RESUMO: O presente estudo visa a proporcionar um breve panorama histórico sobre o surgimento da responsabilidade civil e consumerista ao analisar a evolução legislativa, das sociedades primitivas até a era moderna, das diversas formas de reparações de danos patrimoniais e extrapatrimoniais, em especial os reflexos do direito francês na formação dos institutos no Brasil e o panorama histórico-cultural do direito estadunidense na formação do direito do consumidor.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade. Evolução histórica. Direito francês.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Evolução histórica da responsabilidade civil 3 A origem da responsabilidade no Código de Defesa Do Consumidor 4 Considerações Finais 5 Referências Bibliográficas
1 INTRODUÇÃO
A reação a qualquer mal injusto causado a outrem é o núcleo mater para compreensão das diversas facetas da responsabilidade. Assimila-se, em um primeiro momento, que todos os grupos sociais tendem, por sua natureza, agir de forma ativa para reparar males sofridos.
Contudo, com a evolução da sociedade e a criação de um ordenamento jurídico (afastando-se a autotutela e enaltecendo-se a heterocomposição), passa-se para uma fase histórica em que um terceiro (Estado) intervém nas relações sociais.
O objetivo do presente trabalho é analisar a evolução da responsabilidade civil, desde a Antiguidade Clássica até a evolução do direito consumerista, abordando alguns dos principais fenômenos históricos que possibilitaram o atual estágio de desenvolvimento sobre o assunto.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade, compreendida como instituto de reparação do dano injustamente causado, passa a ter sua primeira codificação através da Pena de Talião, da qual se encontram traços na lei das XII Tábuas, do Código de Ur-Nammu e do Código de Manu. Insta salientar que as relações de reparação focavam-se na vingança, marcada, todavia, pela intervenção do poder público, visando a discipliná-las. Ademais, concebeu-se a possibilidade inovadora de composição dos conflitos, ao alvitrar a exclusão da Pena de Talião, por força de solução transacional, e imposição de uma pena pecuniária. Nas palavras do memorável Gonçalves (2013, p.25):
Sucede o período da composição. O prejudicado passa a perceber as vantagens e conveniências da substituição da vindita, que gera a vindita, pela compensação econômica. A vingança é substituída pela composição a critério da vítima, mas subsiste como fundamento ou forma de reintegração do dano sofrido. Ainda não se cogitava a culpa.
Verdadeiro divisor de águas para a responsabilidade civil foi a Lex Aquilia, do direito romano. O diploma normativo detém tamanha importância, tanto que deu nome à nova designação da responsabilidade civil delitual, devido aos objetivos que almejava: a separação da responsabilidade civil e penal; a fixação de multas pela reparação pecuniária do dano causado; o surgimento da figura da responsabilidade por culpa; ; a difusão da reparação extracontratual; a noção de proporcionalidade entre injusto e punição; e a separação entre delitos públicos, pena econômica era recolhida aos cofres públicos, e os delitos privados, montante era destinado aos lesados.
Difundido na época de Justiniano, previa a possibilidade de responsabilidade civil extracontratual, respondendo-se independente de relação obrigacional prévia. Parte-se da concepção inicial, consagrada em meados do século III, de atribuição ao titular de bens e direitos ao pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens, abarcando-se nestes conceitos os escravos, relegados ao status de coisa. A noção de culpa é central, traduzindo-se na negligência, imprudência e imperícia, ou pelo dolo.
Convivendo harmonicamente com os regramentos anteriores, também inovou ao prever a substituição das multas fixas por penas proporcionais aos danos causados. Contudo, restringia seu campo de aplicação à responsabilidade pelo proprietário de coisas lesadas, primando pelo princípio do damnum injuria datum.
Foi com a Escola do Direito Natural, conhecida como a corrente doutrinária que defende o jusnaturalismo (teoria transcendental de que os direitos surgem das leis naturais, visto que com a criação da sociedade são consideradas normas divinas, pela qual os homens estariam subordinados), que se ampliou o conceito da Lei Aquilia, no século XVII. Os juristas da época foram capazes de discernir que a pedra matriz da responsabilidade civil funda-se na quebra do equilíbrio patrimonial provado pelo dano, transferindo-se o “enfoque da culpa, como fenômeno centralizador da indenização, para a noção de dano”, conforme preleciona Venosa (2013, p. 19).
O direito francês aperfeiçoou os dogmas romanos, ao sistematizar a principiologia da responsabilidade civil, fundando uma teoria geral ao invés do anterior rol taxativo de situações de composição obrigatória. O Código Civil de Napoleão, grande influente do Código Civil brasileiro de 1916, alçou a culpa, ainda que leve, como elemento básico da responsabilidade civil extracontratual, em seus arts. 1.382 e 1.383.
No referido Código enfrentou-se o caráter puramente objetivo das ordenações primitivas, com a consequente substituição da ideia de pena para uma valoração da reparação do dano sofrido, famosa in lege Aquilia ET levíssima culpa venit (a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar).
A história da responsabilidade civil no direito nacional advém do Código Criminal de 1830, o qual, por determinações da Constituição do Império, transmudou-se em um único Código Civil e Criminal. Havia, portanto, uma dependência entre os institutos, condicionando-se a reparação civil à condenação criminal. Somente posteriormente houve a separação da jurisdição civil e da criminal.
A temática da responsabilidade no sistema jurídico brasileiro inicia de forma extremamente simples, fiel ao ideário liberalista do século XX, resumindo-se a um único artigo previsto no Código Civil de 1916, concentrado na cláusula geral do art. 159, cujos precursores eram adeptos à teoria subjetiva, que trazia como pressuposto da responsabilidade a prova de culpa ou dolo do causador do dano. Em excepcionais circunstâncias se admitia a culpa presumida (arts. 1.527 a 1.529).
Dois fatores foram essenciais para a evolução na temática da responsabilidade civil: a revolução industrial, a partir da segunda metade do século passado, inserindo-se o desenvolvimento científico e tecnológico, e a busca da justiça social na construção de uma sociedade solidária, o que tornou imprescindível a forma organizacional das nações, ao buscar-se a garantia de acesso a todos os cidadãos aos bens e serviços necessários a uma vida digna.
Em relação específica ao direito do consumidor, a Revolução Industrial provocou cisão entre a produção e comercialização nos moldes de tempos pretéritos, visto que antes as relações dos fabricantes se circunscreviam a situações diretas e pessoais com seus clientes, ao passo que surge neste momento histórico uma elevação exponencial da capacidade produtiva, passando da produção manual, artesanal, sob encomenda, realizada em núcleos familiares, a uma produção em massa, em grande quantidade, para fazer frente ao aumento da demanda decorrente da explosão demográfica.
Neste contexto histórico surge na doutrina uma nova modalidade de responsabilidade civil, já não fundada na teoria da culpa, mas sim, em um primeiro momento, no exercício de atividades perigosas. Encara-se a ótica da responsabilidade sob um prisma objetivo, não se perquirindo se o patrão incorreu em negligência, imprudência ou imperícia quanto ao acidente de seu emprego, mas possui o dever de indenizar em decorrência do controle dos meios de produção. A adesão dessa nova mentalidade não surge inicialmente no Código Civil de 1916, mas em leis especiais, como a Lei das Estradas de Ferro, Acidente do Trabalho, Seguro Obrigatório, Dano ao Meio Ambiente, entre outras, porquanto a cláusula geral de seu art. 159 era tão hermética que não possibilitava qualquer interpretação que não fosse a subjetiva.
Trata-se, portanto, de teoria voltada ao exercício de determinadas atividades que possam oferecer um risco social, primando-se pelo aspecto objetivo, e não mais subjetivo para deflagração do dever de indenizar. Funda-se em princípio balizado desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelos riscos dela resultantes (ubi emolumentum, ibi ônus; ubi commoda, ibi incommoda).
Em uma acepção ainda mais moderna, pode-se afirmar que a teoria da responsabilidade objetiva se biparte em: teoria do risco e teoria do dano objetivo.
A grande revolução da responsabilidade civil, positivada no ordenamento jurídico brasileiro, ocorre apenas com a Constituição de 1988, posto que solidificou a questão da indenização por dano moral, prevista no art. 5º, incisos V e X, e determinou a responsabilidade objetiva de todos os prestadores de serviços públicos pelos danos ocasionados a terceiros (salvo as hipóteses de exclusão da responsabilidade, como caso fortuito e força maior e culpa exclusiva da vítima), em seu art. 37, §6º. Importante ressaltar a dimensão da modificação ensejada pela Carta Magna: em períodos anteriores os prestadores de serviço público, relacionados a matérias tipicamente consumeristas como luz, gás, telefonia e transporte, respondia por suas ações e omissões de forma subjetiva, devendo comprovar-se a culpa. A Constituição altera diametralmente esse entendimento e determina a responsabilidade objetiva de tais agentes.
Trata-se da grande tese defendida no presente trabalho: através de uma interpretação histórica-sistemática do texto constitucional é possível claramente a preocupação dos legisladores em defender parcelas populacionais que apresentam características de fragilidade frente à sociedade moderna. Não se trata de violação do princípio da isonomia, mas de sua aplicação através do raciocínio de que postos em situações desiguais, apenas com a intervenção estatal é possível se equilibrar relações tipicamente desiguais. Não se perquire uma responsabilidade ilimitada da sociedade pelas mazelas sociais, mas apenas que o ordenamento jurídico seja apto a distinguir situações de hipossuficiência e seja efetivamente capaz de saná-las.
A responsabilidade do advogado frente ao cliente, pessoa física, parte justamente dessa premissa, conforme será amplamente debatido: em uma sociedade de relações massificadas, não é possível olvidar de situações de carência por mero comodismo legal. É vital para o desenvolvimento social, primado pela dignidade da justiça humana, a proteção de minorias tipicamente fragilizadas.
O Código Civil de 2002 harmonizar-se com tal ideologia, ainda que não se refira expressamente ao CDC, ao prever como matriz ideológica a função social do contrato, conforme apregoado nos artigos 421 e 422 do NCC, em contraste aos princípios patrimonialistas e individualistas do Código Civil de 1916. A função social do contrato (socialidade), bem como a boa-fé objetiva (eticidade), também são almejadas pelo CDC, ao prever neste diplomo rol de cláusulas abusivas, art. 51, que nada mais são do que a busca pela função social do contrato.
Outro ponto de convergência é o instituto da lesão nos negócios jurídicos, previsto no artigo 157 do Código Civil de 2002, previamente definido no CDC, em seu art. 39, IV, ao vedar ao fornecedor de produtos ou serviços "prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe produtos ou serviços". De igual modo, segundo o inciso V do mesmo artigo, não pode o fornecedor de produtos ou serviços "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva". Tais comandos são, em verdade, a aplicação do princípio geral da lesão, descrita no artigo 157: "Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta".
3 A ORIGEM DA RESPONSABILIDADE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Estudiosos apontam que foi no antigo Egito que a proteção do consumidor apresentou seus primeiros sinais. O povo egípcio possuía o hábito, por questões estéticas, religiosas, e de saúde, de pintar o próprio corpo com alguns tipos de maquiagem, sendo possível identificar, já naquela época, a existência de competição entre os fabricantes dos mencionados produtos, no sentido de produção de consumos duráveis e de boa qualidade para satisfação do mercado local.
Também no antiqüíssimo Código de Hammurabi, especificamente na Lei N.º 233, apresentam-se vestígios da proteção ao consumidor, ao se determinar que o arquiteto que construísse uma casa cujas paredes fossem deficientes, estaria obrigado a reconstruí-las às suas próprias expensas. Mais fortemente se pregava a noção de vingança privada, visto que em acidente fatal as posições familiares que os falecidos ocupassem, corresponderiam à morte do arquiteto e de seus familiares.
No direito grego, das lições de Aristóteles em seu célebre Constituição de Atenas, apregoava-se a necessidade de justa medida entre os vendedores e os compradores, não podendo àqueles se beneficiarem da inexperiência destes.
Na França e na Espanha medievais, previam-se penas vexatórias para os adulteradores de substâncias alimentícias, sobretudo a manteiga e o vinho.
Vários são os indícios que permitem aferir uma inquietação constante nas práticas sociais, desde os primórdios das organizações humanas, em preservar figuras hipossuficientes frente as potenciais lesões praticadas pelos vendedores.
O movimento consumerista em si, consolidado nos interesses a serem defendidos e com plena formação estratégica para protegê-los, advém de forma organizada com os “movimentos dos frigoríficos de Chicago”, os quais desaguaram na criação da denominada “Consumer League”, em 1891, até alcançar a sua composição atual de “Consumer Union” dos Estados Unidos da América. Nas palavras de Filomeno (2012, p. 15):
Os movimentos dos frigoríficos de Chicago representam o momento inicial em que os operários lutavam por melhores condições de trabalho e também por boas condições de conservação dos alimentos nos frigoríficos. No entanto, com o passar do tempo, os movimentos trabalhistas e consumeristas acabaram por separarem-se, tendo sido criada a denominada Liga dos Consumidores (1891)- "Consumer's League", que evoluiu para o que hoje é a "poderosa e temida "Consumer's Union " dos Estados Unidos .
A referida entidade tem como objetivos principais a conscientização dos consumidores, promoção de ações judiciais, e aquisição de praticamente todos os produtos lançados no mercado americano para análise e emissão de opiniões, amplamente respeitadas pela comunidade, sobre as vantagens e desvantagens dos produtos.
No direito brasileiro toma-se como referência o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), sediado em São Paulo, que visa justamente aos mesmos objetivos traçados pela “Consumer Union”.
Trata-se da aplicação da ideologia da terceira geração dos direitos fundamentais, correspondente à fraternidade da Revolução Francesa, objetivando à proteção dos direitos decorrentes de uma sociedade modernamente organizada, compreendendo-se a diversidade das relações jurídicas estabelecidas em razão do profundo processo de industrialização e urbanização.
Almeja-se à proteção, entre outros, do direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à comunicação, e, enfoque do presente trabalho, direitos dos consumidores e vários outros relacionados a grupos de pessoas mais vulneráveis (a criança, o idoso, o deficiente físico etc.).
Neste contexto histórico elabora-se a Resolução N.º 39/248 da Organização das Nações Unidas, aprovada em 09/04/1985, inspirada na famosa declaração dos direitos do consumidor, proferida pelo presidente John Kennedy, em 15/03/1962, data esta considera no plano internacional “dia do consumidor”.
A referida Resolução traçou uma política geral de proteção ao consumidor destinada aos Estados filiados, prevendo que cada ordenamento deveria buscar conciliar seus interesses e necessidades, especialmente os que se encontram em fase de desenvolvimento. Reconhece-se que o consumidor está em uma posição de, no mínimo, desequilíbrio em face da capacidade econômica, nível de educação e poder de negociação dos fornecedores. Evidenciou-se que aqueles têm direito à aquisição a produtos que não sejam perigosos, bem como a obrigação de cada país em promover o desenvolvimento econômico e social justo, equitativo e seguro.
Não se trata unicamente na proteção da saúde e segurança do consumidor, ainda que sejam essas suas bases fundamentais, mas também para consolidar a atuação de grupos organizacionais que desempenhem papel interventivo nas políticas decisórias dos Estados. Nas palavras de Filomeno (2012, p. 6). A preocupação fundamental do texto normativo foi a de:
Proteger o consumidor quanto a prejuízos à sua saúde e segurança, fomentar e proteger seus interesses econômicos, fornecer-lhe informações adequadas para capacitá-lo a fazer escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais, educá-lo, criar possibilidades de ressarcimento, garantir a liberdade para formação de grupos de consumidores e outras organizações de relevância, e oportunidade para essas organizações possam intervir nos processos decisórios a ela referentes.
Constata-se, portanto, uma aproximação com o exposto por Peter Häberle em sua clássica obra “A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição”, ao visar à interpretação do sistema jurídico como um todo através de múltiplos intérpretes e, entre eles, a própria sociedade organizada. Repugnam-se textos normativos que não sejam capazes de conciliar as normas vigentes com a dinâmica social.
Identifica-se na França grande preocupação na proteção do consumidor. Em 1973, foi editada a Lei Royer, visando a salvaguardar o pequeno comércio e o artesanato, ao prever normas de regulamentação da publicidade ilícita e a permissão de exercício da ação civil pelas associações de consumidores. Em 1978, edita-se a Lei nº 78-22, Lei Scrivner, a qual objetivava coibir cláusulas abusivas, e a Lei nº 78-23, cujo artigo 35 aduz os elementos caracterizadores da abusividade nas relações de consumo. Alei nº 95-96, de 1995, alterou alguns artigos do Código do Consumo (Code de la Consommation), ao prever o art. 132-1, determinando que nos contratos firmados entre profissionais e não profissionais ou consumidores são abusivas as cláusulas que criem, em detrimento do não profissional ou consumidor, um desequilíbrio significante entre os direitos e obrigações das partes contratantes.
No direito italiano, em contraposição ao que prescreve a legislação consumerista brasileira e a alemã, as cláusulas abusivas nos contratos de consumo não são nulas de pleno direito. O artigo 1.341 do Código Civil Italiano, as referidas cláusulas podem ter eficácia, desde que especificamente aprovadas por escrito. A “aprovação”, nesse sentido, invoca a premissa de consentimento (pacta sunt servanda).
Não obstante o amplo arcabouço normatizado sobre o tema, a intensa dinâmica das relações sociais, que se percebe desde a Revolução Industrial e as duas guerras mundiais, necessita de instrumentos mais céleres para a resolução de conflitos do que a normatização das situações jurídicas através da positivação do direito.
Surge então o papel fundamental da jurisprudência para não apenas preservar o ordenamento jurídico vigente (função de bouche de la loi, conforme propunha Montesquieu), mas de exercer papel efetivo na renovação interpretativa dos dogmas existentes. Não basta que os magistrados se circunscrevam aos parâmetros já pré-estabelecidos, mas que sejam catalisadores sociais e permitam que na busca da justiça social construa-se uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária.
As amplas modificações referentes à responsabilidade civil são exemplos da versatilidade, situação absolutamente dinâmica, da jurisprudência e doutrina, visto que se evolui do clássico conceito de culpa ao risco, das modalidades de indenização para as novas formas como a perda de uma chance e criação de fundos especiais para os danos ambientais.
Sendo assim, a jurisprudência alcança sua finalidade essencial de pacificação social através de intensos debates orquestrados pelos magistrados. Um dos assuntos que apresentam grandes divergências ao longo da história recente do direito brasileiro é a possibilidade de se utilizar os ditames do Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas existentes entre os advogados e seus clientes.
Nos ensinamentos de Cavalieri Filho, percebe-se o profundo respeito do eminente jurista no papel interpretativo do Judiciário, ao declarar que (2014, p.8 ):
Acreditamos também que a jurisprudência e o gênio criativo dos juristas continuarão a desempenhar o papel principal neste novo século, tal como aconteceu ao longo do século XX. Como vimos, a responsabilidade civil evoluiu sob uma legislação imóvel; os juristas, os magistrados, os advogados e os membros do Ministério Público foram a alma do progresso jurídico, os artífices laboriosos do direito novo contra as fórmulas velhas do direito tradicional.
Sob esse enfoque de posicionamento da jurisprudência, a Ciência Consumerista deve ser entendida através da ótica da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, visto que não se trata de mero conjunto de regras e princípios que regem a tutela dos consumidores de modo geral, mas se direciona, também, para a implementação efetiva de instrumentos que os coloquem em prática.
Deve-se assimilá-lo sob dois enfoques do Texto Constitucional, como exercício da cidadania e a propagação da dignidade da pessoa humana, entendidos como a qualidade de todo o ser humano, como destinatário final do bem comum de qualquer Estado, que resguarda seus direitos individuais e sociais, mediante a utilização de instrumentos adequados pelos organismos institucionalizados, bem como auferir verdadeiros resultados nos pleitos litigiosos.
O Código de Defesa do Consumidor, Lei N.º 8.078, de 11/09/1990, trouxe o grande golpe na responsabilidade subjetiva, em 1990. Engendrou um novo sistema de responsabilidade ao transferir os riscos de consumo do consumidor para o fornecedor, quer decorrentes dos acidentes de consumo decorrentes do fato do produto (art. 12), que do dano do fato do serviço (art. 14).
Configura-se, portanto, como verdadeiro microssistema jurídico por conter: princípios que lhe são próprios (vulnerabilidade do consumidor, como exemplo); ser interdisciplinar em suas normas (alcança diversos outros ramos, como o direito constitucional, civil, penal e etc); multidisciplinar em essência (apresenta normas de caráter variado, tornando-se norma especial em relação a alguns aspectos).
Não é suficiente a previsão de um conjunto de normas sem a disponibilização de instrumentos efetivos para a sua defesa. Sendo assim, alguns mecanismos próprios de tutela podem ser citados, como a atuação de assistência jurídica, integral e gratuita, para os consumidores carentes; especialização do Ministério Público para a defesa de seu regramento com a criação de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, bem como a criação de Delegacias de Polícia Especializadas no atendimento de vítimas de infrações penais de consumo; previsão de Juizados Especiais, com rito mais célere e de Varas Especializadas para a solução de conflitos; e, entre diversos outros, concessão de estímulos à criação e ao desenvolvimento das Associações de Defesa ao consumidor.
Tema controverso na jurisprudência refere-se à possibilidade de utilização do Código de Defesa do Consumidor às relações firmadas no mundo fático em período anterior ao comando normativo. O salutar da discussão é a plena concordância dos Tribunais no aspecto de que o CDC é uma lei de ordem pública e interesse social, não podendo ser derrogado pelas partes, haja vista que entende-se como direito e garantia fundamental conforme exposto pela Constituição Federal.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da análise da evolução da responsabilidade civil, desde as sociedades primitivas, pautadas pela autotutela, passando pela Lex Aquilia, do direito romano, ingressando no Código de Napoleão e na Constituição Federal de 1988, percebe-se que os institutos jurídicos se renovam visando alcançar a pacificação social, fim último do Direito. Torna-se possível, portanto, afirmar que o direito positivado não pode ser utilizado como subterfúgio para que os institutos jurídicos não sejam analisados à luz da realidade social.
Partindo de uma digressão histórica, é possível a correta interpretação do sistema de proteção do consumidor, nos moldes atuais, analisando-se uma série de ocorrências históricas envolvendo o consumo e discriminando a evolução dos institutos jurídicos aplicáveis a tais relações.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade civil. 11ª Edição. São Paulo. Atlas. 2014, p. 8.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. 11ª Edição. São Paulo. Editora Atlas.2012, p. 6.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, 3. 10ª Edição. São Paulo. Saraiva, 2013, p. 31.
TARTUCE, Flávio. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor, Volume Único. 1ª Edição. São Paulo. Editora Método. 2014, P. 111 e 112.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Vol. IV. 13ª Edição. São Paulo. Atlas. 2013, p. 19.
Procurador autárquico da Manaus Previdência. Graduado em Direto pela Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GERALDO UCHôA DE AMORIM JúNIOR, . Origens históricas da responsabilidade civil e consumerista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50707/origens-historicas-da-responsabilidade-civil-e-consumerista. Acesso em: 23 dez 2024.
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