Resumo: A falta da figura do pai no grupo familiar faz com que a criança perca uma referência imprescindível para o seu desenvolvimento. Exemplo de força e liderança perante a família, o pai é extremamente importante para o desenvolvimento sociológico do menor. A justiça brasileira, diante da ausência do pai na família, impõe o pagamento de uma pensão mensal, enquanto o menor estiver em desenvolvimento, com o fito de compensar o abandono e proporcionar ao filho o suporte necessário ao seu crescimento. Porém, percebe-se que apenas o pagamento de pensão não é o suficiente para compensar a ausência de um pai durante a vida, fazendo com que as indenizações comecem a surgir no cenário nacional com o objetivo de reparar os danos morais sofridos pelos filhos em decorrência do abandono afetivo parental. As formas e os conceitos de abandono afetivo e suas consequências jurídicas serão o cerne desse artigo.
Palavras-chave: Criança. Abandono. Paternal.
ABSTRACT: The lack of the father figure in the family group causes the child to lose an essential reference for its development. An example of strength and leadership towards the family, the father is extremely important for the sociological development of the child. The Brazilian court, in the face of the absence of the father in the family, imposes the payment of a monthly pension, while the minor is in development, in order to compensate for the abandonment and provide the child with the necessary support for their growth. However, it is noticed that only the pension payment is not enough to compensate for the absence of a father during the life, causing that the indemnifications begin to appear in the national scene with the objective of repairing the moral damages suffered by the children as a result Of parental affective abandonment. The forms and concepts of affective abandonment and their legal consequences will be at the heart of this article.
Keywords: Child. Abandonment Paternal
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. As consequências jurídicas do abandono afetivo paternal. 3. A indenização como forma de compensação do abandono afetivo familiar. 4. Os entendimentos jurisprudenciais acerca do abandono afetivo paternal. 5. Considerações finais. 6. Referências.
1. Introdução
A família é a instituição mais sólida de uma sociedade. É no seio familiar que são introduzidos os primeiros princípios para uma vida em sociedade. A figura dos pais é imprescindível para o crescimento saudável e equilibrado de qualquer indivíduo.
O artigo 227 da Constituição Federal de 1988, disciplina que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso).
De modo semelhante, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece em seu artigo 3º que:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.
A necessidade de guarda familiar pelos pais também se encontra disponível no artigo 1.631, que dispõe:
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I- dirigir-lhes a criação e a educação;
Acontece que em várias famílias, a falta de um dos pais é constante, seja por motivo de morte, ou por motivos de abandono deste perante aquele filho, ficando este numa situação de extrema falta de apoio, seja financeira ou afetiva.
Hoje, o direito de família criou mecanismos suficientes para que a criança não fique desamparada financeiramente, tendo este ramo do direito em muito evoluído na busca de sua efetivação e garantias. Não são raros os casos de prestação de caráter alimentício pagos pelos pais aos seus filhos, recaindo até, em casos de indisponibilidade de recursos do genitor, a seus avós e tios. Deve-se observar que hoje, no ordenamento jurídico pátrio atual, apenas a prisão por falta de pagamentos alimentícios é executada na esfera cível.
Diante de tais medidas, percebe-se que no lado financeiro, em muito evoluiu o direito de família para cobrar do pai, o que é de direito do filho, qual seja, o cumprimento integral de suas obrigações, observadas as possibilidades financeiras do genitor. Porém, outro viés vem ganhando seu espaço nas discussões tanto na doutrina, quanto na jurisprudência nacional, de modo que tal tema vem tornando-se o cerne em diversos debates jurídicos, que nada mais é do que a possibilidade do pai que abandona seu filho afetivamente, não cumprindo com a sua obrigação social de educar e estar presente em sua vida como um todo, ser responsabilizado por tal ato, devendo indenizar ou cumprir de alguma maneira este papel.
O presente artigo visa apresentar este embate de uma maneira geral, abrindo espaço para a doutrina e para os novos posicionamentos jurisprudenciais a cerca do tema, abrangendo os limites do que vem a ser abandono afetivo paternal, a evolução histórica das prestações alimentícias na lei e na jurisprudência e, por fim, apresentar quais as perspectivas futuras que se pode observar sobre o tema.
É de extrema importância que haja esse debate no direito atual, pois cada vez mais se percebe que apenas imputar um pagamento mensal das despesas do filho não é o necessário para o seu fiel desenvolvimento como ser humano em sociedade. Não há como se eximir das obrigações afetivas valendo-se apenas do caráter financeiro. Deve o genitor cumprir também com a presença em todas as fases do desenvolvimento da criança.
Vale lembrar que o outro genitor, em regra a mãe, torna-se responsável pela execução dos papéis de pai e mãe, além de ter, na grande maioria dos casos, a obrigação também de trabalhar para garantir a outra parte dos gastos do filho, além dos seus, sendo extremamente incoerente e injusto que apenas ela tenha a obrigação de manter a saúde, segurança e educação de seu filho. Portanto, não há como mensurar a importância deste tema para várias famílias brasileiras, fazendo com que o direito de família busque, o mais próximo possível, de sua real função, que nada mais é do que a efetiva evolução de seus pares para a vida em sociedade. Ressalte-se que já há em nossa jurisprudência, julgados que corroboram com o entendimento explicitado neste trabalho, tornando-se um caminho sem volta, em busca da real justiça.
2. AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO ABANDONO AFETIVO PATERNAL
Com a evolução dos direitos de terceira geração, a noção da família como responsável inicial pelo desenvolvimento completo do cidadão ganha contornos jurídicos, de modo que valores inerentes ao crescimento de uma criança saudável vem sendo tratado como uma questão de direito, cabendo, em caso de abandono ou demais maus tratos, reparações financeiras.
A ideia central deste entendimento está balizada no conceito de que o destrato cometido por um dos pais causa enormes transtornos psicológicos e de identidade no menor, fazendo com que seus ideais, valores e exemplos sejam distorcidos quando se comparam com crianças que tiveram uma estrutura familiar normal, tornando-os desiguais perante estes.
Por esses motivos, torna-se mais fácil identificar um indivíduo que cresceu sem o apoio, a cooperação, a dedicação e o amor comuns em uma família bem estruturada, principalmente pelo comportamento que a criança e/ou adolescente assume no meio social. Dessa forma, a assistência moral e afetiva representa importante valor para o adequado desenvolvimento do filho. Caso contrário, a sua ausência gera danos irreparáveis, capazes de comprometer toda existência do indivíduo. (PERSPECTIVA, p.20)
No entanto, a forte agressão causada pelo abandono afetivo se dá após muitos anos de sofrimento, quando o caráter do menor abandonado se forma como adulto. Nestes casos, percebe-se a forte tendência ao alcoolismo e as drogas.
Heloísa Szymanski (2000), aduz o forte trauma causado pelo abandono afetivo segundo a psicologia:
(...) Desde Freud, família e, em especial, a relação mãe-filho, têm aparecido como referencial explicativo para o desenvolvimento emocional da criança. A descoberta de que os anos iniciais de vida são cruciais para o desenvolvimento emocional posterior focalizou a família como o locus potencialmente produtor de pessoas saudáveis, emocionalmente estáveis, felizes e equilibradas, ou como núcleo gerador de inseguranças, desequilíbrios e toda sorte de desvios de comportamento.
A doutrina também observa que frequentemente o pai não possui o animus de prejudicar ou atrapalhar o desenvolvimento do menor. Muitas vezes, o pai se afasta do núcleo familiar sem, contudo, perceber que tal distanciamento causa graves danos a criança / adolescente.
Existem diversos fatores que contribuem com esse fenômeno social, como, por exemplo, o excesso de trabalho, a mudança de domicílio ou, como normalmente acontece, o desentendimento com a mãe do menor ou com a sua família, fazendo com que tal situação repercuta em sua relação com o filho.
Rolf Madaleno brilhantemente analisa a situação supracitada:
Foi-se o tempo dos equívocos das relações familiares gravitarem exclusivamente na autoridade do pai, como se ele estivesse acima do bem e do mal apenas por sua antiga função provedora, sem perceber que deve prover seus filhos muito mais carinho do que dinheiro, de bens e de vantagens patrimoniais. Têm os pais o dever expresso e a responsabilidade de obedecerem às determinações judiciais ordenadas no interesse do menor, como disto é exemplo o dever de convivência em visitação, que há muito deixou de ser mera faculdade do genitor não guardião, causando irreparáveis prejuízos de ordem moral e psicológica à prole, a irracional omissão dos pais. (MADALENO, 2007, p. 124).
Tais situações se intensificam quando o menor é dependente do pai no momento da separação, fazendo com que o sofrimento seja aguçado a cada dia/mês/ ano de abandono. Em razão disso, a doutrinadora Gisele Martoreli divulgou uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, na qual retrata as reais consequências do abandono afetivo paternal:
Meninas sem um pai nas suas vidas têm 2,5 vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 53% mais chances de cometerem suicídio. Meninos sem um pai nas suas vidas têm 63% mais chances de fugirem de casa e 37% mais chances de utilizarem drogas. Meninos e meninas sem pai têm duas vezes mais chances de acabarem na cadeia e aproximadamente quatro vezes mais chances de necessitarem de cuidados profissionais para problemas emocionais ou de comportamento (MARTORELLI, 2004).
Deste modo, não há como negar que tal abandono além de ser um problema familiar, se envereda para um problema social, que deve ser combatido, debatido e encarado pela sociedade de maneira séria.
O desenvolvimento familiar depende muito da visão que cada menor possui da sociedade, sendo seus familiares, e os pais em primeiro lugar, os principais exemplos da formação do caráter do cidadão.
Por fim, cabe destacar as brilhantes colocações do magistrado Dr. Mário Romano Maggioni, dando provimento a uma ação na qual se pleiteou o direito a uma indenização no caso de abandono afetivo paternal. Segundo o excelentíssimo juiz:
A função paterna abrange amar os filhos. Portanto, não basta ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho. O sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. É preciso ser pai na amplitude legal (sustento, guarda e educação). Quando o legislador atribuiu aos pais a função de educar os filhos, resta evidente que aos pais incumbe amar os filhos. Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal, pois não está bem educando seu filho. (...) Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (artigo 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a presença do pai ajude no desenvolvimento da criança. (...)"É menos aviltante, com certeza, ao ser humano dizer ‘fui indevidamente incluído no SPC’ a dizer ‘fui indevidamente rejeitado por meu pai.
Portanto, torna-se cada vez mais necessário que o poder judiciário volte seus olhos para este problema social.
3. A INDENIZAÇÃO COMO FORMA DE COMPENSAÇÃO DO ABANDONO AFETIVO FAMILIAR
A indenização é encarada no direito brasileiro como uma forma de reparação de danos, de caráter punitivo e educativo, buscando fazer com que o agressor/agente do ato danoso seja responsável pela ação/omissão cometida. Porém, sabe-se que a utilização da indenização como forma de reparação de danos deve ser vista de maneira criteriosa. A indenização teria o poder de restabelecer os fatos? Poderia a aplicação de uma indenização restaurar o amor de um pai ao seu filho? Obviamente, a resposta é não. Não há compensação financeira que faça com que os traumas afetivos sejam restaurados.
Por isso, deve o operador do direito observar as condições nas quais estão a lesão pela ausência do integrante do grupo familiar. Caso ainda seja possível a reaproximação, é necessário que a reparação seja de modo afetivo, com o pai convivendo com seu filho, mesmo que apenas aos fins de semana. Porém, caso não seja mais possível a integração do abandonante, necessário se faz uma reparação punitiva e educativa.
O dano é ainda considerado como moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas. Neste último caso, diz-se necessário, outrossim, que o constrangimento, a tristeza, a humilhação, sejam intensos a ponto de poderem facilmente distinguir-se dos aborrecimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a que todos se sujeitam, como aspectos normais da vida cotidiana (PEREIRA, 2012, p.8).
Em vários casos, não há mais volta, sendo certo que o dano já está configurado. Nesse contexto, a justiça busca maneiras de apaziguar a situação, fazendo com que haja a responsabilidade civil do pai no abandono do menor.
O sofrimento psicológico não se estancará com a moeda corrente. Portanto, a função do dinheiro no âmbito do dano moral é configurada de forma derivada, ou seja, a quantia estabelecida como referência não esta direcionada ao pagamento da dor ou do sofrimento experimentado. A sua importância maior está exatamente no lado contrário ao da vítima, ou seja, o ofendido. Ele é a principal razão para a aplicação da quantia em pecúnia quando se fala em dano moral. (RESEDÁ, p.180)
Segundo Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2010) “O pressuposto do dever de indenizar é a existência de uma relação paterno-filial, ou seja, o pai ou mãe deve saber da existência do filho. O abandono pode ocorrer tanto por pais que se encontram presentes, quanto por aqueles ausentes”. O dano, a culpa e o nexo de causalidade, segundo os doutrinadores que defendem a tese, estão presentes no abandono, de titularidade do ofendido, sendo o mesmo maior após o fim do vínculo afetivo.
Nas lições de Bittar, a respeito do surgimento do dano na esfera cível:
Havendo dano, produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, como imposição natural da vida em sociedade e, exatamente, para a sua própria existência e o desenvolvimento normal das potencialidades de cada ente personalizado. É que investidas ilícitas ou antijurídicas no circuito de bens ou de valores alheios perturbam o fluxo tranquilo das relações sociais, exigindo, em contraponto, as reações que o Direito engendra e formula para a restauração do equilíbrio.
A culpa, seguindo os entendimentos da tese, está presente na atitude negligente ou imprudente do pai, que ao abandonar seu filho, torna-se responsável direto pelo abalo psicológico. O nexo de causalidade, por sua vez, demonstra que o abandono se deu em decorrência do afastamento do pai da convivência familiar, de maneira culposa, renunciando seu papel na criação do menor, gerando assim, o abalo psicológico necessário para a arbitragem de uma indenização pecuniária.
Rodrigo da Cunha Pereira (2008) resume posicionando-se no sentido de que "como não é possível obrigar ninguém a dar afeto, a única sanção possível é a reparatória. Não estabelecer tal sanção aos pais significa premiar a irresponsabilidade e o abandono paterno". Em sentido contrário a corrente ora apresentada, também encontram-se sociólogos e doutrinadores, defendendo a impossibilidade de aplicações pecuniárias na reparação do afeto.
Sérgio Resende de Barros aduz que “o afeto em si, não pode ser incluído no patrimônio moral de um ou de outro, de tal modo que da sua deterioração resulte a obrigação de indenizar o “prejudicado”. Além do renomado doutrinador, existe ainda uma resistência na doutrina que entende não ser passível de indenização o abandono afetivo do genitor.
TJ-SC - Apelação Cível AC 292381 SC 2010.029238-1 (TJ-SC)
Data de publicação: 30/06/2010
Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS EMORAIS. SUSCITADO CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PRETENDIDA PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE ELEMENTOS DE PROVA, ESPECIALMENTE DOCUMENTAL, SUFICIENTES À PLENA CONVICÇÃO DO JULGADOR. PRELIMINAR AFASTADA. ALEGADO ABANDONO MATERIAL EAFETIVO DO GENITOR. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE REALIZADO APENAS MEDIANTE AÇÃO JUDICIAL. REQUISITOS DO ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL NÃO CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. É curial que a produção de provas (pericial e testemunhal) é dirigida ao juiz da causa e portanto, para a formação de seu convencimento. Logo, se este se sentir habilitado para julgar o processo, calcado nos elementos probantes já existente nos autos, pode, sintonizado com os princípios da persuasão racional e celeridade processual, desconsiderar o pleito de produção de tais provas, sem cometer qualquer ilegalidade ou cerceamento de defesa. 2. Os sentimentos compreendem a esfera mais íntima do ser humano e, para existirem, dependem de uma série de circunstâncias subjetivas. Portanto, o filho não pode obrigar o pai a nutrir amor e carinho por ele, e por este mesmo motivo, não há fundamento para reparação pecuniária por abandono afetivo. (grifo nosso)
TJ-RS - Apelação Cível AC 70064689896 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 22/07/2015
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. ALEGAÇÃO DE ABANDONOAFETIVO. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO APTO A ENSEJAR REPARAÇÃO CIVIL. 1. No direito de família, a reparação por danos extrapatrimoniais é, em tese, cabível, sendo imprescindível para tanto, porém, que haja a configuração de um ato ilícito praticado com culpa, a existência de um dano e a demonstração do nexo causal entre ambos, nos moldes do que preconiza os arts. 927 e 186 do Código Civil . 2. Embora seja plausível que a autora, que já contava 54 anos de idade à época do ajuizamento da ação, tenha sofrido ao longo de sua vida pela ausência do pai biológico, esta situação não pode ser atribuída somente ao genitor, que apenas teve comprovado conhecimento acerca do possível vínculo biológico entre ambos - vínculo este cuja existência restou confirmada pelo resultado do exame de DNA realizado neste feito - pouco tempo antes da propositura da demanda, conforme narra a própria autora na petição inicial. O fato de o demandado ter referido, em seu depoimento, que ficou sabendo da existência de uma criança que havia sido abandonada pela mulher com quem havia se relacionado anteriormente não é capaz de configurar o abandono afetivo que respalda o pedido indenizatório deduzido pela autora, porquanto não há qualquer elemento probatório que indique que o demandado tivesse ciência, desde então, que aquela criança abandonada seria sua filha. 3. Não se enquadrando a... conduta do demandado no conceito jurídico de ato ilícito apto a gerar o dever de indenizar, não merece reparos a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por dano moral, decorrente de alegado abandono afetivo. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70064689896, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 16/07/2015).
Portanto, percebe-se que o tema ora tratado está longe de um alinhamento natural de ideias, levando a crer que teremos ainda longos debates, com os mais diversos entendimentos.
4. OS ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO ABANDONO AFETIVO PATERNAL
Como dito anteriormente, com a evolução dos direitos de família, hoje podemos perceber diversas posições acerca deste tema, de modo que, cada vez mais, as concepções vão se aprofundando, tornando a temática ainda mais importante. A indenização pecuniária em decorrência do abandono afetivo paternal, aos poucos vai sendo incorporada à atual jurisprudência, sendo cada vez mais utilizada no meio jurídico.
Os entendimentos são atuais e polêmicos, tendo que existir critérios minuciosos na hora de aplicar as teses ao caso concreto. Deve-se levar em consideração que as separações afetivas entre casais estão eivadas de bastante ódio, e com o ódio, acompanha-se a vingança, de modo que o magistrado, ao debruçar-se sobre a situação, deve estar atento a estes sentimentos.
Também se deve entender que não cabe ao poder judiciário coagir qualquer pessoa a ter o sentimento de pai, porém, aquele que se dispôs a fazê-lo e, estabelecendo os laços afetivos, o rompeu, sem qualquer justificativa, deve sim ser responsabilizado por tal ato. Havendo vínculo afetivo, deverá este desempenhar sua função de pai, cabendo a ele, em caso de rejeição, o dever de reparar.
Por óbvio que o Poder Judiciário não pode obrigar ninguém a ser pai. No entanto, aquele que optou por ser pai – e é o caso do autor – deve se desincumbir de sua função, sob pena de reparar os danos causados aos filhos. Nunca é demais salientar os inúmeros recursos para se evitar a paternidade (vasectomia, preservativos, etc.). Ou seja, aquele que não quer ser pai deve se precaver. Não se pode atribuir a terceiros a paternidade. Aquele, desprecavido, que deu origem ao filho deve assumir a função paterna não apenas no plano ideal, mas legalmente. Assim, não estamos diante de amores platônicos, mas sim de amor indispensável ao desenvolvimento da criança (TJ/ RS apud MELO, 2008, p. 8).
Deve-se ressaltar que a educação e o tratamento afetivo é obrigação dos pais, devendo ser entendido que o conceito de educação está além da escolaridade, sendo também incluído neste prisma os valores éticos e sociais adquiridos pela criança.
Nesta esteira, encontram-se vários julgados sobre o tema:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia de cuidado, importa em vulneração da imposição legal, insurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes, por demandarem revolvimento de matéria fática, não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. Recurso Conhecido e Provido. 7. Votação Unânime.
A questão, como se pode imaginar, suscita diversos entendimentos, de modo que três correntes apresentam-se como as mais concretas, entendendo a primeira ser inviável qualquer indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo paternal, a segunda, entende que para que haja a necessidade de reparação moral é imprescindível a existência de vínculo afetivo anterior ao abandono, de modo que caso não o tenha havido, impossível será qualquer reparação e, por fim, a corrente que entende o pai, por si só, já deve indenizar o filho em caso de abandono.
Apresentando a primeira corrente, entende-se que a aplicação de uma indenização como forma de reparação moral não torna eficaz a sua aplicação, de modo que condenar um pai por não amar o seu filho é algo extremamente além das possibilidades do poder judiciário, sendo ineficiente sua invasão à instituição familiar.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ABANDONO AFETIVO REQUISITOS PARA RESPONSABILIDADE CIVIL - INEXISTÊNCIA - A responsabilidade civil assenta-se em três indissociáveis elementos, quais sejam: ato ilícito, dano e nexo causal, de modo que, não demonstrado algum deles, inviável se torna acolher qualquer pretensão ressarcitória. O abandono paterno atém-se, a meu ver, à esfera da moral, pois não se pode obrigar em última análise o pai a amar o filho. O laço sentimental é algo profundo e não será uma decisão judicial que irá mudar uma situação ou sanar eventuais deficiências. O dano moral decorre de situações especiais, que causam imensa dor, angústia ou vexame, não de aborrecimentos do cotidiano, que acontecem quando vemos frustradas as expectativas que temos em relação às pessoas que nos cercam.
APELAÇÃO CÍVEL nº 2007.001.63727/RJ Relator DES. JOSÉ C. FIGUEIREDO – DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE AFETIVIDADE. AUSÊNCIA. DANO MORAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Ninguém é obrigado a amar ou continuar amando outrem. Hipótese em que o filho postula a compensação por dano moral em face de seu pai ao argumento da falta de amor. Com a separação dos pais, a regra geral é a de que haja um natural afastamento daquele que se ausentou do lar em relação aos filhos. Em casos tais, é mesmo comum a dificuldade de relacionamento entre ascendentes e descendentes, o que pode resultar em questões como as narradas nestes autos. Eventuais discórdias e mágoas recíprocas, além de outros infortúnios oriundos da conturbada relação, não podem ensejar a compensação pretendida. RECURSO PROVIDO.
Por outro lado, existem entendimentos no sentido de somente condenar o pai ao pagamento de uma indenização pecuniária em razão do abandono afetivo, nos casos em que esteja comprovada a existência de vínculo afetivo.
Não havendo qualquer aferição de afetividade entre pai e filho, não há o que se falar em abandono afetivo, pois, o cerne da questão está justamente no abandono afetivo, de modo que a rejeição do pai ao amor do filho enseja no pagamento da referida indenização.
Neste prima, diversos julgados corroboram com o entendimento ora afirmado:
TJ-RJ - APELACAO APL 00013128420128190034 RJ 0001312-84.2012.8.19.0034 (TJ-RJ)
Data de publicação: 21/01/2014
Ementa: "DIREITO DE FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO E MATERIAL.INDENIZAÇÃO. "Discute a demanda sobre a possibilidade do filho que não recebeu do pai biológico assistência material e afetiva receber a correspondente indenização. Toda indenização decorre de uma conduta geradora de dano. Dependendo da natureza da responsabilidade, exigir-se-á o elemento culposo ou não. No caso concreto, embora se trate de indenização que decorre de danos produzidos na esfera das relações familiares, não será diferente. Corretamente, o juiz a quo afastou o pedido de indenização material porque, primeiramente, uma vez comprovada a paternidade, em havendo necessidade, restaria ao autor a ação de alimentos amparada pela relação parental. Não seria a indenizatória o meio mais propício na medida em que para a indenização haveria de ser comprovado o dano material. No que toca ao dano decorrente a falta de assistência moral e afetiva, o tema é complexo e gera polêmicas. O autor, somente após a maioridade civil, com quase 30 anos de idade, já plenamente formado, sem indicação de sequelas emocionais, resolveu buscar a verdade real sobre seus pais biológicos. O réu, pai biológico, só tomou conhecimento da possibilidade do autor vir a ser seu filho quando citado na ação investigatória. Se dano houvesse, somente após a confirmação da paternidade é que nasceria, em tese, o autor o direito do autor de pleitear do seu pai os cuidados e afetivos e materiais decorrentes da paternidade. Dos autos decorre que o autor pretende através da indenização por dano moral compensar-se pelo valor dos bens que, segundo informa, foram doados, por simulação, a terceiros (grifo nosso). Aqui o dano moral não existe in re ipsa e precisa ser provado. Eventuais prejuízos decorrentes de ações simuladas devem ser postulados no momento certo e pela via processual adequada. Recurso desprovido."
TJ-RS - Apelação Cível AC 70063562151 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 26/06/2015
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ABANDONO AFETIVO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL À FILHA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO ENSEJADOR DAINDENIZAÇÃO. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. 1. Não é conhecido o agravo retido, por não ter sido postulada sua apreciação ao ensejo da apelação. 2. No direito de família, o dano moral é, em tese, cabível. No entanto, imprescindível que haja a configuração do ato ilícito. 3. É preciso distinguir duas situações possíveis. A primeira consiste em que, tendo o filho sido criado pelo genitor dentro de determinado padrão de afeto e cuidado, vem o casal a separar-se e, a partir daí, o pai se comporta como se a separação do casal conjugal significasse também o rompimento da relação parental (com os filhos). Nesse caso, é razoável que seja esse comportamento objeto de reparação por dano moral, porque houve um rompimento injustificável da relação pai-filho, que antes era consolidada. Na segunda hipótese, que é a dos autos, jamais houve qualquer relação afeto e cuidado por parte do genitor, que somente veio a ser declarado tal por decisão judicial, no bojo de uma ação investigatória. Neste contexto, não se justifica a imposição de reparação moral, porque jamais existiu um laço de cuidado e afeto entre pai e filho. E esse laço não pode ser imposto por decisão judicial (grifo nosso). NÃO CONHECERAM DO AGRAVO RETIDO. NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO APELO E DERAM-NO AO SEGUNDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70063562151, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz... Felipe Brasil Santos, Julgado em 18/06/2015).
Ilustrando o disposto acima, Pereira (2012) faz uma colocação pertinente sobre a imposição de uma indenização ao pai que abandona seu filho, aduzindo que:
Ademais, embora de fato o judiciário não possa obrigar um pai a amar seu filho, por outro norte, deve puni-lo por não ter participado de sua formação, pois, quando há o dever de agir, a omissão deve ser repreendida, sobremaneira quando dela resulta dano irreversível (PEREIRA, 2012, p. 73).
Tal entendimento possui hoje caráter majoritário, sendo diversas vezes utilizado pela doutrina nacional, tornando-se cada vez mais consolidado. Por fim, apresenta-se como terceira corrente, com menos eficácia, a possibilidade de indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo parental, mesmo nos casos em que não há um liame afetivo entre as partes, de modo que, a indenização deve ser aplicada pelo fato de que, por si só, o pai já é obrigado a fornecer todo o amparado devido a seu filho.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo tratou das consequências cíveis acerca do abandono afetivo paternal, levando em conta todos os aspectos sociais, inclusive a possibilidade de responsabilidade civil sobre o pai que abandona seu filho. Percebeu-se que os danos causados a estes filhos são extremamente nocivos a convivência social destes, de modo que o abandono afetivo pode trazer inúmeros traumas psicológicos e sociais.
O desenvolvimento social de um adulto passa pelos paradigmas adquiridos durante a vida, com seus familiares, amigos e demais pessoas que cruzam seu caminho ao longo da vida. Os pais, de certo modo, são os primeiros agentes da sociedade com que o menor convive diariamente, sendo eles os exemplos da criança, como profissional ou como integrante de um lar. Sendo assim, é necessário que haja uma integração afetiva entre estes, de modo que os filhos possam se espelhar nos pais e tê-los como exemplos a serem seguidos. Porém, quando o abandono é caracterizado, o forte abalo causado pela rejeição afetiva faz com que a criança perca um de seus exemplos de caráter.
Já é comprovado que a ausência de algum integrante do seio familiar gera danos a formação social do menor, de modo que a lacuna deixada por este abandono jamais será reparada. Sendo assim, o direito, como agente da justiça social, entendeu ser possível a transposição de conceitos do direito civil para o direito de família, de modo que o menor poderá ser ressarcido em caso de abandono afetivo parental.
É certo que este entendimento ainda ganha força na doutrina, mas sabe-se que sua incorporação gera bastante expectativa nos adeptos de sua teoria. Hoje, já existem julgados que condenam o pai que abandona seu filho a pagar uma indenização pelos danos sofridos, pois imensurável e irreparável é uma ausência numa vida. Mas, para isso, necessário se faz a existência de um vínculo afetivo antes do abandono, para que a falta seja sentida.
Por fim, ressalte-se que não há nada mais importante para o desenvolvimento social de uma criança do que a presença de pai e mãe em sua vida, sendo a ausência de algum destes algo extremamente traumático para o menor.
6. REFERÊNCIAS
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Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas- UFAL em 2014; Bacharel em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar Senador Arnon de Melo em 2008; Especialista em Direitos Humanos pela Polícia Militar do Estado de Alagoas em 2012 e Pós Graduação em Direito Processual Penal e Legislação Penal pela Universidade Candido Mendes em 2017.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Carlos Henrique Rosa dos. As consequências jurídicas do abandono afetivo paternal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50613/as-consequencias-juridicas-do-abandono-afetivo-paternal. Acesso em: 23 dez 2024.
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