RESUMO: A preocupação básica deste estudo é a necessidade de preservar a memória e obra de Augusto dos Anjos, poeta pré-modernista, que publicou apenas um livro, Eu, em 1912. Este artigo tem como objetivo identificar as medidas judiciais que foram adotadas para preservar a memória e obra do autor. Realizou-se pesquisa bibliográfica considerando as contribuições do Ministério Público de Minas Gerais e Ministério Público Federal da Paraíba. As medidas judiciais aplicadas em cada caso foram determinantes para a conservação de espaços culturais específicos para divulgação da obra de Augusto dos Anjos.
Palavras-chave: Augusto dos Anjos. Preservação da memória. Medidas judiciais.
Introdução
O presente trabalho tem como tema a pesquisa e avaliação das medidas judiciais adotadas para preservar a memória do poeta paraibano Augusto dos Anjos, tendo em vista a importância da obra do autor que se concentrou em apenas um livro, Eu, de 1912.
Alguns fatores determinantes para elaboração da pesquisa:
- Apesar de densa, a obra de Augusto dos Anjos foi publicada, inicialmente, apenas em periódicos.
- O autor faleceu ainda novo, aos trinta anos de idade, no ano de 1914, sendo considerado “antipoético”, pela crítica da época.
Neste contexto, o objetivo central deste estudo é avaliar as medidas judiciais adotadas para a preservação da memória do poeta Augusto dos Anjos, bem como a avaliação da sua eficácia.
Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.
O texto baseou-se no inquérito civil que tramitou na Promotoria de Justiça de Leopoldina/MG, cidade onde o poeta faleceu, e na ação civil pública do Ministério Público Federal na Paraíba, com o objetivo de recuperar a casa onde o escritor nasceu.
Desenvolvimento
O poeta Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu na Paraíba no dia 20 de abril de 1884 e morreu de pneumonia, em Leopoldina, Minas Gerais, no dia 12 de novembro de 1914. Era conhecido como “o poeta da morte” e considerado excêntrico, pelo pessimismo exacerbado e pela utilização de termos científicos, tidos como antipoéticos. Sua obra apresenta características do Parnasianismo e do Simbolismo, dois estilos literários do final do século XIX, mas repercutiu fora do país por antecipar elementos da poesia que seriam criados pelos modernistas a partir de 1922 (LOBO, 2015).
Ferreira Gullar, em seu livro Augusto dos Anjos ou vida e morte nordestina, destaca o estilo pré-modernista do poeta paraibano, com características expressionistas, que marcavam sua singularidade em relação ao estilo da época. Ele escreveu seu primeiro soneto, Saudades, em 1900. Ingressou na Faculdade de Direito do Recife em 1903 e retornou a João Pessoa em 1907, onde, no ano seguinte, passou a lecionar Literatura Brasileira no Lyceu Paraibano (LOBO, 2015).
Em 1910 casou-se com Ester Fialho e, em consequência de desentendimentos com o governador, foi afastado do cargo. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi nomeado professor de Geografia no Colégio Pedro II. Após perder o emprego, transferiu-se para Leopoldina, a convite do senador Ribeiro Junqueira, onde foi diretor do grupo escolar. Em 1912, inspirado na própria vida, publicou Eu, seu único volume de poesias. A obra, reeditada posteriormente com o título “Eu, e outras poesias”, chocou os críticos da época pela agressividade do vocabulário e pela dramaticidade angustiante (LOBO, 2015), como pode ser observado no poema “Versos íntimos”:
Versos Íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Apesar da singularidade de sua poesia, medidas judiciais foram necessárias para preservar a memória do autor. Dentre elas, podemos destacar o inquérito civil instaurado em 2007 pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural de Leopoldina/MG e ação civil proposta pelo Ministério Público Federal na Paraíba.
Em Minas Gerais, o inquérito iniciou-se a partir de denúncias da população sobre omissão do poder público municipal em relação à obra e à história do poeta, e após receber documentos relevantes sobre a vida de Augusto dos Anjos, das mãos de um morador que residiu na casa onde o poeta passou seus últimos momentos.
O instituto do inquérito civil foi criado pela Lei da Ação Civil Pública (ACP), sendo posteriormente recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Dispõe o art. 129, inciso III, da Magna Carta como função institucional do Ministério Público: “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos”.
Filho, citado por Garcia (2008, p. 33) afirma que o artigo 129, inciso III, da CF, não prevê o inquérito civil apenas para a propositura da ação civil pública, tanto que não fala em “promover o inquérito civil” para “a ação civil pública”. Nada impede que o inquérito civil seja instrumento para colheita dos elementos de convicção, referidos no artigo 27 do CPP, para a propositura de ação.
Segundo Hugo Nigro Mazzilli (2008), o inquérito civil é um procedimento administrativo investigatório, de caráter inquisitivo, instaurado, presidido e, se for o caso, arquivado pelo próprio Ministério Público. Seu objetivo consiste, basicamente, em coletar elementos de convicção para as atuações processuais ou extraprocessuais a cargo desta instituição, notadamente a propositura da ação civil pública em defesa de interesses difusos, interesses coletivos ou interesses individuais homogêneos, que são os chamados interesses transindividuais ou metaindividuais, como o meio ambiente, o consumidor, os bens e valores artísticos, estéticos, turísticos e históricos.
Neste mesmo sentido, Ronaldo Pinheiro de Queiros (2007, p. 192) ensina que o inquérito civil “visa tão somente a colher elementos de convicção para a formação da opinião jurídica do seu destinatário. Não extingue, modifica ou cria direito, apenas auxilia a opinio júris do procurador ou promotor, bem como formam provas”. E conclui que o inquérito “não tem o escopo de aplicar qualquer sanção ao investigado”, já que não são decididos interesses, embora sejam, dentro deste, investigados. (GARCIA, 2008).
Como no inquérito civil não há acusação nem imposição de penas, nele não há ampla defesa, embora as pessoas nele investigadas, diretamente ou por meio de advogados, devam ser ouvidas e possam apresentar documentos, informações ou fazer requerimentos, que podem ou não ser atendidos pelo Ministério Público (MAZZILLI, 2008).
Finalmente, concluída a investigação, se o órgão do Ministério Público se convencer de que não houve o dano, ele poderá promover diretamente o arquivamento da investigação, mas a decisão de arquivamento do inquérito civil estará sujeita à revisão de um colegiado competente da própria instituição (MAZZILLI, 2008).
No decorrer do referido inquérito, verificou-se que o imóvel onde morou Augusto dos Anjos, que se encontrava descaracterizado, possuía valor histórico, arquitetônico e turístico, constituindo-se referencial simbólico para o espaço e a memória da comunidade (LOBO, 2015).
No bojo do inquérito foram adotadas medidas para proteger o casarão, por meio de procedimento de tombamento, que contou com apoio da população local e do poder público municipal. A edificação foi restaurada, ampliada e preservada, para abrigar o “Espaço dos Anjos”. Aberto em 2015, o local foi transformado em museu, que guarda preciosidades do poeta, como poemas em registros originais, fragmentos de cartas, objetos pessoais e documentos do “paraibano do século”. Além disso, na edificação funciona a Secretaria Municipal de Cultura que está equipada com anfiteatro multiuso e sala para oficinas de poesia, música e pintura. (PREFEITURA MUNICIPAL DE LEOPOLDINA, 2006).
Em 2013 foi homologado o arquivamento do inquérito, tendo em vista que o objetivo fora alcançado, qual seja, o resgate da vida e obra do poeta Augusto dos Anjos.
De maneira mais enfática, o Ministério Público Federal na Paraíba (MPF) propôs ação civil pública com pedido de liminar contra o estado da Paraíba, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP) e o município de Sapé (PB), em razão da omissão do poder público em manter conservado o Engenho Pau d'Arco, local onde nasceu e viveu o poeta paraibano Augusto dos Anjos. A ação pediu a imediata realização de obras de conservação já sugeridas pelo IPHAEP.
O Engenho Pau d'Arco é composto pela casa do poeta Augusto dos Anjos, a casa da ama de leite “Guilhermina”, o tamarindo (uma árvore), a capela de São Francisco e a lagoa encantada. Todo o conjunto histórico e cultural foi tombado pelo governo estadual através do Decreto n° 22.080/01.
A ação civil pública pode ser definida, segundo Leite (2001), como “meio, constitucionalmente assegurado ao Ministério Público, ao Estado o a outros entes coletivos autorizados por lei, para promover a defesa judicial dos interesses ou direitos metaindividuais.”
A lei federal nº 7.347/85 prevê em seu art. 3º que: “A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” (BRASIL, 1985). Desta forma, eventuais danos ao patrimônio histórico, artístico e cultural são objetos deste instrumento processual.
Neste sentido, o MPF pediu, além de medidas emergenciais de conservação para cada item que forma o conjunto, que a justiça conceda liminar determinando que: i. o estado da Paraíba realize, no prazo de 30 dias, contados da concessão da decisão, todos os serviços emergenciais de manutenção do Engenho Pau d'Arco, já apontados pelo IPHAEP; ii. o estado da Paraíba elabore, através da Superintendência de Obras do Plano de Desenvolvimento do Estado (SUPLAN), os projetos de engenharia também citados pelo IPHAEP, essenciais à recuperação das instalações elétricas da capela de São Francisco e envio de equipe para diagnóstico fitossanitário do tamarindo, com a devida erradicação das pragas que o afetam e; iii. o município de Sapé (PB) realize, em 30 dias, vistoria em todas as construções que margeiam a lagoa, com verificação dos pontos de despejo de água servida, correções devidas para evitar a contaminação do manancial e exigência aos proprietários para a instalação de fossas sépticas e instalação de rede e postes de iluminação pública, conforme recomendado pelo Instituto do Patrimônio Histórico.
Em caso de descumprimento da liminar, foi solicitada a fixação de multa diária no valor de mil reais. Já no julgamento do mérito da ação, requereu-se que os réus sejam condenados ao pagamento de danos morais coletivos, em valor a ser arbitrado pela Justiça, conforme ACP nº 0001022-72.2011.4.05.8200.
Como resultado desta ação civil, o Memorial Augusto dos Anjos, localizado na cidade de Sapé, foi reformado e ampliado, sendo inaugurado em abril de 2016, com recursos do Fundo de incentivo à cultura, que leva o nome do Poeta (PREFEITURA MUNICIPAL DE SAPÉ, 2016).
Conclusão
Diante do exposto, concluiu-se que as medidas judiciais adotadas para preservar a obra do poeta Augusto dos Anjos foram de extrema importância, já que os imóveis que abrigaram parte da história do autor estavam passíveis de recuperação, diante dos danos que apresentavam.
Estas medidas, adotadas tanto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, quanto pelo Ministério Público Federal, foram determinantes para a implantação ou reestruturação dos memoriais.
Além do espaço específico, a imersão no universo “dos Anjos” configura-se como agente de desenvolvimento da cultura, bem como da manutenção e divulgação da preciosa obra do poeta, que deixou sua contribuição para a literatura brasileira de forma brilhante.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 168 p.
BRASIL. Lei nº LEI No 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7347orig.htm. Acesso em: 4 jan. 2017.
GARCIA, Cládia Mello. A eficácia probatória dos elementos produzidos pelo Ministério Público no inquérito civil: crítica à jurisprudência do STJ. 2008. 99 f. Monografia (obtenção do título). Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências Jurídicas. Direito. Florianópolis.
MAZZILLI. Hugo Nigro. O inquérito civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. São Paulo: Editora Saraiva. 3ª ed., 2008.
LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Ação civil pública: nova jurisdição trabalhista metaindividual: legitimação do Ministério Público. São Paulo. LTr . 2001. 248 p.
LEOPOLDINA. Prefeitura Municipal. Plano diretor participativo: leitura da realidade municipal. Belo Horizonte/Leopoldina. 2006. 220 p.
LOBO, Lúcia. Augusto dos Anjos: Memorial do MP guarda inquérito que imortalizou o Poeta. Rede: Revista Institucional do Ministério Público de Minas Gerais. Belo Horizonte. Ano XI, edição 24. p. 39-43. Julho de 2015.
QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. A eficácia probatória do Inquérito Civil no processo judicial: uma análise crítica da jurisprudência do STJ. Revista de Processo. Revista dos Tribunais. Ano 32. Abr. 2007.
SAPÉ. Prefeitura Municipal. Prefeitura de Sapé e Energisa inauguram reforma do Memorial Augusto dos Anjos. Disponível em: http://www.sape.pb.gov.br/noticia-322-prefeitura-de-sape-e-energisa-inauguram-reforma-do-memorial-augusto-dos-anjos.html. Acesso em: 5 jan. 2017.
Licenciado em Química pela Universidade UCAM - UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES. Especialista em Química pela Universidade Federal de Lavras. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Gestão de Equipes e Viabilidade de Projetos pela UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Luiz Otávio. Medidas judiciais adotadas para a preservação da memória e obra do poeta augusto dos anjos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50633/medidas-judiciais-adotadas-para-a-preservacao-da-memoria-e-obra-do-poeta-augusto-dos-anjos. Acesso em: 23 dez 2024.
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