RESUMO: O presente artigo tem como objetivo trazer reflexões sobre a personalização do Direito Contratual à luz da Constituição Federal. Tem como escopo trazer a ressignificação da função social do contrato como um mecanismo de preservação contratual, visando o equilíbrio das partes contratantes.
PALAVRAS CHAVES: direito contratual; função social; boa-fé; ética; eticidade; isonomia; equilíbrio.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Função social do contrato como cláusula geral. 3. Princípios da Boa-fé. 4. Conclusão.
1. Introdução
A dinâmica social da sociedade hoje estabelece vínculos obrigacionais decorrentes de diversas fontes. Uma das mais importantes atualmente são os contratos. A chamada sociedade de massa gera diariamente milhares de contratos por dia. Nesse sentido, e evitando o desequilíbrio entre as partes, o Código Civil de 2002 buscou criar mecanismos para atenuar eventuais protagonismos de uma das partes contratantes.
2. Função social do contrato como cláusula geral
A função social é uma cláusula geral, aberta a várias significações em virtude de sua vagueza semântica, evitando a mera subsunção da lei ao fato, tornando o direito mais vivo, e dinâmico. Desta forma, vem corroborar com o enunciado 21 e 22 da Primeira Jornada de Direito Civil:
Enunciado 21: a função social do contrato prevista no art. 421 do novo código civil constitui cláusula geral, que impõe a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.
Enunciado 22: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo código civil, não elimina o princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individuas relativo à dignidade da pessoa humana.[1]
A lei de introdução a todos os códigos em seu artigo 5º proclama que “na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum”. Seguindo tal preceito, a norma maior em 1988 destacou que a propriedade também teria uma função social.
No art. 5º, XXIII e 179, caput e inciso III a CF incorporou a função social da propriedade como um dos direitos fundamentais, e princípio de ordem econômica, devendo atender ao interesse social e à utilidade pública. Para que se atenda à função social, a propriedade sofre limitações de várias espécies, pode-se citar o uso e a desapropriações facultadas ao Poder Público, o IPTU progressivo, as restrições do direito de vizinhança e outras formas de natureza obrigacional “propter rem”. Tal função é estendida aos contratos, porque estes são o meio pelo qual se pré-estabelece a transferência de propriedades, seja esta por tradição, ou inscrição no registro competente, sendo a propriedade tutelada pela função social, deve ser também o contrato ser tutelado.
Tendo tal conceito em exame, leva-se ao raciocínio de que a função social do contrato valoriza o trabalho humano, a livre iniciativa, a dignidade da existência, a igualdade em direitos e obrigações, não apenas entre as partes, mas também perante toda a sociedade.
A função social estabelece duas consequências, uma intra partes e outra extra partes. Um contrato pode ser bom para as partes contratantes, porém ruim para a sociedade, por exemplo, um contrato firmado entre uma empresa e uma agência de publicidade, com um comercial manifestadamente discriminatório, este contrato, segundo Flávio Tartuce seria nulo, por “nulidade por fraude a lei imperativa diante de ato emulativo.”[2]
A função social do contrato não se volta para uma das partes como se houvesse uma hipossuficiência de algum elo da relação jurídica, pois não se considera as condições pessoais dos contratantes, mas sim a licitude do conteúdo do contrato, sendo objetivamente consideradas em face do instrumento contratual.
Levando em consideração o aspecto de cláusula geral, a função social da propriedade, não se pode dispensar a interpretação do juiz em cada caso concreto, visando adaptar melhor a realidade e de acordo com todos os tipos de interpretação possíveis.
No Código Civil de 2002, a função social do contrato, vem corroborar o princípio da socialidade do jurista Miguel Reale, visando atenuar o pacta sunt servanda em busca de “promover uma justiça mais comutativa”.[3] Conforme o enunciado 23 da Primeira Jornada de Direito Civil:
Enunciado 23: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
O aspecto social na esfera moderna foi abordado por Mário Aguiar Moura de forma bem interessante em seu livro:
O contrato fica em condições de prestar relevantes serviços ao progresso social, desde que sobre as vontades individuais em confronto se assente o interesse coletivo, através de regras de ordem pública, inafastáveis pelo querer de ambos ou de qualquer dos contratantes, com o propósito maior de evitar o predomínio do economicamente forte sobre o economicamente fraco.[4]
Desta forma, a função social do contrato, desdobra-se como uma cláusula geral de extrema importância nos dias atuais, evitando injustiças ou situações de desequilíbrios entre as partes das relações contratuais e principalmente sua importância perante a sociedade.
3. Princípios da boa-fé
A boa-fé surgiu do direito alemão, pela teoria da confiança nas declarações, afastando a atuação integral da teoria da vontade, e a passando a valorizar o estado psíquico das partes no momento da declaração da vontade. No direito brasileiro surgiu como necessidade do Direito Civil Constitucional irraigado pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, assumindo como cláusula geral, sendo apta a se moldar a cada caso concreto, evitando, assim, o engessamento do sistema. Segundo Nelson Rosenvald, a “boa-fé significa a mais próxima tradução da confiança, que o esteio de todas as formas de convivência em sociedade.”[5]
A boa-fé tem caráter multifuncional, condizente com o princípio da operabilidade do Código Civil de 2002. Possuindo caráter interpretativo, de controle e integrativo.
A boa-fé tem caráter interpretativo, pois visa à tutela da confiança, nos negócios jurídicos como refere o art. 113 do CC/02: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”
Derivados desse pensamento, podem-se citar preceitos do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Como por exemplo, os contratos gratuitos que serão interpretados estritamente e as cláusulas no sentido mais favorável à parte aderente, pois se pressupõe uma hipossuficiência contratual da parte aderente.
Possui características de controle, quando define abuso de direito como ato ilícito sem seu art. 187:
art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Segundo a doutrina clássica, só cometeria ato ilícito o titular de um direito que lesasse a outra parte de forma intencional, privilegiando a boa-fé subjetiva. Tal teoria hodiernamente, vem acompanhada de sua face objetiva, devendo ser considerado em cada contrato, a boa-fé em sentido amplo.
Também possui atribuição integrativa, pois como cláusula geral, integra os sistemas jurídicos, e abre para a interpretação axiológica do juiz, devendo este, interpretar cada caso concreto, conforme art. 422 do CC/02: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.”
Segundo Judith Martins-Costa, a “função hermenêutico-integrativa do princípio da boa-fé não pode ser analisado apenas em seus termos, mas é necessário considera-lo num contexto significativo, num conjunto de circunstâncias concretas[6].
A boa-fé tem duas acepções, a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva. A boa-fé subjetiva é referente a um caráter interno e psicológico inerente a vontade do indivíduo. Fernando Noronha define a boa-fé subjetiva como “um estado de ignorância sobre as características da situação jurídica que se apresentam, suscetíveis de conduzir à lesão de direitos de outrem[7]”.
Mas não é necessário apenas a existência do erro, mas que este seja desculpável, ou seja um erro possível de ser cometido pelo homem médio, que seria aquele que toma os deveres necessários na verificação de um objeto.
A boa-fé subjetiva é um estado psicológico do agente. Muito visada no Código Civil de Beviláqua que a privilegiava em seu corpo. O Código Civil de 2002, a manteve, porém de forma atenuada pela predominância da boa-fé objetiva. A boa-fé subjetiva é encontrada ainda em diversos institutos do atual código, principalmente, do Direito das Coisas, como qualidade da posse, requisito da usucapião ordinária, apreciação de acessões e benfeitorias.
A boa-fé objetiva é um modelo de conduta social, não diz a respeito da vontade do agente ou sua conviçção, e sim um modelo a ser seguido, tendo como características fundamentais a probidade, correção, e a confiança.
Tal modelo de conduta é o comportamento a ser exigido do bom cidadão, baseado na confiança e lealdade de quem acreditou que a outra parte agiria de forma proba.
4. Conclusão
Verifica-se, portanto, que a função social do contrato não é um mecanismo de impedimento contratual, pelo contrário, trata-se de verificar também os anseios da coletividade ao mesmo tempo que não se olvida a afirmação do desenvolvimento.
A função social é matriz dirigida para três vias. A primeira é voltada para o legislador que deve no momento de legislar pautar-se pela função social como regra diretriz. A segunda é voltada para os contratantes que devem se pautar pela consciência de que os contratos atualmente transcendem a antiga acepção relativista do Pacta Sunta Servanda. Por fim, a função social é dirigida aos interpretes, defensores, promotores, advogados e juízes, que devem fazer com que o princípio seja amplamente observado.
Trata-se de metanorma que deve ser observada até como mecanismo de efetivação do direito das pessoas humanas.
Referencias:FIÚZA, Ricardo. Novo código civil comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 430.
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3. ed. São Paulo: Impetus, 2004.
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994.
TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Artigo publicado na Revista científica da Escola Paulista de Direito (EPD – São Paulo). Ano I. N. I. Maio/Ago. 2005. Coordenação científica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br>. Acesso em: 22 de julho de 2017.
[1] Enunciado aprovado na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Min. Ruy Rosado do STJ.
[2]TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Artigo publicado na Revista científica da Escola Paulista de Direito (EPD – São Paulo). Ano I. N. I. Maio/Ago. 2005. Coordenação científica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br>. Acesso em: 09 maio 2006.
[3] FIÚZA, Ricardo. Novo código civil comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 374.
[4] FIÚZA, Ricardo. Novo código civil comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 374.
[5] ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3. ed. São Paulo: Impetus, 2004. p. 32.
[6] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 430.
[7] NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 132.
Bacharel pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduada pela Universidade Católica Dom Bosco. Procuradora Municipal de São Carlos/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Silvia Maria de Paula. Função social do contrato e a boa-fé Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jul 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50537/funcao-social-do-contrato-e-a-boa-fe. Acesso em: 23 dez 2024.
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