RESUMO: É evidente que a maioria dos presos brasileiros são submetidos a condições desumanas e degradantes de cumprimento da pena em razão da superlotação e da insalubridade dos presídios nacionais, o que se apresenta como “Estado de Coisas Inconstitucional”. Desta forma, este artigo busca ajudar a difundir à comunidade jurídica uma reflexão sobre a situação caótica vivida pela população carcerária nacional, o que acaba gerando um círculo de violência que reflete diretamente na sociedade como um todo, sendo capaz inclusive de desviar políticas públicas para pagamento de indenizações a presos. Assim, para a construção deste trabalho abordam-se os parâmetros adotados pelo Supremo Tribunal Federal para configuração da responsabilidade civil do Estado Brasileiro, concluindo-se pela adoção da teoria do risco administrativo, que dispensa análise de culpa, mas admite excludentes de responsabilidade, e pela possibilidade de fixação de indenização aos detentos pelas condições violadoras da dignidade humana de cumprimento de pena a que são submetidos pelo Estado, apresentando ao final a figura do pagamento de indenização in natura, mormente por meio de remição de pena, que trazem benefícios aos detentos, ao sistema carcerário e ao sistema fiscal, não sendo aceita, até o momento pelo Órgão de Cúpula do Judiciário Nacional.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado. Sistema Prisional. Violação à Dignidade Humana. Indenização. Remição da Pena.
ABSTRACT: It is evident that most Brazilian prisoners are subjected to inhuman and degrading conditions of punishment due to overcrowding and unhealthiness of national prisons, which is presented as "State of Things Unconstitutional." Thus, this article seeks to help spread to the legal community a reflection on the chaotic situation experienced by the national prison population, which ends up generating a circle of violence that reflects directly in society as a whole, and is even capable of diverting public policies for payment of compensation to prisoners. Therefore, the construction of this work addresses the parameters adopted by the Federal Supreme Court to set up the civil responsibility of the Brazilian State, and concluded by adopting the theory of administrative risk, which exempts analysis of fault, but admits mutually exclusive of responsibility, and by the possibility of fixing compensation to the prisoners for the conditions violating the human dignity of fulfillment of sentence to which they are submitted by the State, presenting at the end the figure of the payment of indemnity in natura, mainly by means of remission of sentence, that bring benefits to the detainees, to the prison system and the tax system, which has not been accepted until now by the National Judicial Body.
Key words: State Liability. Prison System. Violation of Human Dignity. Remorse of the Penalty
1. Introdução
O presente trabalho busca trazer uma abordagem quanto aos parâmetros adotados pelo Supremo Tribunal Federal-STF para configuração da responsabilidade civil do Estado Brasileiro em razão da submissão de detentos a condições degradantes de cumprimento de pena privativa de liberdade em presídios, bem como sobre a (im)possibilidade de indenização por meio da remição da pena.
Neste caminhar, em um primeiro momento será abordada de forma breve a evolução história da responsabilidade civil do estado para ao final apresentar a teoria hodiernamente adotada pela corte suprema nacional quanto ao tema.
Em seguida apontaremos se é possível estabelecer indenização aos detentos pelas condições desumanas e degradantes de cumprimento de pena a que são submetidos pelo Estado.
Por fim, o texto analisará a possibilidade ou não de se estabelecer indenização in natura aos detentos, em especial por remição de pena com objetivo de difundir o conhecimento quanto ao tema para fins de reflexão da comunidade jurídica, que deve voltar os olhos à situação caótica vivida pela população carcerária que acaba por gerar um circulo de violência refletido diretamente na sociedade como um todo.
2. Da Evolução da Responsabilidade Civil do Estado
No que se refere à discussão acerca da evolução da responsabilidade civil do Estado, os estudos teóricos revelam a passagem por três fases básicas, iniciando-se com a teoria da irresponsabilidade do Estado, passando pela teoria da responsabilidade do Estado tendo como suporte as normas de direito privado para, então, aplicação das normas de direito público ao tema.
Num primeiro momento, assim, vigorou a ideia de irresponsabilidade do Estado pelos atos praticados por seus agentes. Esta teoria foi adotada na época dos Estados absolutos e era fundamentada na soberania (Estado como autoridade incontestável perante o súdito, onde se pregava que o rei não pode errar – the king can do no wrong (DI PIETRO, 2014)).
A visão de que o Estado não deveria se responsabilizar pelos prejuízos que seus agentes causassem a terceiros vigorou até meados do século XIX (FURTADO, 2016). Aponta Di Pietro (2014, p 717) que “os Estados Unidos e a Inglaterra abandonaram a teoria da irresponsabilidade, por meio do Federal Tort Claim Act, de 1 946, e Crown Proceeding Act, de 1 94 7, respectivamente”.
Passamos então à segunda fase da responsabilidade civil do Estado, onde se admitiu esta com aplicação das regras de direito privado: teoria civilista da culpa. Para esta teoria, todo aquele que por ação ou omissão, por negligência, imperícia, imprudência ou dolo, cause prejuízo a terceiro é obrigado a ressarcir o dano causado (CARVALHO FILHO, 2012).
No Brasil, no âmbito do direito privado, esta última é a teoria adotada conforme expressa previsão no Código Civil vigente (artigos 186, 187 e 927):
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Inicialmente a teoria civilista da culpa foi aplicada com temperamentos, pois se distinguiam os atos de império dos atos de gestão, adotando-se somente a estes. Para àqueles continuou vigorando a irresponsabilidade estatal (CARVALHO FILHO, 2012).
Faz-se importante frisar que atos de império são os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de direito público. Por sua vez, atos de gestão são os praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços (DI PIETRO, 2014).
Evoluindo na aplicação da teoria civilista da culpa abandonou-se a distinção acima citada. A partir de então não era mais necessário apontar-se atos de império ou atos de gestão (CARVALHO FILHO, 2012).
Desenvolveu-se, desta feita, a denominada teoria da culpa do serviço ou da falta do serviço. Era necessário, assim, para se atribuir culpa ao Estado a demonstração da falta ou ausência do serviço; do atraso na prestação do serviço; ou prestação defeituosa do serviço que resultassem em prejuízo para os particulares (FURTADO, 2016).
Finalmente, então, superando a teoria civilista da culpa administrativa passou-se a adotar as regras de direito público para verificação da responsabilidade civil do Estado: teoria publicista da culpa. A responsabilidade civil deixa, aqui, de se fundamentar na culpa e o fundamento principal para impor o dever de indenizar passa a ser o risco da atividade estatal, bem como no princípio da repartição dos encargos. De forma simplória tem-se que por ser mais poderoso que o particular o Estado deveria arcar com os riscos naturais se suas atividades (CARVALHO FILHO, 2012).
É aqui que se desenvolve a modalidade objetiva de responsabilização do Estado, a qual para Mello (2015, p 1034) “é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.”
Extrai-se, então, que é dispensada a demonstração da culpa, sendo esta a teoria atualmente adotada, em regra, no Brasil e tem fundamento no parágrafo 6ª do art. 37 da Constituição Federal:
“Art. 37.
(...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Neste ponto é importante esclarecer que existem duas modalidades de responsabilidade objetivas adotadas, são elas: teoria do risco administrativo e teoria do risco integral. A primeira admite excludentes de responsabilidade civil e a segunda não (ALEXANDRINO, M., PAULO, V. 2016).
No Brasil a regra é a aplicação da teoria do risco administrativo. Assim, existente alguma causa excludente de responsabilidade, como caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro, capazes de romper o nexo causal afasta-se o dever de indenizar do estado (FURTADO, 2016).
Esta é a teoria adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que alcança todas as pessoas de direito público (art. 41 do Código Civil[1]) e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, conforme decidido Recurso Extraordinário nº 591874 RG/MS, que teve repercussão geral reconhecida.
Excepcionalmente adota-se no Brasil a teoria do risco integral, como nos casos de dano ambiental, conforme decidido sob a sistemática dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça nos Recursos Especiais nº 1374284/MG e 1354536/SE.
3. Do dever de indenizar os detentos em razão da condição degradante dos presídios do Brasil
Na premissa de adoção da teoria da responsabilidade civil na modalidade risco administrativo tem-se que é atribuível ao Estado a conduta de enviar pessoas a cárceres superlotados e insalubres e de mantê-los nestas condições, assumindo a posição de garante em relação aos presos, aspecto que lhe confere deveres de vigilância e de proteção aos direitos dos internos, em especial sua integridade física e psíquica, sua saúde e sua vida (art. 5, XLIX da Constituição Federal).
Passo outro, quanto ao dano moral, Cristiano Chaves (2014, p. 331) aponta que “não há, na ordem jurídica brasileira, um conceito legal de dano moral” e propõe um, qual seja: lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela (p. 336).
Prossegue o autor apontando que na doutrina e jurisprudência do STJ há consenso de que a lesão à dignidade da pessoa humana provoca dano moral indenizável.
Nesse aspecto, especialmente quanto ao tema tratado, parece ser incontroverso que a maioria dos presos brasileiros são submetidos a condições desumanas e degradantes de cumprimento da pena em razão da superlotação e insalubridade dos presídios nacionais, condições estas que agridem fortemente a dignidade da pessoa humana. Para tanto, basta lembrar das rebeliões ocorridas nos presídios dos Estados do Amazonas[2] e de Roraima[3] no início do corrente ano de 2017, que resultaram na morte de quase uma centena de presidiários.
No que se refere à realidade do estado do Piauí, a superlotação dos presídios não é exceção. Segundo divulgado no site oficial do Governo do Estado em maio de 2017, existe excedente de 1.780 presos nas 2.230 vagas dos 15 presídios existentes. Ou seja, existe um excesso de 79% (setenta e nove por cento) de presos no sistema penitenciário piauiense[4].
Assim, é insofismável que o encarceramento em condições degradantes causa um dano moral ao preso em razão da violação à dignidade humana.
Noutro vértice, quanto ao nexo de causalidade, aponta Flávio Tartuce (2017. P 345) que se constitui do elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa – ou o risco criado –, e o dano suportado por alguém.
Nesta senda, para o caso proposto, é evidente que a insuficiência de políticas públicas prisionais aliadas à remessa de pessoas a presídios que não contam com o mínimo de condições humanas dignas são a causa dos danos sofridos pela população carcerária submetida a estas.
Quanto ao tema, destacamos que o Supremo Tribunal Federal decidiu o Recurso Extraordinário nº 580252/MS, submetido à sistemática da repercussão geral (recurso repetitivo[5]), que:
Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento.
4. (Im)possibilidade de se estabelecer indenização por meio de remição de pena
Etimologicamente indenizar significa tornar indene. Ensina Paulo Nader (2016, p 133) que o vocábulo indene provém do latim indemne e quer dizer incólume, ileso, livre de perda. Assim, indenizar é eliminar o dano. Diante disso, questiona-se: é possível eliminar o dano moral sofrido?
Nesse patamar, Cristiano Chaves (2014, p. 352) aponta que “não se pode restaurar o status quo em matéria de violação a honra, a intimidade, a integridade psicofísica e demais atributos existenciais da pessoa”.
Importante transcrever, aqui, pela profundidade e pertinência, o trecho do voto do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça no Resp 959.565/SP:
“É certo que os danos extrapatrimoniais, por não possuírem conteúdo econômico ou patrimonial, em regra, não comportam a reparação in natura (restituição de bem semelhante ao subtraído, destruído ou danificado), embora haja doutrina nacional e estrangeira que entenda ser ela viável. Citam-se exemplos no ordenamento jurídico brasileiro de reparação desse jaez: a retratação do ofensor, o desmentido, a retificação de notícia injuriosa, a divulgação de resposta e a publicação de sentenças condenatórias, todas constantes da revogada Lei n. 5.250/1967 (Lei de Imprensa). Contudo, eles não constituem propriamente reparação natural, pois não elidem completamente os danos extrapatrimoniais, apenas minimizam seus efeitos, visto não ser possível a recomposição dos bens jurídicos sem conteúdo econômico, tal como ocorre com os direitos de personalidade. Dessarte, se insuficiente a reparação in natura, resta a indenização pecuniária quantificada por arbitramento judicial, instrumento tradicionalmente utilizado no Direito brasileiro para a reparação dos danos extrapatrimoniais. Anote-se que as duas formas de reparação (natural e pecuniária) não se excluem por respeito ao princípio da reparação integral (arts. 159 do CC/1916 e 944 do CC/2002), que pode ser invocado tanto na reparação natural (de forma aproximada ou conjectural no caso de dano extrapatrimonial) quanto na indenização pecuniária.”
A resposta ao questionamento, então, é negativa, prevalecendo, ao que parece, a forma de reparação monetária do dano moral a fim de minimização dos efeitos causados ao ofendido.
Por outro lado, é inegável que há fortes vozes que defendem a reparação in natura do dano extrapatrimonial, o que se encontra condensado no enunciado 589 do CFJ/STJ, que teve como coordenador da comissão de trabalho o próprio Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Vejamos:
Enunciado 589/CJF. A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio.
Embasando tal enunciado foi apresentada a seguinte justificativa:
Não há, no Código Civil, norma que imponha a indenização pecuniária como meio exclusivo para reparação do dano extrapatrimonial. Causado dano desta natureza, nasce para o ofensor a obrigação de reparar (art. 927), o que deverá ocorrer na forma de uma compensação em dinheiro e/ou de ressarcimento in natura, conforme tem admitido a doutrina (por todos: SCHREIBER, Anderson. Reparação Não-Pecuniária dos Danos Morais. In: Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (Org.). Pensamento crítico do Direito Civil brasileiro. Curitiba: Juruá Editora, 2011). No plano constitucional, tal entendimento revela-se compatível com o quanto dispõe o art. 5º, inc. V, que, dirigido ao ofendido, assegura o direito de resposta, além de indenização em função do dano causado. Por último, o ressarcimento in natura revela-se compatível com uma lógica de despatrimonialização da responsabilidade civil, de modo a garantir ao ofendido a reparação integral do dano, o que nem sempre é alcançado mediante simples pagamento em dinheiro[6].
Noutro vértice, a nossa Carta Magna prevê a indenização pelos danos morais (art. 5º, V e X), mas não elege um meio determinado para seu ressarcimento.
De outra banda, remição é benefício ressocializador que permite, no âmbito da execução penal, que o sentenciado reduza o tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade em razão do trabalho ou do estudo (BRASILEIRO, 2017).
Pois bem, nessa perspectiva quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 580252/MS (acórdão não publicado), após o voto do Ministro Teori Zavascki (Relator), que conhecia e dava provimento ao recurso extraordinário para reconhecer a responsabilidade civil do estado na obrigação de ressarcir os danos morais causados ao detento em razão das condições degradantes de cumprimento de pena, mantendo a condenação estipulada na origem em R$ 2.000,00 (dois mil reais), no que foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes, o Ministro Roberto Barroso (3ª a votar) apresentou proposta alternativa à forma de reparação dos danos morais[7], qual seja:
Em razão da natureza estrutural e sistêmica das disfunções verificadas no sistema prisional, a reparação dos danos morais deve ser efetivada preferencialmente por meio não pecuniário, consistente na remição de 1 dia de pena por cada 3 a 7 dias de pena cumprida em condições atentatórias à dignidade humana, a ser postulada perante o Juízo da Execução. Penal. Subsidiariamente, caso o detento já tenha cumprido integralmente a pena ou não seja possível aplicar-lhe a remição, a ação para ressarcimento dos danos morais será fixada em pecúnia pelo juízo cível competente.
Como fundamento, o Ministro, criticando a lógica patrimonialista que ainda governa a reparação do dano moral no direito brasileiro (precificação dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana) aduziu que: a) compensação estritamente pecuniária confere uma resposta pouco efetiva aos danos existenciais suportados pelo recorrente e pelos presos em geral; b) o detento que postular a indenização continuará submetido às mesmas condições desumanas e degradantes após a condenação do Estado; c) a reparação em dinheiro, além de não aplacar ou minorar as violações à sua dignidade, tende a perpetuá-las, já que recursos estatais escassos, que poderiam ser empregados na melhoria do sistema, estariam sendo drenados para as indenizações individuais.
Para tanto, o eminente julgador da Corte Suprema usa de analogia ao art. 126 da Lei de Execução Penal, que prevê que “[o] condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.”
Acrescenta ainda que:
“a remição da pena nada mais é do que um dos diversos mecanismos possíveis de reparação específica ou in natura de lesões existenciais. O preso confinado em celas superlotadas, insalubres e sem mínimas condições de vida digna experimenta inevitavelmente uma diminuição mais acelerada de sua integridade física e moral e de sua saúde. O tempo de pena vivido pelo preso nessas condições é um tempo agravado, que não guarda proporção com a pena cominada abstratamente. Assim, ao abreviar a duração da pena, o remédio cumpre o papel de restituir ao detento o exato “bem da vida” lesionado.”
Assim, ao que se vê, a proposta do Ministro Roberto Barroso se mostra adequada sob a ótica do preso que tem abreviado o tempo de vivência sob condições desumanas, do sistema prisional com a diminuição da população carcerária e do sistema fiscal nacional que poderá dispensar recursos à políticas públicas, dentre as quais a própria melhora do sistema carcerário brasileiro.
De outra sorte, trata-se da aplicação do Direito Civil sob os olhares da Constituição Federal, no que a doutrina vem se denominando de Direito Civil Constitucional, que tem como princípios a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a isonomia (TARTUCE, 2017).
A solução proposta pelo Ministro Roberto Barroso foi seguida pelos Ministros Luiz Fux e Celso de Mello, restando vencida pelos demais sob o argumento de ausência de objeto do recurso, pois esta possibilidade não fora debatida nas instâncias ordinárias e, portanto, não fora devolvida ao tribunal e de falta de substrato legislativo a ancorar a figura proposta, tendo a Ministra Rosa Weber acrescentado que a remição pressupõe ação e vontade do detento pelo sistema de mérito.
De toda sorte, os Ministros do Supremo Tribunal Federal receberam bem a brilhante proposta do Ministro Roberto Barroso e não esgotaram a discussão quanto ao tema, tendo a Suprema Corte se reservado ao debate do tema de forma mais profunda em outra oportunidade.
Noutro vértice, é importante ressaltar que existem ao menos dois projetos de lei em trâmite no Senado Federal, sob os números 576[8], de 2015 e 147[9], de 2017, que preveem hipótese de remição de pena, para o preso em situação degradante e de flagrante desrespeito à sua integridade física e moral. As matérias estão submetidas à consulta popular pelo sistema e-cidadania do Senado Federal, instrumento de participação popular para a tomada de decisões políticas, que vem sendo conceituado para a doutrina alienígena como Crowdsourced Constitution (LENZA, 2015).
Por fim, encontra-se pendente de análise de mérito pelo Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 347, na qual se reconheceu em sede de medida liminar o “Estado de Coisas Inconstitucional” onde se verifica a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional (CAMPOS, 2015). Esta ADPF tem como uns dos pedidos principais o de abatimento do tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são, na prática, mais severas do que as previstas na lei.
5. Conclusão
Considerando o que foi dito ao norte, conclui-se que o Supremo Tribunal Federal adota, em regra, a responsabilidade objetiva na modalidade risco administrativo para fins de reparação de danos causados pelo estado a terceiros.
Assim, a vítima é dispensada de comprovar a culpa do ente público pelo evento danoso. Inobstante, é possível existência de alguma causa excludente de responsabilidade, como caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro, capazes de romper o nexo causal afastando-se, assim, o dever de indenizar do estado.
Por sua vez, com base nessa teoria, a Suprema Corte nacional fixou entendimento, por meio de precedente obrigatório, de que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, sendo de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento.
Porém, o Órgão de Cúpula do Judiciário brasileiro não aceita, até o momento, a remição da pena como forma de indenização aos detentos submetidos a condições desumanas e degradantes, mesmo diante dos judiciosos argumentos favoráveis à proposta encampada por parte dos integrantes daquela corte, que terá nova oportunidade de se manifestar sobre o tema, com mais profundidade, quando do julgamento da ADPF nº 347.
O tema serve de reflexão para comunidade jurídica que deve voltar os olhos à situação caótica vivida pela população carcerária, o que acaba gerando um circulo de violência que reflete diretamente na sociedade como um todo.
Referências bibliográficas
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II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
[2]http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2017/01/conheca-interior-de-presidio-onde-ocorreu-massacre-com-56-mortes.html - acessado em 28 de julho de 2017
[3]http://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2017/01/mais-de-30-presos-sao-mortos-na-penitenciaria-de-roraima-diz-sejuc.html - acessado em 28 de julho de 2017
[4] http://www.pi.gov.br/materia/justica/segunda-novos-presidios-reduzirao-superlotacao-no-sistema-prisional-do-piaui-1190.html – acessado em 30 de junho de 2017
[5] Trata-se de precedente obrigatório a ser observado por juízes e tribunais a teor do art. 927, III do Código de Processo Civil de 2015, verbis: “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.”
[6] http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/834 - acessado em 5 de julho de 2017
[7] Voto em elaboração disponibilizado no site pessoal do Ministro Roberto Barroso http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2015/05/Voto-Indenizacao-a-presos_versao-final_6mai2015.pdf - acessado em 5 de julho de 2017
[8] http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/122952 - acessado em 5 de julho de 2017
[9] http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129159 - acessado em 5 de julho de 2017
Juiz Substituto do TJCE. Bacharel em Direito pela FACID e Especialista em Direito Processual pela UESPI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Frederico Costa. A responsabilidade civil do Estado pela submissão de detento a condições degradantes de cumprimento de pena e a (im)possibilidade de indenização por remição. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50612/a-responsabilidade-civil-do-estado-pela-submissao-de-detento-a-condicoes-degradantes-de-cumprimento-de-pena-e-a-im-possibilidade-de-indenizacao-por-remicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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