RESUMO: Este trabalho tem por fim o estudo da situação jurídica do portador de transtorno mental, do ponto de vista do direito civil, em especial, no que se refere ao instituto da responsabilidade civil, demostrar a necessidade de interpretar de forma sistemática o Estatuto para que o portado de transtorno mental, tenha garantida a sua inclusão plena e assegurada a proteção que lhe é conferida pelo Código Civil.
Palavras-Chave: Responsabilidade civil. Estatuto da pessoa com deficiência. Portador de transtorno mental. Direitos Fundamentais. Autonomia e capacidade.
1 INTRODUÇÃO
Com a introdução da Lei nº. 13.146 de 6 de julho de 2015, no ordenamento juridico brasileiro, as pessoas com deficiência que até então tinham sua capacidade reduzida, classificados como capazes ou relativamente incapazes, passam a ser consideradas capazes, acarretando diversas alterações no Código Civil.
Tendo em vista, que o estatuto é uma legislação voltada a proteção da pessoa com deficiência, o estudo das possiveis mudanças no instituto da responsabilidade civil, em decorrência dos atos praticados pelo portador de transtorno mental é de suma importância.
Ademais, no decorrer da história, as pessoas com diferentes tipos de deficiência têm enfrentado diversos obstáculos, tendo em vista, que sofriam limitações com relação a pratica dos atos da vida civil, tendo dificuldade para ter uma vida digna ou mesmo realizar direitos da personalidade.
Desta feita, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência veio para prioriza a proteção das liberdades pessoais do sujeito, privilegiando a autonomia e restringindo o mínimo possível a capacidade dos sujeitos.
Assim, a modificação do regime das incapacidades no ordenamento jurídico brasileiro, por conta do Estatuto, tem que se colocar em harmonia com os demais institutos, em especial o instituto da responsabilidade civil, no que diz respeito a responsabilide do portador de transtorno mental.
2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Ao longo dos tempos, as pessoas com diferentes tipos de deficiência têm enfrentado diversos obstáculos, tendo em vista, que sofriam limitações com relação a pratica dos atos da vida civil, tendo dificuldade para ter uma vida digna ou mesmo realizar direitos da personalidade. A limitação da autonomia da pessoa com deficiência, era justificada na ideia de proteção, sobe o argumento de que estes, se encontraria em uma posição de desvantagem em comparação com as pessoas normais, ocorre que esta proteção passava a ter um preço bem alto, pois retirava possibilidade das pessoas com deficiência agirem de forma autônoma.
O portador de transtorno mental, no decorrer dos tempos era visto como um elemento perturbador e até por muitas vezes excluído do convívio social, não tinha direito de exercer pessoalmente os atos da vida civil, uma vez que, sobe o argumento de proteção, o portador de transtorno mental tinha sua autonomia limitada.
Nesse sentido, observa Caio Mario que o instituto das incapacidades foi imaginado e construído sobre uma razão moralmente elevada, que é a proteção dos que são portadores de uma deficiência juridicamente apreciável. A lei não institui o regime das incapacidades com o propósito de prejudicar aquelas pessoas que delas padecem, mas, ao contrário, com o intuito de lhes oferecer proteção, atendendo a que uma falta de discernimento, de que sejam portadores, aconselha tratamento especial, por cujo intermédio o ordenamento jurídico procura estabelecer um equilíbrio psíquico, rompido em consequência das condições peculiares dos mentalmente deficitários (PEREIRA, 2011. p. 228).
Deste modo, a Lei nº. 13.146/2015, veio para garantir as pessoas com deficiência o exercicio dos atos da vida civil pessoalmente, e assim superar a situação de desigualdade que viviam, passando deste modo, a se impor como agentes livres, uma vez que, prioriza a proteção das liberdades pessoais do sujeito, privilegiando a autonomia e restringindo o mínimo possível a capacidade dos sujeitos.
Sendo assim, o Estatuto veio com a importante missão de mudar os abusos que o portador de transtorno mental era acometido, tendo em vista, o atual quadro evolutivo das sociedades humanas, em que reconhece o valor essencial do ser humano. O princípio da dignidade da pessoa humana figura como um dos pressupostos para a materialização dos direitos fundamentais das pessoas, em suas dimensões individuais, sociais e difusas (SOARES, 2010, p. 18).
A lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência, é resultado de um processo histórico de leis especificas que surgiram no decorrer dos tempos e que não foram utilizadas para criação de uma estrutura que permitisse a pessoa com deficiência gerir a sua vida de maneira digna. O estatuto, visa a inclusão através de medidas de caráter social da pessoa com deficiência e tem como objetivo a autonomia, ou seja, assegurar direitos, oportunidade e acessibilidade.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
O estatuto da pessoa com deficiência inovou ao estabelecer que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, assim restou apenas uma causa de incapacidade absoluta, qual seja, ser a pessoa menor de 16 anos. Em virtude dessas mudanças, possíveis alterações surgem em relação a responsabilidade civil dos que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Assim, o ordenamento jurídico brasileiro é desafiado a encontrar caminhos para que a situação jurídica da pessoa com deficiência, na perspectiva do direito civil, não seja prejudicada.
As mudanças em relação a incapacidade das pessoas com deficiência, afetam diretamente o instituto da responsabilidade civil e da imputabilidade, um de seus pressupostos. À vista disso, é de grande importância o estudo de forma minuciosa do que muda de fato na matéria da responsabilidade civil a partir das alterações trazidas pela entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Conforme pode se inferir, o Estatuto e os artigos do Código Civil, referentes à responsabilidade civil parecem estar em desarmonia. Por um lado, o Estatuto estabelece uma relação de igualdade em termos de capacidade entre as pessoas com deficiência mental e as demais, restringindo o instituto da curatela a uma medida protetiva em termos patrimoniais e negociais. No entanto, o instituto da responsabilidade civil não sofreu nenhuma alteração, em relação ao dever de indenizar do portador de transtorno mental.
Pela sistemática do Código Civil, quem responde precipuamente pelos danos causados pelos incapazes são seus representantes legais, agora, com o Estatuto, a responsabilidade será exclusiva da pessoa que causou o dano, uma vez que, não goza mais da proteção que a condição de incapaz lhe assegurava.
Neste sentido:
O referido sistema sofreu profunda alteração, introduzida pela Lei n° 13.146/2015, denominada “Estatuto da pessoa com deficiência”, considerando o deficiente, o enfermo ou excepcional pessoa plenamente capaz. A referida lei revogou expressamente os incs. II e III do art. 3° do Código Civil, que consideravam absolutamente incapazes os que, “por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a pratica desses atos” e os que, “mesmo por causa transitória, não poderem exprimir sua vontade”. Revogou também a parte final do inc. II do art. 4°, que define como relativamente incapazes os que, “deficiência mental, tenham o discernimento reduzido” e deu nova redação ao inc. III, afastando “os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo” da condição de incapazes.
As pessoas mencionadas nos dispositivos revogados, sendo agora “capazes”, responderão pela indenização com os seus próprios bens, afastada a responsabilidade subsidiária prevista no mencionado art. 928 do Código Civil. Mesmo que, quando necessário”, sejam interditadas e tenham um curador, como permite o art. 84, § 1º, da retromencionada Lei nº 13.146/2015 (GONÇALVES, 2016, p. 50).
Em suma, frente as citadas alterações, o portador de transtorno mental passa a ser plenamente capaz, como regra, respondendo civilmente como qualquer outra pessoa e não se aplicando mais a regra do artigo 928 do código civil.
Em abordagem similar, Flávio Tartuce ao tratar sobre a responsabilidade civil do incapaz e as mudanças ocasionadas na teoria das incapacidades, pontua que as pessoas com deficiência passam a ser plenamente capazes, e em decorrência dessa alteração, respondem civilmente como qualquer outro sujeito. Considera a necessidade em acompanhar quais os impactos dessas mudanças para o sistema civil, tendo em vista que o Estatuto da Pessoa com Deficiência coloca em debate qual o melhor caminho para a tutela da dignidade dessas pessoas, se a inclusão plena, inclusive para fins de responsabilidade, ou a proteção como vulneráveis (TARTUCE, 2017, p. 594-595).
Com a entrada em vigor do Estatuto, aqueles que sob a vigência do código civil de 2002, seriam considerados incapazes e, deste modo responderiam apenas de forma mitigada e subsidiaria pelos danos causados, passarão a ser visto como passiveis de imputabilidade no que refere à responsabilidade civil.
Segundo Cavalieri Filho,
Imputar significa “atribuir a alguém a responsabilidade por alguma coisa”. Ainda nas palavras do autor, “imputabilidade, é, pois, o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para responder pelas consequências de uma conduta contrária ao dever” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 26-27).
Todavia, é de se destacar que com a vigência do Estatuto, mesmo aqueles que, tenham a necessidade da curatela, sejam declarados relativamente incapaz, não serão excluídos da responsabilidade dos danos causados a terceiro, pois conforme o Estatuto a curatela é restrita a atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Destarte, tendo em vista essa restrição, a responsabilidade objetiva do curador em relação aos danos causados pelo curatelado a terceiros estaria afastada.
Assim, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ao reconhecer a capacidade plena de exercício de direitos e obrigações por todas as pessoas, realiza uma função de tratamento igualitário de pessoas que são essencialmente diferentes. O Estatuto ampliou a autonomia do portador de transtorno mental cumprindo uma função de promoção da igual e dignidade social, ocorre que consequentemente em relação a proteção e tutela dos interesses patrimoniais o Estatuto dimunuiu a proteção que era dada a estes, em especial, em relação a responsabilidade civil, uma vez que, a plena capacidade para os atos da vida civil exige, o dever de idenizar.
A responsabilidade civil do portador de transtorno mental não pode ser interpretada como direta, tendo em vista que o Estatuto é uma legislação que se propõe a proteger a pessoa com deficiência, assim, tem que ser interpretado de forma sistemática para que garanta a inclusão plena do portado de transtorno mental, ao tempo que assegure a proteção que lhe é dada pelo Código Civil.
4 CONCLUSÃO
Desta feita, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência veio para prioriza a proteção das liberdades pessoais do sujeito, privilegiando a autonomia e restringindo o mínimo possível a capacidade dos sujeitos.
Assim, a modificação do regime das incapacidades no ordenamento jurídico brasileiro, por conta do Estatuto da pessoa com deficiência, tem que se colocar em harmonia com os demais institutos, em especial o instituto da responsabilidade civil, no que diz respeito a responsabilide civil do portador de transtorno mental.
Portanto, é de suma importância analisar a situação jurídica do portador de transtorno mental, do ponto de vista do direito civil, em especial, no que se refere ao instituto da responsabilidade civil, uma vez que, caso o Estatuto não seja interpretado de forma sistemática, no primeiro momento, o portador de trantorno mental perde a proteção que lhe era dada em virtude de ser considerado incapaz para a pratica dos atos da vida civil.
Pelo exposto, verifica-se que a responsabilidade civil do portador de transtorno mental não pode ser interpretada como direta, ou seja, imputação integral da obrigação de indenizar, tendo em vista que, o Estatuto é uma legislação que se propõe a proteger a pessoa com deficiência, assim, tem que ser interpretado de forma sistemática para que garanta a inclusão plena do portado de transtorno mental, ao tempo que assegure a proteção que lhe é dada pelo Código Civil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. Volume 4. — 4. ed. — São Paulo: Saraiva, 2009.
MENEZES, Joyceane Bezerra de. O direito protetivo no Brasil após a convenção sobre a proteção da pessoa com deficiência: impactos do novo CPC e do estatuto da pessoa com deficiência. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 4, n. 1, jan.- jun./2015. Disponível em: . Data de acesso 23/02/2017.
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil. 24.ed, Rio de Janeiro, Forense, 2011, v. 1.
REQUIÃO, Maurício. Estatuto fa Pessoa com Deficiência, Incapacidade e Interdição. Salvador: Jus Podivm, 2016.
SOARES, Ricardo Mauricio Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direito justo. São Paulo: Saraiva, 2010.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
Tabelião substituto. Especialista em Direito Público e Direito Civil e Empresarial.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Ricardo Pinto da. Responsabilidade civil do portador de transtorno mental sobe a perspectiva do estatuto da pessoa com deficiência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 set 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50692/responsabilidade-civil-do-portador-de-transtorno-mental-sobe-a-perspectiva-do-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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