Resumo: O presente artigo aborda a temática das prerrogativas da Administração Pública para satisfação do interesse público, enfatizando, especialmente, o exercício do poder de polícia e a necessidade de equilíbrio entre o exercício desta prerrogativa administrativa com a garantia de fruição das liberdades individuais, já que o poder de polícia aponta, justamente, para a restrição da liberdade e propriedade individuais. Partindo-se das premissas de que nem as liberdades individuais, tampouco as prerrogativas da Administração são absolutas, exsurge a demanda pelo equilíbrio, pela ponderação entre tais atividades, de modo a evitar excessos por parte da Administração Pública nas restrições aos particulares, bem como proteção insuficiente ao interesse público por meio da salvaguarda exacerbada das liberdades individuais. Para tanto, por meio do método jurídico teórico e como forma de atingir este equilíbrio e encontrar os limites tanto para o exercício do poder de polícia, quanto para a fruição das liberdades individuais, é que será estudado o princípio da proporcionalidade, suas origens e fundamentos e sua aplicação prática nas atividades da Administração Pública.
Palavras-chave: Poder de Polícia. Prerrogativas da Administração Pública. Princípio da Proporcionalidade.
Sumário: 1. Introdução. 2. Aplicação do princípio da proporcionalidade no exercício do poder de polícia da administração pública. 2.1 Poder de Polícia. 2.2 Princípio da Proporcionalidade: Origem, conceito e aplicação contra os abusos da Administração. 3 Conclusão
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende demonstrar de que forma a Administração Pública se utiliza das prerrogativas que lhe são conferidas para satisfação do interesse público e, em especial, no que diz respeito ao exercício do poder de polícia. Para esclarecer, as prerrogativas constituem-se em poderes conferidos à Administração Pública para que esta realize eficientemente o seu fim, dentre os quais encontra-se o objeto que aqui será estudado, o poder de polícia.
Mister compreender que tais prerrogativas não podem ser consideradas de forma absoluta, uma vez que confrontam com direitos individuais fundamentais. Para tanto, a Administração Pública está sujeita a restrições, sujeições a seus poderes. Estas restrições fundamentam-se na finalidade pública do ato e nos princípios administrativos e constitucionais que regem a atuação da Administração Pública[1].
E é sobre este assunto que o presente trabalho se propõe a estudar. Compondo uma análise do que seja o poder de polícia e a sua atuação, no sentido de restringir a liberdade individual e a propriedade dos particulares, em busca da satisfação destes mesmos direitos por toda a coletividade, atendendo, assim, ao interesse público. Tratar-se-á nesta esfera a tensão existente entre dois aspectos fundamentais, de um lado a liberdade individual do cidadão que o quer exercê-la plenamente, e, de outro, a função essencial da Administração Pública em adequar o exercício destes direitos ao bem-estar coletivo, ao interesse público, fazendo isto através do poder de polícia. É importante ressaltar que a simples restrição ao direito individual para atender ao interesse coletivo, por meio do poder de polícia, não configura conflito entre direitos e limites, uma vez que para que seja possível a convivência harmônica em sociedade o Direito impõe restrições e limitações aos próprios direitos individuais[2].
Deste modo, o que será aqui estudado é a ocorrência de excessos no exercício do poder de polícia. Para tanto, o estudo reger-se-á pelo método jurídico teórico, pois analisará o princípio da proporcionalidade, demonstrando o aspecto histórico de cada instituto até chegar-se na aplicação da proporcionalidade nas atividades de polícia da Administração, como forma de impor limites a este poder.
2 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
2.1 Poder de Polícia
Ao se pretender estudar o poder de polícia da Administração Pública é imprescindível que se proceda à análise histórica de tal instituto, uma vez que, como será demonstrado, o referido poder sempre esteve presente nas diferentes formas de Estado, submetendo-se ao processo de evolução e definição que perdura até a atualidade.
Inicialmente, durante a Idade Média, no período do feudalismo, nota-se a identificação do poder de polícia no poder pertencente ao príncipe absolutista, qual seja, o jus politiae, onde se determinava a boa ordem da sociedade civil sob a autoridade do Estado, opondo-se, deste modo, à ordem social ditada pela autoridade eclesiástica. Neste sentido, o poder de polícia na Idade Média possuía a noção de ordenamento político do Estado ou da cidade[3].
Posteriormente, em meados no século XV, o Estado vigente passou a ser o Estado de Polícia, onde as normas impostas pelo príncipe compreendiam-se fora do alcance dos tribunais, assim, a noção do poder de polícia figurou na Alemanha como sendo toda a atividade estatal, onde, por meio do jus politiae, eram conferidos amplos poderes ao príncipe para influenciar e intervir na esfera privada dos cidadãos no tocante a qualquer situação, fundamentando tal intervencionismo opressor na busca pela segurança e bem-estar coletivos[4].
Todavia, este direito de polícia concedido ao príncipe sofreu severas reduções com o passar dos séculos, deixando-se o sentido amplo de polícia de total intervencionismo, para consagração da noção de Administração Pública, especialmente em razão dos ideais advindos com a Revolução Francesa de valorização das noções de Estado de Direito e Estado Liberal, bem como dos direitos individuais[5].
O repúdio social ao modelo de Estado em que o seu próprio soberano não presta obediência às leis ensejou o nascimento do Estado de Direito, segundo o qual, todos, inclusive o soberano, devem seguir os ditames impostos nas leis estatais, sendo, por isto, o princípio da legalidade o fundamento basilar do Estado de Direito[6].
Neste modelo de Estado o poder de polícia se manifesta em um primeiro momento como uma polícia de segurança, com uma atuação limitada, visto que a primeira faceta do Estado de Direito funda-se no liberalismo e o enfoque é dado, portanto, a assegurar aos indivíduos os seus direitos subjetivos previstos nas Declarações Universais de Direitos, dentre eles, principalmente, a liberdade. Assim, o intervencionismo do Estado na liberdade dos cidadãos se expressa somente em caráter excepcional, tão-somente quando imprescindível para manutenção da ordem pública. Por outro lado, a faceta intervencionista do Estado de Direito promove o alargamento da esfera de competência da polícia de segurança, destinando-se esta, não mais somente à segurança, mas, também, à ordem econômica e social[7].
Enfim, no presente Estado Democrático de Direito há um acréscimo das funções do Estado com larga atividade dos serviços públicos, o que leva à incontestável subordinação da iniciativa privada ao interesse da coletividade. Com tal evolução, não mais se justificando o poder de polícia na segurança interna e bem-estar coletivo, razões estas que legitimaram a opressão e a intervenção absoluta do soberano, ocorre a revitalização da noção de poder de polícia, a qual passa a atender também ao bem comum, ao passo em que busca a satisfação das liberdades e dos direitos individuais por todos, harmonizando-os no seio social em que o indivíduo se insere[8].
Com esta breve exposição torna-se possível construir um conceito do que seja o poder de polícia na atualidade fundando-se na doutrina dominante. Deste modo, o estudo será iniciado com a definição clássica trazida por Caio Tácito, segundo o qual o poder de polícia “é o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais” [9].
Partindo-se deste conceito é possível perceber que o poder de polícia expressa uma das mais importantes atividades administrativas, pois é por meio deste que se confere à Administração a competência para disciplinar, regulamentar e limitar o exercício das liberdades individuais na busca pela realização dos direitos e liberdades fundamentais para toda a coletividade, priorizando-se, assim, o interesse público, bem como a própria concretização do Estado Democrático de Direito, com sustentáculo nos princípios da legalidade e da proporcionalidade[10].
Celso Antônio Bandeira de Mello define o poder de polícia quanto ao seu exercício, promovendo uma bipartição do conceito e definindo o poder de polícia em sentido amplo e em sentido estrito. Em sentido amplo, refere-se ao complexo de atos legislativos e executivos que tutelam a liberdade e a propriedade dos indivíduos, ajustando-as aos interesses da coletividade. Em sentido estrito, por sua vez, relaciona-se exclusivamente com as intervenções do Poder Executivo que pretendem evitar atividades particulares conflitantes com os interesses coletivos, sendo elas, as autorizações, as licenças e os regulamentos. Para o autor, este último sentido caracteriza o poder de polícia administrativa[11], o qual é conceituado da seguinte maneira:
Polícia administrativa é a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“non facere”) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo[12].
Assim, considerando o poder de polícia esta prerrogativa da Administração Pública de limitar o exercício à liberdade individual e à propriedade, com o propósito de proteger e assegurar o exercício pleno destes mesmos direitos para toda a coletividade[13], o seu principal fundamento é a supremacia geral das leis, ou seja, o poder conferido à Administração somente poderá ser extraído de lei[14] e se concretizará nos atos expedidos pela Administração para a realização do interesse público, ou seja, funda-se no vínculo existente entre a Administração e seus administrados que autoriza a limitação do exercício da propriedade e das liberdades individuais em prol da coletividade. Ainda, segundo os conceitos apresentados é possível extrair a essência de tal poder, qual seja, por meio da exigência de uma abstenção do particular, promove-se indiretamente uma utilidade pública, contrariamente aos serviços públicos prestados pela Administração que visam a obtenção direta de utilidades, comodidades públicas[15].
Devido à própria natureza do instituto aqui tratado, tendo em vista a sua função de tolher, limitar o exercício da liberdade individual e da propriedade dos particulares, exigindo-lhes uma conduta de abstenção é que nasce a questão de ser o poder de polícia um poder discricionário ou vinculado da Administração.
Inicialmente faz-se mister esclarecer no que consistem os atos vinculados e os atos discricionários. Os primeiros configuram-se quando há apenas uma opção prevista em lei, ou seja, quando a lei prescreve todos os requisitos a serem seguidos pela Administração, quando esta está vinculada àquela, gerando para o particular um direito subjetivo de exigir da Administração determinado ato, uma vez que os requisitos estejam preenchidos. Em contrapartida, haverá discricionariedade quando por lei existir mais de uma opção para solução do caso, possibilitando ao administrador agir com liberdade para escolher dentre as hipóteses, pautando-se na conveniência, oportunidade, justiça e equidade[16].
Já esclarecida a questão dos atos administrativos, retorna-se à questão da discricionariedade ou vinculação do poder de polícia. Entende a doutrina que quando a atividade de polícia da Administração se referir às leis que condicionam a liberdade e a propriedade do indivíduo em prol do interesse público, embora a lei não prescreva todos os requisitos, tais atos de polícia serão discricionários, desde que o administrador se mantenha dentro das opções legais que lhe são propostas[17]. No entanto, é importante ressaltar o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, donde existem atos em que a Administração poderá exercer competência discricionária como no caso das autorizações, e casos em que a atividade de polícia administrativa será rigorosamente vinculada, como nos casos das licenças, não se podendo afirmar, portanto, que o próprio poder de polícia é discricionário, mas, sim, que o poder de polícia manifesta-se tanto por atos discricionários como por atos vinculados, a depender do que prescrever a lei[18].
Em seguida, uma das principais características do poder de polícia da Administração Pública é a possibilidade de autoexecutoriedade de suas medidas, o que significa que a Administração Pública tem o condão de executar suas próprias medidas sem a necessidade de prévia consulta ao Poder Judiciário, isto é, pode a Administração exigir a adequação do comportamento dos particulares às suas medidas independentemente de juízo prévio pela autoridade judiciária[19]. Todavia há que se ressaltar o caráter restrito da autoexecutoriedade dos atos de polícia, estes devem estar condicionados ao absolutamente indispensável, sob pena de caracterizarem arbítrio e resultarem na nulidade do ato[20].
Posto isto, chega-se ao cerne deste trabalho, a análise geral sobre os limites ao poder de polícia da Administração Pública e a análise específica do Princípio da Proporcionalidade como forma de limitar os abusos cometidos sob o amparo das prerrogativas do poder de polícia.
Com a evolução do conceito de poder de polícia e o alargamento de sua competência, define-se o seu amplo campo de atuação. Destarte, os atos de polícia tratarão sobre questões de segurança, pessoas, bens, saúde, tranquilidade pública, preservação da qualidade do meio ambiente natural, cultural e do abastecimento de alimentos, bem como do combate ao abuso do poder econômico. Alguns exemplos desta ampla incidência consistem no direito de construir, na fiscalização das condições sanitárias de alimentos e medicamentos, no combate à poluição sonora, visual, atmosférica e das águas e na fiscalização e controle dos preços e da atividade bancária[21].
No entanto, esta prerrogativa de reprimir o exercício das liberdades individuais não poderá ser absoluta, uma vez que se tratam aqui de direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Diante disto, são estabelecidos limites a atuação do poder de polícia, os quais são expostos de maneira clara por Odete Medauar. A primeira limitação está nos próprios direitos fundamentais, pois o reconhecimento e regulamentação por lei própria por si só bastam para limitar a atuação do poder de polícia, devendo a interpretação ser restrita e sempre favorável ao exercício do direito fundamental. A legalidade dos meios é outro óbice ao poder de polícia, pois o seu exercício deve estar previsto em lei. E, por último, as regras que dizem respeito à competência, forma, motivo e finalidade do ato de polícia mostram-se limitadoras, pois, se o fim não se prestar ao interesse público caracterizado estará o abuso de poder[22].
2.2 Princípio da Proporcionalidade: Origem, conceito e aplicação contra os abusos da Administração
Propôs-se anteriormente o estudo principiológico como forma de limitação à atuação do poder administrativo que ora aqui é estudado. Para tanto, o Princípio da Proporcionalidade será estudado como ferramenta efetiva de proteção aos direitos fundamentais e de concretização da justiça. De início, para a boa construção do estudo, importante destacar o ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho, segundo o qual os princípios são normas que exigem a realização de algo da melhor forma possível, não são proibitivos nem permissivos, mas sim, são padrões de otimização de um direito ou de um bem jurídico, nascem para aperfeiçoar[23]. No mesmo sentido, o jurista Domenico Farias entende como característica dos princípios a sua generalidade, no entanto, acrescenta o caráter de normas jurídicas genuínas, atribuindo-lhes a característica de fecundidade, asseverando que os princípios são a alma e o fundamento de outras normas[24].
Deste modo, os princípios são alicerces do sistema jurídico, são a sua base, seus critérios e suas justificativas.
Devidamente pontuada a questão sobre os princípios, parte-se para o estudo do princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que se trata de um princípio implícito no ordenamento jurídico, derivado do próprio modelo de Estado vigente e é de grande importância o seu estudo, visto que o seu nascimento ocorreu pós Segunda Guerra Mundial, decorrente da construção jurisprudencial alemã, que o elevou ao status de princípio constitucional após se perceber que o princípio da legalidade estrita não era suficiente para proteger os direitos fundamentais dos abusos, haja vista que as atrocidades cometidas durante o regime nazista realizaram-se sob a proteção da estrita legalidade[25].
Assim, ascendeu uma nova concepção de Estado, o Estado Democrático de Direito, cujo centro da ordem jurídica voltou-se para a proteção dos direitos fundamentais e realização da justiça, sendo que tal objetivo só se pode alcançar com o princípio da proporcionalidade, que busca o equilíbrio, a ponderação, a justiça[26].
Embora o conceito de proporcionalidade encontre-se em contínua evolução, é possível, através da noção de proporcionalidade, instituir em uma situação de fato uma relação entre meio e fim, donde os meios deverão ser apropriados para atingir o fim desejado, tornando capaz o controle do excesso, da desproporção entre meios e fins. Através deste controle visualiza-se a principal função do princípio da proporcionalidade, qual seja a contenção dos poderes do Estado e a efetiva proteção aos direitos fundamentais[27].
O princípio da proporcionalidade é composto por três subprincípios que devem ser observados quando da análise do caso concreto, quais sejam a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
O primeiro elemento da proporcionalidade dita que a medida adotada para a realização de um fim baseado no interesse público deverá ser adequada, apropriada para a concretização deste propósito, exige-se que a medida possibilite atingir o objetivo escolhido. Tal elemento refere-se à conformidade, à validade do fim pretendido[28]. Por sua vez, o subprincípio da necessidade prescreve que a admissibilidade da medida está condicionada à sua necessidade, sendo que a necessidade está na escolha do meio empregado, o qual deverá ser o mais suave, em observância ao defendido por Canotilho, de que o cidadão tem direito a menor desvantagem possível[29]. E, por último, a proporcionalidade em sentido estrito deverá ser compreendida como o princípio da justa medida, onde, no caso concreto, analisar-se-á sobre o meio ou os meios que forem mais benéficos para os direitos fundamentais envolvidos. É, nos dizeres de Canotilho, “pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim” [30].
No âmbito do Direito Administrativo, a proporcionalidade atua no sentido de evitar os abusos de poder que possam ser cometidos sob o respaldo dos poderes conferidos à Administração. No tocante ao poder de polícia, por se tratar de uma limitação, uma restrição a liberdade individual e a propriedade do particular a análise da proporcionalidade há que ser feita com bastante cautela, pois a partir do momento em que há uma restrição excessiva, abusiva, desproporcional de direito individual do administrado, quer seja por intensidade da restrição, quer seja pela extensão da medida, ou pelo motivo desnecessário, a ilegalidade da conduta estará explícita, uma vez que como já explicado anteriormente, as restrições a que serão submetidos os particulares somente deverão ocorrer quando forem indispensáveis para a concretização do interesse da coletividade. Diante disto, os atos que não forem conformes à finalidade da lei, serão desconformes à própria lei, donde se extrai que os atos desproporcionais são, em sua raiz, ilegais, devendo ser apreciados pelo Judiciário, valendo salientar que caberá ao Poder Judiciário analisar os atos administrativos quando houver suspeita de excesso, devendo corrigi-los quando possível ou, caso contrário, anulá-los[31]. Como exemplo de excesso pela intensidade da medida de polícia pode-se citar o emprego de violência para dissolver reunião não autorizada, porém pacífica, enquanto que por extensão da medida de polícia configura-se a apreensão de todos os exemplares de jornal, por prejudicial à moralidade, quando a medida necessária ao fim que se pretendia era unicamente impedir a sua distribuição nos locais em que o bem jurídico fosse realmente ofendido[32].
Portanto, deve a Administração exercer o seu poder de polícia em harmonia com o princípio da proporcionalidade, sob pena de depreciação dos interesses coletivos e lesão aos interesses individuais, passíveis estes de controle jurisdicional e defesa por via judicial mediante mandado de segurança ou habeas corpus[33].
Neste sentido prescreve Fábio Medina Osório “os caminhos da proporcionalidade podem fornecer substrato necessário ao equilíbrio entre os direitos individuais atingidos pelos instrumentos administrativos repressores e os direitos da comunidade protegidos pelo mesmo legislador[34].”
Por fim, visando à proteção do interesse público em harmonia com a liberdade individual, mostra-se a importância da aplicação do princípio da proporcionalidade para que se possa estabelecer o equilíbrio entre tais esferas jurídicas e harmonizá-las, em prol da concretização do Estado Democrático de Direito.
3 CONCLUSÃO
Viu-se no decorrer do estudo que o poder de polícia é uma atividade essencial da Administração Pública, pois se destina a atender o interesse público, mesmo que indiretamente, buscando em sua essência mais pura a concretização da justiça e do Estado Democrático de Direito, almejando que todos tenham o exercício dos seus direitos garantidos, mesmo que para isto implique em restrição ao interesse do particular.
É através do poder de polícia que a Administração garante que o interesse público não seja lesionado de nenhuma forma pelo interesse particular do cidadão, em respeito ao princípio da supremacia do interesse público.
No entanto, a busca por tal objetivo não poderá gerar restrições indevidas aos direitos individuais, ou seja, na busca pela prevalência do interesse coletivo não se pode exigir que o particular suporte restrições a mais do que o já exigido pela convivência social. No caso de haver esta exigência tudo há que ser feito em respeito às leis e aos princípios da legalidade, da moralidade e principalmente da proporcionalidade. Isto porque se trata aqui de direitos fundamentais garantidos constitucionalmente e também na ordem internacional, os quais devem ser protegidos na sua totalidade sempre que possível.
Portanto, é que se salienta, mais uma vez, a importância do princípio da proporcionalidade no exercício do poder de polícia da Administração Pública, tendo em vista que o particular sofrerá uma imposição, uma restrição, uma limitação ao exercício do seu direito de liberdade e de propriedade, aos seus direitos fundamentais, em prol do interesse da coletividade em que se insere.
Assim, de tudo quanto foi exposto no presente estudo é que se pode dizer da importância da atuação legal e proporcional do poder de polícia, pois só assim será possível conciliar o exercício da liberdade individual do cidadão com a necessidade de manter a ordem social e a realizar o interesse público, ressaltando a importância do Administrador em fundar-se sempre no caminho da lei e dos princípios que o regem, elevando aí a essencialidade do princípio da proporcionalidade no sentido de assegurar ambos os interesses possibilitando a convivência social harmônica e a concretização do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
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[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008, p. 59-61 e 105.
[2] “A idéia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado”
ZANOBINI Apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008, p. 105.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008, p. 106-107. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 344-345.
[4] CRETELLA JUNIOR, José. Direito Administrativo Brasileiro, vol. 4: Poder de Polícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1961, p. 21;
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008, p. 106-107.
[5] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 345.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008, p. 106.
[6] O princípio da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. É o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito; é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 99-100.
[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008, p. 106-107.
[8] In ESCOLA, Héctor Jorge. Compendio de derecho administrativo. v. 2. p. 79-80 Apud BASTOS, Celso Ribeiro; Curso de Direito Administrativo. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 149.
[9] In TÁCITO, Caio. O poder de polícia e seus limites. RDA 27/5 Apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 822.
[10] JUSTEN Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 393.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 346.
[11] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 822-823
[12] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 837
[13] In CAVALCANTI, Themistocles Brandão Apud MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 347.
[14] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p 823-824
[15] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 831-832
[16] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008, p. 200-201.
[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 14ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p.115.
[18] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 836-837.
[19] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 841
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008, p. 110-111.
[20] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.157.
[21] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 349-350.
[22] MEDAUAR, Odete; Direito Administrativo Moderno. 14ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 351-352.
[23] CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2003, p.1239-1241.
[24] In Idealitá e Indeterminatezza dei Principi Costituzionali, p.163 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 274.
[25] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 398-399.
[26] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008.
[27] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 392-402.
[28] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 397.
[29] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 397.
CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição Apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de; Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 111.
[30] CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição Apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de; Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 111.
[31] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 110 e 843.
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 180.
[32] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 843.
[33] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 842-843.
[34] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.181.
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR. Assessora de Promotoria no Ministério Público do Estado do Paraná.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SENE, Thais Sanson. O exercício do poder de polícia pela Administração Pública sob a luz do princípio da proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 ago 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50654/o-exercicio-do-poder-de-policia-pela-administracao-publica-sob-a-luz-do-principio-da-proporcionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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