RESUMO: Este artigo tem por objetivo abordar o tema sobre a Capacidade Processual das Pessoas Casadas e o dispositivo que o regulamenta no Código de Processo Civil de 2015.
Palavras-chave: Código de Processo Civil. Capacidade processual das pessoas casadas. Regime de Separação absoluta de bens. União estável.
INTRODUÇÃO
No que tange à capacidade processual das pessoas casadas, o Novo Código de Processo Civil foi ajustado em conformidade com o Código Civil de 2002.
Isso porque, por muito tempo, o regramento do Código de 1973 era um reflexo do Código Civil de 1916 e se encontrava, pois, defasado em relação ao Código Civil de 2002.
1.CONSIDERAÇÕES SOBRE O ART 73 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
O Novo CPC, em seu art. 73, prevê que “o cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens”.
Agora, o ordenamento deixa claro sobre a necessidade de consentimento do cônjuge para propositura de ação sobre direito real imobiliário.
Porém, diante da nova redação, a doutrina levanta o questionamento sobre a possibilidade da ressalva do dispositivo se aplicar igualmente ao regime de separação absoluta convencional e legal.
2.DA APLICAÇÃO DO DISPOSITIVO AO CASAMENTO COM REGIME DE SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS
Alguns doutrinadores entendem que essa ressalva só se aplica a separação convencional, pois se entende que na separação legal o patrimônio constituído após o casamento se comunica e, por isso, faz-se mister o consentimento, com base no que dispõe a Súmula 377 do STF: “No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
Assim, a súmula, apesar de não ter efeito vinculante, é parâmetro para o julgamento de casos análogos, a fim de promover a uniformidade entre as decisões.
Porém, esse posicionamento do STF ainda gera insatisfação por muitos, que afirmam ser necessária à sua aplicabilidade a comprovação de que o nubente contribuiu para a aquisição dos bens adquiridos na constância do matrimônio.
A discussão ocorre porque, para alguns, a súmula promove o enriquecimento ilícito quando permite a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento sem, contudo, fazer qualquer ressalva da necessidade de se provar o esforço comum.
Diante deste cenário a jurisprudência tem entrado em divergência acerca do tema, existindo julgados que exigem a comprovação do esforço comum e outros que não a exigem. Vejamos:
“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARA SUBIDA DE RECURSO ESPECIAL. SEPARAÇÃO E PARTILHA DE BENS. IMÓVEL ADQUIRIDO ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR Nº 377 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECISÃO ATACADA EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO ESPOSADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REAVALIAÇÃO DO CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DAS SÚMULAS 7 E 83/STJ. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS INFRACONSTITUCIONAIS. PRONUNCIAMENTO SUFICIENTE DO TRIBUNAL A QUO SOBRE A CONTROVÉRSIA. RECURSO QUE NÃO LOGRA INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. IMPROVIMENTO. I - Não há que se falar em violação a dispositivos de lei federal quando todas as questões postas a debate foram analisadas e decididas pelo Tribunal a quo, ainda que de maneira contrária aos interesses da recorrente. II - Conforme a jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal e no STJ, no regime da separação legal de bens, comunicar-se-ão aqueles adquiridos na constância do casamento. Inteligência da súmula 377/STF. III - Aplicam-se os verbetes sumulares n.º 7 e 83 do STJ na hipótese em que a tese versada no recurso reclama a análise de elementos fático-probatórios analisados ao longo da demanda, bem como na hipótese da decisão agravada se coadunar com a jurisprudência desta Corte. IV - O agravante não trouxe qualquer argumento capaz de infirmar a decisão que pretende ver reformada, razão pela qual entende-se que ela há de ser mantida na íntegra. V - Agravo regimental improvido”.[1] (Grifei).
“DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. ART. 258, § ÚNICO, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. 1. Por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta. 2. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula n.º 377 do STF. 3. Recurso especial provido.[2] (Grifei).
Vê-se, portanto, que as divergências são grandes e confusas e todas com respaldo na redação da Súmula 377 do STF.
O certo é que a necessidade de garantir a proteção dos bens particulares do cônjuge é a essência do regime de separação legal idealizado pelo legislador.
Nesse contexto, posiciono-me a favor da aplicabilidade da súmula com a ressalva de que os bens devem se comunicar quando comprovado o esforço comum. Isso porque, do contrário, o regime da separação absoluta legal se assemelharia ao regime de comunhão parcial de bens.
3.DA ADEQUAÇÃO DO DISPOSITIVO À REALIDADE CONSTITUCIONAL E SOCIAL
Outra inovação do Código de Processo Civil está no inciso III, do art. 73. Observa-se que o dispositivo substitui a palavra “marido” por “um dos cônjuges”, adaptando-se à CF que consagra a igualdade entre homens e mulheres.
Trata-se de uma conquista das mobilizações efetivas que inaugurou a pós-modernidade jurídica. Adequa-se, portanto, à realidade constitucional e social em que não se cabe mais a visão patriarcal do homem como o gestor do casamento; uma regra obsoleta que precisava ser modificada.
4.DA APLICAÇÃO DO DISPOSITIVO AOS CASOS DE UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA
Uma novidade polêmica diz respeito à possibilidade de aplicação do art. 73 aos casos de união estável comprovada nos autos. Prevê o seu § 3o que “aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos.”
Trata-se de uma regra que, a meu ver, deve ser interpretada com cautela.
Isso porque a união estável se caracteriza, sobretudo, pela sua informalidade e a alteração do estado civil, quase sempre, não ocorre.
A dificuldade em conhecer se uma pessoa vive em união estável persiste até mesmo nos casos em que há um contrato de união estável firmado pelos companheiros, pois não torna a existência do vínculo notória para um terceiro.
Além do mais, um terceiro não tem como saber se no dia da propositura de eventual ação a parte contrária vivia em união estável e haveria, portanto, a necessidade de se postular o consentimento do companheiro.
Na verdade, na maioria das vezes, nem mesmo as pessoas que vivem em união estável sabem disso ou, quando sabem, não conhecem o seu termo inicial.
O dispositivo traz, portanto, uma redação que, na prática, pode se tornar temerária.
Como exemplo, pode-se citar um caso em que é realizada penhora de um bem de pessoa não casada e, tempos depois, surge um terceiro postulando a anulação de arrematação do imóvel por ausência de intimação do companheiro que nem se tinha conhecimento da existência.
Ora, é plenamente possível um terceiro aparecer com um contrato de união estável com data retroativa, já que se trata de documento que não precisa de registro.
Portanto, é imprescindível definir como deve ser a comprovação da união estável: de que modo e quando.
A melhor interpretação, com o intuito de minimizar os problemas, é o de que a comprovação exigida por lei deve ser entendida como o documento averbado no Registro Civil, tal como regulamentado pelo CNJ.[3]
Assim, o §3º do art 73 só seria aplicado em caso de alteração do estado civil para companheiro, porque aí sim teria eficácia para terceiros. Só desta forma passaria a ser possível o controle. Interpretação contrária pode, inclusive, dar margem à fraude para anulação de arrematação de bem imóvel de quem não é casado e não se poderia ter o conhecimento de que vivia em união estável.
É a interpretação mais razoável para não comprometer a segurança jurídica e os direitos de terceiros.
CONCLUSÃO
O presente artigo pretende tão somente tecer algumas considerações que reputo importantes sobre o art 73 do Código de Processo Civil de 2015, que trata da capacidade processual das pessoas casadas, um tema que apresenta algumas divergências e, certamente, será objeto de estudo pela doutrina nos próximos anos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 02 de junho de 2016.
BRASIL, Provimento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ - nº 37 de 07/07/2014. Fonte: DJE/CNJ nº 119, de 11/7/2014, p.23-24. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=2043. Acesso em: 02 de junho de 2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - STJ – AGRAVO REGIMENTAL AgRg no Ag: 1119556 PR 2008/0250779-4. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15262136/agravo-regimental-no-agravo-de-instrumento-agrg-.... Acesso em: 02 de junho de 2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - STJ – RECURSO ESPECIAL REsp: 646259 RS 2004/0032153-9. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16827288/recurso-especial-resp-646259-rs-2004-0032153-9. Acesso em: 02 de junho de 2016.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 1. 17ª ed. Salvador : Jus Podivm, 2015.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas. São Paulo: Método, 2015.
SIMÃO, José Fernando. O Regime da separação absoluta de bens (CC, art. 1647): separação convencional ou obrigatória? São Paulo, Sítio Professor Simão. Disponível em: http://www.professorsimao.com.br/artigos_simao_regime_separacao.html>. Acesso em: 02 de junho de 2016.
[1] STJ - AgRg no Ag: 1119556 PR 2008/0250779-4, Data de Publicação: DJe 28/06/2010.
[2] STJ - REsp: 646259 RS 2004/0032153-9, Data de Publicação: DJe 24/08/2010.
[3] Provimento nº 37 de 07/07/2014. Fonte: DJE/CNJ nº 119, de 11/7/2014, p.23-24. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=2043. Acesso em: 05 de junho de 2016.
Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Pós-graduada em Prática Judicante pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARINHO, Barbara Lins Travassos. Da capacidade processual das pessoas casadas á luz do Código de Processo Civil de 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50570/da-capacidade-processual-das-pessoas-casadas-a-luz-do-codigo-de-processo-civil-de-2015. Acesso em: 23 dez 2024.
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