios em oposição.
Várias são as diferenças no tocante as regras, pois que elas são cumpridas, ou não, na hipótese de conflito com outra regra, levando-se em conta o jurídico ou faticamente possível. Assim, diante de um choque entre regras uma deve se sobrepor à outra, anulando a contraposta.
Às avessas, relativamente aos princípios, nos casos de colisão não se declara a invalidez de um ou outro, faz-se uma análise frente ao caso concreto para avaliar qual dos princípios deve preponderar em relação ao outro.
Exsurge, pois, o conceito de precedência, idealizado por Robert Alexy, célebre autor da obra Teoria da argumentação jurídica, para se fazer o julgamento do peso dos princípios. Tal proceder é no sentido de verificar qual princípio tem maior peso na solução do litígio, considerando-se os interesses opostos das partes.
Nesses casos, há a chamada lei de colisão projetada pelo referido doutrinador, a qual diz que um princípio limita o outro, estabelecendo, assim, uma relação de precedência condicionada entre princípios, sendo que um se sobrepõe ao outro, mas sem anulá-lo, apenas afastando a sua incidência.
Com isso, surge a seguinte indagação: qual é o método para analisar o peso de cada princípio? Para tanto, basta que o juiz examine as razões fático-jurídicas apresentadas pelas partes, para daí chegar a um juízo de valor, decidindo pela prevalência de determinado princípio sobre outro oposto.
Cumpre registrar, a propósito, a questão dos princípios absolutos, os quais não são compatíveis com o nosso sistema jurídico, pois admiti-los seria aprovar a ideia de princípios superiores, de aplicação forçada, mas isso levaria a um recorrente estado de enfretamento de princípios, sem nexo algum. Conclusão que se tira a partir de uma análise sistemática do nosso Ordenamento Jurídico, segundo o qual os princípios são harmônicos entre si, devendo prevalecer o que melhor se encaixar ao caso concreto.
De sorte que os princípios quando entram em colisão reclamam a atuação da proporcionalidade para se analisar as possibilidades fático-jurídicas apresentadas no processo. As três vertentes da proporcionalidade são: adequação, necessidade e ponderação, sendo que as duas primeiras atinem aos fatos e a última relacionam intimamente com a questão do direito.
E é justamente nessa ponderação que surge o debate entre a aplicação do Princípio do Contraditório em colisão com outros direitos fundamentais. No subitem anterior, abordamos a temática da efetividade da tutela jurisdicional versus o contraditório, e chegamos à conclusão de que o juiz deve analisar o pretenso direito violado e decidir fundamentadamente se deve deferir tutelas de urgência sem oportunizar a parte contrária o direito de manifestar-se previamente a respeito dos fatos narrados pelo autor.
Outra questão ligada a essa discussão é a das provas obtidas por meio ilegítimos ou ilícitos, tendo em vista que o nosso texto constitucional (art. 5.º, LVI) veda a produção de prova obtidas por tais meios, portanto limitando a incidência do contraditório, tendo em vista que tal princípio não tem o condão de garantir a produção irrestrita de prova, apenas autorizadas as úteis ao processo e as obtidas por meios lícitos.
Por derradeiro, infere-se que o contraditório não tem status de princípio absoluto, pelo que deve ser afastado, na medida do possível, quando vier outro princípio a se mostrar mais apto à solução de um processo judicial, acentuando, assim, o poder estatal de distribuir uma tutela jurisdicional justa e equânime quando instado a fazê-lo.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, o Contraditório era tido apenas como o direito à bilateralidade de audiência. Com o passar dos anos, percebeu-se que não basta dar ciência do processo à parte, pois, mais que isso, faz-se necessário deferir a ela o poder de influenciar no julgamento do juiz. Não por acaso, essa nova faceta do Contraditório foi positivada no novo Código de Processo Civil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo, 8.ª ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002.
ARRUDA ALVIM, José Manoel. Dogmática jurídica e o novo Código de Processo Civil in Revista de processo, nº 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan/mar. 1976.
______ Manual de Direito Processual Civil, 5. Ed. São Paulo: RT, 1996, v. 2
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Os poderes do juiz in O processo civil contemporâneo, Curitiba: Juruá, 1994.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed. rev. atual. amp., São Paulo: Malheiros, 2000.
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, 4.ª ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2006.
COSTA, Newton C. A. da. Conjectura e quase-verdade in Direito Política Filosofia Poesia: estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale, em seu octogésimo aniversário, coord. Celso Lafer e Tércio Sampaio Ferraz Jr.. São Paulo: Saraiva, 1992.
COUTURE, Eduardo Juan. Fundamentos del Derecho Processual Civil, . Ed. Buenos Aires: Depalma, 1993,
DIDIER JUNIOR, Fredie, Curso de Direito Processual Civil, 9ª Ed. 2008, Bahia, Editora JusPODIVM.
DINAMARCO, Cândido Rangel, GRINOVER, Ada P. e CINTRA, Antonio Carlos Araújo, Teoria geral do processo, 9ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: Malheiros, 1993.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 2ª ed. rev. amp., São Paulo: Celso Bastos Editor, 2001.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas de processo civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
MENDES JUNIOR, João. A Prova no Processo. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
MICHELI, Gian Antonio e TARUFFO, Michele. A prova in Revista de Processo, nº 16, São Paulo: Revista dos Tribunais, out/dez 1979.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 7.ª ed. Ver. E atual. com as leis 10.352/2001 e 10.358/2001, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 2ª ed., São Paulo, Ed. Método, 2008.
PESTANA DE AGUIAR E SILVA, João Carlos. As Provas no Cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença, 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito. São Paulo: Saraiva, 1994.
_____ Verdade e conjectura. Nova Fronteira, 1983.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, 3º vol., São Paulo: Saraiva, 1990.
_____ Comentários ao Código de Processo Civil, 6. Ed .Rio de Janeiro: Forense, 1994.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil, vol. I, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Devido Processo Legal: Uma visão pós-moderna. Salvador: Editora JusPodivm, 2008.
SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Breves considerações sobre as regras de distribuição do ônus da prova no processo do trabalho. Revista Síntese Trabalhista. Porto Alegre: Síntese, n. 202, abr.2006.
SURGIK, Aloísio. Lineamentos do processo civil romano, Curitiba: Livro é Cultura, 1990.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho, 8ª ed. rev. e ampl., São Paulo, Editora LTr, 2003.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. III, t. II.
[1] Conforme Hegel, a natureza verdadeira e única da razão e do ser que são identificados um ao outro e se definem segundo o processo racional que procede pela união incessante dos contrários – tese e antítese – numa categoria superior, a síntese. (Novo Dicionário Aurélio)
[2] Para Paulo Bonavides, os direitos fundamentais manifestaram-se na ordem institucional em três gerações sucessivas, isto é, direitos de primeira (liberdade), de segunda (igualdade) e de terceira geração (fraternidade).
Advogado da União. Pós-graduado em Direito Constitucional e em Direito do Estado. Mestre em Políticas Anticorrupção pela Universidad de Salamanca (Espanha).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOSé DAVID PINHEIRO SILVéRIO, . Princípio do contraditório como decorrência do devido processo legal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50422/principio-do-contraditorio-como-decorrencia-do-devido-processo-legal. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.