RESUMO: Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça pôs fim à intensa polêmica envolvendo o cabimento da Remessa Necessária nas Ações de Improbidade Administrativa. De um lado, a Primeira Turma entendia pelo descabimento do instituto na Ação de Improbidade Administrativa, tendo em vista a ausência de previsão legal, e, de outro, a Segunda Turma defendia a aplicação analógica do artigo 19, da Lei de Ação Popular, tendo em vista a semelhança dos objetos tutelados pelos diplomas legais e a pertinência dos mesmos ao Microssistema Processual Coletivo. Em razão da recente pacificação da matéria, este artigo pretende, por meio de pesquisa jurisprudencial, apresentar a evolução do entendimento da Corte da Cidadania, contrapondo os precedentes que formaram as duas correntes de pensamento, e demonstrando qual delas prevaleceu com a pacificação da questão.
Palavras-chave: Improbidade Administrativa, Remessa Necessária, Microssistema Processual Coletivo.
Sumário: 1. Introdução. 2. Breves considerações acerca da Remessa Necessária. 3. O Microssistema Processual Coletivo e a Remessa Necessária. 4. A pacificação do entendimento do STJ em torno do cabimento da Remessa Necessária nas Ações de Improbidade Administrativa. 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A Ação de Improbidade Administrativa, regulada pela Lei n°. 8.429/1992, constitui instrumento de acentuada importância no ordenamento jurídico brasileiro, pois busca resguardar a moralidade administrativa, punindo os atos de agentes públicos e particulares que acarretem enriquecimento ilícito, dano ao erário ou atentem contra os princípios da Administração Pública.
Como sanções para as infrações nela previstas, a Lei de Improbidade Administrativa prevê, dentre outras, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e o ressarcimento ao erário, que promovem a recuperação de receitas públicas, e a perda da função pública, impedindo que o administrador condenado por Improbidade Administrativa permaneça cometendo ilícitos desta ordem.
Sendo assim, nota-se que há forte interesse social nas condenações por atos desta natureza, de modo que uma sentença de carência ou de improcedência da ação, caso incorra em error in judicando, prejudica o intuito moralizador da Administração Pública, devendo ser evitada pelo ordenamento jurídico.
Desta forma, a Remessa Necessária nas Ações de Improbidade, ao promover a revisão obrigatória das sentenças de carência ou improcedência da ação, é instituto que vai ao encontro dos interesses de toda a sociedade, no sentido de ver punidos os atos que atentem contra a probidade administrativa.
Entretanto, a Lei de Improbidade Administrativa foi omissa neste aspecto, não prevendo o instituto em questão.
Deste modo, formaram-se duas correntes de pensamento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. A primeira delas, seguida pela Primeira Turma, defendia o descabimento da Remessa Necessária nas Ações de Improbidade Administrativa, e a segunda, adotada pela Segunda turma, em sentido contrário, entendia pelo cabimento do instituto.
No presente artigo, será estudada a evolução jurisprudencial da Corte da Cidadania, através da reunião dos precedentes que demonstram a construção das linhas de pensamento da Primeira e da Segunda Turmas, que culminaram no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n°. 1220667/MG, através do qual a questão foi pacificada, em meados do corrente ano de 2017.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA REMESSA NECESSÁRIA
A Remessa Necessária é instituto atinente ao Poder Público em Juízo, e determina, essencialmente, o segundo grau obrigatório e automático para as condenações impostas à Fazenda Pública.
A previsão legal central do instituto se encontra no artigo 496, do Código de Processo Civil. Porém, também está tipificado em outros diplomas legais específicos, como a Lei de Ação Popular (Lei n°. 4.717/1965) e do Mandado de Segurança (Lei n°. 12.016/2009).
Quanto à natureza jurídica da Remessa Necessária, a doutrina majoritária defende que se trata de condição de eficácia da sentença. Com efeito, o artigo 496, do Código de Processo Civil, estabelece que as sentenças contrárias à Fazenda Pública não produzem efeito antes de confirmadas pelo Tribunal.
Através instituto em apreço, devolve-se ao Tribunal todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive os honorários de advogado, consoante ensina-nos a Súmula n°. 325, do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, ressalvadas as exceções legais, ainda que a Fazenda Pública opte por não interpor recurso, a matéria estará sujeita ao duplo grau de jurisdição, por força de lei, de modo que, a teor da Súmula n°. 423, do Supremo Tribunal Federal, não transita em julgado a ação em que se omitiu o Reexame.
Percebe-se, portanto, que a Remessa Necessária é instituto de acentuada importância para a Fazenda Pública, tendo por objetivo maior a tutela do interesse público, na medida em que visa evitar condenações equivocadas contra o Poder Público, que acabam por onerar toda a sociedade, ao impedir o adimplemento dos deveres constitucionais do Estado[1].
Ressalva-se que, quanto às Ações Populares e de Improbidade Administrativa, objeto do presente estudo, as sentenças contra o Poder Público são aquelas em que não há condenação por atos desta natureza, ou seja, as sentenças de carência ou improcedência da ação.
Isto porque, nestas ações, parte-se do ponto de que o Poder Público tem interesse em coibir atos lesivos ao seu patrimônio ou à moralidade administrativa, seja anulando-os, no caso de Ação Popular, ou condenando os agentes responsáveis, por intermédio da Ação de Improbidade Administrativa, de modo que a sentença de carência ou improcedência da ação, nestes casos, se equivocada, atenta contra o interesse público.
Sendo assim, também no que alude às Ações Populares e Ações de Improbidade Administrativa, a Remessa Necessária possui importante papel no tocante a tutela do interesse público, razão pela qual o seu cabimento ou não na Improbidade, como será visto nos tópicos subsequentes, possui acentuada importância para a sociedade.
3. O MICROSSISTEMA PROCESSUAL COLETIVO E A REMESSA NECESSÁRIA
Na segunda metade do século XX, contexto Pós Segunda Guerra Mundial, surgiram os Direitos de Terceira Geração, chamados direitos de fraternidade ou solidariedade, sendo atribuída ao Estado a missão de cuidar, além dos direitos individuais, daqueles de cunho coletivo.
Esta necessidade de tutela dos direitos coletivos decorreu da massificação das relações sociais[2], responsável pelo surgimento de conflitos envolvendo, de um mesmo lado, um vasto número de sujeitos, que não poderiam ser comportados nas bases do tradicional Processo Civil brasileiro, de natureza individualista[3].
Assim, diante da insuficiência do Código de Processo Civil tradicional para atender a estas novas demandas, e muito embora não exista, ainda, um "Código de Processo Coletivo", erigiu-se um Microssistema voltado para a tutela dos direitos coletivos.
Este Microssistema já foi definido em decisão do Superior Tribunal de Justiça, relatada pelo Ministro Luiz Fux, atualmente membro do Supremo Tribunal Federal:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. (...) 8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se (...). (STJ - REsp 510.150/MA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2004, DJ 29/03/2004, p. 173).
Cumpre asseverar que a Ação de Improbidade Administrativa se insere no âmbito do Microssistema Processual Coletivo tendo em vista que possui como objeto a moralidade administrativa, direito de caráter difuso, eis que afeta a toda a coletividade, de maneira indivisível. Neste sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1. A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa, anseio popular e, a fortiori, difuso (...) (STJ - REsp 510.150/MA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2004, DJ 29/03/2004, p. 173).
O Microssistema Processual Coletivo contém regras e princípios próprios, concernentes à tutela dos direitos coletivos, à margem do Código de Processo Civil, este, encarregado fundamentalmente dos direitos individuais, e aplicável somente subsidiariamente aos direitos de massa.
Essa disciplina comum dos direitos coletivos é estabelecida pelas chamadas "normas de envio" contidas nos artigos 90, do Código de Defesa do Consumidor, e 21, da Lei de Ação Civil Pública[4]. Neste sentido, confira-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:
Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso (STJ - REsp 1098669/GO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe 12/11/2010).
Dessa forma, o Título III, do Código de Defesa do Consumidor, que trata da tutela dos direitos coletivos, é aplicável, no que for compatível, à Ação Popular, Ação Civil Pública, Ação de Improbidade Administrativa e demais diplomas integrantes do Microssistema[5].
Contudo, o Código de Defesa do Consumidor não contém todas as disposições necessárias à tutela dos direitos de massa. Dessa forma, faz-se necessário buscar integrar os demais diplomas pertencentes ao Microssistema Processual Coletivo[6].
Com efeito, sob esse enfoque interdisciplinar, entende a doutrina e a jurisprudência que os diplomas integrantes do referido Microssistema interpenetram-se e subsidiam-se[7]. Ou seja, há um compartilhamento de normas e institutos por parte dos diplomas que pertencem ao Microssistema Processual Coletivo.
Neste particular, no que toca ao objeto do presente estudo, tem-se que a Remessa Necessária encontra previsão no artigo 19, caput, da Lei de Ação Popular, nos seguintes termos:
Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973).
Por outro lado, a Lei de Improbidade Administrativa é omissa neste aspecto.
Por esta razão, surgiu a polêmica que serviu de base ao presente artigo, e que foi objeto de recente pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: a despeito da ausência de previsão legal, é cabível, por força do Microssistema Processual Coletivo, a Remessa Necessária nas Ações de Improbidade Administrativa?
4. A PACIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO DO STJ ACERCA DA QUESTÃO DO CABIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE
Como visto, a questão acerca do cabimento da Remessa Necessária nas Ações de Improbidade Administrativa foi objeto de intensa divergência no Superior Tribunal de Justiça.
A Segunda Turma, ao julgar o Recurso Especial n°. 1108542/SC[8], consolidou o entendimento de que as sentenças de improcedência nas Ações de Improbidade Administrativa se sujeitam ao Reexame Necessário.
Este entendimento foi reafirmado pela Segunda Turma por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n°. 1219033/RJ[9] e, recentemente, no Recurso Especial n°. 1613803/MG[10].
No âmbito dos referidos julgados, entendeu-se que a previsão da Remessa Necessária no artigo 19, da Lei de Ação Popular (Lei n°. 4.717/1965), possui a sua abrangência ampliada, abarcando também as Ações de Improbidade Administrativa. Isto porque, as referidas ações possuem finalidades semelhantes, uma vez que buscam tutelar o patrimônio público em sentido lato.
Vale dizer, a Ação Popular visa resguardar o interesse público, na medida em que é instrumento a ser utilizado para anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (CF, artigo 5°, inciso LXIII).
Por sua vez, a Ação de Improbidade Administrativa também protege o interesse público, uma vez que, como o próprio nome evidencia, se presta a tutelar a moralidade administrativa. Deste modo, uma sentença de carência ou improcedência da ação em sede de Improbidade Administrativa se trata de sentença contra a Fazenda Pública, atraindo a incidência do Reexame Necessário.
Ademais, ambos os diplomas normativos - Lei de Ação Popular e Lei de Ação de Improbidade Administrativa - compõem o Microssistema Processual Coletivo, de modo que compartilham institutos entre si, ainda que estes institutos careçam de previsão expressa numa ou noutra lei pertencente ao referido sistema.
Nessa senda, os institutos do Microssistema Processual Coletivo interagem e se complementam, de forma harmônica, no que concerne ao processo coletivo, naquilo que for útil à efetivação da tutela de massa. Cabe, assim, ao intérprete verificar in concreto a compatibilidade entre os referidos institutos.
Vale mencionar, por fim, corrente de pensamento que defende o cabimento da Remessa Necessária na Ação de Improbidade Administrativa por força da aplicação subsidiária do próprio Código de Processo Civil ao Microssistema Processual Coletivo, conforme defendido no Recurso Especial n°. 1.098.669/GO[11].
Com efeito, apesar da ausência de norma expressa na Lei de Improbidade Administrativa, entende-se pela aplicação subsidiária do Código de Processo Civil a todo o Microssistema Processual Coletivo, em razão dos artigos 19, da Lei de Ação Civil Pública (Lei n°. 7.347/85) e 90, do Código de Defesa do Consumidor (Lei n°. 8.078/90), que assim enunciam:
Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições.
Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
Portanto, segundo o posicionamento adotado pela Segunda Seção do STJ, a ausência de previsão da Remessa Necessária na Lei de Improbidade Administrativa é considerada uma lacuna, de modo que deve ser buscada a integração, quer no âmbito do próprio Microssistema Processual Coletivo, através da Lei de Ação Popular, quer no Código de Processo Civil.
Noutro giro, a Primeira Turma, através do julgamento do Recurso Especial n°.1220667/MG[12], firmou o entendimento no sentido do descabimento da Remessa Necessária nas Ações de Improbidade Administrativa.
Para esta corrente de pensamento, a criação por lei é pressuposto essencial da Remessa Necessária, não sendo possível se cogitar a aplicação do referido instituto ao arrepio da previsão legal.
Nessa senda, a Lei de Improbidade Administrativa, que possui objeto específico e institutos próprios, não previu a possibilidade de Remessa Necessária para as sentenças de carência ou de improcedência das Ações de Improbidade.
A ausência de previsão legal, nesse diapasão, não é entendida como uma lacuna, mas como silêncio eloquente do legislador. Deste modo, não há que se falar em analogia, a justificar a importação de instituto previsto em lei diversa.
Reforçando este argumento, tem-se que a Remessa Necessária é instituto excepcional no ordenamento jurídico, de modo que reclama interpretação restritiva.
Com efeito, em outras oportunidades, o Superior Tribunal de Justiça já conferiu interpretação restritiva ao instituto da Remessa Necessária, como no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n°. 89520/DF[13], em que entendeu pela inaplicabilidade do instituto às execuções não fiscais, eis que o artigo 496, inciso II, do Código de Processo Civil, somente faz referências às execuções fiscais, não sendo cabível interpretação ampliativa do dispositivo.
Sendo assim, quando a lei não prevê a Remessa Necessária, deve ser assegurada ao Ministério Público a análise da conveniência e oportunidade de submeter a matéria ao segundo grau de jurisdição, recorrendo ou não da decisão.
Ademais, como argumento a favor dos defensores da inaplicabilidade da Remessa Necessária na Improbidade Administrativa, tem-se que, atualmente, em virtude do Poder Judiciário encontrar-se assoberbado, o legislador brasileiro tem editado leis que buscam conciliar a prestação de uma tutela jurisdicional de qualidade com o direito à celeridade do trâmite processual, o que se passa por reduzir a abundante interposição de recursos.
Nessa linha de pensamento, a Remessa Necessária vêm sofrendo modificações, que excepcionam a regra protetora dos interesses da Fazenda Pública e reduzem a abrangência do instituto. Foi o que ocorreu com o advento da Lei n°. 10.352/2001, que alterou o Código de Processo Civil de 1973 para limitar a Remessa Necessária às condenações superiores a 60 (sessenta) salários mínimos. Imbuído da mesma finalidade, o Código de Processo Civil de 2015 restringiu ainda mais o cabimento da Remessa Necessária, ampliando as faixas de valores em que o instituto não é aplicável.
Sendo assim, a interpretação de que a Remessa Necessária se aplicaria às Ações de Improbidade Administrativa, mormente diante da ausência de previsão legal, contraria o espírito que move o legislador a reduzir a abrangência deste instituto, com vistas a promover os valores da celeridade e da eficiência.
Por fim, vale mencionar, ainda, que, para os defensores do não cabimento da Remessa Necessária na Ação de Improbidade Administrativa, o Ministério Público Federal não se confunde com a União, sendo que a Remessa Necessária é instituto aplicável somente às sentenças proferidas contra a União, consoante o artigo 496, inciso I, do Código de Processo Civil.
Recentemente, contudo, o entendimento, até então divergente entre a Primeira e a Segunda Turmas, foi pacificado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n°. 1220667/MG[14], publicado no Dário de Justiça do dia 30/06/2017.
Ao pacificar a questão, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça filiou-se à corrente de pensamento defendida pela Segunda Turma, entendendo que a Remessa Necessária é cabível nas Ações de Improbidade Administrativa.
Isto porque, conforme consignado no Voto do relator, Ministro Herman Benjamin, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[15] é firme ao entender pela aplicação subsidiária do Código de Processo Civil à Lei de Improbidade Administrativa, sendo, portanto, cabível a Remessa Necessária, por força do artigo 496 do Código de Processo Civil.
Ademais, segundo o Ministro, o instituto da Remessa Necessária é aplicável nas Ações de Improbidade Administrativa por força da aplicação analógica do artigo 19 da Lei de Ação Popular, colmatando assim a lacuna existente na legislação específica.
Assim, prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça a tese do Acórdão paradigma dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n°. 1220667/MG, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. 1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp 1219033/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 25/04/2011).
Com efeito, embora ambas as correntes de pensamento possuam argumentos válidos e convincentes, com a decisão do Superior Tribunal de Justiça há evidenciado ganho para o interesse público.
Isto porque, como visto, as Ações de Improbidade Administrativa tutelam a moralidade administrativa, coibindo atos de gestores públicos e particulares que ocasionem enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violem os princípios da Administração Pública.
Como sanções para os referidos atos, destaquem-se a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e o ressarcimento ao erário, que promovem a recuperação de receitas públicas, e a perda da função pública, impedindo que o administrador condenado por Improbidade Administrativa permaneça cometendo ilícitos desta ordem.
Sendo assim, há acentuado interesse da sociedade nas condenações por atos desta natureza, de modo que a necessidade de revisão pelos Tribunais das sentenças que reconheçam a carência da ação ou julguem tais ações improcedentes, conforme finalmente definiu o Superior Tribunal de Justiça, é medida que colabora com o intuito moralizador da Administração Pública.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se, neste estudo, realizar uma pesquisa jurisprudencial, reconstruindo a evolução do pensamento do Superior Tribunal de Justiça, que culminou com a recente pacificação do entendimento, pela Primeira Seção, no sentido do cabimento da Remessa Necessária nas Ações de Improbidade Administrativa.
Como visto, esta matéria foi objeto de intensa divergência entre a Primeira e a Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça.
A Segunda Turma, conforme demonstrado, entendia pelo cabimento da Remessa Necessária nas Ações de Improbidade, por aplicação analógica do artigo 19, da Lei de Ação Popular, eis que ambas as ações possuem finalidade semelhante, na medida em que visam tutelar o interesse público.
Por outro lado, constatou-se que a Primeira Turma entendia pelo descabimento da Remessa Necessária na Lei de Improbidade Administrativa, eis que a referida lei possui objeto específico e institutos próprios, de modo que não há lacuna, mas silêncio eloquente do legislador, afastando a necessidade de analogia.
Por fim, demonstrou-se que a celeuma teve fim com o julgamento, pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n°. 1220667/MG, no qual prevaleceu o entendimento da Segunda Turma, pelo cabimento da Remessa Necessária nas Ações de Improbidade.
Concluiu-se que, ao estabelecer a necessidade de revisão das sentenças de improcedência das Ações de Improbidade Administrativa, o entendimento pacificado pela Corte da Cidadania privilegiou o interesse da sociedade nas condenações por atos desta natureza, colaborando com o intuito moralizador da Administração Pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo. 6ª. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016, p. 151.
[2] DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 6ª. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011, p. 33.
[3] DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 6ª. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011, p. 51.
[4] DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 6ª. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011, p. 49.
[5] DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 6ª. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011, p. 50.
[6] DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 6ª. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011, p. 51.
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n°. 510150/MA. Relator: FUX, Luiz. Publicado no DJe de 29-03-2004. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200300078957&dt_publicacao=29/03/2004> Acessado em 02 set. 2017.
[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n°. 1108542/SC. Relator: MEIRA, Castro. Publicado no DJe de 29.05.2009. Disponível em Acessado em 29 jul. 2017.
[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Agravo Regimental no Recurso Especial n°. 1219033/RJ. Relator: BENJAMIN, Herman. Publicado no DJe de 25-04-2011. Disponível em Acessado em 29 jul. 2017.
[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n°. 1613803/MG. Relator: HERMAN, Benjamin. Publicado no DJe de 07.03.2017. Disponível em Acessado em 05 ago. 2017.
[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n°. 1098669/GO. Relator: LIMA, Arnaldo Esteves. Publicado no DJe de 12-11-2010. Disponível em Acessado em 12 ago. 2017.
[12] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n°. 1220667/MG. Relator: FILHO, Napoleão Nunes Maia. Publicado no DJe de 20-10-2014. Disponível em Acessado em 29 jul. 2017.
[13] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n°. 89520/DF. Relator: KUKINA, Sérgio. Publicado no DJe de 15-08-2014. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201102831833&dt_publicacao=15/08/2014> Acessado em 19 ago. 2017.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Pós-graduada em Direito Constitucional. Advogada.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SPANO, Giuliana Freitas. É cabível a remessa necessária nas ações de improbidade administrativa? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50684/e-cabivel-a-remessa-necessaria-nas-acoes-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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